ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA
SUPLEMENTO ESPECIAL
13 de Julho de 2015
FOTO: CLÁUDIA ARANDA
A PÉROLA ADORMECIDA
DO ATLÂNTICO
II | PAÍS
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
“A liberdade é uma conquista
que ninguém consegue apagar”
No 40º aniversário da independência de São Tomé e Príncipe, a liberdade continua a ser a conquista mais valorizada
pelos “filhos da terra”, que olham para o futuro com a esperança de que o país entre definitivamente num novo ciclo
de progresso e desenvolvimento, depois de restaurada a estabilidade política, nas legislativas de 2014.
TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA
T
de estudantes santomenses formados
em Cuba. “Como não havia uma linha
de continuidade das políticas, estávamos
sempre a voltar à estaca zero. Esperemos
que agora consigamos uma estabilidade,
que se respeitem os mandatos eleitorais.” O
médico admite haver “falta de uma cultura
democrática” dentro da classe política.
“Esta instabilidade deve-se a uma certa
falta de preparação para a democracia,
mas com o tempo vamos aprendendo.”
A vitória do partido Acção Democrática
Independente (ADI), liderado pelo agora
primeiro-ministro Patrice Trovoada, nas
eleições legislativas de 12 de Outubro de
2014, é vista pelos analistas como uma
indicação clara do desejo da população
em restaurar a estabilidade política num
país onde nenhum governo concluiu
o seu mandato desde 1990, quando a
democracia multipartidária foi introduzida.
O resultado também demonstra a vontade
do eleitorado em criar um ambiente
propício para restaurar a confiança dos
investidores.
Edgar Neves tem esperança que os políticos
“se apercebam que esta instabilidade não
leva a parte nenhuma, que só leva ao
atraso e a um certo descrédito perante a
comunidade internacional”.
UM NOVO CICLO
NA VIDA DO PAÍS
Em declarações ao PONTO FINAL, Luís
Amado, político português, antigo ministro
dos Negócios Estrangeiros e secretário
de Estado dos Negócios Estrangeiros e
da Cooperação de Portugal, afirma que,
“havendo uma maioria confortável no
FOTO: CLÁUDIA ARANDA
alvez seja o pragmatismo dos
santomenses que tem permitido
ao país e à população prosseguir
caminho, de forma pacífica, ao ritmo
“leve-leve”, (expressão local que quer dizer
“com calma”), apesar da instabilidade
governativa que marcou os últimos 25 anos
da vida política de São Tomé e Príncipe. O
país obteve a independência a 12 de Julho
de 1975 e introduziu a democracia e o
multipartidarismo em 1990. As mudanças
de governo e os golpes de Estado
(falhados) aconteceram sem violência. Mas
esta instabilidade governativa terá afectado
o progresso do país.
Na opinião de Edgar Neves, médico, antigo
ministro da saúde santomense (2002), “a
instabilidade governativa é um dos factores
que levou à quebra de uma linha contínua
no desenvolvimento económico do país”.
“Pelas minhas contas, chegámos a ter
governos que não chegavam a durar oito
meses. Durante anos e anos, nunca um
governo conseguiu fazer uma legislatura
completa, foram todos interrompidos”, diz
o médico, que fez parte do primeiro grupo
parlamento, de um partido, pela primeira
vez, há de facto condições para prever um
período de estabilidade e, portanto, um
ciclo mais harmonioso de planeamento
e de decisões em termos governativos,
precisamente pela garantia que a situação
politica oferece neste momento”.
O partido de Patrice Trovoada, o ADI,
obteve uma vitória decisiva ao conquistar
33 dos 55 lugares na Assembleia Nacional
– quatro dos assentos foram ganhos por
mulheres. O segundo partido mais votado
foi o Movimento de Libertação de São Tomé
e Príncipe (MLSTP/PSD), o antigo partido
único, que elegeu 16 deputados contra 21
na anterior legislatura. O novo governo
substituiu a coligação que assumiu o poder
em Dezembro de 2012, após o colapso do
governo anterior, quando Patrice Trovoada
e o seu governo foram derrubados por uma
moção de censura.
No entender de Luís Amado, as repetidas
alterações nos governos, mais dois golpes
de Estado falhados, em 1995 e em 2003,
devem-se a “um vício que decorre da
Constituição que, de alguma forma,
tem sido responsável pela instabilidade
governativa” ao longos das últimas
décadas. “O facto de haver um presidente
eleito e um primeiro ministro eleito, que
nem sempre representam a mesma maioria
e que geram, por isso mesmo, conflitos
e atritos, tem provocado sucessivas
mudanças na cabeça do governo e portanto
pouca consistência e fraca coerência das
políticas e das decisões que são tomadas
com impacto no desenvolvimento do país”,
diz o antigo governante, um profundo
conhecedor da realidade de São Tomé
e Príncipe e que, enquanto ministro dos
Negócios Estrangeiros, impulsionou o apoio
português à candidatura da ilha do Príncipe
a reserva mundial da biosfera.
Luís Amado aponta como factor positivo
de transformação a “mudança de geração
na elite política de São Tomé e Príncipe”.
“Os partidos tradicionais de alguma forma
perderam poder e influência e as suas
elites também foram renovadas. Há, por
isso, uma expectativa legítima de encarar o
futuro do regime com outra tranquilidade”.
“Estou convicto que São Tomé iniciou
um ciclo novo, de desenvolvimento e de
progresso, que tem como pressuposto
fundamental a estabilidade governativa
e uma maioria que sabe o que quer, que
tem ideias para o país e que viu essas
ideias serem sufragadas de uma forma
contundente nas ultimas eleições”, conclui
Luís Amado. As próximas eleições previstas
para 2016 são presidenciais. O presidente
incumbente de São Tomé e Príncipe é
Manuel Pinto da Costa, que completará 79
anos em 2016.
À ESPERA DO PETRÓLEO
Uma das muitas promessas que continua
por cumprir, no país que agora completa
40 anos de independência, é a da riqueza
do petróleo. Os santomenses continuam
à espera “dos frutos do ouro negro”.
“Surgiu aquele indício, aquela promessa do
petróleo, que veio deixar as pessoas mais
ansiosas, mas o processo continua muito
demorado, ainda é uma miragem, mas
um dia esperamos que venha a ser parte
da nossa economia”, diz o médico Edgar
Neves.
Atrasos no início previsto da exploração
do petróleo têm estado a adiar
constantemente as perspectivas de riqueza
com base neste recurso. A prospecção
de petróleo no país foi iniciada em 1997
e as avaliações mais optimistas na época
indicavam que a produção poderia ter
início em 2002. O arranque da produção de
petróleo encontra-se agora previsto para
2018/19, em vez de 2015, aumentando
a pressão sobre as autoridades e gerando
especulações sobre o futuro da extração de
petróleo no país.
Não obstante estes atrasos, o país já
arrecadou, pelo menos, 60 milhões de
dólares norte-americanos, entre 2003 e
2013, de acordo com o primeiro relatório
da Iniciativa para a Transparência na
Indústria Extractiva (ITIE) divulgado em
Maio e citado pela agência de notícias
santomense, STP Press. Um relatório de
2014 do banco português Caixa Geral de
Depósitos sobre oportunidades e potencial
de desenvolvimento de São Tomé estima
que o país recebeu pelo menos 79 milhões
de dólares entre 2005 e 2009, em bónus de
assinatura, valor reforçado com a assinatura
posterior de novos contratos de prospecção
celebrados para a exploração do petróleo
na zona conjunta de São Tomé e Príncipe e
Nigéria, e na zona de exploração exclusiva
de São Tomé e Príncipe.
Enquanto o petróleo não chega, o
país continua a debater-se com a forte
dependência das ajudas externas. À falta
do ouro negro, o governo regional da ilha
do Príncipe decidiu mudar a sua prioridade
de desenvolvimento para actividades não-
petrolíferas, nomeadamente agroturismo,
pesca e agricultura.
Em Janeiro de 2014, as autoridades
aprovaram um orçamento geral de
Estado de 159 milhões de dólares norteamericanos, com cerca de 93 por cento das
despesas de capital a serem financiadas
através de ajuda externa. Para 2015 o valor
aprovado foi de 154 milhões de dólares
norte-americanos, segundo dados citados
pela STP Press, dos quais 94 milhões de
dólares (61 por cento) são financiados sob
a forma de donativos ou empréstimos do
exterior.
De acordo com o relatório “Perspectivas
Económicas em África – 2015” (African
Eonomic Outlook 2015) produzido pelo
Banco Africano do Desenvolvimento,
Organização
para
Cooperação
e
Desenvolvimento Económico (OCDE)
e Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), o desempenho
económico recente de São Tomé e Príncipe
foi impulsionado fundamentalmente pelos
sectores da agricultura, dos serviços – onde
se inclui o turismo – e pela construção. A
aceleração do crescimento para 4,9 por
cento em 2014, face aos 4 por cento em
2013, parece todavia não ser suficiente
para enfrentar o desafio do emprego. A
taxa de desemprego manteve-se elevada,
13,6 por cento, afectando principalmente
os jovens.
HÁ PROGRESSOS
MAS A POBREZA PERSISTE
Nestes conturbados 40 anos de
independência, a conquista da liberdade
III
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
prevalece enquanto “valor inestimável
alcançado”, conforme refere o jornalista
Maximino Carlos, antigo director da Rádio
e Televisão de São Tomé e Príncipe.
“O facto de o país ter assumido a sua
independência, os filhos da terra terem
assumido o destino do país [é importante].
Depois essa liberdade foi consolidada em
1990, quando a maioria da população
num referendo constitucional realizado
nesse ano decidiu pela introdução de
uma democracia multipartidária, e hoje
temos uma nova constituição que permite
a liberdade de expressão e a liberdade de
pensamento, todas as garantias são dadas
aos cidadãos num regime de Estado de
direito. Acho que isto é fundamental.”
“A liberdade foi uma conquista que
ninguém consegue apagar”, acrescenta
Edgar Neves, referindo-se aos anos 1990.
O país fez progressos, mas muito limitados
na redução da pobreza e na melhoria do
desenvolvimento humano. Praticamente
metade da população (49,6 por cento)
continua a viver abaixo do limiar de pobreza
e 15,9 das pessoas vivem uma situação de
pobreza extrema – ou seja, com menos de
um dólar norte-americano por dia (o Banco
Mundial utiliza a referência de 1 dólar por
dia por pessoa como o valor disponível
para os alimentos necessários para repor
os gastos energéticos) – em comparação
com 53,8 por cento e 19,2 por cento,
respectivamente, em 2001. Um estudo de
2011 realizado pelo governo, o PNUD e o
Instituto Nacional de Estatística, constatou
que a pobreza afecta principalmente
as mulheres (71,3 por cento) e é mais
prevalente em áreas rurais.
Os desafios são crescentes devido à
vulnerabilidade do país face às mudanças
climáticas, como o aumento das
temperaturas e uma diminuição simultânea
das chuvas. Como país pequeno e
insular que é, São Tomé e Príncipe está
directamente exposto à subida dos níveis do
mar, e as zonas costeiras estão a enfrentar
problemas graves de erosão devido à
exploração de aterros para materiais de
construção. Enquanto isso, mais de 80 por
cento da população depende da agricultura,
pesca ou outras actividades directamente
relacionadas com o sector primário. As
zonas rurais ainda são confrontadas com
vários desafios de inclusão, entre os quais
o acesso ao saneamento, água potável,
escolas e hospitais.
Em todo o caso, Edgar Neves, que é
também coordenador do projecto “Saúde
para Todos”, do Instituto Marquês de Valle
Flôr, apoiado pela cooperação portuguesa,
faz questão de sublinhar os progressos
alcançados na saúde. “Há uma redução
dos índices da mortalidade, aumento
da esperança média de vida, reduções
dos índices de malária para níveis muito
baixos, as taxas de imunização cresceram
bastante, a acessibilidade aos serviços
médicos é maior”, diz o médico.
O país está na 144ª posição entre 186
países no Índice de Desenvolvimento
Humano do PNUD, acima da média dos
países da África Subsaariana, em resultado
dos avanços na educação e saúde. No
sector da saúde, a execução de programas
com o apoio de parceiros – nomeadamente
Portugal – e a cooperação com Taiwan têm
ajudado significativamente na redução
da taxa de prevalência da malária e num
recuo da mortalidade. A malária, que já foi
a principal causa de morte no país, ocupa
COMO NÃO HAVIA UMA
LINHA DE CONTINUIDADE
DAS POLÍTICAS, ESTÁVAMOS
SEMPRE A VOLTAR À ESTACA
ZERO. ESPEREMOS QUE
AGORA CONSIGAMOS UMA
ESTABILIDADE, QUE SE
RESPEITEM OS MANDATOS
ELEITORAIS”, DIZ O MÉDICO
EDGAR NEVES.
agora a quarta posição.
Na educação, na instrução primária, São
Tomé é Príncipe está perto de atingir uma
taxa de conclusão do ensino primário de
97 por cento. No entanto, a educação
secundária não tem ainda cobertura
universal, sendo a sua prestação restrita às
áreas urbanas.
LUÍS AMADO APONTA
COMO FACTOR POSITIVO
DE TRANSFORMAÇÃO A
“MUDANÇA DE GERAÇÃO NA
ELITE POLÍTICA DE SÃO TOMÉ
E PRÍNCIPE”. “OS PARTIDOS
TRADICIONAIS DE ALGUMA
FORMA PERDERAM PODER
E INFLUÊNCIA E AS SUAS
ELITES TAMBÉM FORAM
RENOVADAS.”
ATRACÇÃO PARA O TURISMO
Em 2014, o pequeno país foi incluído
no pacote de “destinos de sonho” da
CNN Travel. Os jornalistas deste canal de
televisão norte-americano recomendavam
São Tomé e Príncipe como o lugar ideal
O FACTO DE O PAÍS
TER ASSUMIDO A SUA
INDEPENDÊNCIA, OS FILHOS
DA TERRA TEREM ASSUMIDO
O DESTINO DO PAÍS [É
IMPORTANTE]”, COMENTA
MAXIMINO CARLOS.
para umas férias “leve-leve”, ou seja, muito
tranquilas. Consideravam o país um destino
“seguro”, “pacífico”, onde “pouco há que
fazer”, que “quase ninguém conhece”,
passando totalmente incógnito na lista de
destinos do turismo de massas, sendo essa
faceta de “mundo perdido” e de “último
pedaço de paraíso na terra”, que todos
ignoram, a maior das vantagens daquele
país ao largo da costa ocidental de África.
De facto, apenas 18.187 turistas visitaram
o arquipélago de Janeiro a Dezembro de
2014, segundo dados da Direcção do
Turismo de STP, enquanto em 2013 ainda
menos visitantes, apenas 13.708, deram
entrada naquele paraíso. Em 2014, além
de turistas, São Tomé e Príncipe recebeu
também 2.361 excursionistas, embarcados
em navios “cruzeiro” que fizeram escala no
porto de São Tomé, perfazendo um total de
mais de 20 mil entradas. Ainda assim, bem
feitas as contas, houve apenas 20 turistas
por quilómetro quadrado que, distribuídos
pelos 365 dias do ano, representam uma
presença muito discreta.. Ou seja, o país é
um paraíso deserto de gente com máquinas
fotográficas ao pescoço e “selfie sticks”, ou
o moderno monopé para telemóveis.
Nem pode ser de outra maneira, na opinião
do biólogo português, especialista em
ambiente, António Domingos Abreu. O
perito e conselheiro técnico do governo de
São Tomé e Príncipe para a área da reserva
da biosfera do Príncipe (ver entrevista)
aconselha a que o turismo no país não
seja guiado pelo desejo de atrair “massas”.
Pelo contrário, deve ser orientado para
um segmento de visitantes – sendo o
Príncipe mais vocacionado para receber
cientistas, estudantes, observadores de
pássaros e outros – que escolhem o país
para “vivenciar uma experiência que é
singular” e que “não tem paralelo em mais
nenhum lugar”. “Essa deve ser a tónica”,
diz António Domingos Abreu. “Isto significa
promover um turismo diferenciado, que
é sustentável, porque não tem a pressão
sobre os recursos naturais como o turismo
de massas, que em termos de impactos
torna-se insustentável em lugares tão
pequenos e tão frágeis”, como é São Tomé
e Príncipe. O pequeno território, situado
no golfo da Guiné, concentra tudo o que
a natureza lhe dá em apenas mil metros
quadrados, distribuídos por uma série de
ilhéus e duas ilhas maiores, vulcânicas, São
Tomé, com 859 quilómetros quadrados e o
Príncipe, com 142 quilómetros quadrados,
onde vivem quase 187.356 pessoas, das
quais 48 por cento são crianças e jovens
até aos 17 anos (dados do Recenseamento
Geral da População e Habitação de 2012).
Uns 8 mil residem no Príncipe. A linha do
equador passa por uma das ilhas do país (o
ilhéu das Rolas), localizado no extremo sul
de São Tomé.
No entender do antigo governante
português, Luís Amado, uma vez garantida
a estabilidade governativa, pela primeira
vez, em 25 anos, “o país tem agora
condições para se tornar um centro de
oferta de serviços bastante atractivo na
região”. Isto porque “é um país, apesar
de tudo, relativamente estável, com
alguma instabilidade política ao longos
dos anos, mas que tem tido condições
para evitar conflitos, violência. É de facto
um lugar de relativa estabilidade e de paz
numa região muito atribulada, e portanto
também tem esse valor que pode oferecer
e que constitui um factor importante
para o seu desenvolvimento”. Para além
disso, “tem belezas naturais que são um
potencial importante do ponto de vista
turístico. Estão, neste momento, a ser
cada vez mais objecto de interesse por
investidores internacionais, e farão de São
Tomé e Príncipe uma placa importante de
serviços para toda aquela região ao longo
dos próximos anos”. “Creio que é em torno
destes valores que o país se valorizará do
ponto de vista internacional”, conclui Luís
Amado.
IV | HISTÓRIA
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
Batepá, a chacina que
despertou São Tomé e Príncipe
TEXTO DE MARCO CARVALHO
M
assacre de Batepá, Guerra da Trindade,
Massacre de 1953 ou Guerra de Batepá.
Os fatídicos acontecimentos de 3 de
Fevereiro de 1953 são recordados em São Tomé
e Príncipe por várias designações, mas ninguém
escamoteia a sua importância: como nação
independente, São Tomé nasce a 12 de Julho
de 1975 – fez ontem 40 anos – mas o ponto de
viragem para o pequeno arquipélago equatorial
materializou-se mais de duas décadas antes,
numa trágica série de eventos desencadeada,
essencialmente, pela ferocidade das relações e
práticas laborais adoptadas nas roças de cacau e
de café da ilha. As vítimas de Batepá não quiseram
aceitar as condições dos contratos propostos
pelos patrões das roças e chicotearam mesmo
o filho do Conde Valle Flor, o maior proprietário
do arquipélago. Humilhado, o latifundiário
ofereceu uma pinha de banana pão em ouro e
uma avultada quantia em dinheiro para quem
conseguisse subjugar o povo de São Tomé.
Carlos Gorgulho, à época representante de Lisboa
no arquipélago, tomou os interesses de Valle Flor
pelos interesses da nação. Depois de utilizar a
diplomacia para tentar iludir a elite crioula da
altura, o governador organizou polícia e militares,
recorreu a milícias de funcionários e fazendeiros
e aos serviços dos imigrantes angolanos,
moçambicanos e cabo-verdianos que tinham
sido contratados para trabalhar na exploração do
cacau e do café.
A tensão que permeou o quotidiano do
arquipélago nas primeiras semanas de 1953
explodiu a 2 de Fevereiro, na actual cidade da
Trindade. Dirigido pelo alferes Amaral, um
contingente militar tentou recrutar à força
centenas de nativos para as plantações de café
e de cacau, e para as empreitadas públicas
dinamizadas por Gorgulho. A 3 de Fevereiro as
tropas portuguesas tinham perdido já o controlo
sobre os acontecimentos: a violência espalhou-se
pelas regiões vizinhas, com focos de resistência e
de insurreição nas zonas de Batepá, Folha Fede,
António Soares e Otótó.
O apocalipse deu-se, porém, na praia de
Fernão Dias, no noroeste da ilha de São Tomé.
Sobreviventes falam de dezenas de corpos
moribundos estendidos no areal, da espuma da
rebentação tingida de vermelho vivo. Sessenta
e três anos depois, São Tomé e Príncipe ainda
chora e procura honrar os que perderam a vida
durante os trágicos acontecimentos de Fevereiro
de 1953, mas Inês Nascimento Rodrigues defende
que a história dos acontecimentos de Batepá não
é tão aquilina e transparente como parece ser. O
massacre, cujas vítimas foram elevadas ao estatuto
de heróis e de mártires da causa santomense,
serve para que o país afirme “uma identidade
colectiva partilhada” e assinale o advento de
uma identidade nacional. A transformação de
Batepá em símbolo identitário oculta – adverte
em entrevista a jovem investigadora do Centro de
Estudos Sociais da Universidade de Coimbra – as
cisões e divisões internas que existiam entre a
própria população colonizada.
- Conhece como poucos a recta final do período
da colonização portuguesa em São Tomé e
Princípe. Há um antes e um depois de Batepá
na luta pela independência do país. O massacre
foi o momento circunstancial de ruptura, mas o
modelo colonialista patrocinado por Portugal
sempre teve incidências muito próprias no
arquipélago, através de manifestações como a
escravatura e a repressão. De que forma é que
o processo de descolonização em São Tomé se
distinguiu dos restantes territórios?
Inês Nascimento Rodrigues – Os mecanismos de
violência accionados pelo dito império colonial
português são diversos e estão presentes durante
todo o processo de colonização das ilhas. Os
trabalhadores contratados, por exemplo, eram
recrutados de Angola, Moçambique e Cabo
Verde, principalmente, e iam num regime de
quase escravatura trabalhar nas roças de São
Tomé e Príncipe. Aqui, eram alvo de uma dupla
marginalização, tanto pelos colonizadores,
como pelos nativos, que não estavam sujeitos
ao estatuto do indigenato. Numa sociedade
profundamente hierarquizada, a discriminação
acontecia não apenas baseada na cor da pele,
mas também em distinções de classe e estatuto
V
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
entre a própria população colonizada, conforme
investigadores como Gerhard Seibert, Inocência
Mata ou Augusto Nascimento tinham já
apontado. Foi relativamente fácil, por isso, para
o governo português, instrumentalizar algumas
destas pessoas, tornando-as perpetradoras
durante o massacre de 1953. É bem evidente,
neste sentido, a vulnerabilidade a que indivíduos
expostos a um regime violento e aniquilador
de identidades se encontram sujeitos. Neste
caso, como noutros, o massacre vai adquirir um
estatuto central.
- Batepá marcou, ainda assim, um ponto de
viragem. O que mudou depois de 3 de Fevereiro
de 1953?
I.N.R. – Para não cairmos no erro de criar
essencialismos estratégicos, temos que olhar
para outros contextos com eventos semelhantes.
Angola, Guiné e Moçambique estiveram
envolvidos em processos de luta armada, Cabo
Verde tem o Tarrafal. São Tomé e Príncipe vai
encontrar, por conseguinte, nos eventos de 1953,
o seu mito fundador, que conta a nação e legitima
o partido no poder. A dimensão épica atribuída
ao massacre na narrativa nacionalista – é uma
história de vitória e não de derrota – surgiu de uma
necessidade política da altura, precisamente por
não haver luta armada. No entanto, é importante
questionar: quem surge representado? Quem
está ausente? Quem conta esta história? Ao serem
transformados numa narrativa legitimadora e
fundadora da nação, estes acontecimentos vão
permitir a reivindicação de uma consciência
política anterior à independência e servir para
veicular a imagem de um povo unido numa
identidade colectiva partilhada que, no entanto,
obscurece as cisões internas presentes no espaço
colonial. O massacre é, portanto, um lugar de
luta ideológica e de resistência, onde vítimas se
transformam em heróis. Neste sentido, o evento
é hoje celebrado nas ilhas e existem vários
momentos oficiais de comemoração pelo Estado,
principalmente na madrugada de 2 para 3 de
Fevereiro, sendo que o dia 3 – feriado nacional
– é conhecido como o “Dia dos Mártires da
Liberdade”.
- O massacre é sintomático do tratamento a
que os colonos e proprietários portugueses
submetiam o povo angolar e os santomenses?
Ou é um episódio esporádico e singular?
I.N.R. – O massacre não foi uma simples explosão
aniquiladora e isolada, mas o resultado de um
processo contínuo de violência, inserido num
contexto mais amplo, que produz muitas vítimas
– as vítimas do sistema colonial. Entre estas,
incluem-se não apenas os angolares e os forros
[descendentes de escravos alforriados, homens
e mulheres livres, nativos, “filhos da terra”] como
também os trabalhadores contratados. Ignorar
este facto, evitando, consequentemente, pensar
com seriedade nas circunstâncias políticas,
sociais, históricas e económicas que antecedem
e são, em larga medida, responsáveis pelos
acontecimentos de 1953 resulta num esquema
explicativo confortável para a sociedade, tanto
santomense como portuguesa, porque permite
não pensar em termos de responsabilidade
colectiva.
- Batepá catalisou o sentimento independentista,
mas a verdade é que o aparecimento de
movimentos de libertação no arquipélago é
tardio. Quatro décadas após a independência,
os estigmas do colonialismo já estão sanados?
Ou há ainda questões antigas a resolver com
Portugal?
I.N.R. – Há muitas heranças do colonialismo,
algumas muito difíceis de resolver no curto
espaço de tempo que sucede o reconhecimento
O MASSACRE NÃO FOI UMA SIMPLES
EXPLOSÃO ANIQUILADORA E ISOLADA,
MAS O RESULTADO DE UM PROCESSO
CONTÍNUO DE VIOLÊNCIA, INSERIDO
NUM CONTEXTO MAIS AMPLO, QUE
PRODUZ MUITAS VÍTIMAS – AS
VÍTIMAS DO SISTEMA COLONIAL.
formal da independência de São Tomé e Príncipe,
a 12 de Julho de 1975. Nos discursos continua,
por exemplo, a imprimir-se com frequência
categorias coloniais que reproduzem hierarquias
sociais, relações de poder e silenciamentos vários.
Por outro lado, as experiências dos trabalhadores
contratados e seus descendentes – ainda hoje
relegados para o espaço socio-económico
marginal das roças – continuam a não ter o lugar
devido nas narrativas de fundação da nação.
Estes são alguns dos fantasmas do colonialismo
que, na minha opinião, ainda persistem no
arquipélago. Em Portugal, por sua vez, o evento
é praticamente desconhecido e o país parece
resistente em discutir um evento perturbador
da grande narrativa oficial que, na esteira de
Gilberto Freyre e do luso-tropicalismo, promove
o colonialismo português como tendo sido mais
harmonioso e pacífico que o levado a cabo por
outros países europeus.
- Mais de seis décadas após a chacina, que
memória persiste dos acontecimentos do
distrito de Mé-Zochi?
I.N.R. – Existem diversas e heterogéneas memórias
dos eventos de Fevereiro de 1953 e a própria
terminologia do evento é contestada. Apesar de
ter ficado conhecido como “Massacre de Batepá”,
há quem hoje discuta essa designação, por ter
havido vários epicentros do massacre que não
apenas o daquela localidade do distrito de MéZochi – como Uba Flor, Fernão Dias, entre outros.
“Guerra da Trindade”, “Guerra de 1953”, “Massacre
de Batepá” ou “Massacre de Fevereiro de 1953” são
terminologias que reflectem diferentes políticas
da memória. De acordo com Carlos Espírito
Santo, por exemplo, defensor do termo “guerra”
para designar os acontecimentos, “massacre”
foi escolhido por desacreditar Portugal e, por
consequência, ter mais força que “guerra” para
os fins da luta nacionalista. No que diz respeito
à memória que persiste, importa referir que a
memória pública e hegemónica do massacre
opta por sublinhar o heroísmo e sofrimento do
povo santomense às mãos do inimigo português
e, simultaneamente, apaga os actos de violência
cometidos, por um lado, pelos trabalhadores
contratados sobre os forros durante Batepá e,
por outro, pela elite nativa santomense, herdeira
dos “filhos da terra”, sobre os trabalhadores
contratados e seus descendentes. Há muitas
outras histórias, no entanto, que permanecem
ausentes das narrativas públicas e oficiais e são
estas dimensões fantasmáticas que vão, depois,
emergir e ser discutidas nas representações
artísticas do massacre. O mapeamento das
diferentes memórias dos acontecimentos de
1953 é, por isso, um exercício fundamental.
Enquanto factor de transformação, estas dão
espaço à produção de novas vozes, antes
ignoradas e, portanto, à criação de novos bancos
de memória(s). A pergunta que fica é: será
possível, a partir de memórias tão heterogéneas,
construir um futuro comum, partilhado e
desassombrado?
- A sua análise incidiu também sobre uma
perspectiva absolutamente singular em São
Tomé: muito daquilo que são as ânsias, as
angústias e a desilusão com que se debatem os
santomenses ganharam voz própria na literatura
e na poesia, numa escrita que se faz sobretudo
no feminino. Alda do Espírito Santo, Manuela
Margarido, Inocência Mata e Conceição Lima
cantam como ninguém as dores de crescimento
do país. São testemunhos incontornáveis. Há
forma de explicar esta prevalência?
I.N.R. – O factor de destaque não parece ser
tanto uma questão de prevalência de vozes
femininas mas a forma como autoras e autores
se ancoram diferentemente no massacre de 1953
para reforçar noções de pertença e exclusão,
produzindo diferentes configurações identitárias.
Encontrei, de facto, nalgumas destas escritoras,
uma ética de transmissão da(s) memória(s) que
se faz, principalmente, por via matrilinear. É pelas
mães, avós e tias que as novas gerações herdam as
memórias e os espectros, basilares na construção
das suas identidades. Em Conceição Lima, por
exemplo, são os fantasmas e memórias familiares
que, entre as mulheres, habitam no espaço dos
afectos, da infância e da “Casa”. Há, ainda, os
“fantasmas elementares”, daqueles que lutaram
pela independência dos seus países, como Alda
Espírito Santo, Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral
e Patrice Lumumba, e hoje regressam desiludidos
por não verem as suas aspirações de liberdade
e justiça social concretizadas. São, de acordo
com Margarida Calafate Ribeiro, “fantasmas que
ficaram da luta de libertação que não cumpriu
os sonhos há muito dolorosamente esperados e
fantasmas das histórias de perdas que constitui
a sua identidade enquanto mulher negra
santomense” (in Literaturas Insulares. Cabo
Verde e S. Tomé e Príncipe, 2011: 202).
VI | NEGÓCIOS
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
São Tomé e Príncipe
“é uma terra com vocação
para a qualidade”
Há 20 anos, Claudio Corallo começou por recuperar uma variedade antiga de cacau perdida na floresta da ilha do
Príncipe. Hoje dá trabalho a 300 são-tomenses a produzir o cacau e a fabricar um dos chocolates mais puros do mundo,
100 por cento “made in São Tomé e Príncipe”.
TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA
É
atingir-se níveis altos de qualidade, somos
considerados por muitos o número um em
chocolate de cacau, em termos de qualidade. É
uma coisa muito agradável, porque trabalhamos
com uma equipa muito jovem e é um desafio
impormo-nos no mercado mundial com um
produto criado 100 por cento aqui em São Tomé e
Príncipe”, diz Claudio Corallo.
Mas é no campo que tudo começa. “A qualidade
do cacau faz-se na plantação, tal como o vinho
cresce na vinha”, sublinha o agrónomo. “Pode ter
uma boa adega, mas se não tem uma boa vinha
dificilmente tem um bom produto”, acrescenta.
“A nossa história é única no mundo, não há
nenhum país produtor de cacau a produzir
chocolate com a qualidade do nosso. Há países
produtores a fabricarem chocolate mas é um
chocolate muito rudimentar, destinado ao mercado
local. O nosso chocolate é um dos mais conhecidos
no mundo. Este é um resultado de um trabalho
sério e profissional”, prossegue.
O projecto agrícola de Corallo tem conseguido
‘milagres’. Um deles é atrair os jovens a dedicarem-
gengibre cristalizado, casca de laranja, pimenta,
flor de sal, favas de cacau torrado, cacau a 100 por
cento, sem açúcar, para experimentar a verdadeira
essência do chocolate puro, que não usa leite nem
qualquer tipo de aditivos.
“O cacau é produzido aqui, é calibrado, escolhido,
descascado, transformado. Daqui sai o chocolate
pronto para ser distribuído e consumido”,
explica Corallo. A marca tem lojas e pontos de
distribuição na Alemanha, Holanda, França,
Itália, República Checa e Estados Unidos da
América, entre outros. A empresa garante que
as encomendas de chocolates são entregues tão
longe quanto na China, Nova Zelândia, Brasil ou
Timor-Leste. O transporte é feito por avião para
garantir um acondicionamento perfeito. Ou seja,
se o turista não vai a São Tomé, o chocolate
vai ter com o turista, onde quer que ele esteja.
“Vive em Macau?”, pergunta Corallo. “Então pode
encomendar o chocolate para Macau no nosso
website. Vem do nosso armazém que temos na
Holanda. Para chegar a Singapura são três dias”,
explica.
se ao trabalho no campo, algo quase inconcebível
para alguns. “Conseguimos, pouco a pouco,
melhorar de maneira a que as populações tenham
um interesse na agricultura”. Hoje, as plantações
atraem gente “que acredita, que vê, que gosta
– os jovens estão contentes por participarem,
porque saem no jornal, numa reportagem na
televisão, na BBC, na National Geographic, vêem
que o trabalho que fazemos é valorizado no
mundo e ficam todos contentes, são jovens que
cresceram profissionalmente na plantação e que
estão orgulhosos do que estão a fazer”.
FOTO: CLÁUDIA ARANDA
no “laboratório de chocolate” de Claudio
Corallo que a magia acontece. Neste edifício
antigo localizado em frente ao mar, no
cenário romântico e novecentista da cidade capital
de São Tomé, o engenheiro agrónomo – com mais
de 40 anos de experiência na produção de café e
de chocolate, dos quais mais de 20 vividos em São
Tomé e Príncipe – fabrica e mostra aos visitantes
como apreciar “o melhor chocolate do mundo”.
O processo “é de degustação como se faz nas
provas de vinho”, explica Claudio Corallo, em
conversa via Skype com o PONTO FINAL. Mas,
atenção, não se trata de vir aqui só para “comer
chocolates”, diz. “Nós informamos as pessoas, é
um percurso para explicar cada sabor e, no final,
as pessoas percebem o produto. O nosso não é
um chocolate melhor do que os outros, é uma
outra maneira de interpretar o cacau, mantendo
vivo o fruto até à caixinha”, em que é embalado,
prossegue Corallo.
Há variedades de chocolate com pedacinhos de
café torrado, há grãos de café torrado cobertos de
chocolate, chocolate com cristais de açúcar, com
Desde os anos 1990 que Claudio Corallo
desenvolve em São Tomé e Príncipe um projecto
agrícola ecologicamente sustentado de produção
de cacau e café. As plantações do Terreiro Velho,
na ilha do Príncipe, e da Nova Moca, na ilha de
São Tomé, dão hoje trabalho a cerca de 300 sãotomenses, que ganham um salário “três, quatro ou
cinco vezes acima do ordenado médio”, que anda
à volta dos 40 ou 50 euros mensais, esclarece o
engenheiro agrónomo. O salário mínimo em 2011
subiu para um milhão de dobras (moeda local),
equivalente a cerca de 40 euros (356 patacas).
“Demonstrámos com a nossa equipa que podem
FOTO: CLÁUDIA ARANDA
100 POR CENTO SÃO-TOMENSE
“NÃO QUEREMOS QUEIMAR
A MADEIRA DO BARCO”
Claudio Corallo acreditou sempre que a “única
maneira de criar produtos com qualidade é fazê-lo
em harmonia com a natureza e com as pessoas que
vivem no local”. Para Corallo “a agricultura que não
seja eco-sustentável é um suicídio, é como ir num
barco e queimar a madeira para cozer o peixe”, diz.
“Proteger o ambiente não é uma utopia, ou um
luxo, ou uma coisa romântica, é proteger o barco
no qual estamos a navegar”, alerta.
A agricultura que privilegia a protecção ambiental
traduz-se, por exemplo, na não-utilização de
adubos ou produtos tóxicos e na combinação
de variedades de plantas. A filosofia de Cláudio
Corallo é contrária à ideia de arrasar tudo para
plantar de novo, técnica que deixa um rasto de
desertificação. “Nós reintroduzimos árvores que já
tinham desaparecido, abatidas para as construções
e para o comércio da madeira, plantámos o cacau
e o café, com uma distância grande entre eles, o
ar circula. Porque esta é uma parte do organismo,
que é a ilha, que faz parte de um organismo maior,
que é o mundo. Temos de pensar neste conceito,
que fazemos parte de um conjunto que é vivo, uma
VII
CACAU, PIMENTA E BAUNILHA
Há vários factores que contribuem para que este
seja um chocolate tão especial, a começar pela
sua “autenticidade”. “Nós trabalhamos com uma
variedade antiga, enquanto no resto do mundo
são usados híbridos, modernos, mais produtivos.
Mas nós preferimos a qualidade”, explica Claudio
Corallo, acrescentando que não faria sentido
produzir chocolate com a mesma variedade da
Costa de Marfim e que, em São Tomé e Príncipe,
ficaria por um custo três vezes superior, devido às
características e logística do país, pequeno, insular,
sem indústria, onde os custos de produção e de
transporte são enormes.
Daí que, no entender de Corallo, São Tomé e
Príncipe seja “uma terra que tem vocação para a
qualidade” e não para a quantidade. “Não há outra
possibilidade, não é só por ser uma terra pequena,
mas porque tudo custa tanto. Nós temos que
importar tudo, por isso o custo da mesma tonelada
de cacau produzida no Brasil, aqui, é três, quatro,
cinco vezes superior.”
Claudio Corallo encontrou no Príncipe variedades
antigas das plantas originalmente trazidas do
Brasil. “Sempre trabalhei com as variedades
antigas de altíssima qualidade, eu acredito,
tenho essa vocação, prefiro trabalhar a altíssima
qualidade, não sou um economista, a nossa gente
trabalha bem, é super-bem paga, trabalha num
regime de total liberdade, e vendemos qualidade”,
garante.
As plantações de hoje têm por base “as
descendentes das primeiras árvores de cacau que
aqui chegaram por volta de 1819”, e que são o
sustentáculo principal da produção de cacau na
plantação de Terreiro Velho, no Príncipe. Quando
Claudio Corallo chegou a esta plantação, as plantas
de cacau estavam dispersas no meio da floresta
invasora. O terreno da floresta foi limpo e as
árvores de sombra necessárias para o cacau e café
foram replantadas. Ao dar-lhes ar e a quantidade
certa de luz, as plantas de cacau ganharam um
novo vigor.
Agora, o agrónomo, em vez de pensar em
aumentar a plantação, está antes a apostar na
“diversificação”. “Estamos a fazer um grande
trabalho com a pimenta, saiu já uma pimenta
extraordinária. Provavelmente, o próximo passo
vai ser trabalhar a baunilha que temos aqui em
São Tomé, que pusemos na plantação há anos,
para testar a planta que se adapta melhor.”
O cacau é uma planta original da América
Latina. No início do século XIX, na eminência da
independência do Brasil, que aconteceu em 1822,
e da perda do rendimento do cacau brasileiro,
toneladas por ano, no país inteiro. Há alguns anos foi
de quatro mil, cinco mil.” Das duas mil toneladas, à
volta de 20 toneladas saem das plantações de Corallo.
Actualmente, o maior produtor mundial de cacau
é a Costa do Marfim, com uma produção estimada
em 1,74 milhões de toneladas em 2013/2014,
segundo dados da Organização Internacional do
Cacau. O Gana surge em segundo lugar, com 897
mil toneladas. Apesar de ter sido nas Américas que
o cacau começou a ser produzido, há uns cinco mil
anos, hoje é em África e na Ásia que se encontram
os maiores produtores mundiais. A seguir à Costa
do Marfim, encontram-se no “Top 10” o Gana, a
Indonésia, Nigéria, Camarões – só depois surgem
o Brasil, Ecuador, México e Peru.
O engenheiro agrónomo analisa de forma
crítica o crescimento do país e a forma como
foram sendo implementados os projectos de
desenvolvimento. “É uma economia bastante
artificial, porque mais de 90 por cento do
orçamento de Estado são ajudas externas.”
Para Corallo, “o crescimento tem de partir da
população, tem de ser conforme os desejos da
população e ajustado à vocação da gente, para
crescer com o pé firme no chão”, diz.
Corallo espera que São Tomé e Príncipe beneficie
de ajudas que sirvam para “desenvolver uma
economia sustentável”, de maneira a deixar de
ser dependente desses apoios externos. Mas,
frisa, para isso, é necessário “uma formação no
Portugal decidiu transportar as plantações para as
pacíficas ilhas de São Tomé e Príncipe. No início
do século XX, São Tomé e Príncipe chegou a ser
o maior produtor mundial de cacau, com 43 mil
toneladas exportadas.
Em São Tomé e Príncipe as roças entraram em
decadência e já eram uma amostra do que tinham
sido no início do século XX quando o país se
tornou independente, em 1975. Em 1977, dois
anos após a independência, o Estado tentou
reagrupar as roças em empresas públicas, sem
sucesso. Realizou depois uma reforma agrária,
distribuindo lotes aos trabalhadores. Mas muitos
nunca cultivaram a terra.
mundo do trabalho”. “Para mim a formação da
gente é a base do meu trabalho, passo a vida
a formar o pessoal, e o resultado vê-se. Mas
leva um tempão e aqui leva ainda mais tempo
porque não há uma estrutura, o Estado está
muito ausente e há poucas condições”, conclui.
FORMAÇÃO É A BASE DO TRABALHO
“Hoje estamos com uma produção de duas mil
Chocolates Claudio Corallo:
www.claudiocorallo.com
FOTO: INÊS GONÇALVES
plantação não tem de ser um cancro na natureza”,
defende Corallo.
O engenheiro agrónomo começou por se
especializar na produção de café e só depois se
dedicou ao cacau. “Estudei agronomia tropical
porque não queria ficar em Florença. Saí de Itália
em 1974, tinha 23 anos, e fui para o antigo Zaire
[actual República Democrática do Congo (RDC)],
depois comecei a visitar a Bolívia, no início dos
anos 1990, e São Tomé e Príncipe, a partir de
1992.” São Tomé e Príncipe começou por ser “um
lugar seguro onde deixar a família, enquanto
estava na plantação no Zaire, porque para ir de
Kinshasa [capital da RDC] para a plantação,
fazia 1650 quilómetros em canoa.” “Por isso nos
primeiros anos vinha a São Tomé de férias, tive
tempo para conhecer pouco a pouco”, conta.
Foi através da experimentação e da vontade de
compreender a essência do cacau que acabou
por começar a fabricar chocolate. No início,
desagradava-lhe “o sabor amargo do cacau”, que
no seu entender “não era um amargo natural,
mas sim um amargo por defeito”. Por isso, criou
um laboratório para identificar a “origem do
defeito do cacau”. “Neste laboratório, uma das
operações era torrar, descascar e moer o cacau,
fazer um chocolate de base. O objectivo não era
fazer chocolate, nunca pensei na minha vida fazer
chocolate.” Mas é ao chocolate que agora dedica
a sua vida.
Claudio Corallo é sobretudo um investigador,
inventor, experimentalista, um curioso, persistente,
que “gosta do que faz”. “Quando gosto do que
faço, nasce uma coisa nova, por natureza faço por
paixão, quando gosto já não cheira a trabalho, é
uma coisa que se impregna totalmente”, explica,
rindo. É, também, um perfeccionista: “Quando
as coisas estão bem feitas há sempre maneira de
melhorar, na confusão nada melhora”.
FOTO: INÊS GONÇALVES
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
VIII | AMBIENTE
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
A ilha que se libertou de 300 mil
embalagens de plástico
Há três anos o Príncipe tornou-se na primeira reserva da biosfera do país. Desde então, a ilha já se livrou de 300
mil embalagens de plástico e o país tornou-se o primeiro em África com duas unidades hoteleiras a conseguirem a
certificação “Biosphere Responsible Tourism”. O biólogo português e conselheiro ambiental do governo são-tomense,
António Domingos Abreu, diz que há potencial para criar outras biosferas.
FOTO: CLÁUDIA ARANDA
TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA
C
ompletam-se agora três anos desde que
a Reserva Mundial da Biosfera da Ilha do
Príncipe foi aprovada pela UNESCO, a 12 de
Julho 2012, depois de um processo de candidatura
apoiado pela cooperação portuguesa. Na altura, o
Príncipe – uma das ilhas vulcânicas do Golfo da
Guiné, além de São Tomé, Bioko ou Fernando
Pó, e Annobón – passou a integrar uma rede
mundial de áreas protegidas que são consideradas
como laboratórios naturais privilegiados para
testar diferentes modelos de desenvolvimento
sustentável, que permitam conciliar a actividade
humana com a preservação da biodiversidade. Ao
fim de três anos já há resultados visíveis. No sector
do turismo, actualmente, São Tomé e Príncipe
é o primeiro país africano com duas unidades
hoteleiras, uma em cada ilha, certificadas pelo
sistema mais importante reconhecido pelas Nações
Unidas em termos de turismo responsável. Em 2014
o resort do ilhéu Bom Bom tornou-se o primeiro
hotel do continente africano a obter a certificação
“Biosphere Responsible Tourism”, atribuída pelo
Instituto de Turismo Responsável (ITR), entidade
internacional independente, membro do Conselho
Global para o Turismo Sustentável (GSTC) e da
Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas
(UNWTO). Seis meses depois, em Dezembro de
2014, era a vez do OMALI Lodge Boutique Hotel,
na ilha de São Tomé, se tornar no segundo hotel
em África a obter a mesma certificação. Ambos os
hotéis são administrados pela empresa HBD do
sul-africano Mark Shuttleworth. Este milionário –
que enriqueceu a vender software de segurança
para comércio electrónico online e ganhou fama
ao tornar-se o segundo turista a viajar no espaço,
em 2002 – está a investir milhões em turismo
sustentável.
O PONTO FINAL conversou com o biólogo
português, especialista em ambiente, António
Domingos Abreu, que foi o coordenador científico
da candidatura do Príncipe e exerce funções como
perito e conselheiro técnico do governo de São
Tomé e Príncipe para a área da reserva da biosfera.
- Deve-se a quem a criação da reserva da
biosfera?
António Domingos Abreu – As autoridades
locais e o povo do Príncipe assim o decidiram.
Assumiram o compromisso e o desejo e o desafio
de se constituírem como uma reserva mundial
da biosfera dentro do programa da UNESCO.
Ou seja, de se constituírem como um local que
é muito representativo do ponto de vista dos
sistemas naturais, mas também um lugar onde se
ensaia e se estabelece um compromisso de tentar
compatibilizar a conservação dos valores naturais
com o seu uso sustentável, e fazer disso um
instrumento catalisador do desenvolvimento das
pessoas, integrando o ser-humano com a biosfera,
que é o objectivo do programa. Houve um
processo de candidatura submetido à avaliação da
UNESCO e, há três anos, o Príncipe foi aprovado
em conselho de coordenação internacional da
UNESCO como reserva internacional da biosfera.
- Passados três anos, há desenvolvimentos
visíveis?
A.D.A. – Sim. As reservas da biosfera, ao contrário de
outros programas da UNESCO, não são um certificado
apenas que reconhece um valor extraordinário,
natural, cultural, patrimonial de um determinado sítio.
Neste caso é um pouco mais do que isso, as reservas
da biosfera são plataformas de demonstração de
experiências de desenvolvimento e, nesse sentido, o
Príncipe tem sido fantástico, em termos de modelo,
porque lançou já projectos concretos e os resultados
são visíveis. Por exemplo, o Príncipe assumiu através
da sua biosfera o compromisso de limpar o plástico
da ilha. O plástico é um problema ambiental, uma
embalagem de plástico enquanto resíduo pode levar
IX
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
450 anos a degradar e através do projecto lançado
pela biosfera foi possível fazer desaparecer o plástico
todo da ilha. Conseguimos, em menos de um ano,
fazer sair da ilha 300 mil embalagens de plástico,
recolhidas pela população, através de um processo
de troca de embalagens que estavam espalhados na
natureza, por garrafas reutilizáveis que dão acesso
a água potável, através de máquinas instaladas
pela reserva da biosfera. Distribuímos quase 5
mil garrafas reutilizáveis, num universo de 8 mil
pessoas. Outro exemplo foi a criação pela biosfera
de um sistema de classificação de produtos, bens e
serviços, produzidos numa lógica de boas práticas,
de poupança de energia, de gestão eficiente da
água, redução de resíduos e valorização de produtos
da terra. Isso significa criar oportunidades de
emprego, valorização económica e desenvolvimento.
Estamos agora a definir um outro programa, que
é o lançamento dos trilhos da reserva da biosfera.
São itinerários que vão ser limpos, preparados para
mostrar a natureza e os aspectos culturais, que vão
gerar emprego, com a qualificação de guias locais.
Eles é que vão oferecer esse serviço a um turismo
que cada vez mais procura essas actividades. Mas
não só. O Príncipe é um lugar escolhido como uma
das cinco áreas-piloto, num projecto mundial da
UNESCO, para seguimento das alterações climáticas
e elaboração de estratégias locais de adaptação,
porque estes sítios são muito pequenos, vulneráveis,
muito expostos, e as medidas geradas em programas
globais não respondem às necessidades locais. Foi
lançado também um programa de captura zero de
tartarugas, a comunidade assumiu o compromisso
de que não há capturas de tartarugas marinhas.
São exemplos de projectos dinamizados a partir da
reserva da biosfera, que não é uma instituição em si,
mas é uma plataforma de convergência dos actores
locais.
- Quem é que financia as actividades da
reserva?
A.D.A. – O financiamento é feito pelo governo
local do Príncipe, que alocou recursos humanos e
materiais. Temos tido apoio através da UNESCO,
não financiamento directo, porque a UNESCO não
financia, mas promove e identifica estas reservas
como sítios idóneos e atrai projectos como o da
reciclagem, que foi o Ministério do Ambiente
de Espanha que financiou em 50 por cento. Há
um investidor internacional (o sul-africano Mark
Shuttleworth e a sua empresa HBD) que também
tem co-financiado e há a participação nas redes
de reservas da biosfera insulares e costeiras, que
tem vindo a fornecer meios financeiros para que
a reserva desenvolva as suas actividades. Isto
significa, também, que o programa da biosfera tem
sido um factor de atracção de investimento e de
cooperação, é para isso que serve. Mas há outras
entidades locais e internacionais interessadas em
colaborar.
- A ilha de São Tomé também pode ser uma
reserva da biosfera?
A.D.A. – A ilha do Príncipe é a única reserva e a
primeira na República Democrática de São Tomé
e Príncipe. Tem de haver vontade política no
sentido de se criar mais uma ou outra reservas
da biosfera no país. São Tomé tem esse potencial
também, mas o potencial não chega, é preciso
vontade, trabalho e decisão. Tem-se vindo a falar
nessa possibilidade, de criar uma nova reserva
da biosfera no país, até porque esta está a correr
bem. Mais uma reserva seria um processo de
afirmação internacional de São Tomé e Príncipe
como um país sustentável.
- Como é que o turismo pode crescer sem
provocar danos?
ADA – O turismo é uma actividade socioeconómica como outra qualquer, e que gera
impactos, não é uma indústria inócua, basta pensar
que as necessidades de água para um turista, seja
aqui ou em qualquer lado, são 40 vezes superiores
às de um residente. O turismo em São Tomé e
Príncipe deve ser pensado não numa lógica de
números, de atracção de grandes massas, mas
numa lógica de oferta de um produto diferenciado,
de uma experiência, que tem de ter qualidade,
com infra-estruturas adequadas, mas que tem
de ser complementada com uma valorização
daquilo que diferencia um destino pequeno. São
Tomé e Príncipe é pequeno, não vai crescer, mas
tem um potencial do ponto de vista turístico que,
para ser competitivo com outros destinos mais
desenvolvidos, deve enveredar pela qualidade. E
a qualidade na indústria do turismo faz-se pela
diferenciação. Neste caso, a diferenciação é a
natureza, a cultura e as idiossincrasias locais. São
Tomé e Príncipe tem essa felicidade de dispor de
recursos naturais e também humanos, de uma
história, um modo de estar, de receber, conviver,
que é capaz de criar um produto com vantagens
comparativas e competitivas num segmento tão
sensível como é o do turismo.
- O governo são-tomense está alertado para
esse tipo de turismo?
A.D.A. – Creio que sim, os sinais que vemos, quer
no Príncipe quer em São Tomé, vão nesse sentido.
Recordo que São Tomé e Príncipe é o primeiro
país africano que tem duas unidades hoteleiras,
uma em cada ilha, certificadas pelo sistema mais
importante reconhecido pelas Nações Unidas em
termos de turismo responsável. O governo sãotomense assinou um protocolo com o Instituto
de Turismo Responsável, que é a entidade que
gere esse sistema, para procurar a colaboração e
soluções, e promover o turismo sustentável, isto
são sinais de alguma sensibilidade.
- Em termos climáticos, está a haver
alterações nas chuvas?
A.D.A. – Sim, hoje foi apresentado – fui eu
que apresentei – o resultado de um estudo
sobre alterações climáticas em reservas da
biosfera insulares e constata-se uma variação
muito significativa na quantidade de água, uma
alteração nas chuvas, uma variação na época. E
isso tem impactos ao nível da agricultura e das
florestas, porque a agricultura, sobretudo de
pequena dimensão, é dependente da água fluvial,
das chuvas, e quando há variações significa que
o agricultor acaba por ter perdas económicas.
É algo que se tem de ter em consideração, daí
que o Príncipe, através da sua reserva, esteja a
desenvolver – e beneficia de participar neste
projecto – uma estratégia de adaptação às
alterações climáticas, entre as quais o aumento
de fenómenos extremos, tempestades na zona
costeira e alteração no padrão de chuva, quer na
quantidade, quer na época. Agora começa a chover
umas semanas mais tarde, os períodos de seca
começam a aumentar, há uma variação que não é
compatível com o plantio, isso vai ser contemplado
numa estratégia específica. Isto são consequências
de fenómenos globais de alterações, para os quais
um país tão pequeno como São Tomé e Príncipe
não contribuiu mas a que está sujeito – sofre as
consequências e isto requer soluções específicas e
adaptadas à escala.
- Há boas práticas para contrariar as
alterações climáticas?
A.D.A. – Os esforços de silvicultura e manutenção
da floresta ajudam muito, porque combatem
a erosão, permitem maximizar a eficiência de
captação natural da água, porque o terreno
exposto, quando há uma tempestade, ou uma
chuva intensa, acaba por permitir uma erosão
maior e um escorrimento da água, que não se
infiltra. O esforço em termos de reflorestação, de
diminuição de intensidade do uso, nomeadamente
de produção de carvão, são exemplos de medidas
no terreno, em termos de adaptação. Há também
formação de agricultores sobre práticas agrícolas
em termos de melhor ordenamento e técnicas
de plantação, que tenham em consideração a
tipografia, para minimizar estas situações.
- As plantações de cacau e café são
indicadas?
A.D.A. – São indicadas e são de alto valor
acrescentado. Por exemplo, a plantação do
Terreiro Velho, que é bem conhecida em termos
de exportação para um mercado de nicho,
tipo gourmet [do italiano Claudio Corallo], são
plantações que precisam de uma floresta bem
cuidada, porque são plantações de sombra.
- Há interesse em aumentar a produção de
cacau?
A.D.A. – Não sou especialista na área, mas acho
que sim, porque houve um abrandar da produção
após a descolonização, há 40 anos, houve uma
destruição da capacidade produtiva. Mas, hoje,
assiste-se a um regresso à terra, às produções
e a uma melhor organização. Entretanto o país
desenvolveu-se bastante e hoje tem competências
que não tinha há 40 anos, sofreu um processo de
reestruturação e de criação de um país, quase de
raiz, mas com um passivo que se foi acumulando
nos últimos anos e que agora se vê. Também
com a ajuda de muita cooperação, mas com
muito investimento local, existe essa recuperação.
Significa que há ainda um potencial tremendo para
se atingir, não estamos no limite.
- Está confiante em relação ao futuro?
A.D.A. – Muito. Vejo cada vez mais pessoas
empenhadas, comprometidas, motivadas e com
uma visão muito interessante. No caso do Príncipe,
hoje ouviu-se no discurso do presidente regional
que a sustentabilidade e preservação dos recursos
naturais são o motor do desenvolvimento, a par
da criação de melhores condições de vida para a
população. Se a visão é essa – obviamente com
todas as dificuldades, lacunas e carências –, é uma
questão de tempo e de trabalho. Mas estou muito
confiante e muito honrado por estar a assistir e, de
certa forma, a colaborar neste processo.
X | MACAU
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
São Tomé e Príncipe,
segundo Vitorino Trovoada
Deixou a luxúria equatorial de São Tomé para trás na flor da idade e rumou a uma China gigantesca e misteriosa sobre
a qual pouco ou nada conhecia. Vitorino Trovoada foi um dos estudantes que o governo de São Tomé enviou para
Pequim, nos tempos em que as relações entre o gigante asiático e a o pequeno arquipélago africano se pautavam pela
cooperação e pela concordância. Na capital chinesa, primeiro, e depois em Xangai aprendeu a falar, a ler e a escrever
mandarim e a capacidade de adaptação foi meio caminho andado para conseguir concluir com sucesso a licenciatura
em medicina. Vitorino Trovoada viu a China crescer e abrir-se ao mundo, assistiu ao regresso temeroso de Macau à
soberania chinesa, mas nunca esqueceu os morros, as praias de areia fina e as águas mornas e cristalinas que banham
o rincão de mundo onde nasceu. Apesar de em quase trinta anos, ter regressado a São Tomé e Príncipe por uma única
vez, o médico acompanha com diligência o que se passa no seu país. Nos 40 anos de independência do arquipélago,
Vitorino Trovoada faz uma leitura crítica de quatro décadas de soberania, mas – apesar de tudo – não tem dúvidas: São
Tomé e Príncipe é um país de futuro.
DEPOIMENTOS RECOLHIDOS POR MARCO CARVALHO
O PASSADO
“Após a independência, como certamente saberá,
tivemos um presidente, um partido, um Governo.
Vivemos um período que se pode dizer de ditadura,
em que havia um só partido, que era o MLSTP, que
o foi o partido que conduziu São Tomé e Príncipe
à libertação, com Manuel Pinto da Costa como
presidente na altura. Nós adoptámos a tendência
marxista, digamos assim, em que o presidente e
os associados do presidente é que mandavam.
Todas as vozes que fossem contra aquelas que
vinham do outro lado, eram vistas como vozes
inimigas, mesmo que essas vozes tivessem ideias
interessantes para o futuro do país. Esta postura
determinou o futuro do nosso país, porque logo
após a independência houve várias vozes que
tinham opiniões contrárias relativamente ao que
deveria ser o futuro do país. São Tomé sendo
um arquipélago isolado, sem grandes condições
de gerar riqueza, se tivéssemos aproveitado as
oportunidades que nós tínhamos na altura, pareceme claro que o futuro de São Tomé e Príncipe teria
sido muito diferente daquele que é hoje. Basta olhar
para Cabo Verde, que na altura seguiu um modelo
muito diferente do de São Tomé e Príncipe e hoje
o resultado está à vista. São Tomé em termos de
natureza, em termos de clima, em termos de áreas
como a pesca e os recursos marinhos é um país
rico. Teríamos riqueza em São Tomé e Príncipe se
ela tivesse sido bem encaminhada desde o início.
O país seria, hoje, provavelmente muito diferente.”
O PRESENTE
“O Governo actual está muito bem apoiado,
porque a Acção Democrática Independente – que
é um partido muito forte em São Tomé e Príncipe
– ganhou com maioria absoluta, circunstância que
lhes dá uma força muito grande no Parlamento.
Tudo o que eles quiserem aprovar, aprovam.
Mesmo que Manuel Pinto da Costa não aceite,
ele não pode fazer nada, porque a A.D.I tem 33
deputados no parlamento, contra 22 da oposição
toda. A oposição não é formado por um só
partido: é o MLSTP, é o PCD e é a UDD. O Manuel
Pinto da Costa neste momento não tem grande
margem de manobra, mas sempre que ele vê uma
oportunidade ele tenta, eventualmente, estragar
as coisas, não é? Felizmente, temos o actual
primeiro-ministro, que é o Patrice Trovoada, que
é uma pessoa muito dinâmica, muito competente
e é uma pessoa que não tem medo de dizer as
coisas, que é coerente, que luta pelo bem do
país – contrariamente a outros, que lutam pelos
seus próprios interesses – e por isso, penso que
XI
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
estamos numa fase muito promissora para São
Tomé e Príncipe.”
O FUTURO
“O maior desafio com que São Tomé se depara é
a questão da auto-sustentabilidade. Não é nada
agradável para um país viver com apoios que vêm,
quase na totalidade, do exterior. É o maior desafio
com que nos deparámos. Neste momento temos
todas as condições para darmos o salto, para
começar a explorar áreas que poderão estar na
origem de grandes recursos. São Tomé e Príncipe
tem um orçamento geral de Estado na ordem dos
150 milhões de dólares. Não é muito dinheiro para
um país, mas lá está, não temos esse capital. Se
conseguirmos explorar esse capital, esses aspectos
que temos potencialidades para desenvolver, não
precisaremos de petróleo para nada. O petróleo
será mais um contributo, mas não será o mais
importante. Eu penso que os próximos 40 anos
serão promissores. Eu acredito que dentro de
cinco ou dez anos poderemos, enfim, iniciar uma
nova página no nosso desenvolvimento. Espero
que o nosso orçamento geral de Estado possa vir
a ser quase na totalidade auto-sustentado pelo
país. Acredito que isso é possível, porque há sinais
nesse sentido. Mesmo a comunidade internacional
começa a mostrar outras perspectivas: uma
coisa é dar apoios e outra é colaborar e investir.
Tendo em conta que São Tomé e Príncipe está a
caminhar para a estabilidade política, que é uma
garantia de confiança para os parceiros, isso é
uma forma de nós conseguirmos mais capitais
para apoiar o nosso desenvolvimento, que é o que
verdadeiramente importa.”
O PETRÓLEO
conta que temos outras fontes alternativas que, a
curto prazo, poderão ser mais benéficas para São
Tomé e Príncipe: falo do turismo, na construção
de um entreposto de comércio na zona do Oeste
africano, que é um zona que tem uma população
de 300 milhões de pessoas. Apesar do país ser um
arquipélago, temos uma localização propícia. Não
podemos colocar o petróleo como uma prioridade,
porque o petróleo também é um foco de conflitos
e de interesses. Sabe como as coisas funcionam
quando há muito interesse em jogo. Há também
sempre muitos interesses instalados e há quem
mobilize todos os meios que tem ao seu dispor
para se poder apoderar dessa riqueza. Eu acho
que São Tomé e Príncipe não deve olhar para o
petróleo como alternativa para o desenvolvimento.
Deve, sim, olhar para as outras áreas, que são o
turismo, a pesca, a agricultura e eventualmente
o mercado que existe no Oeste africano, que é
um mercado gigantesco, tendo em conta que São
Tomé e Príncipe tem uma população de apenas 200
mil pessoas. São Tomé deve apostar nessa área. É
claro que se o petróleo chegar a ser explorado,
talvez possa ser uma mais valia, mas não nos
podemos centralizar na questão do petróleo, que
é uma miragem.”
TAIWAN
“São Tomé e Príncipe só se associou a Taiwan
porque estava num beco sem saída. São Tomé e
Príncipe nunca se desligou da China. Foi a China
que se desligou de São Tomé e Príncipe porque
São Tomé foi à procura de apoios na Formosa,
que foi quem se predispôs a apoiar o país num
momento em que São Tomé e Príncipe passava
por uma crise gravíssima. Sabe que sem dinheiro
não se faz nada. Eu penso que na altura São
Tomé só se aliou a Taiwan porque era o único
FOTO: CLÁUDIA ARANDA
“A questão dos hidrocarbonetos não é a questão
mais importante para São Tomé e Príncipe,
contrariamente aquilo que se pensava, tendo em
país onde poderia conseguir os montantes de
que precisava à época para sobreviver. São Tomé
sempre esteve ligado à China, só que no momento
em que São Tomé pediu apoio a Taiwan e Taiwan
pediu algo em troca – que foi o estabelecimento
de relações diplomáticas com São Tomé – também
fez com que a China rompesse com São Tomé e
Princípe. São Tomé nunca rompeu com a China.
São Tomé manteve as portas sempre abertas para
a China. Nos últimos anos, consta que São Tomé
tem tentado uma reaproximação à China. Sempre
houve uma tentativa de normalizar relações. Tanto
que no ano passado abriu uma representação
comercial da China, da República Popular da China
em São Tomé e Príncipe. Eles não podem dizer que
abriram uma Embaixada, mas eu até penso que
eles ocupam o lugar em que estava a embaixada
da China. O espaço lá está sempre, mas a questão
política é que não existe.”
A CHINA
“A China, portanto, apareceu na minha vida já lá
vão quase 30 anos. Na altura a China era uma
incógnita para nós. Conhecia-mos muito pouco.
Só se falava de Mao Tse Tung, kung-fu e karaté,
aquelas coisas que os jovens na altura viam
nos filmes que passavam por lá. Isso cativava
e as pessoas ficavam interessadas em saber
um pouco mais. Na altura não havia internet,
não havia informação. Era um país fechado do
qual pouco se sabia no exterior. Eu lembrome perfeitamente quando sai de São Tomé e
Príncipe, em 1986, de passagem por Portugal,
alguém sabia que eu estava de partida para
a China para estudar, e a pessoa ficou muito
intrigada: via a China meio que como um enigma.
Na altura as pessoas viam a China um pouco
como o Japão, que era um país desenvolvido
mas demasiado remoto.O desconhecimento
era total. Os produtos da China vinham parar
a São Tomé e Príncipe, aquelas coisas todas, e
as poucos a ideia de viajar para a China foi-se
tornando aliciante. Fez com que em 1986 eu
tivesse optado por me aventurar pela China, se
bem que tinha na altura outras oportunidades.
Preferi a China porque via-a como um país
apetecível.”
A SAUDADE
“São Tomé e Príncipe tem um povo acolhedor e
que recebe bem porque as pessoas são abertas,
são alegres, querem ajudar e este sentimento é
um sentimento que difere muito de outras regiões
em que, eventualmente, se coloca a questão
do tribalismo, a questão de muitas guerras
complicadas. Estas questões em São Tomé e
Príncipe não existem. O país tem todos os trunfos
possíveis e imaginários para se desenvolver e
desenvolver-se bem porque é amigo dos seus
visitantes, é amigo de todos. Não há problema
nenhum com São Tomé e Príncipe e é um país
que promete, pela sua localização também, pela
sua beleza natural. São Tomé e Príncipe é um país
verde, de um verde encantador, praias lindíssimas,
de areia branca. O mar, a água é morna e
transparente. É um destino espectacular. Em São
Tomé e Príncipe não é necessário muito para se
viver bem porque tem todas as condições para que
quem lá vive tenha uma vida tranquila, pacífica.
Quem lá vai não quer vir-se embora. É um país
inebriante e muito acolhedor.”
XII | MACAU
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
“Estou a pensar solicitar
ao Fórum o estatuto de observador
para São Tomé e Príncipe”
TEXTO E FOTOS DE MARCO CARVALHO
É
uma comunidade pequena e discreta,
mas com muitas histórias para contar.
Os santomenses radicados em Macau
não serão muito mais que os anos de
independência que o pequeno arquipélago
equatorial celebra por estes dias. Apesar
de diminuta, a comunidade – constituída
por médicos, arquitectos e engenheiros- é
das que melhor se integrou na realidade
do território. Dominam o mandarim,
aprenderam com alguma facilidade o
cantonense e deitaram âncora a Macau, ao
constituírem família localmente. Formado
em Engenharia Informática com aplicação às
telecomunicações, António Costa preside à
Associação de Amizade São Tomé e PríncipeMacau, China. Numa extensa entrevista, o
líder da comunidade santomense aborda com
olhar crítico os 40 anos de independência do
seu país, perspectiva o futuro do arquipélago
e analisa as relações entre o país onde nasceu
e a sua pátria adoptiva. A maior mágoa? Que
Pequim e São Tomé continuem de costas
voltadas.
- Quarenta anos da independência de São
Tomé e Príncipe. Quarenta anos que foram
40 anos muito distintos, com algumas
dificuldades, sobretudo inicialmente. Nesta
recta final com alguma esperança também,
por causa do petróleo e da eventualidade das
jazidas de petróleo poderem ou não a vir a
ser exploradas. A pergunta que eu lhe fazia:
um balanço destes 40 anos? Foram 40 anos
em que São Tomé e Príncipe se conseguiu
afirmar plenamente como nação?
António Costa – Antes de mais, muito
obrigado pela oportunidade para falar um
pouco sobre o meu país nesta ocasião em que
se comemoram os 40 anos da independência.
Se São Tomé e Príncipe já se pode afirmar ou
não como um país, em termos formais até é
verdade porque é uma nação independente:
foi desde logo reconhecido pelas Nações
Unidas, tem o seu próprio governo. Enfim,
em termos formais é um país independente.
Agora, o resto – do ponto de vista económico,
social e mesmo territorial, no aspecto do
desenvolvimento – fica muito aquém das
expectativas. É verdade que é um dos países
mais pequenos de África, mas mesmo assim
ainda falta muito para que se possa afirmar
como um país no sentido tradicional do
termo, com uma soberania que se possa
sentir por todos, digamos assim. Quarenta
anos de independência, 40 anos de imensos
problemas, 40 anos de imensos erros, 40
anos de governação deficiente, 40 anos de
luta pelo poder, que ainda, infelizmente, não
acabou. Quarenta anos de democracia, mas
mais no papel do que na realidade. Há muito
a melhorar do ponto de vista democrático e
nestes 40 anos o país sofreu, sobretudo, com a
falta de espírito democrático e de capacidade
democrática, quer dos dirigentes, quer dos
cidadãos em geral. Esperamos, ainda assim,
que a democracia possa ir além do papel. Não
basta a República ser Democrática. É preciso
que os cidadãos e que os dirigentes tenham
espírito democrático, sejam capazes de
respeitar a opinião dos outros, de dar margem
aos outros cidadãos para contribuírem para
XIII
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
o país e por aí fora. No que diz respeito
ao aspecto económico, como já sabemos,
basta ler um pouco as informações que são
publicadas nos meios de comunicação social.
Persiste, de facto, a ideia de que o petróleo
vai salvar São Tomé e Príncipe e, de facto,
de acordo com o que se conhece, existem
vários blocos de petróleo, quer em São Tomé,
quer na fronteira com a Nigéria e à volta do
arquipélago. Tudo isso parece ser verdade,
mas as informações – apesar de tudo – não
são tão exaustivas como seria de esperar.
Existem aqui e ali informações de que esta
ou aquela companhia pretendem ou vão
explorar alguns desses blocos, mas em termos
concretos parece que nada aconteceu ainda.
- Assim sendo, que outra alternativa existiria
para que São Tomé pudesse, de certa forma,
dinamizar a sua economia? O turismo tem
sido apontado como uma alternativa. Poderá
sê-lo?
A.C. – Sem dúvida que, para além de outros
recursos, o turismo é um domínio que
São Tomé pode e deve explorar. Sei que
São Tomé tem vindo a promover as suas
potencialidades turísticas mas ainda de
forma muito deficiente. Há ainda muito a
fazer. Não basta ter paisagens bonitas, não
basta ter praias de areia branca e de água
cristalina, não basta ter uma ilha segura:
e de facto é segura, porque os níveis de
criminalidade são muito baixos. É preciso
também dar formação às pessoas, é preciso
criar leis para regular o turismo e para que
o país não se deixe embalar por tudo aquilo
que é mau em relação ao turismo. O turismo
parece ser, aparentemente, uma coisa boa,
mas quando é mal pensado, quando é mal
estruturado, sem leis, sem pessoas formadas,
sem organizações governamentais e não
governamentais no terreno, sem sinergias
adequadas para que tudo corra bem, em vez
de ser um bem que possa contribuir para o
desenvolvimento do país, pode ter efeitos
contrários. Ainda assim, o turismo só por
si também não chega: somos um país de
quase 200 mil habitantes, queremos de facto
desenvolver o turismo mas é preciso também
desenvolver várias outras áreas que existem.
Há pouco falávamos do petróleo, mas
também temos imensas roças ou terrenos
cultiváveis. Temos uma grande área fértil em
São Tomé e Príncipe, temos possibilidade
imensas na pesca, temos a possibilidade
de extrair do mar outros recursos. O país
bem organizado, com dirigentes realmente
democratas, que permitam que os outros
cidadãos consigam dar a sua contribuição
e com um governo estável, que é um factor
importante também, todos estes elementos
são cruciais para identificar quer as áreas que
há pouco mencionei, quer novas áreas que
possam contribuir para o desenvolvimento
de São Tomé e Príncipe.
- Falava da questão do reaproveitamento
das roças. As roças de São Tomé e da ilha do
Príncipe estiveram ligadas durante muitos
anos à produção de chocolate e a algum do
melhor chocolate do mundo, mas também a
um dos aspectos mais brutais da colonização
portuguesa, que é a questão da escravatura.
Ao fim de 40 anos de independência e mais
de 60 do massacre de Batepá ainda há feridas
abertas?
A.C. – Há pouca informação pormenorizada
sobre o assunto. Aqui e ali encontramos um ou
outro livro, escrito por um português ou por
um santomense que começou a estudar esta
questão. Aqui e ali temos um ou outro dado
de uma ou outra entrevista de alguém que
presenciou esse massacre, dos historiadores
que escrevem sobre São Tomé e Príncipe e
dos governadores e oficiais que na altura da
escravatura viveram em São Tomé. Há alguma
informação escrita. No entanto, não existe –
pelo menos que seja do meu conhecimento
– uma informação estruturada, bem
pensada e organizada quer sobre o tempo
da escravatura em São Tomé, quer sobre
os acontecimentos de 1953 ou ainda sobre
o que ainda hoje resta de possíveis feridas
não sanadas ou de possíveis elementos
que participaram nos acontecimentos de
1953, quer do lado português, quer do lado
santomense, quer do lado do povo. Ainda
não existe uma informação estruturada sobre
como é que isto tudo aconteceu. Ainda há
uns dias li algumas entrevistas de alguns
santomenses que participaram no Movimento
de Libertação de São Tomé e Príncipe e no
Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe
nos anos que antecederam a independência.
Estas informações não são, ainda assim,
completas: seria bom se os fundadores
desses movimentos pré-independência e os
representantes do lado oposto – ou seja das
posições portuguesas, da PIDE e de todo
um conjunto de um aparelho de estado
português que reprimia esses movimentos
– seria bom que eles viessem à ribalta e
escrevessem sobre o assunto, que era para
que pudéssemos perceber melhor se, de facto,
ainda existem algumas feridas por cicatrizar.
Como sabemos, até do lado português, faltam
informações: as pessoas ainda não querem
explicar tudo o que se passou e eu gostava
de saber porquê. Se calhar, o facto de não
quererem dar mais explicações ou o facto
de darem as explicações apenas pontuais
é sintomático de alguma coisa. Se calhar é
porque ainda existem algumas feridas...
É VERDADE QUE [SÃO TOMÉ E
PRÍNCIPE] É UM DOS PAÍSES MAIS
PEQUENOS DE ÁFRICA, MAS MESMO
ASSIM AINDA FALTA MUITO PARA QUE
SE POSSA AFIRMAR COMO UM PAÍS
NO SENTIDO TRADICIONAL DO TERMO,
COM UMA SOBERANIA QUE SE POSSA
SENTIR POR TODOS, DIGAMOS ASSIM.
QUARENTA ANOS DE INDEPENDÊNCIA,
40 ANOS DE IMENSOS PROBLEMAS,
40 ANOS DE IMENSOS ERROS, 40
ANOS DE GOVERNAÇÃO DEFICIENTE,
40 ANOS DE LUTA PELO PODER, QUE
AINDA, INFELIZMENTE, NÃO ACABOU
- Sei que não se passa fome em São Tomé
e Príncipe, mas há ainda uma grande
desigualdade. A questão da pobreza é algo
que é ainda necessário resolver?
A.C. – É uma questão curiosa. É verdade que,
sendo um país pobre, devia haver muita gente
pobre e parece um contra-senso, mas não há
muita gente pobre, embora nos últimos dez
anos tenha começado a ser notória alguma
pobreza de rua, na capital. Em São Tomé
vêm-se miúdos que não têm trabalho ou
que não querem trabalhar, ou então que
foram abandonados pelos pais, que também
não têm os meios para os colocar na escola.
No entanto, em geral, São Tomé e Príncipe
é uma ilha cheia de recursos naturais e o
povo de São Tomé tem por hábito viver do
que retira das suas fazendas, das roças. É
relativamente fácil viver sem dinheiro. É
fácil viver normalmente, sem passar fome e
sem recorrer a uma economia de mercado.
Não existe o tipo de pobreza gritante que
existe noutros países. Existe pobreza, mas as
pessoas não passam fome, como acontece em
outras nações onde as pessoas não têm nada e
também não podem explorar os seus terrenos
e, portanto, não têm por hábito cultivar. Em
São Tomé isto não acontece.
- O multi-partidarismo trouxe mais
estabilidade a São Tomé e Príncipe. Ainda
assim temo um fenómeno curioso, que é
o facto de o primeiro presidente – que a
determinada altura adoptou uma postura
de certa forma ditatorial – ter sido reeleito e
estar de novo na presidência...
>>>
XIV | MACAU
>>>
A.C. – Eu diria que é mais uma questão de
nostalgia do que propriamente uma questão
de capacidade do primeiro presidente gerir o
país de forma a que o país possa, enfim, dar
os primeiros passos. É preciso dizer que São
Tomé, apesar dos 40 anos de independência,
parece que tem dado passos para trás. Tem
dado alguns passos muito pequenos para a
frente, mas grandes passos para trás. Tivemos
15 anos de partido único, que é o partido do
actual presidente Manuel Pinto da Costa,
o MLSTP. Pinto da Costa esteve 15 anos na
presidência, de 1975 a 1990. A partir dos anos
90 saudamos o multi-partidarismo, mais
precisamente em 1991, em que o rival deste
presidente – ou melhor, um antigo colega no
âmbito da luta do Movimento de Libertação
de São Tomé e Príncipe, com quem Pinto
da Costa esteve de costas voltadas durante
mais de 15 anos – foi eleito em 1991. O
multi-partidarismo, que começou nesse ano
com Miguel Trovoada, não trouxe muito,
além do benefício formal de um país mais
democrático, por ser multi-partidário, mas
os benefícios não passaram disso: foi apenas
no papel que o país deixou de ser monopartidário, com um regime de partido único
e passou a ser multi-partidário. Os benefícios
que o país retirou do multi-partidarismo
são muito pouco, apesar de haver mais
liberdade e de as pessoas conseguirem
contribuir melhor para o seu país, com o seu
profissionalismo, com o seu trabalho. Mas,
fora isso, houve mais problemas, houve mais
intrigas políticas, houve mais situações de
falta de consenso que levaram a que muitos
dos projectos que os governos se propuseram
concretizar não avançassem, porque o multipartidarismo, em vez de ajudar, criou mais
obstáculos. Ao mesmo tempo, ao fim de 15
anos de partido único, o actual presidente
também não fez muito: limitou-se a gerir
o que havia. Pergunta-me: ‘Mas porque é
que, de repente, a pessoa que se limitou a
gerir o que havia no país volta outra vez a
ser presidente?’. A minha resposta, se calhar
ainda não muito informada, aponta para o
facto de, não havendo melhor candidato,
o povo ter escolhido aquele que conhece
melhor.
- Uma outra curiosidade, em termos
económicos, é o facto de grande parte do
dinheiro que chega a São Tomé ser resultante
da cooperação externa e da boa vontade de
países terceiros. Falávamos há pouco do
petróleo, na perspectiva de que o petróleo
pudesse, de certa forma, inverter esta
tendência. Ainda assim, São Tomé exibe esta
curiosidade, de certa forma até com alguma
coragem, porque reconhece Taiwan. É uma
opção arriscada? Olhando para aquilo que a
China conseguiu ao longo da última década,
um eventual reconhecimento de Pequim
poderia ter sido mais favorável a São Tomé?
A.C. – Em 1997, o governo de então decidiu
estabelecer relações com Taiwan. Quem
estava à frente dos destinos do país sabia
que quando um país que tem relações
diplomáticas com a China estabelece relações
com Taiwan, a China unilateralmente corta
relações diplomáticas com aquele país.
Foi o que aconteceu. Se a pergunta fosse
feita em 1997, ano em que o país estava,
do ponto de vista económico e do ponto de
vista do orçamento de estado, numa situação
muito precária, a resposta seria outra. Não
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
estou a dizer com isto que o governo fez
bem em estabelecer relações diplomáticas
com Taiwan. O que que quero dizer é que o
momento, em São Tomé e Príncipe, levou
a que o governo – independentemente das
outras coisas más que aconteceram com o
estabelecimento desta relação diplomática
– firmasse relações com um país, que era,
à época, um dos quatro dragões asiáticos.
Se calhar, na altura fazia algum sentido que
houvesse o estabelecimento de tais relações.
No entanto, sabe-se hoje que a ideia, apesar
de formalmente parecer boa, na prática não
teve os resultados esperados, porque tudo
o que foi prometido por Taiwan na prática
não chegou se chegou a materializar tal
como tinha sido prometido. Houve muitas
insuficiências e o governo – quer na altura,
quer os governos subsequentes – deviam ter
percebido que a China, precisamente a partir
de 1997 e até hoje, foi crescendo e cresceu
muito. Acho que o tempo para deixar de ter
relações com Taiwan e restabelecer relações
com a China já passou. Se calhar devíamos ter
deixado esta parceria para trás há dez anos.
- Mantém a esperança que São Tomé e
Príncipe possa vir, eventualmente, a olhar
para a China com outros olhos?
A.C. – Eu não só tenho esperança, como
acredito que brevemente isso vai acontecer.
Acredito por duas ou três razões. A primeira
delas é que a própria Taiwan está a reforçar
relações com a República Popular da China, o
que é um bom sinal do ponto de vista da Ásia.
Do ponto de vista das relações diplomáticas
entre São Tomé e Taiwan, e da perspectiva
SERIA BOM QUE O FÓRUM MACAU
PUDESSE, AO MENOS, ACEITAR SÃO
TOMÉ COMO OBSERVADOR E AÍ, SE
CALHAR, UMA VEZ QUE O FÓRUM
NÃO TEM CARIZ POLÍTICO E SE
TRATA DE UM FÓRUM COMERCIAL,
SERIA DE BOM TOM QUE AO MENOS
HOUVESSE RELAÇÕES COMERCIAIS
MAIS ESTREITAS COM SÃO TOMÉ E
PRÍNCIPE, DE FORMA A PROPICIAR
NOS PRÓXIMOS ANOS RELAÇÕES
DIPLOMÁTICAS COM A CHINA.
de São Tomé poder vir a ter relações
diplomáticas com a China, acho que já houve
alguns sinais nesse sentido. Simplesmente,
como houve eleições em São Tomé e o
governo que neste momento está no poder
tem mais ligações comerciais com Taiwan
– foi o governo que em 1996 estabeleceu
as relações diplomáticas com a Formosa
– logo parece-me que, com essa viragem e
com o novo governo, os sinais que existiam
há um ano começam a desvanecer-se. Eu
acredito, ainda assim, que as potencialidades
que a China de hoje oferece são, só por si,
suficientes para que o governo santomense
olhe para a China de hoje e perceba, que de
facto, não tem nada a perder em restabelecer
relações diplomáticas e continuar as relações
comerciais com Taiwan, que é o que, de
resto, muitos países fazem hoje em dia. Tal
não significa, obviamente, que a China vá
começar a encher os orçamentos de São
Tomé ou proporcionar ao país mais dinheiro.
Isso será, provavelmente, o resultado de
alguma negociação. Mas não deverá ser a
razão fundamental para que as relações
diplomáticas sejam restabelecidas.
- A China tem, ainda assim, apoiado a
construção de infra-estruturas em países
como a Guiné-Bissau e Cabo Verde. Este
investimento seria bem vindo em São Tomé?
A.C. – Seria muito bem vindo e aí faríamos
uma ligação com o Fórum Macau, que é a
plataforma que tem, enfim, dinamizado essas
relações com os países de língua portuguesa.
Infelizmente São Tomé não faz parte da
dinâmica do organismo. Eu estou a pensar
solicitar ao Fórum o estatuto de observador
para São Tomé e Príncipe. É uma situação
que está em estudo, ainda não há elementos
concretos para avançar, mas seria bom que
o Fórum Macau – apesar de tudo o que se
conhece sobre as relações entre São Tomé e
Taiwan – pudesse, ao menos, aceitar São Tomé
como observador e aí, se calhar, uma vez que
o Fórum não tem cariz político e se trata
XV
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
domingo. Durante a semana que começou no
sábado, teremos a sede da associação aberta
ao público de Macau: quem quiser visitar
a associação para conhecer um pouco da
história, para conhecer um pouco da cultura
de São Tomé, temos lá muitas coisas para
mostrar e para explicar às pessoas e para que
as pessoas vejam que, de facto, existe uma
associação em Macau, que está aberta ao
público de Macau e que tem na sua sede várias
mais-valias, como o artesanato e a pintura de
São Tomé e Príncipe, e que queremos mostrar
à população de Macau.
de um fórum comercial, seria de bom tom
que ao menos houvesse relações comerciais
mais estreitas com São Tomé e Príncipe, de
forma a propiciar nos próximos anos relações
diplomáticas com a China. No fundo é dizer o
seguinte: o facto de São Tomé e Príncipe não
ter relações diplomáticas com a China não
nada para fazer e só tínhamos de estudar –
e na altura a comunicação com São Tomé e
Príncipe também não era fácil – concentrámonos no estudo da língua e conseguimos fazer
o curso. Foi difícil o primeiro ano, também
foi difícil o primeiro ano de universidade
propriamente dita, porque na altura o único
significa que não possa haver um reforço das
relações económicas e comerciais.
dicionário que existia para fazer a ponte
connosco, era um dicionário de espanholchinês e inglês-chinês. Ainda não havia
dicionários de português-chinês como hoje
os conhecemos. Por isso, sim, foi difícil, mas
conseguimos superar as dificuldades: houve
situações em que pessoalmente achei que
não iria conseguir, mas a partir do segundo
ano da universidade comecei a ganhar mais
confiança pessoal e comecei a achar que,
de facto, poderia acabar o curso, sempre em
chinês naturalmente.
- Quem são os santomenses de Macau? A
comunidade é pequena, mas é, ainda assim,
uma comunidade dinâmica...
A.C. – É verdade. A comunidade santomense
em Macau tem, desde logo, uma associação
que funciona. Temos uma direcção eleita
de dois em dois anos, os vários membros
da associação trabalham em Macau, parte
desses membros estudaram na China, eu
incluído. Desenvolvemos várias actividades
durante o ano. A comunidade de São Tomé
é pequena. Não somos mais do que 40
indivíduos, contando também com os filhos e
com as esposas. Algumas até são locais.
- No seu caso, quando estudou na China,
estudou
numa
China
completamente
diferente. Era uma China que não conhecia
esta pujança económica, que não conhecia
também este nível de abertura. O curso
superior que tirou, tirou-o totalmente em
chinês. Foi difícil adaptar-se a esta realidade?
Ou nem por isso?
A.C. – Dizer que não foi difícil é, no fundo, uma
mentira. Basta que lhe diga que se tratavam
de estudantes vindos de São Tomé e Príncipe,
passamos por Portugal e por França na altura
e chegamos à China Popular. Não sabíamos
sequer dizer bom dia em chinês. Portanto,
não houve nenhuma preparação prévia antes
de virmos para a China. Tudo começou aqui.
Quando chegámos não conseguimos falar
com ninguém. Falávamos por gestos e ainda
assim conseguimos comunicar. O primeiro
ano, de aprendizagem apenas da língua, foi
dificílimo, mas como não tínhamos mais
- Surpreendeu-o a pujança da China, que tornou
nesta potência económica? Ou nem por isso?
DURANTE A SEMANA QUE COMEÇOU
NO SÁBADO, TEREMOS A SEDE DA
ASSOCIAÇÃO ABERTA AO PÚBLICO
DE MACAU: QUEM QUISER VISITAR
A ASSOCIAÇÃO PARA CONHECER
UM POUCO DA HISTÓRIA, PARA
CONHECER UM POUCO DA CULTURA
DE SÃO TOMÉ, TEMOS LÁ MUITAS
COISAS PARA MOSTRAR E PARA
EXPLICAR ÀS PESSOAS.
A.C. – Sim, surpreendeu. A China de há 15
anos era uma China diferente da China de
hoje e estamos a falar de 15 anos. Quinze
anos passam depressa. Há 15 anos a China
tinha algumas coisas e a abertura continuava
a ser difícil. Esta conversa de a China de há
10 ou 15 anos é uma conversa para vários
dias mas, resumindo, é evidente que me
surpreendeu. A rapidez do desenvolvimento,
a capacidade de realização e… Hoje vemos
que muitos países de língua portuguesa vêm
receber formação na China Continental – não
a formação universitária mas a formação
comercial, a formação do aparelho de Estado,
a formação dos dirigentes dos países de
língua portuguesa – , o que há 15, 20 anos
era praticamente impossível. Apenas em
algumas universidades isto acontecia. Hoje
já acontece. Esta questão, só por si, é um
sinal de um desenvolvimento que me parece
vertiginoso e é uma nova realidade, esta a que
estamos a assistir.
- Como é que um santomense mantém vivo o
apego à terra tão longe de casa?
A.C. – Confeccionando os pratos de São Tomé
na sede da nossa associação. Temos uma
sede que felizmente está apetrechada com
uma boa cozinha, com uma boa sala e com
quase tudo o que é preciso para confeccionar
pratos de São Tomé. Ficam a faltar certos
ingredientes, mas os santomenses quando
regressam à terra trazem alguns ingredientes
e nós aproveitamos esses ingredientes para
fazer pratos tradicionais. Como estamos a
comemorar os 40 anos de independência,
fizemos no fim-de-semana alguns pratos
tradicionais para os sócios na nossa sede.
Não tivemos e não teremos um jantar de gala
como tivemos nos anos anteriores. Este ano
tivemos apenas uma pequena cerimónia na
nossa sede, num evento mais íntimo, que
serviu para que se fizesse uma reflexão sobre
o país, sobre o desenvolvimento do país e
sobre o futuro de São Tomé e Príncipe. Foi o
que fizemos no sábado e foi o que fizemos no
- No ano em que São Tomé e Príncipe celebra
40 anos, como é que imagina as próximas
quatro décadas do país? Com que trunfos
conta o arquipélago para se conseguir
afirmar?
A.C. – Do ponto de vista dos recursos naturais,
São Tomé tem todos os trunfos, desde os
recursos marinhos até recursos de outras
áreas como o turismo, a pesca, zonas férteis,
etc. O que realmente falta a São Tomé não
são os recursos naturais que o país até tem. O
que falta, sobretudo, é o espírito democrático
quer dos dirigentes, quer dos cidadãos em
geral. O trunfo será apostar mais na educação,
na formação: se nós conseguíssemos, nos
próximos cinco anos, formar ainda mais
quadros, melhorar o aspecto democrático,
quer dos dirigentes, quer das outras pessoas,
como de resto disse há um bocado, este
será o trunfo mais importante para que nos
próximos 40 anos possamos dar o tal salto
que nós desejamos. Sem formação, sem a
capacidade de realização e sem a capacidade
para acabar com – é uma palavra já gasta –
a corrupção, sem acabar com o clientelismo
e sem acabar com tudo aquilo que funciona
como força que trava todos os projectos
que os santomenses têm em vista, São Tomé
não terá a capacidade para se desenvolver.
Um exemplo: olhando para os problemas
dos diferentes governos de São Tomé e
Príncipe, conseguimos perceber que afinal os
programas do governo são quase todos muito
semelhantes, só que nenhum dos governos
consegue levar avante o programa. Porquê?
Eventualmente será porque ainda não existe
aquela consciência democrática para deixar
que as ideias que são boas funcionem, para
permitir que as ideias sejam realizáveis e
que sejam concretizadas na prática, que os
projectos cheguem ao fim. Resumindo, o
trunfo estará mais na aposta nas pessoas e,
tendo pessoas formadas e qualificadas, acho
que podemos dar o tal salto.
- Para que isso aconteça, que desafios é
necessário dirimir primeiro? Quais são
os grandes desafios com que São Tomé se
depara?
A.C. – O primeiro desafio é a energia.
Dependemos do exterior e precisamos de
construir e realizar três ou quatro grandes
empreendimentos. Para que isto aconteça
temos de criar três ou quatro pilares: o
primeiro seria a formação profissional, seria
a capacidade democrática dos dirigentes e
dos cidadãos. Esta é a primeira condição. O
segundo pilar seria resolver o problema da
energia, que passa por construir barragens
hidroeléctricas. O terceiro pilar seria
resolver o problema do aeroporto e do
porto. Falamos há vários anos sobre o porto
de águas profundas, falamos há vários anos
da construção de um aeroporto de grande
porte. Se nós conseguirmos, pelo menos,
concretizar estes quatro ou cinco projectos
de grande envergadura, chegaremos lá.
ponto final • SEG. 13 JUL, 2015
Cabo Verde
40 Anos de Vida como
Nação Independente
ALGUNS DOS TÍTULOS DISPONÍVEIS
NA LIVRARIA PORTUGUESA
Ilhas de Fogo
de Alain Corbel, Pedro Rosa Mendes
A reportagem - escrita, ilustrada - tem também por função desocultar.
É esse o objectivo deste livro: ajudar a revelar de África, dos Países
Africanos de Língua Oficial Portuguesa, uma realidade escondida,
uma África que se move, feita de pessoas corajosas, com iniciativa,
inteligência e imaginação, que em cada dia animam e participam em
processos de resistência e de mudança. Ao longo de cerca de ano
e meio, Pedro Rosa Mendes e Alian Corbel percorreram um roteiro
de sítios, iniciativas, pessoas que nos cinco PALOP têm iniciativa,
coragem, imaginação e todos os dias fazem com que o dia seguinte
seja diferente do anterior, em muitas comunidades isoladas e fora de
vistas ou nas periferias marginalizadas de muitas cidades. O resultado
é um conjunto de histórias de pessoas que nos ajuda a entender o
essencial do nosso mundo, a relatividade do nosso olhar e do nosso
lugar. A Dolorosa Raiz do Micondó
de Conceição Lima
Nesta coletânea de 27 poemas da poetisa são-tomense Conceição
Lima, o micondó, árvore considerada sagrada em diversas regiões
da África, simboliza origem, casa, morada ancestral. A evocação
de tais raízes é dolorosa devido a acontecimentos históricos, como
a escravidão e a colonização, que imprimiram profundas feridas
e rupturas na identidade nacional, e na própria poetisa, cujos
antepassados foram levados à força para o arquipélago africano e mais
tarde enviados para outras terras como escravos. Íntima, pessoal e
sofrida, a poesia de Conceição Lima é também dotada de um lirismo e
esteticismo sublimes.
Conceição Lima nasceu em Santana, na ilha de São Tomé, em 1961.
Estudou jornalismo em Portugal. É licenciada em Estudos AfroPortugueses e Brasileiros pelo King’s College de Londres e mestre em
Estudos Africanos, com especialização em Governos e Políticas em
África, pela School of Oriental and African Studies (SOAS), de Londres.
Foi durante vários anos jornalista e produtora dos Serviços de Língua
Portuguesa da BBC. Presentemente é jornalista da TVS, Televisão SãoTomense.
Excerto
E no mar foi recluso, escoltado caminhante
De todo o mar apenas foi onda silente
De marfim os dentes, imperscrutáveis os deuses
Nenhuma trombeta amparou a mudez
de sua voz sem doutrina.
Com seu nome e sua língua morreram colinas
A Ocidente se abriu uma vanguarda de tumbas
que expande do desterro a metamorfose
em novos hinos, outros abismos chamados ilhas.
E nem estrela nem astro, nenhuma chama
Da própria sombra foi a sombra que o amou
quando impassível marchou a infernal engrenagem
e o mundo emergiu - seu destino e sua casa.
O Amor Proibido
de Orlando Piedade
Amor Proibido retrata a chegada dos portugueses, o povoamento das
ilhas através do tráfico de escravos e os degredados provenientes
da metrópole, bem como, a fundação das cidades de São Tomé e de
Santo António. Retrata ainda a evolução económica, a criação de uma
sociedade crioula complexa, diversificada e especialmente propensa
às conflitualidades. Os escravos, os angolares, a vida dos foragidos, a
vida nas roças, o papel das mulheres naquela sociedade, as mulheres
casadas, o casamento e as ligações económico-sociais são aspectos
também focados.
Os Meninos Judeus Desterrados
De Portugal para S. Tomé e Príncipe por ordem
d’El-Rei D. João II em 1493
de Orlando Piedade
Depois de O Amor Proibido o escritor Orlando Piedade leva-nos,
novamente, até São Tomé e Príncipe para um novo romance baseado
em factos verídicos. Tendo como pano de fundo a história de duas mil
crianças com idades compreendidas entre os seis e oito anos, na sua
maioria filhos de judeus castelhanos que fugiram à inquisição no reino
de Castela, durante o reinado dos reis católicos. Retiradas aos pais
e enviadas por ordem d’El-Rei D. João II para povoar as ilhas de São
Tomé e Príncipe, no ano de mil quatrocentos e noventa e três, logo fase
inicial do povoamento destas ilhas.
Baseado numa rigorosa investigação histórica, este romance narra o
percurso de uma criança de seis anos que sobrevive e vence contra
todas as probabilidades.
Equador
de Miguel Sousa Tavares
Quando, em Dezembro de 1905, Luís Bernardo é chamado por El-Rei
D.Carlos a Vila Viçosa, não imaginava o que o futuro lhe reservava.
Não sabia que teria de trocar a sua vida despreocupada na sociedade
cosmopolita de Lisboa por uma missão tão patriótica quanto arriscada
na distante ilha de S. Tomé. Não esperava que o cargo de governador e
a defesa da dignidade dos trabalhadores das roças o lançassem numa
rede de conflitos de interesses com a metrópole. E não contava que a
descoberta do amor lhe viesse a mudar a vida.
Equador, o primeiro romance de Miguel Sousa Tavares, foi inicialmente
publicado em 2003 e rapidamente se transformou num dos maiores
best-sellers da literatura portuguesa, com mais de 300.000 exemplares
vendidos em Portugal. Este livro tem, actualmente, traduções em
inglês, holandês, espanhol, catalão, francês, italiano, alemão, grego,
checo, servo-croata e bósnio, estando presente em mais de vinte
países. Atingiu os tops de vendas no Brasil e venceu a 25ª edição do
Prémio Literário Grinzane Cavour para o melhor romance estrangeiro
editado em Itália. «Equador é mais interessante do que as pessoas possam imaginar. É
muito clássico, a muitos títulos. Queirosiano e aquiliniano. É talvez o
último romance do Império. Do nosso Império em chamas.»
Eduardo Lourenço
Economia de S. Tomé e Príncipe
entre o regime do partido único e o
multipartidarismo
de Armindo Ceita Espírito Santo
Quem chama pela Fada do Galo Preto
Aventuras de um galo com dentes
de Helena Osório
A partir de uma breve introdução sobre a lenda algo fantasiada do galo
de Barcelos, representativo de Portugal (e até da Galiza, pelo milagre
de Santiago de Compostela que se descreve), Helena Osório parte para
os contos da fada dos dentes que se preocupa com a higiene oral dos
mais novos. O galo acompanha a fada em todas as aventuras e ganha
mesmo dentes para sentir a importância de os bem tratar e para poder
ensinar às crianças e jovens o que fazer para prevenir cáries e outros
problemas. Entretanto, algures em África, uma menina perde dentes
de leite e chama pela fada para os trocar por ouro. Os três viajam até à
terra do galo onde a menina entra pela primeira vez no consultório de
um estomatologista e fica fascinada com um menino que tem cócegas
nos dentes e se ri muito enquanto está a ser tratado.
Este livro analisa as mudanças estruturais de ordem política e
económica que ocorreram em S. Tomé e Príncipe no período pósindependência. E defende que as reformas económicas introduzidas
tanto no regime do partido único como no do multipartidarismo não
conduziram à melhoria da situação económica do país. O resultado foi
uma progressiva degradação das condições de vida das populações
com a pobreza a atingir uma maior base social nos períodos mais
recentes. Este ensaio propõe uma alternativa de desenvolvimento
alicerçada em actividades de invisíveis, instituições eficientes e um
modelo de desenvolvimento do tipo “gradualista”, em oposição ao
paradigma dominante.
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a pérola adormecida do atlântico