MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SÃO CARLOS/SP
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA __ VARA FEDERAL
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO CARLOS – ESTADO DE SÃO PAULO
DA
Inquérito Civil nº 1.34.023.000047/2014-85
O
MINISTÉRIO
PÚBLICO
FEDERAL,
por
intermédio
do
Procurador da República ao final assinado, no uso de suas atribuições constitucionais e
legais, vem à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, III, da
Constituição da República, nos arts. 5º, II, d, III, b e e, e IV, a, e 6º, VII, a, b e d,
ambos da Lei Complementar nº 75/93, e nos arts. 1º, IV e VIII, e 5º, I, ambos da Lei
nº 7.347/85, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA1, com PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS
EFEITOS DA TUTELA, em face de
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS –
FUFSCar, fundação pública federal, CNPJ nº 45.358.058/000140, a ser citada na pessoa do seu reitor Targino de Araújo
Filho, com endereço na rodovia Washington Luiz (SP-310), km
235, CEP 13565-905, São Carlos/SP; e
SINDICATO
DOS
TRABALHADORES
TÉCNICOADMINISTRATIVOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO
CARLOS - SINTUFSCar, pessoa jurídica de direito privado com
natureza e fins não lucrativos, CNPJ nº 49.161.821/0001-07, a
ser citada na pessoa dos seus coordenadores-gerais Sergio
Ricardo Pinheiro Nunes e Edgar Diagonel, com endereço na
1
Parte dos fundamentos aqui explanados baseia-se em ações civis públicas propostas pelo Ministério Público
Federal (MPF) em Curitiba/PR e pela Defensoria Pública da União (DPU) em Porto Alegre/RS.
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rodovia Washington Luiz (SP-310), km 235, CEP 13565-905, São
Carlos/SP.
Pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.
1. OBJETIVO DA AÇÃO
A presente ação civil pública busca provimento jurisdicional que
imponha à FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (FUFSCar)
obrigação de fazer, qual seja, manter em funcionamento, mesmo em períodos de
greve, o Restaurante Universitário e a Biblioteca Comunitária.
Objetiva-se,
outrossim,
a
imposição,
ao
SINDICATO
DOS
TRABALHADORES TÉCNICO-ADMINISTRATIVOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL
DE SÃO CARLOS (SINTUFSCar), de obrigação de não fazer, consistente na
proibição de praticar qualquer ato que impeça, embarace ou dificulte o adequado
funcionamento do Restaurante Universitário e da Biblioteca Comunitária, bem assim o
exercício das funções/atividades laborais dos funcionários que não aderiram ao
movimento paredista e devam prestar serviços nesses locais.
Esclareça-se, por oportuno, que as medidas aqui postuladas
deverão ser observadas não apenas na greve ora instalada no âmbito da FUFScar,
como também nos movimentos dessa natureza que, eventualmente, se deflagrarem
nos anos subsequentes naquela instituição de ensino superior, em qualquer de seus
campi universitários.
2. SÍNTESE FÁTICA
A instauração do Inquérito Civil nº 1.34.023.000047/2014-85
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teve como mola propulsora representação formulada a este MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL por meio de espaço virtual intitulado “Sala de Atendimento ao Cidadão”,
noticiando, quanto à greve geral eclodida na UFSCar em 17/3/2014, a ocorrência de
transtornos à comunidade acadêmica, em razão da paralisação de serviços essenciais,
com destaque para o Restaurante Universitário, do qual dependem cerca de 3 (três)
mil estudantes.
Oficiada (fl. 5), a FUFSCar apresentou as informações de fl. 7,
instruídas com os documentos de fls. 8/17.
Novamente oficiada (fl. 22), a FUFSCar manifestou-se às fls.
24/5 e juntou a documentação de fls. 26/37.
Em atenção ao quadro fático descortinado no inquérito civil, o
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL expediu as recomendações de fls. 41/6-frente e
verso, e 47/51, aos réus.
O SINTUFSCar se manifestou às fls. 56/8 e 63/8, alegando, em
suma, que o direito de greve não extrapola os limites legais, inexistindo abusos de
sua parte. Juntou, outrossim, a documentação de fls. 69/112.
A seu turno, a FUFSCar apresentou esclarecimentos às fls.
114/6.
Mais tarde, este Órgão Ministerial aviou as Recomendações
Complementares de fls. 119/20 e 122/3.
O SINTUFSCAR novamente se manifestou (fls. 126/9, juntando
o documento de fls. 130/4), assim como a FUFSCar (ofício às fls. 136/8, instruído
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com a documentação de fls. 139/52).
Pelas mensagens eletrônicas de fls. 154/63, verifica-se a eclosão
de novo movimento paredista na UFSCar, agora neste ano de 2015, iniciado
no dia 28/5, que veio a afetar, entre outros setores/departamentos, o
funcionamento do Restaurante Universitário e da Biblioteca Comunitária.
Às fls. 165/94, houve a juntada de abaixo-assinado protocolado
por cidadãos/estudantes, solicitando a reabertura do Restaurante Universitário.
Houve, ainda, a colheita de declarações dos alunos José Arthur
Escudeiro (fls. 197/9) e Diógenes Carneiro Eloi Monteiro da Silva (fls. 200/2).
Em apertada síntese, são esses os principais atos e termos do
apuratório.
3. DIREITO
3.1. COMPETÊNCIA
A competência (de jurisdição) da Justiça Federal para o processo
e julgamento da presente ação tem assento no art. 109, I, da Carta Política, visto que
o polo passivo é ocupado pela FUFSCar, fundação pública federal.
Eis a dicção do art. 109, I, da Lei Maior:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou
empresa pública federal forem interessadas na condição de
autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as
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de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à
Justiça do Trabalho;
(...)” (grifos colocados)
Nesse particular aspecto, deve-se entender que a fundação
pública, para os efeitos de fixação da competência, está incluída no núcleo conceitual
de entidade autárquica, ao lado da autarquia, dada a similitude de regime jurídico,
especialmente quanto à finalidade, origem dos recursos e regime administrativo, além
de sua natureza, podendo apresentar-se também como pessoa jurídica de direito
público.
“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FUNDAÇÃO NACIONAL
DE SAÚDE. CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA
FEDERAL E A JUSTIÇA COMUM. NATUREZA JURÍDICA DAS
FUNDAÇÕES INSTITUÍDAS PELO PODER PÚBLICO. 1. A Fundação
Nacional de Saúde, que é mantida por recursos orçamentários
oficiais da União e por ela instituída, é entidade de direito público.
2. Conflito de competência entre a Justiça Comum e a Federal.
Artigo 109, I da Constituição Federal. Compete à Justiça
Federal processar e julgar ação em que figura como parte
fundação pública, tendo em vista sua situação jurídica
conceitual assemelhar- se, em sua origem, às autarquias.
3. Ainda que o artigo 109, I da Constituição Federal, não se
refira expressamente às fundações, o entendimento desta
Corte é o de que a finalidade, a origem dos recursos e o
regime administrativo de tutela absoluta a que, por lei,
estão sujeitas, fazem delas espécie do gênero autarquia. 4.
Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a
competência da Justiça Federal.” (STF, 2ª Turma, RE 215741/SE,
rel. Min. Maurício Corrêa, j. 30/03/1999, v.u., DJ 04/06/1999, p.
19)
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA.
CESPE/UNB.
ÓRGÃO
INTEGRANTE
DA
FUNDAÇÃO
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA-FUB. EQUIPARAÇÃO COM
AUTARQUIA FEDERAL. JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA
TERRITORIAL. MODIFICAÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE.
PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS.
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1. Conflito negativo suscitado para definir a competência para
julgamento de ação ordinária, com pedido de antecipação da
tutela, proposta contra o Estado do Rio Grande do Norte e o
Centro de Seleção e Promoção de Eventos Universidade de
Brasília-Cespe/Unb, na qual questiona-se a ausência de
divulgação, no edital de abertura do concurso público para
provimento de vagas no cargo de Delegado de Polícia Civil
Substituto do Estado do Rio Grande do Norte, dos critérios que
foram utilizados na avaliação da prova discursiva, com a
especificação da respectiva pontuação, e pugna-se pela anulação
do item 2.3 da referida prova.
2. O julgamento do conflito de competência é realizado secundum
eventum litis, ou seja, com base nas partes que efetivamente
integram a relação, e não naqueles que deveriam integrar.
3. A eg. Primeira Seção, no julgamento do Conflito de
Competência nº 35.972/SP, Relator para acórdão o Ministro Teori
Zavascki, decidiu que o critério definidor da competência da
Justiça Federal é ratione personae, levando-se em consideração a
natureza das pessoas envolvidas na relação processual, sendo
irrelevante, para esse efeito e ressalvadas as exceções
mencionadas no texto constitucional, a natureza da controvérsia
sob o ponto de vista do direito material ou do pedido formulado
na demanda.
4. O Cespe/Unb é um órgão integrante da Fundação
Universidade de Brasília-FUB, fundação pública federal,
criada pela Lei nº 3.998, de 15.12.61, participante da
administração federal indireta, nos termos da Lei nº 7.596,
de 10.04.87, que alterou dispositivos do Decreto-lei nº
200, de 25.02.67.
5. É assente nesta Corte que a fundação pública federal,
que atende à previsão do art. 5º, IV, do Decreto-lei nº
200/67, equipara-se às autarquias federais para efeito da
competência da Justiça Federal (CF, art. 109, I).
6. A competência territorial, via de regra, é relativa, não podendo
ser modificada de ofício pelo magistrado. Em tal caso, prevalece o
foro eleito pelas partes, em detrimento da delimitação contida
nas leis processuais. Dessa feita, não poderia o juízo suscitado ter
reconhecido ex officio a incompetência para processar e julgar a
demanda. Incidência da Súmula 33/STJ: "A competência relativa
não pode ser declarada de ofício".
7. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da
5ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, o suscitado.”
(STJ, 1ª Seção, CC 113079/DF, Proc. 2010/0121512-6, rel. Min.
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Castro Meira, j. 13/04/2011, v.u., DJe 11/05/2011)
“CONTRATO NO ÂMBITO DO SISTEMA FINANCEIRO DA
HABITAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE POUPANÇA E
EMPRÉSTIMO GERIDA PELA FUNDAÇÃO HABITACIONAL DO
EXÉRCITO. CONTRATO NÃO AFETO AO FCVS. COMPETÊNCIA
PARA JULGAR CAUSAS QUE ENVOLVAM APENAS A ASSOCIAÇÃO E
CONSUMIDOR. JUSTIÇA ESTADUAL.
1. Embora seja de competência da Justiça Federal
processar e julgar as ações em que é parte a Fundação
Habitacional do Exército – FHE, no caso a fundação pública
federal não ostenta condição de autora, ré, assistente ou
opoente, pois cuida-se de demanda envolvendo apenas a
sua supervisionada Associação de Poupança e Empréstimo
- POUPEX e consumidor.
2. Os artigos 1º, parágrafos 3º e 6º, II, da Lei 6.855/80 e 2º da
Lei 7.750/89 estabelecem que a Associação de Poupança e
Empréstimo - POUPEX é sociedade simples, criada e
supervisionada pela Fundação Habitacional do Exército, com o
registro de seus atos constitutivos e estatuto no Registro Civil das
Pessoas Jurídicas, não se confundindo com a fundação pública
federal encarregada, por lei, de sua gestão. Precedentes.
3. Recurso especial provido para reconhecer a competência da
Justiça Estadual.” (STJ, 4ª Turma, REsp 948482/RS, Proc.
2007/0097905-9, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 06/03/2012,
v.u., DJe 19/03/2012) (grifos acrescidos)
Aliás,
explicitamente
indicada
não
no
faria
sentido
dispositivo
incluir
a
constitucional
empresa
acima
pública
(figura
reproduzido),
cuja
personalidade jurídica, invariavelmente, é de direito privado, e deixar de fazê-lo
quanto à fundação pública, que pode seguir natureza de pessoa jurídica de direito
público e ainda guarda notável semelhança com a autarquia, quanto ao regime de
funcionamento.
Não bastasse isso, a presente demanda está sendo aforada pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cuja presença no polo ativo, por si só, atrai a
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competência da Justiça Federal, como já reconheceu o Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DE DIREITOS
TRANSINDIVIDUAIS.
MEIO
AMBIENTE.
COMPETÊNCIA.
REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E
LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS.
1. A ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à
competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição,
segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar 'as
causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública
federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente
de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do
Trabalho'. Assim, figurando como autor da ação o Ministério
Público Federal, que é órgão da União, a competência para
a causa é da Justiça Federal.
3. Não se confunde competência com legitimidade das
partes. A questão competencial é logicamente antecedente
e, eventualmente, prejudicial à da legitimidade. Fixada a
competência, cumpre ao juiz apreciar a legitimação ativa
do Ministério Público Federal para promover a demanda,
consideradas as suas características, as suas finalidades e
os bens jurídicos envolvidos.
4. À luz do sistema e dos princípios constitucionais,
nomeadamente o princípio federativo, é atribuição do Ministério
Público da União promover as ações civis públicas de interesse
federal e ao Ministério Público Estadual as demais. Considera-se
que há interesse federal nas ações civis públicas que (a)
envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da
União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser
legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União
(Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais Regionais
Federais e Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em
razão da matéria — as fundadas em tratado ou contrato da União
com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109,
III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art.
109, XI); (d) sejam da competência federal em razão da pessoa
— as que devam ser propostas contra a União, suas entidades
autárquicas e empresas públicas federais, ou em que uma dessas
entidades figure entre os substituídos processuais no pólo ativo
(CF, art. 109, I); e (e) as demais causas que envolvam interesses
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federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídicos
que se visa tutelar.
6. No caso dos autos, a causa é da competência da Justiça
Federal, porque nela figura como autor o Ministério Público
Federal, órgão da União, que está legitimado a promovê-la,
porque visa a tutelar bens e interesses nitidamente
federais, e não estaduais, a saber: o meio ambiente em
área de manguezal, situada em terrenos de marinha e seus
acrescidos, que são bens da União (CF, art. 20, VII),
sujeitos ao poder de polícia de autarquia federal, o IBAMA
(Leis 6.938/81, art. 18, e 7.735/89, art. 4º). 7. Recurso
especial provido.” (STJ, 1ª Turma, REsp 440002/SE, Proc.
2002/0072174-0, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 18/11/2004,
v.u., DJ 06/12/2004, p. 195) (grifos colocados)
Outrossim, a competência territorial para o processo e julgamento
do feito é da Justiça Federal em São Carlos/SP, que é o foro do local do dano e no
qual está sediada a Reitoria e, consequentemente, a administração central da
FUFSCar.
Por outro lado, a despeito de haver previsão, no art. 114, II, da
Carta Política, assentando ser competente a Justiça do Trabalho para dirimir questões
atinentes a greve (o dispositivo foi incluído pela Emenda Constitucional n° 45/2004),
o Supremo Tribunal Federal emprestou ao dispositivo constitucional interpretação
conforme a Constituição Federal, de modo a afirmar que a Justiça do Trabalho é
competente
somente
para
dirimir
questões
relativas
a
vínculos/relações
empregatícias.
A
decisão
foi
tomada
no
âmbito
da
Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade (ADI) n° 3395, em sede de medida cautelar:
“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça
do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder
Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam
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oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação.
Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art.
114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes.
Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no
art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas
instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja
vinculado por relação jurídico-estatutária.” (ADI 3395 MC,
Relator: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em
05/04/2006, DJ 10-11-2006 PP-00049 EMENT VOL-02255-02 PP00274 RDECTRAB v. 14, n. 150, 2007, p. 114-134 RDECTRAB v.
14, n. 152, 2007, p. 226-245)
Em atenção a essa decisão, o Supremo Tribunal Federal também
já se pronunciou a respeito da incompetência da Justiça Especializada para dirimir
conflitos relativos a greve. Nesse sentido:
“RECLAMAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. POLICIAIS CIVIS. DISSÍDIO
COLETIVO DE GREVE. SERVIÇOS OU ATIVIDADES PÚBLICAS
ESSENCIAIS. COMPETÊNCIA PARA CONHECER E JULGAR O
DISSÍDIO. ARTIGO 114, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. DIREITO DE GREVE. ARTIGO 37, INCISO VII, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEI N. 7.783/89. INAPLICABILIDADE
AOS SERVIDORES PÚBLICOS. DIREITO NÃO ABSOLUTO.
RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO DE GREVE EM RAZÃO DA ÍNDOLE
DE DETERMINADAS ATIVIDADES PÚBLICAS. AMPLITUDE DA
DECISÃO PROFERIDA NO JULGAMENTO DO MANDADO DE
INJUNÇÃO N. 712. ART. 142, § 3º, INCISO IV, DA
CONSTITUIÇÃO
DO
BRASIL.
INTERPRETAÇÃO
DA
CONSTITUIÇÃO. AFRONTA AO DECIDIDO NA ADI 3.395.
INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA
DIRIMIR CONFLITOS ENTRE SERVIDORES PÚBLICOS E
ENTES
DA
ADMINISTRAÇÃO
ÀS
QUAIS
ESTÃO
VINCULADOS. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. O
Supremo Tribunal Federal, ao julgar o MI n. 712, afirmou
entendimento no sentido de que a Lei n. 7.783/89, que dispõe
sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral,
é ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis,
mas ao Poder Judiciário dar concreção ao artigo 37, inciso VII, da
Constituição do Brasil, suprindo omissões do Poder Legislativo. 2.
Servidores públicos que exercem atividades relacionadas à
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manutenção da ordem pública e à segurança pública, à
administração da Justiça --- aí os integrados nas chamadas
carreiras de Estado, que exercem atividades indelegáveis,
inclusive as de exação tributária --- e à saúde pública. A
conservação do bem comum exige que certas categorias de
servidores públicos sejam privadas do exercício do direito de
greve. Defesa dessa conservação e efetiva proteção de outros
direitos igualmente salvaguardados pela Constituição do Brasil. 3.
Doutrina do duplo efeito, segundo Tomás de Aquino, na Suma
Teológica (II Seção da II Parte, Questão 64, Artigo 7). Não há
dúvida quanto a serem, os servidores públicos, titulares do direito
de greve. Porém, tal e qual é lícito matar a outrem em vista do
bem comum, não será ilícita a recusa do direito de greve a tais e
quais servidores públicos em benefício do bem comum. Não há
mesmo dúvida quanto a serem eles titulares do direito de greve.
A Constituição é, contudo, uma totalidade. Não um conjunto de
enunciados que se possa ler palavra por palavra, em experiência
de leitura bem comportada ou esteticamente ordenada. Dela são
extraídos, pelo intérprete, sentidos normativos, outras coisas que
não somente textos. A força normativa da Constituição é
desprendida da totalidade, totalidade normativa, que a
Constituição é. Os servidores públicos são, seguramente, titulares
do direito de greve. Essa é a regra. Ocorre, contudo, que entre os
serviços públicos há alguns que a coesão social impõe sejam
prestados plenamente, em sua totalidade. Atividades das quais
dependam a manutenção da ordem pública e a segurança
pública, a administração da Justiça --- onde as carreiras de
Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis,
inclusive as de exação tributária --- e a saúde pública não estão
inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito.
Serviços públicos desenvolvidos por grupos armados: as
atividades desenvolvidas pela polícia civil são análogas, para esse
efeito, às dos militares, em relação aos quais a Constituição
expressamente proíbe a greve [art. 142, § 3º, IV]. 4. No
julgamento da ADI 3.395, o Supremo Tribunal Federal,
dando interpretação conforme ao artigo 114, inciso I, da
Constituição do Brasil, na redação a ele conferida pela EC
45/04, afastou a competência da Justiça do Trabalho para
dirimir os conflitos decorrentes das relações travadas
entre servidores públicos e entes da Administração à qual
estão vinculados. Pedido julgado procedente.” (Rcl 6568,
Relator: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em
21/05/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009
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EMENT VOL-02375-02 PP-00736) (grifos colocados)
Não destoa desse raciocínio o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. GREVE.
SERVIDORES E PROFESSORES DE UNIVERSIDADES ESTADUAIS.
AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO NA DEMANDA. EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
COMUM ESTADUAL. 1. Nos termos do art. 109, I, da Constituição
Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar demandas
em que houver interesse da União, autarquias, empresas públicas
federais e, por extensão, fundações de igual natureza. 2. Na
espécie, a causa de pedir diz respeito à greve deflagrada por
professores e servidores de universidades estaduais, as quais não
atuam por delegação da União Federal, porquanto pertencem ao
sistema estadual de ensino, nos termos dos arts. 17 da Lei
9.394/96 e 211 da CF. Não se vislumbra, portanto, interesse do
ente federal a determinar a competência da Justiça Federal. 3.
Mesmo diante da mudança ocorrida na Constituição
Federal, com o advento da EC nº 45, em seu art. 114, I,
continuou sendo da Justiça comum estadual a competência
para processar e julgar feitos relativos a servidores civis
da administração direta e indireta, dos municípios e dos
estados, decorrentes da relação de trabalho, em face da
concessão de liminar em sede de cautelar na ADIN
3.395/DF, onde se discute o disposto no referido
dispositivo. O movimento grevista em questão é efeito da
relação jurídico-administrativa estabelecida entre os professores
e servidores e as Universidades Estaduais de Londrina, de
Maringá e do Oeste. Precedente do Supremo Tribunal Federal. 4.
A competência do Superior Tribunal de Justiça para o processo e
o julgamento de conflito, prevista no art. 105, inciso I, alínea d,
da Constituição da República, verifica-se entre quaisquer
tribunais, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e
entre juízes vinculados a tribunais diversos. 5. Conflito
parcialmente conhecido para declarar a competência da
Justiça estadual, cabendo ao Tribunal de Justiça do Estado
do Paraná, ao qual devem ser remetidos estes autos,
definir a competência específica no âmbito de sua
jurisdição.” (CC 200200093957, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ -
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TERCEIRA SEÇÃO, DJ DATA:24/04/2006 PG:00352) (os grifos não
constam do original)
Igualmente, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região assim já se
pronunciou:
“CONSTITUCIONAL
E
ADMINISTRATIVO.
GREVE
EM
UNIVERSIDADE FEDERAL COM REPERCUSSÃO NUM ÚNICO
ESTADO DA FEDERAÇÃO. AÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. DECISÃO DO STF. MANDADO DE
INJUNÇÃO N. 670. APLICAÇÃO DA LEI N. 7.783/89.
DESCUMPRIMENTO PELOS GREVISTAS. ABUSO DE DIREITO.
ILEGALIDADE DA GREVE. DESCONTOS DOS DIAS NÃOTRABALHADOS. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO. APLICAÇÃO DO
DECRETO
N.
1.480/95.
COMPENSAÇÃO
DE
HORAS.
IMPOSSIBILIDADE. EXCESSOS DE CONDUTA PELOS SERVIDORES
DURANTE
A
GREVE.
APURAÇÃO
MEDIANTE
PROCESSO
ADMINISTRATIVO. OBRIGATORIEDADE. PERDA PARCIAL DE
OBJETO. PROCEDÊNCIA EM PARTE. - Ao julgar o Mandado de
Injunção n. 670, o STF definiu que, enquanto não editada
lei sobre a matéria, a competência para julgar ações sobre
greves no serviço público federal é (a) do STJ quando se
tratar de greve nacional ou atingir mais de uma região da
Justiça Federal e (b) do TRF caso a paralisação seja
adstrita a uma única região da Justiça Federal ou tenha
abrangência local ou municipal. - Ainda que a greve tenha
sido deflagrada simultaneamente em várias universidades
federais do país, a ação tem como objeto apenas a greve
dos servidores da UFAL. Objeto do processo restrito ao
Estado de Alagoas. Competência originária deste Tribunal
Regional Federal da 5ª Região para processar e julgar esta
ação civil pública. - O encerramento da greve enseja perda de
objeto das pretensões que somente podem ser satisfeitas durante
o movimento paredista. Ei-las: a) condenação da UFAL a adotar
as providências necessárias à imediata retomada das atividades
normais do Hospital Universitário; (b) condenação do SINTUFAL
ao imediato encerramento da greve dos servidores técnicoadministrativos da área de enfermagem do hospital universitário;
(c) condenação do SINTUFAL a não impedir o normal
funcionamento da UFAL, abstendo-se de ocupar dependências da
instituição e de obstar o acesso ao campus universitário. Extinção
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do processo quanto a essas pretensões, ante a carência
superveniente de ação por perda de objeto. - O STF decidiu que o
direito de greve no serviço público deve ser regulado pela Lei n.
7.783/89, que trata do exercício desse direito no setor privado.
Atribuição de efeito vinculante à decisão proferida no Mandado de
Injunção n. 670. - Segundo n. 7.783/89, a greve é abusiva
quando não respeitados seus preceitos (art. 14). Notificação da
empregadora (UFAL) realizada após início da greve, quando
deveria tê-lo sido com antecedência mínima de 48 horas (art. 3º,
parágrafo único). Greve foi realizada em órgão prestador de
serviço de saúde (hospital universitário), causando prejuízo aos
atendimentos médico-hospitalares de pessoas carentes, restando
desobedecidos os arts. 10, II, e 11. Ocupação por cerca de 30
dias de espaço destinado pela UFAL à emissão e registro de
diplomas, obrigando à transferência do setor para outra sala, e
obstrução do acesso ao campus universitário, impedindo o
trânsito de docentes, discentes e servidores não-grevistas,
evidenciando que o movimento não foi realizado pacificamente e
que desrespeitou a liberdade de locomoção de pessoas a ele
estranhas. Procedência do pedido de declaração de abusividade
da greve. - Os dias de ausência ao serviço pelos servidores
grevistas não podem ser abonados, compensados nem
remunerados. Obrigação da Administração de descontar os dias
não-trabalhados que foram pagos indevidamente. Decreto n.
1.480/95. Precedentes jurisprudenciais. No Mandado de Injunção
n. 670, o STF decidiu que "como regra geral, portanto, os salários
dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em
que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no
pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações
excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da
suspensão do contrato de trabalho (art. 7º da Lei nº 7.783/1989,
in fine)". Necessidade de respeito ao devido processo legal e
observância ao limite máximo de desconto remuneratório
estabelecido no art. 46 da Lei n. 8.112/90. Procedência da
pretensão de condenação da UFAL a descontar os dias nãotrabalhados da remuneração dos grevistas. - As infrações
cometidas pelos servidores grevistas devem ser apuradas pela
Administração mediante processo administrativo. O art. 143 da
Lei n. 8.112/90 evidencia essa obrigatoriedade ao dispor que "a
autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é
obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante
sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao
acusado ampla defesa". A ocupação irregular de espaço público
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por cerca de 30 dias e a obstrução de acesso ao campus da
universidade federal configuram atos ilícitos. Dever de a UFAL
proceder à apuração dessas e de outras infrações, à identificação
dos servidores responsáveis e à aplicação das sanções
pertinentes, por sindicância ou processo administrativo, nos
termos da Lei n. 8.112/90. Procedência do pedido de condenação
da Administração a apurar as infrações cometidas durante a
greve. - Reconhecimento da perda parcial do objeto e da
procedência das pretensões subsistentes ao encerramento da
greve. Distribuição do ônus da sucumbência entre os réus.” (PET
200780000060483, Desembargador Federal Rubens de Mendonça
Canuto, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::26/11/2009 –
Página: 614) (grifos adicionados)
Logo, inegável a competência desse Juízo Federal para processar
e julgar a presente demanda.
3.2. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA
A
legitimidade
do
MINISTÉRIO
PÚBLICO
FEDERAL
ao
aforamento desta ação afigura-se irretorquível e deflui de seu amplo leque de
atribuições na ordem constitucional e legal.
Deveras, o art. 129, III, da Constituição da República, preconiza:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(…)
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos;
(...)” (grifos acrescidos)
Além da franquia constitucional, e como não poderia deixar de
ser, há, em plano jurídico-normativo inferior, uma pluralidade de normas autorizando
esta Instituição a deduzir em juízo sua pretensão em favor de direitos metaindividuais
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(difusos e coletivos).
Nesse sentido, a Lei Complementar nº 75/93, denominada Lei
Orgânica do Ministério Público da União (LOMPU), em seus arts. 5.º e 6.º, preconiza:
“Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da
União:
(...)
II - zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:
(...)
d) à seguridade social, à educação, à cultura e ao desporto, à
ciência e à tecnologia, à comunicação social e ao meio ambiente;
(…)
III – a defesa dos seguintes bens e interesses:
(…)
b) o patrimônio público e social;
(…)
e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das
comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e
do idoso;
(…)
IV – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e
dos serviços de relevância pública quanto:
a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos ás
ações e serviços de saúde e educação;
(...)”
“Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
(...)
VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
a) a proteção dos direitos constitucionais;
b) a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico
e paisagístico;
(...)
d)
outros
interesses
individuais
indisponíveis,
homogêneos, sociais, difusos e coletivos.” (grifos acrescidos)
A sua vez, a Lei nº 7.347/85, conhecida como Lei da Ação Civil
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Pública, reza, em seu art. 1º, IV e VIII:
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados:
(…)
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
(…)
VIII – ao patrimônio público e social.
(...)” (grifos postos)
Ao tempo em que atribui ao Ministério Público, como instituição
nacional que é, o dever de proteger os direitos e interesses difusos e coletivos da
sociedade brasileira, o ordenamento jurídico lhe proporciona o acesso ao mecanismo
processual talhado para essa finalidade, qual seja, a ação civil pública. A referida Lei
nº 7.347/85 traz expressa previsão da legitimidade do Ministério Público para sua
promoção, nos termos do seu art. 5º, I.
Destarte, não resta dúvida de que a ação civil pública é o meio
processual adequado para a proteção efetiva de toda a coletividade e, em especial,
dos alunos/estudantes que se encontram sem acesso aos serviços públicos essenciais
(alimentação e educação) fornecidos pela FUFSCar, em decorrência do movimento
grevista comandado pelo SINTUFSCar.
Na
situação
vertente,
os
direitos/interesses
resguardados
apresentam natureza coletiva, uma vez que envolvem, em princípio, uma dada
categoria de pessoas, a saber, os alunos/estudantes da UFSCar, que mantêm com a
referida instituição uma relação jurídica base (vínculo contratual resultante de
matrícula nos cursos por ela ofertados). Além disso, é possível vislumbrar a presença
de direitos/interesses difusos, na medida em que dizem respeito a outros usuários dos
serviços
prestados
no
âmbito
do
Restaurante
Universitário
e
da
Biblioteca
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Comunitária, não restritos à comunidade acadêmica e, sim, direcionados ao público
em geral2.
Ressalte-se
que
o
Supremo
Tribunal
Federal
já
firmou
entendimento no sentido de que o Parquet é parte legítima para defender
direitos/interesses como os ora em debate:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE
DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA
EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E
HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE
POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI- LAS EM JUÍZO. 1. A
Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis
(CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público
capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil,
da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também
de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3.
Interesses difusos são aqueles que abrangem número
indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de
fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou
classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base. (...) Cuidando-se de
tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como
dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o
Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a
legitimidade
ad causam
, quando o bem que se busca
resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em
segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que,
acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso
extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada
ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos
interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos
ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.”
2
Observação
feita
com
esteio
nos
dados
e
informações
constantes
http://www2.ufscar.br/servicos/ru_precos.php e http://www.bco.ufscar.br/a-bco/apresentacao .
em
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(STF — RE 163231/SP - Relator: Min. Maurício Corrêa, Tribunal
Pleno, data: 26/02/1997)
Por outro lado, o polo passivo da demanda é ocupado pelo
SINTUFSCar, entidade que detém a representatividade dos servidores que aderiram
ao movimento paredista.
É o que se observa do estatuto da entidade ré 3, que, em seus
arts. 1° e 2°, prevê a “representação legal e coordenação dos interesses da categoria,
proteção jurídica e social dos sindicalizados, com prazo de duração por tempo
indeterminado”.
Na mesma linha de raciocínio, a FUFSCar é parte legítima para
ocupar o polo passivo da demanda, ao lado do SINTUFSCar, na medida em que é a
responsável
pela
manutenção
de
seus
setores/órgãos/departamentos
em
funcionamento, e, mesmo com o recebimento de recomendações deste MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL, manteve-se inerte, omissa, acomodada, deixando, assim, de
assegurar o adequado e pleno funcionamento do Restaurante Universitário e da
Biblioteca Comunitária.
Logo, a letargia demonstrada pela FUFSCar mostra-se intolerável
e juridicamente relevante, até porque devem partir dela as providências tendentes a
manter
o
pleno
funcionamento
do
Restaurante
Universitário
e
da
Biblioteca
Comunitária, bem como será de sua responsabilidade a fiscalização para que tais atos
abusivos não voltem a ocorrer.
Cristalina, portanto, a legitimidade ativa e passiva.
3
Disponível em: http://www.sintufscar.org.br/uploads/estatuto.pdf .
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4. BREVE INTRODUÇÃO HISTÓRICA AO DIREITO DE GREVE
O direito de greve tem suas origens conhecidas no Egito Antigo 4,
onde houve registro de paralisação de trabalhadores em razão de más condições
laborais e do atraso salarial que sofriam, durante o reinado do faraó Ramsés III (1187
– 1156 a.C).
O retorno ao trabalho, à época, foi condicionado a negociações
entre o alto escalão do império e os operários, embora tenham persistido as violações
aos direitos laborais, a ponto de ensejar a invasão e ocupação de um templo sagrado.
A denominação greve, no entanto, proveio de Paris, onde, às
margens do rio Sena, foi construída uma praça, que recebeu o nome de Place de
Grève, local frequentado pelos trabalhadores desempregados na busca de ocupação
laboral, bem como para debater providências e medidas a serem tomadas no
interesse do grupo.
No Brasil5, na década de 1930, a greve, além de ser vedada pelo
ordenamento jurídico, era passível de se configurar como crime e ato punível na
esfera trabalhista.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1937, em seu art. 139,
estabelecia que “a greve e o lock-out são declarados recursos antissociais nocivos ao
trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção
nacional”.
De igual modo, o Decreto-lei nº 431/38, tipificou o ato de incitar
4
5
Disponível em: http://www.museudeimagens.com.br/primeira-greve-egito/ .
Fonte: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ADMINISTRACAO-PUBLICA/150831-CONHECA-AHISTORIA-DO-DIREITO-DE-GREVE-NO-BRASIL.html .
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funcionários públicos ou servidores do Estado a aderir a movimentos paredistas como
crime, punível com pena de 1 (um) a 3 (três) anos de prisão. Enquanto, na seara
trabalhista, o Decreto-lei nº 1.237/39, que instituiu a Justiça Laboral, previu punições,
em caso de greve, desde suspensão ou dispensa por justa causa até detenção.
Apenas no ano de 1946, a partir do Decreto-lei nº 9.070, e sob
forte pressão internacional, houve o reconhecimento de que a greve não deveria ser
considerada um ato delituoso, mas sim um direito trabalhista, a ser protegido pelo
ordenamento jurídico pátrio.
Em virtude desse avanço, a Constituição Federal de 1967
assegurou o direito de greve aos empregados do setor privado, proibindo, no entanto,
para os funcionários públicos e para atividades tidas como essenciais.
Nosso atual ordenamento constitucional, de jaez democrático,
concebe a greve como um direito dos empregados públicos e privados. Os
movimentos paredistas na iniciativa privada foram regulamentados pela Lei nº
7.783/89, que, no ano de 2007, foi aplicada também aos servidores públicos, por
decisão do Supremo Tribunal Federal, ante a omissão legislativa em regulamentar a
matéria.
O direito de greve, portanto, como forma de buscar melhorias
salariais e das condições de trabalho, mostra-se legítimo. Porém, como todo e
qualquer direito, encontra limitações.
5. ABUSO/ILEGALIDADE DA GREVE
A
Constituição
Federal
prevê
a
greve
como
direito
dos
trabalhadores, quer do setor privado, quer de instituições públicas (como a que ora se
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está a debater).
O texto constitucional assim prescreve:
“Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos
trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os
interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá
sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da
lei.”
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites
definidos em lei específica.”
Com efeito, embora a Carta Magna contemple o direito de greve,
delega à lei específica sua regulamentação.
Como sabido, para o setor privado, o direito de greve foi
disciplinado pela Lei n° 7.783/89.
Ocorre que, na esfera do funcionalismo público, o Congresso
Nacional ainda não aprovou lei visando a regulamentar o movimento paredista.
Em razão de tal omissão, o Supremo Tribunal Federal, instado a
se pronunciar por meio de mandado de injunção, reconheceu a aplicabilidade do
aludido diploma legal também aos servidores públicos.
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O acórdão que reflete o intenso debate sobre a importante
questão restou assim ementado:
“MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART.
5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES
PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA
NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
DEFINIÇÃO
DOS
PARÂMETROS
DE
COMPETÊNCIA
CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA
FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA
LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART.
37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA
JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO
DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS
SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60
(SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE
SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA
DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E
7.783/1989. 1. SINAIS DE EVOLUÇÃO DA GARANTIA
FUNDAMENTAL
DO
MANDADO
DE
INJUNÇÃO
NA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). 1.1.
No julgamento do MI no 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ
21.9.1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que
conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos
operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por
meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à
expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não
poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento
jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência
de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do
órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida;
iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma
omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a
decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca
da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga
omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos
decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; iv) o
STF possui competência constitucional para, na ação de mandado
de
injunção,
determinar
a
suspensão
de
processos
administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao
interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais
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benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado;
v) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o
STF determine a edição de outras medidas que garantam a
posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo
legislador. 1.2. Apesar dos avanços proporcionados por essa
construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a
interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir
uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do
mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o
Tribunal passou a admitir soluções "normativas" para a decisão
judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial
efetiva (CF, art. 5o, XXXV). Precedentes: MI no 283, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991; MI no 232/RJ, Rel. Min.
Moreira Alves, DJ 27.3.1992; MI nº 284, Rel. Min. Marco Aurélio,
Red. para o acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26.6.1992; MI no
543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24.5.2002; MI no 679/DF,
Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.12.2002; e MI no 562/DF, Rel.
Min. Ellen Gracie, DJ 20.6.2003. 2. O MANDADO DE INJUNÇÃO E
O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS NA
JURISPRUDÊNCIA DO STF. 2.1. O tema da existência, ou não, de
omissão legislativa quanto à definição das possibilidades,
condições e limites para o exercício do direito de greve por
servidores públicos civis já foi, por diversas vezes, apreciado pelo
STF. Em todas as oportunidades, esta Corte firmou o
entendimento de que o objeto do mandado de injunção cingir-seia à declaração da existência, ou não, de mora legislativa para a
edição de norma regulamentadora específica. Precedentes: MI no
20/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.1996; MI no 585/TO,
Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 2.8.2002; e MI no 485/MT, Rel. Min.
Maurício Corrêa, DJ 23.8.2002. 2.2. Em alguns precedentes(em
especial, no voto do Min. Carlos Velloso, proferido no julgamento
do MI no 631/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 2.8.2002), aventouse a possibilidade de aplicação aos servidores públicos civis da lei
que disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor
privado (Lei no 7.783/1989). 3. DIREITO DE GREVE DOS
SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. HIPÓTESE DE OMISSÃO
LEGISLATIVA INCONSTITUCIONAL. MORA JUDICIAL, POR
DIVERSAS VEZES, DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. RISCOS
DE CONSOLIDAÇÃO DE TÍPICA OMISSÃO JUDICIAL QUANTO À
MATÉRIA.
A
EXPERIÊNCIA
DO
DIREITO
COMPARADO.
LEGITIMIDADE DE ADOÇÃO DE ALTERNATIVAS NORMATIVAS E
INSTITUCIONAIS DE SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE OMISSÃO.
3.1. A permanência da situação de não-regulamentação do direito
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de greve dos servidores públicos civis contribui para a ampliação
da regularidade das instituições de um Estado democrático de
Direito (CF, art. 1o). Além de o tema envolver uma série de
questões estratégicas e orçamentárias diretamente relacionadas
aos serviços públicos, a ausência de parâmetros jurídicos de
controle dos abusos cometidos na deflagração desse tipo
específico de movimento grevista tem favorecido que o legítimo
exercício de direitos constitucionais seja afastado por uma
verdadeira "lei da selva". 3.2. Apesar das modificações
implementadas pela Emenda Constitucional no 19/1998 quanto à
modificação da reserva legal de lei complementar para a de lei
ordinária específica (CF, art. 37, VII), observa-se que o direito de
greve dos servidores públicos civis continua sem receber
tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o
exercício dessa prerrogativa em consonância com imperativos
constitucionais. 3.3. Tendo em vista as imperiosas balizas
jurídico-políticas que demandam a concretização do direito de
greve a todos os trabalhadores, o STF não pode se abster de
reconhecer que, assim como o controle judicial deve incidir sobre
a atividade do legislador, é possível que a Corte Constitucional
atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo.
3.4. A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes,
declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a
permanência dessa situação de ausência de regulamentação do
direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar,
para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial.
3.5. Na experiência do direito comparado (em especial, na
Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote
medidas normativas como alternativa legítima de superação de
omissões inconstitucionais, sem que a proteção judicial efetiva a
direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de
separação de poderes (CF, art. 2o). 4. DIREITO DE GREVE DOS
SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. REGULAMENTAÇÃO DA LEI DE
GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL (LEI No 7.783/1989).
FIXAÇÃO DE PARÂMETROS DE CONTROLE JUDICIAL DO
EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELO LEGISLADOR
INFRACONSTITUCIONAL. 4.1. A disciplina do direito de greve
para os trabalhadores em geral, quanto às "atividades
essenciais", é especificamente delineada nos arts. 9o a 11 da Lei
no 7.783/1989. Na hipótese de aplicação dessa legislação geral
ao caso específico do direito de greve dos servidores públicos,
antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente entre as
necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de
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greve dos servidores públicos civis (CF, art. 9o, caput, c/c art.
37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e
prestados de forma contínua a todos os cidadãos (CF, art. 9o,
§1o), de outro. Evidentemente, não se outorgaria ao legislador
qualquer poder discricionário quanto à edição, ou não, da lei
disciplinadora do direito de greve. O legislador poderia adotar um
modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito
de greve no âmbito do serviço público, mas não poderia deixar de
reconhecer direito previamente definido pelo texto da
Constituição. Considerada a evolução jurisprudencial do tema
perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se pode
atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca da
concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos
civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal
premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador
infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada
configuração da disciplina desse direito constitucional. 4.2
Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o
caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido de que
se aplique a Lei no 7.783/1989 enquanto a omissão não for
devidamente regulamentada por lei específica para os servidores
públicos civis (CF, art. 37, VII). 4.3 Em razão dos imperativos da
continuidade dos serviços públicos, contudo, não se pode afastar
que, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e
mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado
ao tribunal competente impor a observância a regime de greve
mais severo em razão de tratar-se de 'serviços ou atividades
essenciais', nos termos do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da
Lei no 7.783/1989. Isso ocorre porque não se pode deixar de
cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a
regulação dos serviços públicos que tenham características afins
a esses 'serviços ou atividades essenciais' seja menos severa que
a disciplina dispensada aos serviços privados ditos 'essenciais'.
4.4. O sistema de judicialização do direito de greve dos
servidores públicos civis está aberto para que outras atividades
sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e
variedade dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas
do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não
está contemplada pelo rol dos arts. 9o a 11 da Lei no
7.783/1989. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime
fixado pelos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989 é apenas
exemplificativa (numerus apertus). 5. O PROCESSAMENTO E O
JULGAMENTO DE EVENTUAIS DISSÍDIOS DE GREVE QUE
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ENVOLVAM SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DEVEM OBEDECER AO
MODELO DE COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES APLICÁVEL AOS
TRABALHADORES EM GERAL (CELETISTAS), NOS TERMOS DA
REGULAMENTAÇÃO DA LEI No 7.783/1989. A APLICAÇÃO
COMPLEMENTAR DA LEI No 7.701/1988 VISA À JUDICIALIZAÇÃO
DOS CONFLITOS QUE ENVOLVAM OS SERVIDORES PÚBLICOS
CIVIS NO CONTEXTO DO ATENDIMENTO DE ATIVIDADES
RELACIONADAS A NECESSIDADES INADIÁVEIS DA COMUNIDADE
QUE, SE NÃO ATENDIDAS, COLOQUEM "EM PERIGO IMINENTE A
SOBREVIVÊNCIA, A SAÚDE OU A SEGURANÇA DA POPULAÇÃO"
(LEI No 7.783/1989, PARÁGRAFO ÚNICO, ART. 11). 5.1.
Pendência do julgamento de mérito da ADI no 3.395/DF, Rel.
Min. Cezar Peluso, na qual se discute a competência
constitucional para a apreciação das 'ações oriundas da relação
de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios' (CF, art. 114, I, na redação
conferida pela EC no 45/2004). 5.2. Diante da singularidade do
debate constitucional do direito de greve dos servidores públicos
civis, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de
prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal,
devem-se fixar também os parâmetros institucionais e
constitucionais de definição de competência, provisória e
ampliativa, para a apreciação de dissídios de greve instaurados
entre o Poder Público e os servidores públicos civis. 5.3. No plano
procedimental, afigura-se recomendável aplicar ao caso concreto
a disciplina da Lei no 7.701/1988 (que versa sobre especialização
das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos), no
que tange à competência para apreciar e julgar eventuais
conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que
sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa
específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do
art. 37 da CF. 5.4. A adequação e a necessidade da definição
dessas questões de organização e procedimento dizem respeito a
elementos de fixação de competência constitucional de modo a
assegurar, a um só tempo, a possibilidade e, sobretudo, os
limites ao exercício do direito constitucional de greve dos
servidores públicos, e a continuidade na prestação dos serviços
públicos. Ao adotar essa medida, este Tribunal passa a assegurar
o direito de greve constitucionalmente garantido no art. 37, VII,
da Constituição Federal, sem desconsiderar a garantia da
continuidade de prestação de serviços públicos - um elemento
fundamental para a preservação do interesse público em áreas
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que são extremamente demandadas pela sociedade. 6.
DEFINIÇÃO
DOS
PARÂMETROS
DE
COMPETÊNCIA
CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO DO TEMA NO
ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL
ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE,
NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. FIXAÇÃO DO PRAZO
DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO
NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE
INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO
DAS
LEIS
Nos
7.701/1988
E
7.783/1989.
6.1.
Aplicabilidade aos servidores públicos civis da Lei no
7.783/1989, sem prejuízo de que, diante do caso concreto
e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja
facultado ao juízo competente a fixação de regime de
greve mais severo, em razão de tratarem de "serviços ou
atividades essenciais" (Lei no 7.783/1989, arts. 9o a 11).
6.2. Nessa extensão do deferimento do mandado de injunção,
aplicação da Lei no 7.701/1988, no que tange à competência
para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à
greve de servidores públicos que sejam suscitados até o
momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora
declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF. 6.3. Até a
devida disciplina legislativa, devem-se definir as situações
provisórias de competência constitucional para a apreciação
desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e
municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a
paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma
região da justiça federal, ou ainda, compreender mais de uma
unidade da federação, a competência para o dissídio de greve
será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do
art. 2o, I, "a", da Lei no 7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se
a controvérsia estiver adstrita a uma única região da justiça
federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais
(aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). Para o
caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a
controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, a
competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também por
aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). As greves
de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de
Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local
da paralisação, conforme se trate de greve de servidores
municipais, estaduais ou federais. 6.4. Considerados os
parâmetros acima delineados, a par da competência para o
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dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não,
da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição,
serão competentes para decidir acerca do mérito do pagamento,
ou não, dos dias de paralisação em consonância com a
excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto,
nos termos do art. 7o da Lei no 7.783/1989, a deflagração da
greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de
trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de
paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve
tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos
servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais
que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do
contrato de trabalho (art. 7o da Lei no 7.783/1989, in fine). 6.5.
Os tribunais mencionados também serão competentes para
apreciar e julgar medidas cautelares eventualmente incidentes
relacionadas ao exercício do direito de greve dos servidores
públicos civis, tais como: i) aquelas nas quais se postule a
preservação do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual
mínimo de servidores públicos que deve continuar trabalhando
durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de
qualquer tipo de paralisação; ii) os interditos possessórios para a
desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente
tomados por grevistas; e iii) as demais medidas cautelares que
apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve. 6.6.
Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da
interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos
servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança
jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o
Congresso Nacional legisle sobre a matéria. 6.7. Mandado de
injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima
especificados, determinar a aplicação das Leis nos 7.701/1988 e
7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a
interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.”
(MI 670, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Relator(a) p/
Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008
EMENT VOL-02339-01 PP-00001 RTJ VOL-00207-01 PP-00011)
(grifos acrescidos)
A questão que ora se expõe, em verdade, refere-se ao conflito
entre dois direitos constitucionais: direito de greve versus direito à educação e à
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alimentação.
A Constituição Federal de 1988, segundo Alexandre de Moraes,
“deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém
normas referentes à estrutura do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de
governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos,
garantias e deveres dos cidadãos6”.
É, portanto, o marco fundante de todo ordenamento jurídico que
irradia sua força normativa para todos os setores do Direito, ou seja, “é o Direito
primordial, porquanto condiciona os demais 7”. Esse condicionamento equivale dizer
que “todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se
se conformarem com as normas da Constituição Federal 8”.
A respeito do assunto, é diretriz jurisprudencial do Superior
Tribunal de Justiça9:
“A Constituição não é ornamento, não se resume a um museu de
princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real
de suas normas. Destarte, na aplicação das normas
constitucionais,
a
exegese
deve
partir
dos
princípios
fundamentais para os princípios setoriais.”
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 1º como
fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e a
cidadania. Em seu art. 6º, enuncia os direitos sociais:
6
Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 36.
7
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24ª ed. 3ª tir. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 344.
8
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p.
46.
9
STJ. 1ª Turma, REsp 836.913, rel. Min. Luiz Fux, DJ 31.05.2007.
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“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.”
Dessa forma, a educação e a alimentação são direitos básicos de
cidadania e de sobrevivência, inerentes à dignidade da pessoa humana, razão pela
qual são objeto de um amplo sistema de direitos e proteção, derivado dos princípios
constitucionais, e em consonância com compromissos internacionais assumidos pelo
Brasil (= Estado soberano).
Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, da qual a República Federativa do Brasil é signatária, também consagra o
direito à alimentação e o direito à educação em seus arts. 25 e 26, respectivamente.
Na mesma linha, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
promulgado pelo Decreto nº 591/1992, dispõe que os Estados-Partes reconhecem o
direito de toda pessoa a um nível de vida adequado, inclusive à alimentação e à
educação, conforme dispõem os arts. 11 e 13.
É dessa teia de direitos, proteções e compromissos que emergem
as previsões legais da Lei Orgânica de Segurança Alimentar (Lei nº 11.346/2006),
visando a assegurar o direito humano à alimentação adequada. O art. 2º estabelece:
“A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano,
inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à
realização dos direitos consagrados na Constituição Federal,
devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam
necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e
nutricional da população.”
Ademais,
a
segurança
alimentar
e
nutricional
consiste
na
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realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de
qualidade,
em
quantidade
suficiente,
sem
comprometer
o
acesso
a
outras
necessidades essenciais, conforme disposto no art. 3º do diploma legal.
Essas normas visam à efetivação do valor – axioma – dignidade
da pessoa humana, incumbindo à sociedade como um todo e, mais especificamente,
às instituições vinculadas ao Poder Público, a exemplo da FUFSCar, a adoção de
medidas que assegurem sua plena realização.
Na mesma linha, o direito à educação é um dos mais valiosos e
importantes dentre os chamados direitos sociais, que são aqueles que carecem de
prestações positivas do Estado para seu atendimento. O direito à educação foi alçado,
pelo art. 6º da Constituição da República, à condição de direito fundamental,
indicativo de que o constituinte quis preservá-lo e promovê-lo como fator essencial de
cidadania e desenvolvimento do País.
Não foi outra a razão da dicção dada ao art. 205 da Constituição
Federal:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.”
A doutrina também identifica o direito à educação, com absoluta
propriedade, como autêntico direito fundamental do cidadão perante o Estado de
Direito. A leitura conjugada dos arts. 6.º e 205, da Constituição Federal, permite essa
conclusão, conforme aponta Ingo Wolfgang Sarlet:
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“Enquanto no seu art. 6º a nossa Constituição apenas se limita a
enunciar que a educação é um direito fundamental social e nada
mais acrescenta que possa elucidar o conteúdo e alcance deste
direito, nos arts. 205 a 208 de nossa Lei Fundamental, em se
adotando o critério referido, encontram-se delineados os
contornos essenciais deste direito fundamental à Educação. Basta
lançar um breve olhar para esses dispositivos para se perceberem
as contundentes distinções no que concerne à sua técnica de
positivação, à sua função como direitos fundamentais, bem como
– por via de consequência – quanto à sua eficácia. 10”
No dizer de Celso Bastos, a educação
“consiste num processo de desenvolvimento do indivíduo que
implica a boa formação moral, física, espiritual e intelectual,
visando ao seu crescimento integral para um melhor exercício da
cidadania e aptidão para o trabalho.” 11
Trata-se, no fundo, de um valor cuja observância exige o
envolvimento de todo o corpo social, como medida essencial à redução das
desigualdades sociais e regionais, a médio e longo prazos.
“A educação é direito social que tem disciplina nos arts. 205 a
214 da Constituição. Cuida-se de direito público subjetivo e de
um dever do Estado.
Diz o art. 205 que a educação é direito de todos, confirmando,
assim, que se reveste da universalidade característica dos direitos
sociais. É dever do Estado e da família, promovida e incentivada
com
a
colaboração
da
sociedade,
visando
o
pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. Obrigação do
Estado, da família e da sociedade, a educação também exige o
envolvimento de todo o corpo social, em todas as suas
configurações, no caminho da redução das desigualdades sociais
e regionais.
(...)” (CHIMENTI, Ricardo Cunha, CAPEZ, Fernando, ROSA,
10
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2003.
p. 318.
11 Curso de Direito Constitucional, 22ª edição, São Paulo: Saraiva, 2010.
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Márcio Fernando Elias, e SANTOS, Marisa Ferreira dos. Curso de
Direito Constitucional, 7ª edição, Saraiva: São Paulo, 2010, pp.
619-20)
O direito à educação, portanto, é um direito fundamental, cujo
atendimento é dever do Estado e da família, a ser promovido com a colaboração da
sociedade. Em decorrência, o âmbito de proteção do direito à educação não pode ficar
à mercê de grupos de interessados que julguem, ao seu alvedrio, em que medida,
quando e onde devem respeitá-lo.
É importante salientar que, no caso do Restaurante Universitário,
seu funcionamento só não está ocorrendo em razão de tumultos causados pelos
grevistas, que, organizados pelo SINTUFSCar, buscaram implantar, caso a FUFSCar
o mantivesse aberto, o deletério fenômeno chamado de “Preço Zero” ou “Catraca
Livre”, pelo qual à força se libera o usuário – seja ele quem for – do pagamento dos
preços das refeições oferecidas, em notório prejuízo ao adequado funcionamento de
tal serviço essencial.
O próprio Sindicato, no Comunicado nº 1/2015 (cópia à fl. 140 do
procedimento anexo), reconhece que é possível manter em funcionamento o
Restaurante Universitário, ainda que por meio de empregados terceirizados.
Não se desconhecem – tampouco se questionam – as lutas
travadas pelo referido Sindicato em prol de seus associados, na busca de melhores
condições de trabalho e de salários dignos. Essas questões, entretanto, não podem,
de forma nenhuma, prejudicar os alunos/estudantes que ali frequentam e, por vezes,
têm na instituição de ensino sua única fonte de alimentação e de busca de materiais
didáticos.
Tanto assim, que a própria FUFSCar, no Ofício nº 947, de
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5/5/2015 (fls. 114/6), reconheceu o funcionamento do Restaurante Universitário e da
Biblioteca
Comunitária
como
essencial
ao
atendimento
das
necessidades
da
comunidade acadêmica, com destaque para os seus alunos/estudantes:
“(...)
No que diz respeito ao Restaurante Universitário, observa-se
que muito embora a Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e
Estudantis realize a distribuição de gêneros alimentícios aos
estudantes bolsistas (com dificuldades econômicas), tal
providência certamente não é o suficiente para o adequado
atendimento às necessidades de alimentação da comunidade.
Isso porque o Restaurante Universitário, além de fornecer
refeições aos estudantes beneficiários da bolsa alimentação,
também atende aos demais estudantes da instituição, além de
servidores e estagiários que atuam nos departamentos
administrativos e acadêmicos do campus universitário.
Além disso, o fornecimento dos gêneros alimentícios a apenas
uma parcela dos estudantes usuários do Restaurante
Universitário faz com que esses estudantes precisem organizar
seus horários para preparar suas refeições, sendo que muitos
deles residem em moradias estudantis fora do campus
universitário. Certamente que a necessidade de preparar a
refeição prejudica seus horários de aulas e de estudos.
De outro lado, a interrupção das atividades na Biblioteca
Comunitária interfere diretamente nas atividades acadêmicas dos
estudantes do campus, que durante todo o período de greve não
têm acesso às instalações adequadas e às obras indicadas pelos
docentes no processo de aprendizagem.
(...)”
A bem da verdade, condutas como forçar o fechamento do
Restaurante Universitário e da Biblioteca Comunitária apenas para causar percalços
aos alunos/estudantes e, por conseguinte, prejudicar a imagem da UFSCar e/ou
estimulá-la a aceitar a proposta do movimento paredista, sob o comando do
Sindicato, revelam profunda insensibilidade dos adeptos desse movimento para com
aqueles que dependem desses locais para se alimentar e para galgar novas etapas no
processo de aprendizagem.
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Vale pontuar, ainda, que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL,
buscando sensibilizar as entidades rés, expediu recomendações propondo as medidas
que ora se busca com a presente ação:
“(...)
RESOLVE, com fundamento no art. 129, II e IX, da Constituição
Federal, no art. 6°, XX, da Lei Complementar n° 75/1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público da União), e no art. 27, parágrafo
único, IV, da Lei n° 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público):
RECOMENDAR ao Reitor da Universidade Federal de São Carlos
– UFSCar que, em períodos de greve prolongada: a) forneça
serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos
essenciais, contínuos; b) durante a greve, mediante acordo
com o sindicato ou a comissão de negociação, mantenha
em atividade equipes de empregados com o propósito de
assegurar os serviços cuja paralisação resultem em
prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de
bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção
daqueles essenciais à retomada das atividades da e ntidade
quando da cessação do movimento; c) não havendo
acordo, enquanto perdurar a greve, contrate diretamente
os serviços necessários a que se refere o item anterior; d)
nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os
empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de
comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação
dos
serviços
indispensáveis
ao
atendimento
das
necessidades inadiáveis da comunidade. São necessidades
inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas,
coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou
a segurança da população.”
“(...)
RESOLVE, com fundamento no art. 129, II e IX, da Constituição
Federal, no art. 6°, XX, da Lei Complementar n° 75/1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público da União), e no art. 27, parágrafo
único, IV, da Lei n° 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público):
RECOMENDAR ao Presidente do Sindicato dos Trabalhadores
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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Técnico- Administrativos da Universidade Federal de São Carlos
que, em períodos de greve prolongada: a) em nenhuma
hipótese, adote meios que possam violar ou constranger
os direitos e garantias fundamentais de outrem, bem como
manifestações e atos de persuasão que, se utilizados pelos
grevistas, possam impedir o acesso ao trabalho ou causar
ameaça ou dano à propriedade ou à pessoa; b) durante a
greve, mediante acordo com a entidade patronal ou
diretamente com o empregador, mantenha em atividade
equipes de empregados com o propósito de assegurar os
serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável,
pela deterioração irreversível de bens, máquinas e
equipamentos, bem como a manutenção daqueles
essenciais à retomada das atividades da empresa quando
da cessação do movimento; c) nos serviços ou atividades
essenciais, os sindicatos, os empregadores e os
trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a
garantir, durante a greve, a prestação dos serviços
indispensáveis
ao
atendimento
das
necessidades
inadiáveis da comunidade. São necessidades inadiáveis, da
comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em
perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança
da população.”
Mais adiante, visando a afunilar o que recomendado, deram-se as
seguintes expedições:
“(…)
RESOLVE, com fundamento no art. 129, II e IX, da Constituição
Federal, no art. 6°, XX, da Lei Complementar n° 75/1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público da União), e no art. 27, parágrafo
único, IV, da Lei n° 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público):
RECOMENDAR ao Reitor da Universidade Federal de São Carlos
– UFSCar que, em períodos de greve prolongada: a) adote
as providências necessárias à manutenção do pleno
funcionamento do Restaurante Universitário, visando a
atender aos estudantes da referida instituição de ensino
superior, bem como aos servidores e estagiários que
eventualmente
ali
frequentem;
e
b)
assegure
a
manutenção do funcionamento da Biblioteca Comunitária,
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bem como de outros meios que possam servir à realização
de pesquisas por discentes e docentes, a exemplo de salas
de informática e laboratórios.”
“(…)
RESOLVE, com fundamento no art. 129, II e IX, da Constituição
Federal, no art. 6°, XX, da Lei Complementar n° 75/1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público da União), e no art. 27, parágrafo
único, IV, da Lei n° 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público):
RECOMENDAR ao Presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Técnico-Administrativos da Universidade Federal de São Carlos
(SINTUFSCar), que, em períodos de greve prolongada: a)
adote as providências necessárias à manutenção do pleno
funcionamento do Restaurante Universitário, visando a
atender aos estudantes da referida instituição de ensino
superior, bem como aos servidores e estagiários que
eventualmente
ali
frequentem;
e
b)
assegure
a
manutenção do funcionamento da Biblioteca Comunitária,
bem como de outros meios que possam servir à realização
de pesquisas por discentes e docentes, a exemplo de salas
de informática e laboratórios.”
As recomendações, todavia, não surtiram efeito, seja no âmbito
do Sindicato requerido, que não deixou de promover os atos abusivos, seja no da
FUFSCar, que manteve sua apatia, mesmo diante do quadro caótico instalado em seu
campus local.
Ademais, foram ouvidos nesta Procuradoria da República os
estudantes da UFSCar, José Arthur Escudeiro (fls. 197/9) e Diógenes Carneiro Eloi
Monteiro da Silva (fls. 200/2), havendo relato de ambos no sentido da necessidade de
reabertura do Restaurante Universitário, haja vista a insuficiência da mera distribuição
de alimentos, tendo em conta a realidade de cada um dos estudantes ali residentes ou
não, que por vezes nem sequer possuem meios para cozinhar os alimentos.
Anote-se por oportuno que foi apresentado a esta Procuradoria da
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República, ainda, abaixo-assinado subscrito por mais de 1.300 (um mil e trezentos)
alunos da referida instituição de ensino superior, solicitando a reabertura do
Restaurante Universitário (fls. 165/94).
A
situação
ora
relatada,
portanto,
reclama
urgência
na
intervenção jurisdicional, especialmente para assegurar aos alunos e cidadãos (lato
sensu) o acesso aos serviços/atividades prestados pelo Restaurante Universitário e
pela Biblioteca Comunitária.
6. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
A
tutela
antecipada
é
modalidade
de
tutela
de
urgência
consistente na entrega ao autor, total ou parcialmente, da própria pretensão deduzida
em juízo ou de seus efeitos.
Com ela, realiza-se, no plano fático, o direito, mediante
concessão do bem da vida pretendido pelo requerente:
“2. Conceito e natureza jurídica. Tutela antecipatória dos
efeitos da sentença de mérito, espécie do gênero tutelas de
urgência, é providência que tem natureza jurídica mandamental,
que se efetiva mediante execução lato sensu, com o objetivo de
entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria pretensão
deduzida em juízo ou os seus efeitos. É tutela satisfativa no
plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o
bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento. No
mesmo sentido: Ovídio Batista, Curso, v. I, n. 5.7.2, p. 136.
Com a instituição da tutela antecipatória dos efeitos da sentença
de mérito no direito brasileiro, de foma ampla, não há mais
razão para que seja utilizado o expediente das impropriamente
denominadas 'cautelares satisfativas', que constitui em si uma
contradictio in terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a
medida é satisfativa, é porque, ipso facto, não é cautelar. É
espécie do gênero tutelas diferenciadas. A tutela antecipada tem
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como limite o pedido, vale dizer não se pode conceder, a título
de tutela antecipada, mais do que o autor obteria se vencedor
na totalidade da pretensão que deduziu em juízo. O limite da
extensão da concessão da medida existe porque se antecipa o
provimento de mérito (total ou parcialmente) ou algum efeito
dele decorrente. A tutela antecipada está, portanto, vinculada ao
pedido e dele é dependente. Caso o autor queira coisa diversa,
além ou fora do que consta como pedido, deverá ajuizar medida
autônoma.” (NERY JUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria de
Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante, 10ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo,
2008, p. 523)
O figurino da antecipação dos efeitos da tutela de mérito, em sua
feição genérica, encontra-se plasmado no art. 273 do Código de Processo Civil, in
verbis:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,
total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no
pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se
convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu.
(...)” (grifos acrescidos)
Por lei, os requisitos da tutela antecipatória decompõem-se na
prova inequívoca da verossimilhança da alegação deduzida pela parte interessada, a
indicar a necessidade da presença de um fumus boni juris mais denso que o da
medida cautelar, também nominado de probabilidade, e no receio de dano irreparável
ou de difícil reparação.
“(...) Para conciliar as expressões 'prova inequívoca' e
'verossimilhança', aparentemente contraditórias, exigidas como
requisitos para a antecipação da tutela de mérito, é preciso
encontrar um ponto de equilíbrio entre elas, o que se consegue
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com o conceito de probabilidade, mais forte do que
verossimilhança, mas não tão peremptório quanto o de prova
inequívoca. É mais do que o fumus boni juris, requisito exigido
para a concessão de medidas cautelares no sistema processual
civil brasileiro. (…)
31. Requisitos alternativos. Para a concessão da tutela
antecipada exige a lei uma de duas situações alternativas: a) ou
a existência do periculum in mora; b) ou a existência do abuso
do direito de defesa do réu, independentemente da existência
de periculum in mora.
II: 32. Requisitos para a concessão da tutela: periculum in
mora. Duas situações, distintas e não cumulativas entre si,
ensejam a antecipação dos efeitos da tutela de mérito. A
primeira hipótese autorizadora dessa antecipação é o periculum
in mora, segundo expressa disposição do CPC 273 I. Essa
urgência, como já afirmado acima, não tem o condão de
transmudar sua natureza satisfativa-executiva em medida
cautelar. Esse perigo, como requisito para a concessão da tutela
antecipada, é o mesmo perigo exigido para a concessão de
qualquer medida cautelar.
(...)” (NERY JUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade.
Ob. Cit., p. 527)
Não há – nem poderia haver – empeço a que o Ministério Público
pleiteie o adiantamento dos efeitos da tutela jurisdicional, quer atue na qualidade de
autor, quer intervenha no processo como custos legis:
“10. Ministério Público. O que a norma (art. 273 do Código de
Processo Civil) é a concessão ex officio da tutela antecipada.
Pode o MP requerê-la, quer atue como parte, quer como como
fiscal da lei (CPC 82) no processo civil, pois tem os mesmos
poderes e os mesmos ônus que as partes. O promotor de justiça
que atue na defesa de incapaz, por exemplo, pode requerer, em
favor do incapaz, a tutela antecipada. O MP, neste caso, não está
fazendo pedido em sentido estrito, pois este já fora feito pela
parte, atuando o MP apenas na busca dos efeitos do pedido
pleiteado pela parte.” (NERY JUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa
Maria de Andrade. Ob. Cit., p. 525)
Oportuno ressaltar, ainda, a possibilidade da incidência da tutela
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antecipada tout court, vale dizer, de perfil mais genérico e prevista no art. 273 do
Código de Processo Civil, no âmbito da ação civil pública, mediante combinação com o
disposto no art. 12 da Lei nº 7.347/85:
“3. Antecipação da tutela. Pelo CPC 273 e 461 § 3º, com a
redação dada pela L 8952/94, aplicáveis à ACP (LACP 19), o juiz
pode conceder a antecipação da tutela de mérito, de cunho
satisfativo, sempre que presentes os pressupostos legais. A
tutela antecipatória pode ser concedida quer nas ações de
conhecimento, cautelares e de execução, inclusive de obrigação
de fazer ou não fazer. (...)” (NERY JUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa
Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e Legislação
Constitucional, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006, p.
507)
No caso em apreço, a verossimilhança das alegações expendidas
pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL encontra o necessário suporte na prova
documental instrutiva do inquérito civil subjacente, revelador da atual paralisação das
atividades administrativas no âmbito da FUFSCar, em particular do Restaurante
Universitário e da Biblioteca Comunitária, em grave prejuízo aos alunos/estudantes e,
mesmo, ao público em geral, como potencial usuário desses serviços.
Outrossim, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação
deflui, de modo até eloquente, dos elementos trazidos pelo inquérito civil, pois a
interrupção
dos
serviços
oferecidos
pelo
Restaurante
Universitário
(acesso
à
alimentação adequada) e pela Biblioteca Comunitária (acesso a obras e materiais
hábeis a complementar o conhecimento teórico adquirido nas aulas) ocasiona grave
dano aos alunos/estudantes da referida instituição de ensino superior.
Impende agregar que, no dia 10/8 (segunda-feira), deu-se o
retorno às aulas, permanecendo os alunos/estudantes da UFSCar sem acesso ao
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Restaurante Universitário e à Biblioteca Comunitária, mesmo que parcialmente 12.
Sem dúvida, ao conceder ou não a tutela antecipada, o Poder
Judiciário deverá sopesar os bens em jogo no processo, isto é, os bens/interesses que
estão sendo discutidos pelas partes, de forma a priorizar um em detrimento do outro,
contanto que exista justificativa plausível para a sua escolha.
“À primeira vista, seria fácil concluir que a tutela antecipatória
não poderá ser concedida quando puder causar um dano maior
do que aquele que se pretende evitar. Contudo, para que o
juiz possa concluir se é justificável ou não o risco, ele
necessariamente deverá estabelecer uma prevalência
axiológica de um dos bens em vista do outro, de acordo
com os valores de seu momento histórico. Não se trata de
estabelecer uma valoração abstrata dos bens em jogo, já que os
bens têm pesos que variam de acordo com as diversas situações
concretas.” (MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela
na Reforma do Processo, 2ª edição, Malheiros Editores, São
Paulo, 1996, pp. 82-3)
Além disso, a resposta do Poder Judiciário, para realizar o
objetivo da jurisdição, em seu tríplice aspecto (jurídico, político e social), e mais do
que correta e justa, precisa ser célere, sob pena de se tornar ineficaz e inefetiva em
virtude das modificações provocadas pelo tempo na realidade factual inicialmente
apresentada.
Ao abordar a efetividade do processo e da jurisdição, a doutrina
nacional de ponta, em deferência ao princípio constitucional do direito de ação,
estabelecido no art. 5º, XXXV, da Carta Política, apregoa:
“XXXV: 21. Direito de ação. Todos têm acesso à justiça para
postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória de um
12 Confira-se,
nesse
sentido,
notícia
vinculada
pela
imprensa:
http://g1.globo.com/sp/sao-carlosregiao/noticia/2015/08/apesar-de-volta-aulas-funcionarios-da-ufscar-continuam-em-paralisacao.html .
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direito individual, coletivo ou difuso. Ter direito constitucional de
ação significa poder deduzir pretensão em juízo e também poder
dela defender-se. O princípio constitucional do direito de ação
garante ao jurisdicionado o direito de obter do Poder Judiciário a
tutela jurisdicional adequada (Nery, Princípios, n. 18). Por tutela
adequada entende-se a que é provida da efetividade e eficácia
que dela se espera. Caso o jurisdicionado necessita de atuação
pronta do Poder Judiciário, como, por exemplo, a concessão de
medida liminar, pelo princípio constitucional do direito de ação
tem ele direito de obter essa liminar. (...)” (NERY JUNIOR,
Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade. Ob. Cit., p. 131)
“Para consecução do objeto maior do processo, que é a paz
social, por intermédio da manutenção do império da lei, não se
pode contentar com a simples outorga à parte do direito de
ação. Urge assegurar-lhe, também, e principalmente, o
atingimento do fim precípuo do processo, que é a solução
'justa' da lide. Não é suficiente ao ideal de justiça garantir
a solução judicial a todos os conflitos; o que é
imprescindível é que essa solução seja efetivamente
'justa', isto é, apta, útil e eficaz para outorgar à parte a
tutela prática a que tem direito, segundo a ordem jurídica
vigente.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito
Processual Civil, v. 2, 20ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro,
1996, p. 359 (grifo colocado)
De rigor, portanto, a concessão da antecipação dos efeitos da
tutela, sob pena de se certificar a injustiça, marca indelével da justiça tardia ou
excessivamente burocrática/conservadora.
7. PEDIDOS
Com essas considerações, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
requer:
A) O recebimento, a autuação e o processamento da presente ação na forma e no rito
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preconizados em lei, juntamente com o Inquérito Civil nº 1.34.023.000047/2014-85,
em anexo;
B) A concessão inaudita altera pars – especialmente diante da urgência que a
situação reclama – ou, no caso de Vossa Excelência assim não entender, após a
observância do disposto no art. 2º da Lei nº 8.437/92 –, com supedâneo no art. 273
do Código de Processo Civil c/c o art. 12 da Lei nº 7.347/85, da antecipação dos
efeitos da tutela, para:
B.1) declarar a parcial ilegalidade/abusividade do movimento grevista
instalado
na
FUNDAÇÃO
UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE
SÃO
CARLOS
(FUFSCar), e determinar o retorno, no prazo de 72 (setenta e duas ) horas,
das
atividades
plenas
do
Restaurante
Universitário
e
da
Biblioteca
Comunitária, com a notificação pessoal (B.1.1) do Reitor da FUFSCar, TARGINO
DE ARAÚJO FILHO, ou de quem lhe faça as vezes, para que adote as providências
necessárias ao cumprimento da obrigação de fazer, sob pena da incidência de multa
diária de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) 13 à FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SÃO CARLOS (FUFSCar), e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao
Reitor, a recair sobre seu patrimônio pessoal, sem prejuízo da caracterização de ato
de improbidade administrativa (art. 11 da Lei nº 8.429/92) e de crime de
desobediência (art. 330 do Código Penal) ou de prevaricação (art. 319 do Código
Penal);
e
(B.1.2)
dos
Coordenadores
Gerais
do
SINDICATO
DOS
TRABALHADORES TÉCNICO-ADMINISTRATIVOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL
13 O valor aqui buscado mostra-se adequado e proporcional ao atendimento do pleito, até porque foi o mesmo
utilizado no âmbito da Petição nº 10.536-DF, pelo Superior Tribunal de Justiça:
“O desatendimento (que não espero) dos deveres aqui impostos (itens 9 e 10) nesta Decisão sujeitará as
entidades promovidas à sanção pecuniária diária de R$ 200.000,00; confio que esta drástica medida, que adoto
no resguardo da autoridade e da eficácia do provimento judicial que ora expeço, não haverá de ser necessária,
porque os destinatários desta ordem haverão de acatá-la, em seus exatos termos, mas sem excluir a eventual
constrição patrimonial ou financeira e/ou a retenção provisória de verbas, valores ou recursos. ” (Relator:
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe: 17/06/2014 )
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DE SÃO CARLOS (SINTUFSCar), SERGIO RICARDO PINHEIRO NUNES e EDGAR
DIAGONEL, ou de quem lhes faça as vezes, para que não criem obstáculo, embaraço
ou dificuldade ao adequado funcionamento dos locais acima mencionados , sob pena
da incidência de multa diária de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) ao SINDICATO
DOS
TRABALHADORES
TÉCNICO-ADMINISTRATIVOS
DA
UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SÃO CARLOS (SINTUFSCar), e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) aos
referidos dirigentes, a recair sobre seus patrimônios pessoais, sem prejuízo da
caracterização de crime de desobediência (art. 330 do Código Penal) ; e
B.2) proibir, nos movimentos grevistas doravante deflagrados no âmbito da
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (FUFSCar), a prática,
pelo SINDICATO DOS TRABALHADORES TÉCNICO-ADMINISTRATIVOS DA
UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE
SÃO
CARLOS
(SINTUFSCar),
direta
ou
indiretamente, de atos impeditivos – ou tendentes a impedir – o adequado
funcionamento do Restaurante Universitário e da Biblioteca Comunitária, com a
notificação pessoal (B.2.1) do Reitor da FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO CARLOS (FUFSCar), TARGINO DE ARAÚJO FILHO, ou de quem lhe faça as
vezes, para que adote as providências necessárias ao cumprimento da obrigação de
não fazer, mediante comunicação ao Juízo ou ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
de qualquer ato contrário à decisão , sob pena da incidência de multa diária de R$
200.000,00 (duzentos mil reais) à FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO
CARLOS (FUFSCar), e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Reitor, a recair sobre
seu patrimônio pessoal, sem prejuízo da caracterização de ato de improbidade
administrativo (art. 11 da Lei nº 8.429/92) e de crime de desobediência (art. 330 do
Código Penal) ou de prevaricação (art. 319 do Código Penal) , e (B.2.2) dos
Coordenadores
Gerais
ADMINISTRATIVOS
do
DA
SINDICATO
DOS
UNIVERSIDADE
TRABALHADORES
FEDERAL
DE
SÃO
TÉCNICOCARLOS
(SINTUFSCar), SERGIO RICARDO PINHEIRO NUNES e EDGAR DIAGONEL, ou
de quem lhes faça as vezes, para que adotem as providências necessárias ao
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cumprimento da obrigação de não fazer e não violem, por intermédio de qualquer de
seus filiados, a ordem judicial, sob pena da incidência de multa diária de R$
200.000,00 (duzentos mil reais) ao SINDICATO DOS TRABALHADORES TÉCNICOADMINISTRATIVOS
DA
UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE
SÃO
CARLOS
(SINTUFSCar), e de R$ 100.000,00 (cem mil reais) aos referidos dirigentes, a recair
sobre seus patrimônios pessoais, sem prejuízo da caracterização de crime de
desobediência (art. 330 do Código Penal).
Pleiteia, também, a destinação dos valores devidos a título de multa cominatória,
mencionados nesta alínea, ao Fundo Federal de Direitos Difusos de que trata o art. 13
da Lei nº 7.347/85, regulamentado pelo Decreto nº 1.306/94.
Requer, desde logo, para o caso de haver resistência ao cumprimento da ordem
judicial, o acionamento de força policial, visando a preservar ou restabelecer a ordem
no campus local da UFSCar.
C) A citação das demandadas para, querendo, contestar os pedidos judicializados, sob
pena de revelia e confissão, de acordo com os arts. 297, 300 e 319 do Código de
Processo Civil;
D) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo,
à vista do disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85, esclarecendo que o Ministério
Público não faz jus a honorários advocatícios;
E) A intimação pessoal do autor, mediante a entrega e vista dos autos nesta
Procuradoria da República, tendo em conta o disposto no art. 236, § 2º, do Código de
Processo Civil, e no art. 18, II, h, da Lei Complementar nº 75/93;
F) No mérito, a confirmação da decisão antecipatória dos efeitos da tutela e a
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consequente condenação das entidades rés às obrigações de fazer e não fazer, nos
termos expostos no item B, incluindo a multa diária e as intimações/notificações dos
agentes ali contemplados ou de quem lhes fizer as vezes;
G) A condenação das rés aos ônus da sucumbência;
H) A produção de provas por todos os meios admitidos em Direito.
Atribui-se à presente causa o valor de R$ 200.000,00 (duzentos
mil reais), para efeitos fiscais.
Nestes termos,
pede deferimento.
São Carlos (SP), 14 de agosto de 2015.
RONALDO RUFFO BARTOLOMAZI
Procurador da República
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SÃO CARLOS/SP
Inquérito Civil nº 1.34.023.000047/2014-85
À Secretaria:
Encaminhe-se a petição inicial da ação civil pública à
Justiça Federal local, contendo 48 (quarenta e oito) laudas digitadas somente no
anverso, e instruída pelo presente inquérito civil.
São Carlos (SP), 14 de agosto de 2015.
RONALDO RUFFO BARTOLOMAZI
Procurador da República
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