OS MOVIMENTOS DE CULTURA POPULAR E AS CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA A ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CRISTIANE SILVA MELO (FECILCAM), SIMONE BURIOLI IVASHITA (UEM). Resumo Esta comunicação discute aspectos relacionados à história da Educação de Jovens e Adultos (EJA), no Brasil, enfatizando as contribuições de Paulo Freire (1921–1997) aos movimentos de educação e cultura popular no final da década de 1950 e início de 1960. Para tanto, apresenta–se considerações sobre o seu pensamento educacional ao destacar suas perspectivas sobre a alfabetização e letramento de pessoas jovens e adultas. Para Paulo Freire, a educação seria elemento de conhecimento e conscientização para uma possível ação política “transformadora” no social. O método de alfabetização deveria partir de palavras e temas geradores, tornando–se importante que o educador considere a identidade cultural dos alunos em processo de ensino–aprendizagem da leitura e escrita. Era necessário, assim, considerar que o analfabetismo devia ser erradicado, pois provocava na sociedade implicações políticas e sociais ao prejudicar o desenvolvimento nacional e a emancipação dos indivíduos. A alfabetização de adultos não poderia ser simples técnica: “aprender” a ler e escrever não exigia apenas a memorização de sílabas, palavras ou frases, mas sobretudo a reflexão crítica sobre o próprio processo de ler e escrever num contexto significativo de compreensão da linguagem e da leitura de mundo. Os homens precisavam se reconhecer como indivíduos formadores de cultura e possuidores de ação política na sociedade. O método Paulo Freire para a educação de adultos, sistematizado em 1962, valorizou a conscientização da população sobre a realidade brasileira, representou, tecnicamente, certa combinação da didática contemporânea, da teoria da comunicação e da psicologia. Paulo Freire formulou uma pedagogia para a educação popular com embasamentos de uma postura crítica de interrogação, diálogo e solidariedade. O seu pensamento exerceu influência sobre os profissionais da educação, suas reflexões sobre o social no pedagógico foram importantes nas práticas educativas dos movimentos de educação e cultura popular voltados para a educação de jovens e adultos. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, alfabetização e letramento, Pensamento pedagógico de Paulo Freire, Movimentos de Educação e Cultura Popular. Introdução Este texto[1] discute aspectos relacionados à história da Educação de Jovens e Adultos (EJA), no Brasil, enfatizando as contribuições de Paulo Freire (1921-1997) aos movimentos de educação e cultura popular no final da década de 1950 e início de 1960. Para tanto, apresenta-se considerações sobre o pensamento educacional do autor ao destacar suas perspectivas sobre a alfabetização de pessoas jovens e adultas. A história da alfabetização de jovens e adultos no Brasil se remete a um longo período que se estende do Brasil Colônia aos dias atuais. A educação de jovens e adultos historicamente se relacionou aos ideários da educação popular definida como um ensino voltado à educação das camadas populares. Segundo Paiva (1987: 46), a educação popular é aquela entendida comumente como uma "[...] educação oferecida a toda a população, aberta a todas as camadas da sociedade. Para tanto, ela deve ser gratuita e universal", é concebida, ainda, como aquela modalidade da educação "[...] destinada às chamadas ‘camadas populares' da sociedade: a instrução elementar, quando possível, e o ensino técnico profissional tradicionalmente considerado, entre nós, como ensino ‘para desvalidos'". A educação de adultos pode ser considerada a destinada aos "[...] que não tiveram oportunidades educacionais em idade própria ou que a tiveram de forma insuficiente, não logrando alfabetizar-se e obter conhecimentos básicos correspondentes aos primeiros anos do curso elementar" (PAIVA, 1987: 16). Sendo assim, podemos presumir que a educação dos adultos aproxima-se da educação popular. Paiva (1987) destaca que é possível verificar que até o final do Estado Novo os problemas da educação dos adultos foram discutidos em conjunto com aqueles relativos à educação popular. Beisiegel (2003) remete à reflexão de que a educação popular em geral possui um caráter político, percebe-se que no decorrer da história esteve articulada aos ideários de organização de uma educação para determinados fins, sendo pensada como necessária na formação de um grupo para a sociedade. Segundo o autor (BEISIEGEL, 2003): [...] a educação popular [...] sempre foi muito mais uma preocupação de quem a propõe do que daqueles a quem é dirigida. Sob essa perspectiva, o estudo da educação popular deve começar pela identificação das orientações e dos objetivos das instituições e dos grupos que, no âmbito do Estado, das igrejas, de partidos ou de outras associações, propõe-se a levar a educação às massas iletradas (p. 35). Neste sentido, muitas foram as ações para educar os adultos. Este texto está estruturado em duas partes. Na primeira, abordam-se aspectos históricos da educação de jovens e adultos no Brasil, e, na segunda, o pensamento educacional e a atuação de Paulo Freire nas discussões sobre práticas de alfabetização e letramento de pessoas jovens e adultas. Histórico da Modalidade de Ensino: a Educação de Jovens e Adultos O ensino de ler e escrever se tornou uma ação importante no país com a chegada dos portugueses ao Brasil. No processo de colonização, os indígenas adultos foram submetidos a uma ação cultural e educacional ao lado da catequização pelos jesuítas, que são percebidos como os educadores principais do Brasil no período de 1549 a 1759 (GALVÃO; SOARES, 2006). No período Imperial, desenvolveu-se a valorização do ideário de educação popular. O século XIX é considerado um momento crucial na institucionalização da escola no Brasil. Na segunda metade deste século, houve em muitas províncias a criação de associações de intelectuais que ministrava cursos para adultos, atendiam a população pobre, libertos e, em alguns casos, os escravos. A Lei Saraiva de 1881, que impôs impedimentos como a de renda aos votos dos analfabetos, provocou mobilização da população quanto a valorização da educação. Esta foi almejada com mais ênfase com o advento da República, o censo de 1890 mostrou que cerca de 80% da população brasileira era analfabeta (GALVÃO; SOARES, 2006). No período colonial, no Império e na Primeira República é possível identificar poucas ações educativas sistematizadas e expressivas direcionadas aos jovens e adultos. Pode-se afirmar que as primeiras ações sistemáticas foram empreendidas no início do século XX e que a educação popular, como prática educativa, desenvolveu-se no âmbito das lutas populares, sobretudo, na América Latina. A mobilização da população brasileira em defesa de seus direitos de educação e ensino ao longo da história permitiu a valorização da educação de jovens e adultos de modo que esta possui, atualmente, uma seção específica (Seção V) na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de 1996, o que pode ser considerado um avanço. Conforme Medeiros (2005), na segunda década do século XX, inúmeros movimentos civis se empenharam na luta contra o analfabetismo, considerado "mal nacional" e "uma chaga social". Podemos assinalar a urbanização e a industrialização do país que exigiram a necessidade de formação de mão-de-obra para o mercado. Nesse período, cabe salientar algumas campanhas de alfabetização destinadas à educação popular como a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947), a Campanha Nacional de Educação Rural (1952); a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1959/60); a Mobilização Nacional contra o Analfabetismo (1962). No decorrer da história da educação de jovens e adultos no país, sabe-se que tão antigo quanto o analfabetismo são as tentativas pensadas e organizadas para erradicá-lo. Rezende Pinto e autores (2000) destacam os movimentos: [...] Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947, governo Eurico Gaspar Dutra); Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958, governo Juscelino Kubitscheck); Movimento de Educação de Base (1961, criado pela Conferência Nacional de Bispos do Brasil-CNBB); Programa Nacional de Alfabetização, valendo-se do método Paulo Freire (1964, governo João Goulart); Movimento Brasileiro de Alfabetização - Mobral (1968-1978, governos da ditadura militar); Fundação nacional de Educação de Jovens e Adultos - Educar (1985, governo José Sarney); Programa nacional de Alfabetização e Cidadania - Pnac (1990, governo Fernando Collor de Mello); Declaração Mundial de Educação para todos (assinada em 1993, pelo Brasil, em Jomtien, Tailândia); Plano Decenal de Educação para Todos (1993, governo Itamar Franco); e [...] o Programa de Alfabetização Solidária (1997, governo Fernando Henrique Cardoso). (p. 523) No ano de 1961 houve o funcionamento do Movimento de Educação de Base (MEB), que estava ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e era financiado pelo governo da União. Tal movimento, segundo Paiva (1987): [...] começou a caracterizar-se como um movimento de cultura popular - desenvolvendo uma metodologia própria - a partir do seu segundo ano de atuação. Quando da proposta de criação do movimento, pretendia-se oferecer à população rural oportunidade da alfabetização num contexto mais amplo de educação de base, buscando ajudar na promoção do homem rural e em sua preparação para as reformas básicas indispensáveis, tais como a reforma agrária. Entretanto, além do desenvolvimento espiritual do povo e sua preparação para o desenvolvimento, pretendia-se também ‘ajudá-lo a se defender contra ideologias que são incompatíveis com o espírito cristão da nacionalidade'. Mas tanto quanto os objetivos de oferecer explicitamente uma ‘formação cristã' num sentido catequético, essas referências foram suprimidas quanto da elaboração do Regimento Interno do Movimento. Este deveria fundamentalmente oferecer uma educação de base que levasse ao camponês uma concepção de vida, tornando-o consciente de seus valores físicos, espirituais, morais e cívicos; um estilo de vida, que guiasse seu comportamento nas esferas pessoal, familiar e social; e uma mística de vida que atuasse como uma força interior que assegurasse dinamismo e entusiasmo no cumprimento dos seus deveres e no exercício de seus direitos. Com tais objetivos seus promotores laçaram-se à tarefa de organizar ‘sistemas' de educação através de escolas radiofônicas. (p.240-241) Atualmente, o país conta com o Programa Brasil Alfabetizado que tem provocado em diversos estados a mobilização do governo, de organismos não-governamentais e da população à tarefa de alfabetização de jovens e adultos. No final da década de 1950 e início de 1960, foram intensos, na sociedade brasileira, os debates sobre a necessidade de democratizar as condições de acesso ao ensino público às camadas populares. As taxas de analfabetismo no Brasil, neste momento, apresentavam-se com altos índices, acirraram-se as discussões sobre a importância de erradicar o analfabetismo. Por ser este um período de efervescência, essa questão será analisada detalhadamente a partir das ações do educador Paulo Freire. Paulo Freire foi um autor que considerou necessária a erradicação do analfabetismo, em sua perspectiva, o analfabetismo na sociedade, provocava implicações políticas e sociais ao prejudicar o desenvolvimento nacional e a emancipação dos indivíduos. A atuação de Paulo Freire na campanha para educação de jovens e adultos: a ênfase no método de ensino No final da década de 1950, o educador pernambucano Paulo Freire começou a sistematizar seu método de ensino para a educação de adultos. O seu envolvimento com o Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife foi significativo, sendo Freire um dos fundadores e diretor do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife, por meio dessa atividade elaborou os primeiros estudos de um novo método de alfabetização, que expôs em 1958 sendo sistematizado em 1962. Suas primeiras experiências de aplicação do método se iniciaram na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1962, tendo a participação de 300 trabalhadores que foram alfabetizados em 45 dias. Muitos movimentos de educação e cultura popular como o Movimento de Educação de Base (MEB) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento de Cultura Popular (MCP) relacionado a prefeitura de Recife; os Centros Populares de Cultura (CPCs) organizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE), a Campanha de Educação Popular (CEPLAR) e o De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, da prefeitura de Natal, desenvolvidos no final da década de 1950 e início de 1960, foram inspirados nas idéias de Paulo Freire, muitos foram fundados em diversos locais do país, sendo no nordeste que se concentraram um número maior e expresso (GALVÃO, SOARES, 2006). A educação, para Paulo Freire, seria elemento de conhecimento e conscientização para uma possível ação política "transformadora" no social. Seu método tem por base que a alfabetização ultrapasse a técnica, deixando de ser mecânica e se torne um elemento de conscientização e democratização da cultura, um trabalho que se propunha a promoção da ingenuidade à criticidade ao mesmo tempo em que alfabetizasse (FREIRE, 2005). Para ele, a alfabetização de adultos não poderia ser "simples técnica", "aprender" a ler e escrever não exigia apenas a memorização de sílabas, palavras ou frases, mas, sobretudo, a reflexão crítica sobre o próprio processo de ler e escrever num contexto significativo de compreensão da linguagem e da leitura de mundo. Na década de 1980, o autor (FREIRE, 2006) reafirmava a compreensão de leitura que sempre perpassou o seu entendimento do que era o processo de aprendizagem de ler e escrever, ele concebia como importante a valorização do ato de leitura de mundo para a leitura da palavra: A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (p. 11) Na década de 1950 e 1960, Paulo Freire destacou que os homens precisavam se reconhecer como indivíduos formadores de cultura e possuidores de ação política na sociedade. A educação seria elemento de conhecimento e conscientização para uma possível ação política "transformadora" no social. O método de alfabetização deveria partir de palavras e temas geradores, tornando-se importante que o educador considere a identidade cultural dos alunos em processo de ensinoaprendizagem da leitura e escrita. As experiências de Paulo Freire de alfabetização o levavam a reafirmar a importância que atribuía à valorização do indivíduo como ser ativo no processo de sua aprendizagem de leitura e escrita. A cultura do aluno era vista como importante para sua aprendizagem, devendo ser tomada como ponto de partida para aquisição de novos conhecimentos. Vejamos as afirmações do autor (FREIRE, 2005): Sempre confiáramos no povo. Sempre rejeitáramos fórmulas doadas. Sempre acreditávamos que tínhamos algo a permutar com ele, nunca exclusivamente a oferecer-lhe. Experimentávamos métodos, técnicas, processos de comunicação. Superamos procedimentos. Nunca, porém, abandonamos a convicção que sempre tivemos, de que só nas bases populares e com elas, poderíamos realizar algo de sério e autêntico para elas. Daí, jamais admitirmos que a democratização da cultura fosse a sua vulgarização, ou por outro lado, a doação do povo, do que formulássemos nós mesmos, em nossa biblioteca e que a ele entregássemos como prescrições a serem seguidas. (p. 110) Para Freire, tornar-se alfabetizado implicava não uma memorização visual e mecânica de sentenças, de palavras e de sílabas, desgarradas de um universo existencial, mas uma criação e/ou recriação que possibilitasse ao homem um posicionamento de intervir sobre seu meio. É com base nessas afirmações que Freire destacava o papel do "educador", ou de "coordenador de debates", como o de dialogar com o analfabeto a respeito de situações concretas. Assim, em sua concepção a "[...] alfabetização não pode ser feita de cima para baixo, como uma doação ou uma imposição, mas de dentro para fora, pelo próprio analfabeto, apenas com a colaboração do educador" (FREIRE, 2005: 119). Cabe ao educador proporcionar momentos de aprendizagem considerando a cultura do aluno, deve portanto estimulá-lo: O animador deve sempre evitar fazer para ou por. Deve criar as situações em que, com a sua ajuda, o grupo faça o trabalho de pensar, de refletir coletivamente. Por isso ele não guia, mas favorece, orienta. (BRANDÃO, 1985: 51, grifos do autor) Neste sentido, o educador deve orientar os alunos para a reflexão coletiva, de modo a estimular o exame crítico da realidade do educando. Essa é uma prerrogativa da alfabetização de adultos, de modo que, segundo Freire (2005), seria ofertada uma educação que possibilitasse reflexão sobre o poder do indivíduo em refletir sobre suas possibilidades de agir no social, e que permitisse o desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas potencialidades de ação. Assim, Freire (2005) defendia uma educação que provocasse a emancipação do sujeito pela conscientização: Pensávamos numa alfabetização direta e realmente ligada à democratização da cultura, que fosse uma introdução a essa democratização. Numa alfabetização que, por isso mesmo, tivesse no homem, não esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito. Na verdade, somente com muita paciência é possível tolerar, após durezas de um dia de trabalho ou de um dia sem ‘trabalho', lições que falam de ASA - ‘Pedro viu a ASA' - ‘A asa é da ave'. Lições que falam de Evas e de uvas a homens que às vezes conhecem poucas Evas e nunca comeram uvas. ‘Eva viu a uva'. Pensávamos numa alfabetização que fosse em si um ato de criação, capaz de desencadear outros atos criadores. Numa alfabetização em que o homem, porque não fosse seu paciente, seu objeto, desenvolvesse a impaciência, a vivacidade, característica dos estados de procura, de invenção e reivindicação (p. 112). Para Paulo Freire, a educação poderia proporcionar a passagem de uma "consciência mágica" e "ingênua" para uma "consciência" essencialmente "crítica". A consciência crítica seria a representação das coisas e fatos com base numa existência empírica, em correlações causais e circunstanciais de maneira reflexiva, ou seja, a interpretação dos fatos a partir de uma realidade observada não tomada como algo de imediato verdadeiro, mas possível de ser interpretado, ao contrário da consciência "ingênua" e "mágica" que entende os fatos em sua superioridade, como verdades absolutas e inquestionáveis (FREIRE, 2005). O método de Paulo Freire para a educação de adultos valorizou a conscientização da população sobre a realidade brasileira, representou, tecnicamente, certa combinação da didática contemporânea, da teoria da comunicação e da psicologia (PAIVA, 1987). Paulo Freire destacou a importância do processo de educação ocorrer de maneira dialógica. Em seu entendimento, o diálogo é uma relação horizontal de "A com B" a partir de uma matriz crítica que gera criticidade. O diálogo é, portanto, uma ação humana de interação e não de submissão (FREIRE, 1975): O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. [...] Se é dizendo a palavra com que, "pronunciando" o mundo os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significados enquanto homens.Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E se êle é o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes. (p. 93) Segundo Freire, o diálogo exige humildade, amor, fé, esperança e confiança. Há comunicação quando estes elementos se relacionam, o diálogo possibilita aprendizagem para ambos os sujeitos envolvidos no processo dialógico. (FREIRE, 2005) O diálogo se substancia a partir do respeito à condição de aprendiz, do respeito à cultura e ao conhecimento existente e a ser construído (FREIRE, 1975). O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe, se seus pólos (ou um deles) perdem a humildade. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim? Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros "isto", em quem não reconheço outros eu? Como posso dialogar, se me sinto participante de um "gueto" de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são "essa gente", ou são "nativos inferiores"? Como posso dialogar, se parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos a que a presença das massas na história é sinal de sua deteriorização que devo evitar? Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela? Como posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho? (p. 95) Assim, a educação, a alfabetização e o letramento de pessoas jovens e adultas deviam ter por base uma educação dialógica, problematizadora das realidades sociais, conscientizadora da condição política do aluno em seu contexto, possibilitando uma ação crítica de compreensão e prática de uma leitura da palavra vinculada a uma leitura de mundo. [...] ensinar não pode ser um puro processo, como tanto tenho dito, de transferência de conhecimento do ensinante ao aprendiz. Transferência mecânica de que resulte a memorização maquinal que já critiquei. Ao estudo crítico corresponde um ensino igualmente crítico que demanda necessariamente uma forma crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura de mundo, leitura do contexto. (FREIRE, 2001: 264) A educação que possibilitasse uma formação reflexiva do individuo para sua vivência cotidiana era possível por intermédio de um "ensino critico" disponibilizado pela própria ação reflexiva do educador em seu estudo sobre a realidade e em abordagens discursivas nos ambientes educativos. Considerações finais Paulo Freire formulou uma pedagogia para a educação popular com embasamentos de uma postura crítica de interrogação, diálogo e solidariedade. O seu pensamento exerceu influência sobre os profissionais da educação, suas reflexões sobre o social no pedagógico foram importantes nas práticas educativas dos movimentos de educação e cultura popular voltados para a educação de jovens e adultos no final da década de 1950 e início de 1960. Na atualidade, o método de alfabetização e os pensamentos sobre educação de Paulo Freire continuam a serem considerados pelos educadores que se dedicam à prática, reflexão e estudo do ensino da leitura e escrita para jovens e adultos em processo de alfabetização. Referências BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1985. BEISEGEL, Celso de Rui. Alfabetização de jovens e adultos: desafios do século 21. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 84, n. 206/207/208. p. 34-42, jan./dez. 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. FREIRE, Paulo. Carta de Paulo Freire aos professores. In: Revista Estudos Avançados. vol. 15, n. 42, 2001. p. 259-268. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2006. GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; SOARES, Leôncio José Gomes. História da alfabetização de adultos no Brasil. In: ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de; LEAL, Telma Correia (Orgs.). Alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva de letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 27-58. MEDEIROS, Maria Neves de. A educação de jovens e adultos como expressão da educação popular: a contribuição do pensamento de Paulo Freire. In: V Colóquio Internacional Paulo Freire - Recife, 19 a 22-setembro 2005. Disponível em: http://www.paulofreire.org.br/pdf/comunicacoes_orais/A%20EDUCA%C3%87%C3 %83O%20DE%20JOVENS%20E%20ADULTOS%20COMO%20EXPRESS%C3%83O% 20DA%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20POPULAR%20A%20CONTRIBUI%C3%87%C3%83O%20DO%20PENSAMENTO%20DE%20PA ULO%20FREIRE.pdf . Acesso em: 10 de agosto de 2009. PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1987. REZENDE PINTO, José Marcelino de. at all. Um olhar sobre os indicadores de analfabetismo no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 81, n. 199. p. 511-524, set./dez. 2000. [1] Trabalho elaborado sob a orientação da professora Drª. Maria Cristina Gomes Machado (PPE/UEM).