III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
AUTOR DO TEXTO: Rubenilda Sodré dos Santos
A integração entre países sul-americanos por meio da cooperação
cultural e científica: desafios e perspectivas num contexto de globalização
RESUMO: Este artigo se insere no campo de estudos da Sociologia Política e da
Sociologia das Relações Internacionais e aborda o papel das novas formas de cooperação
centradas na cultura, especialmente na área da ciência, tecnologia e ensino superior no
âmbito regional sul-americano. O artigo considera a capacidade e os desafios do Estado
brasileiro em atuar conjuntamente com outros países da América do Sul, em especial
Argentina e Chile - ambos envolvidos nas políticas de integração regional do Mercado
Comum do Sul (MERCOSUL) -, em ampliar ações voltadas para o desenvolvimento das
áreas mencionadas. Desse modo, sustenta a idéia de que os investimentos em ciência,
tecnologia e conhecimento, sobretudo em tempos de globalização, ampliam as relações
democráticas e de integração entre atores envolvidos (Estados, organizações
multilaterais, civis etc.) e as condições para uma maior justiça social, a partir do fomento
à produção de recursos humanos e capital social na região.
Globalização e cooperação
Os discursos acerca da globalização têm subvertido uma série de valores
tradicionais e de aceitação até então generalizada, tanto para a análise das formas de
organização da sociedade e da economia quanto para a ação política moderna e a
cultura. O fenômeno (ou processo) da globalização põe em evidência o sentido e o
conteúdo da cultura e com isso uma série de desafios analíticos para as ciências sociais.
O contato e a convivência com diferentes culturas, a intensificação dos fluxos migratórios
e virtuais propiciados por novas tecnologias de comunicação e informação, a difusão de
produtos e indústrias culturais, além das lutas e valorização de temas como
multiculturalismo e direitos humanos são alguns elementos privilegiados quando cultura
e globalização são postos em pauta. Segundo Giddens (1990) a modernidade tem
separado, cada vez mais, o espaço do lugar ao reforçar relações entre outros que estão
ausentes, distantes, de qualquer interação face a face. Nas condições da modernidade
global há processos de desencaixe onde os locais são inteiramente penetrados e
moldados por influências sociais bastante distantes, por isso não é apenas o que está
presente na cena que estrutura o local, a “forma visível do local oculta as relações
distanciadas que determinam sua natureza” (p.18).
A intensificação das relações sociais no nível transnacional implica em repensar
categorias como cultura, identidade e integração na medida em que seus processos
atuam em escala global, atravessando fronteiras nacionais, integrando e conectando
comunidades e organizações, por um lado, e acentuando diferenças em alguns casos
(nacionalismos, fundamentalismos etc.) através de novas combinações espaço-tempo,
por outro lado, o que torna o mundo como realidade e como experiência mais conectado
(MCGREW1, 1992 apud HALL, 2002). Nesse sentido, a cultura na América Latina deixou
de ser concebida unicamente dentro de um quadro nacional para levar em conta a
globalização e suas novas realidades (YÚDICE, 2006). As tendências globais imprimiram
sua tônica peculiar em função da integração desses países ao mundo globalizado,
incluindo estratégias de atores (estatais, não-estatais, multilaterais) em processos de
integração diversos. A integração e a cooperação internacional entre países que
1
MCGREW, A. A global society. In: HALL, Stuart; HELD, David; MCGREW, Tony (Orgs.). Modernity
and its futures. Cambridge: Polity Press/Open University Press, 1992.
2
compartilham valores e afinidades (tradição histórica, cultura, línguas etc.) condicionam
estratégias de adaptação e desenvolvimento no complexo espaço mundial globalizado,
onde o exemplo mais paradigmático é o da União Européia. Nesse sentido, o objetivo do
presente artigo é discutir algumas formas de cooperação internacional no campo da
cultura entre países sul-americanos, partindo de um estudo comparativo entre Brasil,
Argentina e Chile. Pretende, então, ressaltar alguns acordos e políticas de intercâmbio a
partir da atuação de atores tradicionais da cooperação, os Estados e suas ações no
âmbito do MERCOSUL.
Conhecimento, desenvolvimento e democracia: perspectivas sobre a justiça
social
Do ponto de vista deste artigo a cultura é entendida como um recurso amplo da
contemporaneidade e diz respeito desde o reconhecimento social de identidades e
singularidades culturais (TAYLOR, 1994; FRASER, 2000) até elementos do
desenvolvimento que abrangem recursos sócio-econômicos, educacionais e intelectuais
que são condições básicas para a emancipação humana e a redução das desigualdades
(YÚDICE, 2006). Compreende-se que os processos de cooperação e integração ao nível
cultural tendem a favorecer o desenvolvimento social como base da convivência justa e
com maior equidade, que são fundamentos da democracia moderna. Nesse sentido, este
trabalho enfatiza o campo de desenvolvimento da ciência e do ensino superior, porque
ambos têm papel importante na consolidação de processos democratizantes. Eles
propiciam, por um lado, o desenvolvimento sócio-econômico de uma sociedade e, por
outro, a formação de uma cultura política com base em saberes e consciência cívica, que
incrementam os vínculos sociais, produzindo o senso de pertencimento em micro e macro
escalas.
O acesso ao conhecimento em tempos globais configura-se também em relação
à igualdade nas oportunidades de vida, tal como Heller (1998) descreve, já que estas
realmente objetivam o sentido moderno de justiça e igualdade de fato. Consolidada por
normas já instituídas ou por novas normas que surgem para atender às necessidades
emergentes dos indivíduos, grupos ou organizações – o que a autora denominou de
justiça dinâmica -, a justiça é operacionalizada tanto pela razão instrumental (leis e
contratos) como pela racionalidade comunicativa que regula as trocas dos indivíduos na
esfera pública, cada vez mais marcada pela pluralidade hoje (FRASER, 1992).
Para entender as questões de justiça social em tempos de globalização o
reconhecimento social é imprescindível para Fraser (2000). Segundo a autora, o que
garante a moralidade é o procedimento, isto é, aquilo que permite a garantia da
participação paritária na vida cotidiana e nas esferas públicas porque todos possuem
direitos iguais a ter estima social, como condição de igual oportunidade de vida. As lutas
por reconhecimento podem ajudar tanto na redistribuição de poder e riqueza quanto
podem promover interação e cooperação onde há abismos entre diferenças. Portanto, ser
reconhecido para a autora é ter assegurada a capacidade de participação nas diversas
esferas da vida coletiva, tal como o sujeito emancipado de quem fala Touraine (1995):
“O Sujeito é a vontade de agir e ser reconhecido” (p. 219-220); capaz de combinar
racionalidade e subjetividade ele se torna um sujeito no mundo, que concebe a si mesmo
como ator, responsável perante si mesmo e perante a sociedade.
O processo da globalização tem favorecido a ampliação do espaço para aqueles
envolvidos em novos arranjos políticos, novas formas de inserção no poder, atuando em
movimentos sociais plurais e transnacionais; isto é, a globalização em relação à cultura
política mobiliza atores políticos que extrapolam as fronteiras dos Estados-nação para
defender bandeiras diversas, mas também bens públicos globais (e.g. paz, meio
ambiente) e responsabilidades recíprocas (BADIE, 2000). A política global hoje
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(international politics) se caracteriza, portanto, por um complexo sistema de tomada de
decisões, no qual atores estatais e não-estatais intervêm através de seus recursos de
poder (representação formal, investimentos, finanças, tecnologias, informação, cultura,
símbolos) que vão do nível local ao global. A literatura sobre as relações políticas e
internacionais das nações e Estados aponta atualmente para uma complexificação do
campo político internacional, em contraste com as antigas relações inter-estatais, hoje
marcado por um multilateralismo complexo em que atores diversos permanecem num
constante processo de (re)definição das regras e procedimentos democráticos (MILANI &
LANIADO, 2006).
Desse modo, o campo da cooperação internacional tem acenado para trocas que
vão além da política e da economia, para abarcar valores culturais como elementos
imprescindíveis para entender o desenvolvimento social e econômico, e seu valor de
explicação sobre a integração social. Com base nesta assertiva destaca-se o papel da
cooperação cultural e científica na região sul-americana, e sua capacidade de promover
as condições de formação cultural (consciência cívica e democrática) e desenvolvimento
social, que são elementos preponderantes para a ação instrumental do indivíduo, para
integrá-lo na nação e também integrar a nação ou grupo de nações como parte ativa no
mundo globalizado (CANCLINI, 2008). Para Canclini não haverá integração no contexto
latino-americano enquanto não for incluído na agenda da cooperação entre esses países
formas de cidadania mútua que reconheçam os direitos de todos os que produzem e
interagem dentro ou além de seus territórios.
Os países que abrangem este trabalho - Argentina, Brasil e Chile - compartilham
diversas similitudes e apresentam convergências no contexto sul-americano.
Analiticamente, entre aspectos aglutinantes destacam-se os idiomas de origem ibérica; a
matriz católica de colonização; o caráter de sociedades/economias capitalistas tardias ou
periféricas e o peso de relações sociais tradicionais que marcaram o campo político,
social e as formas estatais de poder. Ademais, estes países atravessaram regimes
políticos ditatoriais durante os anos 1960-1970, para somente em seguida iniciar
processos de redemocratização com a abertura política. As mudanças ocorrem sob uma
matriz sociopolítica fundada num desenvolvimento com autonomia relativa entre Estado
e sociedade civil, associados, ainda, a uma densa rede de movimentos sociais e atores
coletivos. A organização e o desenvolvimento da sociedade civil nesses países foram –
antes que em outros países da região – mais fortes e produziram mais espaços de
autonomia relativa. Concomitantemente, o Estado e os partidos políticos também se
fortaleceram como atores centrais da política. Esse processo resultou em maiores taxas
de participação cidadã, sobretudo a partir de meados dos anos 1980, através da
expansão do sufrágio universal e pela evidência de novos movimentos sociais,
debilitando, conseqüentemente, formas oligárquicas de controle social e do Estado e
transformando a cultura política da região (SIERRA, 2008). Em termos de conjuntura
histórica, a democratização na América Latina ocorreu simultaneamente à globalização
produzindo o paradoxo entre mais democracia e mais concentração de riqueza.
Portanto, pretende-se buscar uma (re) significação em relação ao papel da
cooperação científica e cultural enquanto ações destacadas porque estas são
responsáveis não só pela formação de recursos de alto nível e produção de
conhecimento, condições indispensáveis ao deslocamento destes países do patamar de
países periféricos para o patamar de uma inserção mais ativa no mundo globalizado
(MAROSINI, 1998), mas também funções a serem construídas na formação da integração
cidadã e ampliação de espaços mais democráticos de vivência e reprodução social.
4
Cooperação cultural e científica no âmbito do MERCOSUL
A ótica da cooperação internacional considerada na conjuntura global após a
queda da bipolaridade (Estados Unidos X União Soviética) se explica por novas dinâmicas
e pela intensificação da interdependência (econômica, tecnológica, ambiental etc.) entre
as diferentes unidades do sistema-mundo, além dos desafios lançados pelos novos atores
transnacionais que emergem na cena atual. Se por um lado há um enfraquecimento do
Estado, por outro testemunha-se o renascimento do político associado a uma
multiplicação e difusão de instâncias de decisões políticas, representação de interesses e
negociação no nível transnacional (BECK, 1997; MELUCCI, 1989). Há um processo de
transformação gradual da política tradicional em novas relações políticas baseadas em
trocas e negociações que, por meio de confronto e mediação de interesses, produzem
decisões onde antes havia apenas mecanismos para transmitir regulações através dos
meios convencionais de poder. Nesse sentido, a integração regional como espaço de
troca e negociação apresenta potencialidades para a superação de obstáculos que
condicionam o processo de desenvolvimento em diversas partes do mundo e,
especialmente, na América do Sul que é o tema deste artigo. A articulação entre a
globalização e os processos de integração regional resulta na ampliação do sentido das
trocas e da reciprocidade generalizada (LANIADO, 2001) que vão além da escala local e
dos valores nacionais, para construções mais solidaristas com ganhos reais para o
desenvolvimento dos países envolvidos.
A cooperação Sul-Sul visa hoje beneficiar-se das possibilidades do sistema
internacional. No campo político, a nova ordem global aponta para a necessidade das
sociedades partilharem de normas internas comuns identificadas com um pluralismo
democrático e demais convergências sociais. A opção pelo regionalismo, que se traduz
desde formas superficiais de cooperação entre países até experiências mais profundas de
um mercado comum, tornou-se uma opção importante de inserção e interdependência no
campo econômico sul-americano, mormente após a estruturação do MERCOSUL. O bloco
foi criado através do Tratado de Assunção firmado em 1991, entre Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai; mas, somente em 1994 foi assinado o Protocolo de Ouro Preto que
lhe concedeu uma estrutura institucional. Desde 1996, o Chile participa do MERCOSUL
como membro associado/observador, conformando uma Zona de Livre Comércio com
processos próprios de adequação. No caso particular do MERCOSUL, este se apresenta
como uma resposta regional para a competição econômica global, liderada pelos EUA, e
comporta uma relativa subordinação das economias satélites à do país nuclear, neste
caso, o Brasil (YÚDICE, 2006). A tão buscada integração regional pode ser definida neste
trabalho como “um processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência
das relações entre atores levando à criação de novas formas de governança políticoinstitucionais de escopo regional” (HERZ & RIBEIRO HOFFMANN, 2004), onde se integrar
significa que os atores passam a fazer parte de um sistema político - de tomada de
decisão - comum. Embora a integração cultural esteja ausente no NAFTA (North
American Free Trade Agreement) e relativamente fraca na União Européia, ela está em
condições de se transformar na América do Sul num dos principais motores da
cooperação e do desenvolvimento, fundamentada em princípios como direitos humanos e
diversidade cultural.
Atualmente vem ocorrendo um processo de aproximação maior entre os países
sul-americanos em que o estreitamento dos laços transfronteiriços entre o Brasil e seus
vizinhos é uma evidência empírica desse elemento. Pode-se afirmar que, além disso, a
mola propulsora da integração física, amparada, sobretudo no setor infra-estrutural
regional e de energia, tem favorecido uma regionalização de políticas externas entre
estes países sul-americanos (GALVÃO, 2009). Ademais, presencia-se a construção de
uma estratégia regional, principalmente com a aproximação entre a Comunidade Andina
e o MERCOSUL, e da União das Nações Sul-americanas (Unasul) criada em 2008 no plano
regional, além do alinhamento de grandes fóruns internacionais contra as barreiras
5
protecionistas que limitam o acesso aos mercados dos países desenvolvidos, e uma
oposição sistemática às assimetrias da economia globalizada, elementos que evidenciam
um processo de construção identitária em curso na América do Sul (GALVÃO, 2009).
Em contraste como o NAFTA, o MERCOSUL tem um complemento cultural oficial,
evidente em suas diversas organizações, especialmente as profissionais (incluindo
ministros e secretários de cultura dos países-membro) que se reúnem para discussão de
assuntos sociais, educativos, comerciais e culturais partindo do regional. Na primeira
dessas reuniões anunciou-se um “MERCOSUL da Cultura” ou zona cultural integrada dos
países do MERCOSUL, ressaltando a promoção do bilingüismo espanhol/português na
educação e outras esferas e a livre circulação de bens e serviços culturais para que os
países se conhecessem mutuamente. No entanto, a imbricação entre cultura e economia,
que está na base da criação do MERCOSUL Cultural, deve atentar para o fato de que
integração e inclusão democrática dos países e de suas regiões incorrem no risco de
marginalização de certas áreas/territórios dos países-membro e da predominância da
perspectiva comercial dos produtos culturais (YÚDICE, 2006; CANCLINI, 2008).
No campo cultural o Estado é o promotor direto de programas e ações de cultura
seja através da institucionalização do sistema escolar, da propriedade e regulamentação
das mídias ou da implantação de órgãos administrativos específicos voltados para a
formulação, gestão e implementação de políticas públicas. No âmbito sul-americano o
Estado é o lugar de articulação entre os governos e atores privados, demais entidades e
sociedade civil, é o agente de regulação, arbitragem e responsabilidade pelo acesso aos
bens culturais e na relação com outras nações. Associada ao papel de arbitragem do
Estado, a atuação de organismos internacionais para a promoção da cultura é
fundamental, sobretudo a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura) que é também um ator privilegiado neste âmbito. Ela congrega hoje
cento e noventa Estados-membros em sua órbita o que lhe confere uma amplitude
significativa de atuação e influência sobre a formulação de políticas culturais nesses
países.
Desafios e perspectivas da integração cultural e científica: alguns dados
empíricos sobre o tema
De acordo com Saraiva e Almeida (1999) o desenvolvimento da cooperação
científica, embora muito marcado por participações do setor privado, apóia-se
basicamente em orientações do setor público, que deve implementar políticas para este
fim. O Estado deve atuar de forma complementar às iniciativas privadas e como
coordenador do conjunto de empreendimentos nesta área. Na região sul-americana, em
especial entre Brasil, Chile e Argentina, as políticas públicas de ciência e tecnologia
enfrentaram historicamente dificuldades pelo seu isolamento no conjunto das políticas
públicas, falta de recursos e fraqueza das instituições responsáveis, além das diferenças
existentes entre as políticas científicas e as questões de titulação e ensino universitário
nos países. Apesar destas limitações, existem alguns esforços no sentido do que se pode
chamar de cooperação científica e tecnológica, ainda em curso para uma integração mais
consistente da região.
No que se refere ao campo da educação superior e pós-graduação, desde 1995
foi firmado um protocolo no âmbito do MERCOSUL que estabelece a aceitação por parte
dos Estados-membros e associados de títulos universitários expedidos por instituições de
ensino reconhecidas entre estes países. No mesmo ano, outro protocolo estabeleceu a
busca de padrões e critérios comuns de avaliação de programas de pós-graduação e o
compromisso dos países em adaptar estes programas a uma formação igual ou
equivalente; ademais, o protocolo estabelece uma política de intercâmbio de estudantes
e pesquisadores entre países da sub-região; fatores importantes para a integração
6
educacional (VELOSO, 1999). No Brasil, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior) tem ressaltado a presença de cursos de pós-graduação
brasileiros nestes países e de cursos brasileiros reconhecidos em toda a América Latina.
Da mesma forma o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico), por seu turno, reserva para seus Grupos de Pesquisa um papel de destaque
para o diálogo com pesquisadores de universidades do MERCOSUL (SARAIVA & ALMEIDA,
1999). Esta resolução é reforçada pelo acordo que admite a validade dos títulos de
graduação e pós-graduação para as atividades de docência e pesquisa nas instituições de
ensino superior entre os países, favorecendo a troca e o intercâmbio de pesquisadores,
estudantes e docentes. 2
Por outro lado, os países vêm adotando políticas públicas que visam à
aproximação entre universidades e empresas, com alguns projetos e experiências
relacionando universidades e setor produtivo no Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. A
interação se dá por meio de políticas sob a intervenção do Estado na elaboração de
mecanismos que promovam a incorporação dos resultados das pesquisas científicas às
aplicações comerciais (VELHO 1998). Na verdade, desde sua criação, o MERCOSUL
privilegiou, ao menos no nível do discurso oficial e da previsão de ações, as atividades de
cooperação em ciência e tecnologia (C&T). Os esforços, ainda que modestos, dos paísesmembros para fortalecer parcerias em C&T são anteriores à criação formal do bloco. É o
caso de Argentina e Brasil que já na década de 1980 estabeleceram missões conjuntas
em setores estratégicos, tais como o aeronáutico/espacial e novas tecnologias, incluindo
a pesquisa nuclear (VELHO 2001). Ainda que a cooperação na área seja privilegiada com
parceiros da Europa e Estados Unidos, dentro do marco institucional do Mercosul existe
um fórum específico de debate e coordenação de questões de C&T denominada Reunião
Especializada em Ciência e Tecnologia (RECYT); todas as diretrizes elencadas por este
fórum para os países constituintes envolvem atividades de cooperação.
Velho (2001) destaca a cooperação por meio de universidades que ocorre de
forma mais ativa em relação à pesquisa científica e formação de recursos humanos no
nível de pós-graduação, que é marcada por com um fluxo invariável em direção às
universidades do sudeste brasileiro. Este fato deve-se à estrutura consolidada de
pesquisa e pós-graduação do sudeste do país, um pólo de atração para estudantes de
toda a América Latina. Para ilustrar a questão, a autora destaca dados do Programa de
Bolsas de Pós-graduação para Estudantes Estrangeiros (PEC/PG) que, de 1994 a 1997
concedeu 82 bolsas para a Argentina, 48 para o Chile, 70 para o Paraguai e 79 para o
Uruguai, totalizando 279 bolsas (COSTA & VELHO, 1997).
A recente experiência da Universidade Federal da Integração Latino-americana
(UNILA), impulsionada pelo governo brasileiro e sancionada no corrente ano de 2010
pelo presidente da república, também se constitui como um exemplo de ação de
governos voltada para a cooperação cientifica na região. A UNILA pretende valorizar a
integração regional apoiada no conhecimento compartilhado, através da cooperação
entre diversas universidades latino-americanas. A universidade conta em sua estrutura
com 50% de professores brasileiros e 50% de professores estrangeiros dos diversos
países latino-americanos; compõe-se de aproximadamente vinte cursos de graduação em
diversas áreas e a universidade foi implementada para também receber alunos
provenientes de países latino-americanos; a UNILA está integrada a uma rede com cerca
2
Este acordo foi sancionado pelo Decreto nº 5.518, de 23.08.2005 e antecedido pela aprovação do
Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 800, de 23.10.2003, estando esses
diplomas legais em perfeita consonância com os artigos. 49, I, e 84, VIII, da Constituição Federal
(Fonte: www.capes.gov.br).
7
de vinte e duas universidades de toda a região e pretende um ensino de caráter trans e
interdisciplinar. A UNILA iniciou suas atividades no segundo semestre de 2009,
juntamente com a implantação do Instituto MERCOSUL de Estudos Avançados (IMEA),
instituído pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), instituição tutora da UNILA e tem
suas atividades sediadas no Parque Tecnológico de Itaipu (PTI), Foz do Iguaçu (PR) 3.
Atualmente, alguns de seus cursos de graduação encontram-se no aguardo da aprovação
pelo Ministério da Educação brasileiro.
Quanto ao setor produtivo envolvido na cooperação, nota-se com mais destaque
a transferência de conhecimento específico e fluxos de informação com mais freqüência
para o Brasil e algumas empresas (EMBRAER, USIMINAS, SOFTEX MERCOSUL etc.). Na
Argentina destaca-se o setor da biotecnologia, cujas empresas têm filiais e licenças
concedidas a brasileiras. O resultado mais direto do impacto do MERCOSUL na
conformação de uma rede regional de cooperação em C&T parece ser a modalidade de
parceria que visa à harmonização de normas técnicas, padronização e regulamentação de
produtos e processos (Metrologia, Normalização e Qualidade); entre os parceiros estão
as universidades, empresas estatais, institutos de pesquisa, autarquias do governo
federal, entre outros (VELHO, 2001). Pode-se dizer que, ainda que as experiências de
cooperação em C&T sejam modestas em termos de volume, variedade e valor, elas
demonstram um potencial integrativo com políticas impulsionadas por convergências e
pela proximidade entre os países envolvidos e, principalmente, pela relevância
estratégica das instituições de ensino e pesquisa na região, como motor para o
desenvolvimento e a justiça social que ele pode trazer.
Considerações finais
O contexto da globalização tem influenciado os processos de integração regional
em diversas partes do mundo, através da formulação de estratégias protecionistas e
blocos de países frente o mercado neoliberal e às próprias conseqüências negativas da
globalização, como o aumento das desigualdades. Na América do Sul, observa-se uma
aproximação maior entre os Estado-nação atualmente em virtude também do
reconhecimento de similitudes, identidades e convergências históricas neste contexto.
Este artigo discutiu brevemente algumas iniciativas de cooperação científica e cultural
como elementos de aproximação e integração tendo em vista suas possibilidades, a
partir da ação dos Estados, em proporcionar maior desenvolvimento na região através de
integração de políticas capazes de favorecer a formação de recursos humanos e
democráticos. Estas formas de cooperação refletem pontos de debilidade e limitações,
mas também revelam ações potenciais e iniciativas exitosas que caminham para o
enfrentamento de desigualdades regionais e uma maior interação e diálogo entre os
países envolvidos. Destarte, estas ações podem fortalecer ainda mais os processos de
integração cultural e científica que são tão importantes para o posicionamento de
qualquer país frente um mundo globalizado.
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