A Lei Tutelar Educativa
Tal como a LPCJP, entrou em vigor em 1 de
Janeiro de 2001.
A partir desta data vigoram portanto regimes
legais diferenciados para menores em perigo
e menores delinquentes, tendo os primeiros
passado a ficar sob a protecção da
Segurança Social e os segundos sob a tutela
do Ministério da Justiça.
A LTE visa «a educação do menor para o
direito e a sua inserção, de forma digna e
responsável, na vida em comunidade» (art.
2º da LTE). A sua competência material
restringe-se às situações de jovens que
entre os 12 e os 16 anos tenham praticado
um facto qualificado pela lei como crime,
sendo
igualmente
necessário
que
no
momento de aplicação da medida persista a
necessidade de correcção da personalidade
do menor, o que na prática se traduz pela
avaliação da sua necessidade de educação
para o direito.
Medidas previstas na LTE
crescente de gravidade):
(por
ordem
a admoestação, a privação do direito de
conduzir, a reparação ao ofendido, as
prestações económicas ou tarefas a favor
da comunidade, a imposição de regras de
conduta, a imposição de obrigações, a
frequência de programas formativos, o
acompanhamento educativo e, por fim, o
internamento em Centro Educativo.
de acordo com o art. 17º da LTE, o
internamento «visa proporcionar ao menor,
por via do afastamento temporário do seu
meio habitual e da utilização de programas
e métodos pedagógicos, a interiorização de
valores conformes ao direito e a aquisição
de recursos que lhe permitam, no futuro,
conduzir a sua vida de modo social e
juridicamente responsável».
2. O Centro Educativo
A lotação máxima do CE é de 34 educandos
(10 na unidade residencial de regime
fechado e 12 em cada uma das duas
unidades
residenciais
de
regime
semiaberto).
Existem 33 TPRS (monitores), que trabalham
em turnos de 8 horas e têm como principal
função o enquadramento constante dos
educandos.
Em média, a taxa de ocupação do CESA é de
90%.
Normalmente,
a
maioria
dos
educandos tem idades entre os 15 e os 16
anos.
• Dados de 2004 mostram a seguinte situação
quanto ao motivo de internamento dos
menores: 67% por crimes contra a
propriedade, 12% por crimes contra a
integridade física, outros 12% por consumo
de droga, 6% por crimes contra a liberdade
sexual e, por fim, 3% por crimes contra a
liberdade pessoal. A duração média das
medidas de internamento aplicadas era de
16 meses no regime fechado e de 15,5
meses no regime semiaberto. No total das
medidas de internamento aplicadas nos dois
regimes, 38% eram de duração igual ou
superior a 18 meses.
• Dados de 2004 fornecem também indicações
quanto à origem do grupo familiar dos
educandos: 65% seriam de origem europeia,
29% de origem africana e 6% de origem
cigana.
• Relativamente à nacionalidade, 94% dos
educandos eram portugueses. 35% dos
menores provinham do distrito do Porto,
vindo os restantes 65% de outras zonas do
país, especialmente de Lisboa (32%) e
Braga (18%).
2.1. o mundo dos educandos
O Espaço, principais elementos:
• Clara separação funcional e hierárquica dos
espaços;
• Profusão de marcadores defensivos (redes,
grades, portões, vidros inquebráveis, etc.);
• Enquadramento constante dos educandos;
• Possibilidade de revista dos espaços e dos
corpos.
O espaço do CESA constitui-se assim como
espaço de vigilância, espaço intensamente
defensável.
O Tempo, principais elementos:
• Regulação pormenorizada e encadeamento
num conjunto de actividades de participação
obrigatória (a dupla perda de liberdade de
que fala Sykes);
• Tempo hierárquica e administrativamente
imposto,
escapando
ao
controlo
dos
educandos (e, por vezes, dos próprios
funcionários);
• Tempo estilhaçado, tempo limbo, dissolução
das causas e dos efeitos.
A especificidade da articulação entre espaço
e tempo é a constatação que atravessa as
características nucleares das instituições
totais apontadas com Goffman: «Em
primeiro lugar, todos os aspectos da vida
são realizados no mesmo local e sob uma
única autoridade. Em segundo lugar, cada
fase da actividade diária do participante é
realizada na companhia imediata de um
grupo relativamente grande de outras
pessoas, todas elas tratadas da mesma
forma e obrigadas a fazer as mesmas
coisas em conjunto».
Prosseguindo com Goffman: «Em terceiro
lugar, todas as actividades diárias são
rigorosamente estabelecidas em horários,
pois uma actividade leva, em tempo
predeterminado, à seguinte, e toda a
sequência de actividades é imposta de cima,
por um sistema de regras formais explícitas
e um grupo de funcionários. Finalmente, as
várias actividades obrigatórias são reunidas
num plano racional único, supostamente
planeado para atender aos objectivos
oficiais da instituição».
O acolhimento dos novos educandos:
a) o acolhimento institucional:
• Este processo encontra-se minuciosamente
regulado nos artigos 10º a 13º do
Regulamento Interno do CESA.
• Visa a realização de uma avaliação do
educando e a sua integração gradual no
novo contexto.
• Integra procedimentos de tipo iniciático,
alguns
dos
quais
configuram
uma
mortificação do eu (Goffman).
O acolhimento institucional faz emergir não só
uma
certa
perversidade
institucional
(convoca-se o sujeito a responsabilizar-se
mas retira-se-lhe quase toda a sua
autonomia) mas também a lógica educativa
do CE: desapossamento abrupto, refundação
faseada.
Ou seja, “quem tira e volta a dar tem por
objectivo educar”.
b) O acolhimento pelos outros educandos:
• Por vezes, mas nem sempre, configura-se
como praxe (por vezes mais simbólica, por
vezes mais física e violenta);
• «Por que é que estás aqui? Qual foi a tua
medida?»;
• Constitui um exame ao recém-chegado
(porte físico, respeito demonstrado) e
procedimento da sua sintonização com as
regras do grupo.
A adaptação aos funcionários:
• A diversidade dos registos relacionais:
profissional, educativo, afectivo, quase
familiar, etc.
• Padrões interactivos: a recusa como
demonstração
calculada
de
poder;
desconfiança e vigilância mútuas; partilha
(de alimentos, brincadeiras, etc.); procura
de contacto físico (de carácter mais ou
menos sexual).
A adaptação aos colegas:
Os principais elementos organizadores da
interacção entre os educandos são a
hierarquia do grupo e a relação com
elementos externos.
• As partilhas e os abusos de poder
(alimentação, roupas, objectos, etc.);
• A fronteira entre a partilha da intimidade e
a invasão da privacidade;
• A micro-conflitualidade constante, resolvida
pela
sua
integração
no
registo
da
brincadeira.
Grupos e Líderes:
• Os processos de ascensão:
Embora a antiguidade da presença no CESA
seja o elemento que surge no discurso dos
educandos como justificação para as
diferenças hierárquicas, a força física e a
habilidade relacional são os factores
verdadeiramente importantes. A intriga,
por seu lado, é geralmente arriscada e
pouco eficaz.
Grupos e Líderes:
As relações de poder passam por:
• Demonstrar adesão e fazer cumprir um
código moral;
• Jogos de força;
• Cerimónias de degradação da identidade e
diversos tipos de abuso.
Os
comportamentos
desviantes
e
as
oportunidades mínimas:
No CESA; as zonas não reguladas pela
autoridade normal da equipa supervisora ou
são mini-lugares ou curtas fracções de
espaço-tempo que fogem a uma vigilância e
enquadramento
que
se
pretendem
permanentes. Essas zonas podem ser
aproveitadas
para
a
realização
de
comportamentos divergentes daqueles que
são institucionalmente aprovados. Por serem
zonas curtas e breves, chamo-lhes zonas de
oportunidades mínimas.
Os
comportamentos
desviantes
oportunidades mínimas:
e
as
• A sua criação exige um esforço continuado
por parte dos educandos: imaginação,
trabalho intenso de observação e vigilância
da equipa de supervisão, manipulação das
relações com os funcionários.
• O tabaco é o principal móbil da criação de
oportunidades mínimas.
2.2. a relação educativa
Os
Centros
Educativos
assumem-se como
espaços educativos totais: como diz a
Presidente do IRS no folheto informativo
de 2003: «o quotidiano em CE é um puzzle
contínuo
de
programas
educativos
e
terapêuticos, relacionados entre si, com o
objectivo último e comum de educar para o
direito,
fomentando
atitudes
de
responsabilização e prevenindo a prática de
novos delitos».
Dizer que o Centro Educativo é um espaço
educativo total significa que a sua
finalidade é a educação e que qualquer acto
realizado no seu interior é passível de ser
interpretado como educativo. A isto acresce
o facto de a vida dos educandos ser quase
integralmente realizada no seu interior. O
Centro Educativo surge assim como espaço
de disseminação intensa do educativo.
O âmbito da educação em Centro Educativo
estende-se muito além daquilo que diz
estritamente respeito à escola. Com efeito,
embora ocupe uma fatia importante do
tempo dos educandos na instituição, o
escolar não constituirá nem o instrumento
primeiro, nem o objectivo último do
cumprimento
do
mandato
do
Centro
Educativo.
A exterioridade do espaço escolar no CESA:
Este facto pode ser analisado em 3 dimensões
centrais, todas elas atravessadas pela
especificidade da relação entre docentes e
TPRS:
• o tempo institucional;
• os espaços lectivos;
• a abordagem aos alunos.
A escola de boas maneiras:
A identificação das instituições totais com
escolas de boas maneiras decorre do facto
de nelas a autoridade se dirigir «(…) para
um grande número de itens de conduta –
roupa, comportamento, maneiras – que
ocorrem
constantemente
e
que
constantemente
devem
ser
julgados»
(Goffman).
A escola de boas maneiras é:
• O processo educativo mais disseminado no
CESA;
• Um
processo
educativo
claramente
inespecífico e insuficiente para cumprir o
mandato institucional do CESA e as próprias
expectativas dos educadores.
A escola de boas maneiras concretiza-se na
intersecção de um conjunto de forças, nem
todas convergentes:
• uma autoridade institucional que pretende
ser
constantemente
reconhecida;
uma
intenção
educativa,
simultaneamente
profissional e emocional, por parte dos
funcionários;
• uma
insuficiente
preparação
técnicocientífica para tarefas de reeducação, o
que faz com que as iniciativas educativas se
baseiem essencialmente na experiência e no
senso comum;
(e ainda numa)
• adequação
funcional
entre
processo
reeducativo, funcionários e educandos que
passa por dar menos (programas específicos
de reeducação, programas terapêuticos,
dinâmicas de grupo orientadas para a
transformação
de
representações
e
comportamentos)
mas
simultaneamente
também exigir menos (rigor, trabalho
pessoal).
Áreas
de
incidência
de
boas
• Apresentação de si;
• Relacionamento com os outros;
• Demonstração
de
competências
sociabilidade politicamente correctas;
• Regras de etiqueta.
de
maneiras:
da
escola
O (outro lado) da educação para o direito:
As fragilidades conceptuais desta noção
espelham-se
nas
suas
fragilidades
operacionais.
A mediação e as estratégias de resolução de
conflitos estão ausentes do plano educativo
do CESA
este facto reforça o recurso
às relações de força em detrimento das
relações de sentido.
Razões para a fragilidade da educação para o
direito:
• Escassez
de
recursos
(financeiros
e
humanos);
• Burocracia (limita o surgimento de novas
iniciativas);
• Alocação dos técnicos superiores do CESA a
tarefas administrativas;
Assim, a educação para o direito acaba por
decorrer do:
• Contacto dos jovens educandos com os
processos
judiciais
nos
quais
estão
envolvidos (a adequação à norma resulta
mais
de
uma
instrumentalização
do
comportamento pessoal do que de uma
adesão ética e é, essencialmente, uma
“educação para o sistema judicial”);
• Contacto
com
o
senso
comum
dos
funcionários do CESA.
Membro da direcção do CESA:
«“Em primeiro lugar isto serve para isolar da
sociedade, para proteger a sociedade
daquilo que eles podiam estar a fazer se
estivessem lá fora. Depois, a questão da
reinserção é uma coisa que depende da
estrutura, da personalidade de cada um”».
2.3. a defesa institucional
Constatada a fragilidade, a porosidade do
modelo educativo do CESA, encontra-se o
motor da sua organização quotidiana nos
processos de defesa institucional: é esta
preocupação defensiva, mais do que a
educativa, que caracteriza o funcionamento
do CESA.
As raízes da noção de defesa institucional:
• O conceito de defesa social (Adolphe Prins);
• O reconhecimento weberiano de que as
actividades de auto-preservação absorvem
boa parte das energias de uma instituição;
• O
crescente
prestígio
da
managerialista nos domínios da
juvenil e da educação.
lógica
justiça
A defesa institucional em acção:
1. A lógica de controlo dos educandos:
a) O
enquadramento
constante
(a
observabilidade permanente, a definição
simplista das possibilidades morais. A sua
eficiência mais como dispositivo físico de
ocupação
do
espaço
do
que
como
procedimento interpreativo);
b) A omnipresença da dicotomia entre o
permitido e o proibido (e sua articulação
com a manutenção da ordem, eixo central
da defesa institucional).
A defesa institucional em acção:
2. As estratégias de prevenção, identificação
e resolução de problemas:
a) A identificação de potenciais fontes de
problemas (em elementos nucleares da vida
institucional);
b) A contenção dos conflitos (a prevenção e o
evitamento do contágio, o recurso à regra
evidencial da suspeita, a demonstração de
superioridade cognitiva e experiencial);
A defesa institucional em acção:
2. As estratégias de prevenção, identificação
e resolução de problemas:
a) A gestão da informação (a informação
revelada e a informação retirada aos
educados);
b) A discricionariedade das actuações (os
regulamentos como recurso e não como
imposição formal e abstracta – a
inexistência de correspondência exacta
entre situações concretas e invocação de
regulamentos).
A defesa institucional em acção:
3. O funcionamento da hierarquia:
a) A cadeia de comando (que transcende o
próprio CESA e apresenta tonalidades
paramilitares, a pressão social);
b) A gestão burocrática (o confronto entre
uma impossível redenção administrativa e a
imprevisibilidade orgânica do quotidiano, ou
o confronto entre a ordem admnistrativa e
a ordem educativa).
À medida que se tornam progressivamente
reflexivas e orientadas para a sua
estabilidade, instituições do tipo do CESA
concentram-se essencialmente na defesa de
si mesmas e dos perigos potenciais latentes
no seu interior. Se por um lado já não se
organizam para a punição do infractor, por
outro, mais do que transformar o sujeito
delinquente
importa-lhes
assegurar
a
integridade do sistema no qual estão
integradas.
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Centros educativos em Portugal