1
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 4608
Ilnah Toledo Augusto1
Fernando de Moura2
Maria Amélia Feracciú Pagotto (CEUNSP)3
Rosa Maria Marciani (CEUNSP)4
Andréa Longhi Simões Almeida (CEUNSP)5
I- R E L A T Ó R I O
Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,
ajuizada pelo Partido Social Liberal - PSL, na qual questiona a validade
constitucional da nova redação do art. 10 da Lei Complementar 132, 07 de
outubro de 2009, em afronta aos artigos; 37,II e V; 5°, LIV e 24, XIII e §1°,
todos da Constituição Federal.
A presente ação direta de inconstitucionalidade tem como objeto,
portanto, a inconstitucionalidade do caput e expressões do art. 105-B e da
íntegra do art. 105-C, da Lei Complementar Federal nº 80/94, com a nova
redação trazida pelo art. 10 da Lei Complementar nº 132/09, que dispõem
sobre os critérios de elegibilidade para o cargo de Ouvidor-Geral (art. 105-B) e
1
Doutoranda em Direito pelo Instituto Toledo de Ensino.
Professor da Faculdade de Direito de Salto CEUSNP, advogado criminalista, especialista em Direito
Constitucional pela ESDC, email [email protected]
2
3
Maria Amélia Ferracciú Pagotto é licenciada e bacharel em Ciências Sociais
(Unicamp); Mestre em Sociologia do Trabalho (Unicamp); Doutora em Ciências
Sociais (Unicamp). Leciona Sociologia e Antropologia nos cursos de Direito do Centro
Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceusnp)). Também integra o grupo de
pesquisa ‘Educação, Comunidade e Movimento Sociais’ da Universidade Federal de
São Carlos (UFScar- Campus Sorocaba). Email: [email protected]
4
Professora de Direito do Trabalho e Estudos Jurídicos Dirigidos (CEUNSP),
Legislação aplicada em tecnologia da informação (FATEC ITU) e Mestre em Direito
do Trabalho. Advogada militante.
5
Bacharel em Direito (UNESP); Especialista em Direito Contratual (CEU); Mestre em
Direito das Obrigações Público e Privado (UNESP). Leciona Direito Civil e Direito
Eletrônico no curso de Direito do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio
(CEUNSP). Advogada militante.
2
as competências da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado (art. 105C).
Trata-se, assim, de tema relativo à organização e ao desenvolvimento
institucional de um órgão público voltado à assistência jurídica dos
necessitados
–
matéria
ligada
ao
direito
de
acesso
à
justiça
e,
consequentemente, ao desenvolvimento social e econômico do país.
Reconhece-se a legitimidade postulatória do sujeito ativo, ora conhecido
como Autor, pois o mesmo está elecando pelo art. 103, VIII da CF/88.
Não há quaisquer vícios formais para saneamento ao que passo a
opinar:
O Autor se apóia nas teses em frentes argumentativas distintas, voltadas
a refutar três noções trazidas na peça exordial: (i) a que a União invadiu a
esfera de sua competência legislativa ao da unidade federativa; (ii) a de que a
Ouvidoria consistiria em uma atividade técnica (e não política), conforme item
6.2.6; e (ii) a de que não seria justificável a opção legislativa pela criação de um
sistema de Ouvidoria Externa, sendo, portanto, uma decisão arbitrária.
A palpitação central da presente ADI se funda no problema da
formulação do conceito de normas gerais que permita reconhecê-las, na
prática, com razoável segurança, já que a separação entre as normas gerais e
normas que não tenham esse caráter é fundamental.
De fato, no campo da competência concorrente não-cumulativa, em que
há definição prévia do campo da atuação legislativa de cada centro de poder
em relação a uma mesma matéria, cada um deles, dentro dos limites definidos,
deverá exercer a sua competência com exclusividade, sem subordinação
hierárquica.
Assiste razão ao Autor quando afirma que as normas gerais são
aquelas que tratam de aspectos fundamentais ou básicos, não sendo permitida
legislação que pretende formular pormenores ou detalhes.
Ainda, as normas gerais não podem visar, particularizadamente,
determinadas situações ou institutos jurídicos, com exclusão de outros, da
mesma condição ou espécie. Daí, ao apontar a lei fluminense que já disciplina
3
a Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, tem se a
ingerência da União na autonomia legislativa estadual.
.
II – DIAGNOSE DO CONFLITO:
O Dilema da Racionalização
A teoria do constitucionalismo social desenvolvido pelo sociólogo
americano David Sciulli é ponto de partida do dilema do processo de
racionalização da modernidade analisado por Max Weber. Levantam-se
questões a cerca das contra-forças que criam desvios na evolução dos
sistemas, manifestos em quatro eixos: (1) fragmentação de lógicas de ação,
com consequências altamente avançadas de diferenciação, pluralização e
compartimentação regional preconizadas pela constituição; (2) o domínio do
cálculo
instrumental
na
qualidade
de
reunião
racional
única
com
reconhecimento em todos os domínios; (3) a substituição completa de
coordenação informal da organização burocrática; (4) confinamento crescente
no "gaiola de ferro de servidão para o futuro", especialmente nas esferas
sociais envolvidas.6
Inevitavelmente, passa-se a análise da forte concorrência por posições
de poder e influência social e política, altamente formalizados por meio de
instrumentos de controle e autoridade, constitucionalmente previstos.
Evidente a natureza do dilema que se cerra entre a União e os estadosmembros, porque cada tentativa consciente para alcançar o controle coletivo é
pego nessa lógica de expansão do poder e só fortalece a deriva quando o
prejudicado reclama de superveniência ou redução do outro poder.
A dinâmica social dos Estados e dos sistemas públicos de acesso
estrutural remontam a idiossincrasias que só quem efetivamente trabalhou
contra a deriva evolutiva, no passado, pode oferecer resistência no futuro é, o
que de acordo com David Sciulli, somente são visíveis nas instituições de um
"constitucionalismo social", cite-se:
6
SCIULLI, David. Theory of Societal Constitutionalism. Cambridge: Cambridge University
Press, 1992. p. 81.
4
Somente a presença de instituições de contenção processual
externa (em exercício inadvertido ou sistêmico do poder
coletivo) dentro de uma sociedade civil pode dar conta da
possibilidade de uma ordem social em condições
de não
autoritarismo.7
O ponto decisivo é, portanto, a institucionalização de procedimentos (no
sentido da escolha racional) não-racional de normas que podem ser
empiricamente identificadas no que se chama de "formação colegiada", isto é,
nas formas específicas de organização das profissões e outras normas de
produção e instituições deliberativas:
É tipicamente encontrado não apenas dentro institutos de
pesquisa públicos e privados, redes artísticas e intelectuais e
universidades, mas também dentro de legislaturas, tribunais e
comissões, associações profissionais, e para essa matéria, as
divisões de pesquisa das empresas privadas e públicas, a
regra Órgãos de organizações sem fins lucrativos, e até
mesmo as direções das empresas públicas e privadas.8
A política pública consequente é a legítima autonomia de tais formações
colegiadas, garantindo-os politicamente com o apoio legal. Além das garantias
historicamente alcançadas de autonomia para as esferas religiosas, instituições
de negociação coletiva e as associações livres, essas garantias devem
também se aplicam aos "Órgãos deliberativos dentro de modernas sociedades
civis, bem como associações profissionais e locais de prática dos profissionais
dentro das corporações, universidades, hospitais, redes artísticas, e em outros
lugares."9
Trata-se de verdadeira abordagem pós-rawlsiana à teoria da democracia
deliberativa que procura identificar potencial democrático nas instituições
sociais para desenhar consequências institucionais e normativas.10
O importante é que a democratização deliberativa não é vista como
limitada às instituições políticas, mas explicitamente considerada em sua
extensão para os atores sociais no contexto nacional e internacional.11
7
SCIULLI, David.Ob. cit. traduzido livremente.
Idem. p. 80
9
SELZNICK, Phillip. The Moral Commonwealth: Social Theory and the Promise of
Community. Berkeley: University of California Press, 1992. p. 229.
10
DORF, Michael C. SABEL, Charles. A Constitution of Democratic Experimentalism.
Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 2003, p. 36.
8
5
Importantes são os paralelos com a teoria constitucional dos sistemas de
sociologia,
que
retratam
uma
dinâmica
bastante
semelhante
de
desenvolvimento de expansão do sistema e sua restrição concomitante.
Do ponto de vista sistêmico, o papel histórico da constituição não é,
especialmente quando se trata de direitos fundamentais, esgotados na
normatização da organização do Estado e direitos fundamentais individuais,
mas consiste basicamente em garantir a multiplicidade de diferenciação social
contra as tendências autoritárias.12
As constituições estaduais brasileiras, bem como as instituições e
órgãos públicos estaduais emergem em contrapartida ao surgimento de esferas
autônomas de ação típica, tal qual tendências expansionistas surgem no
sistema político, ameaçando arruinar o processo de diferenciação social em si,
os conflitos surgem, portanto, quando direitos são institucionalizados
precisamente onde a diferenciação social é ameaçada; tal qual conflitos
individuais entre os cidadãos privados e da burocracia administrativa, ao
mesmo tempo servem para criar garantias juridicamente institucionalizadas de
um auto-contenção da política.
A definição geral dos limites à constitucionalização de regras gerais
federais - encontra sua generalização, na medida em que regula dinâmicas
sociais correspondentes nas idiossincrasias das comunidades estaduais.
Assim, o limite constitucional das regras gerais é a institucionalização de
mecanismos de auto-contenção contra a expansão dos institutos sob tutela
constitucional.
Essas
tendências
expansivas
têm
manifestado
em
situações
historicamente muito diversificadas, inicialmente na política, hoje, na economia,
na ciência, tecnologia e outros setores sociais em que o Estado tem atuação
obrigatória por força constitucional.
O reforço da autonomia das esferas de ação desponta, portanto, como
um contra-movimento à tendência de re-diferenciação de institutos jurídicos e
órgãos públicos tutelados rigidamente pela Constituição; do que emerge a
resposta geral do trabalho.
11
GERSTENBERG, Oliver. SABEL, Charles. Directly Deliberative Polyarchy: An Institutional
Ideal for Europe?, 2002, p. 289-341.
12
TEUBNER, Gunther. Inteligencia dos argumentos de Gunter Teubener. In: Art and Money:
Constitutional Rights in the Private Sphere. 18 Oxford Journal of Legal Studies 1998, 61-74
6
Se for a tarefa central de constituições políticas defender a autonomia de
outras esferas de ação contra a expansão de institutos tutelados rigidamente
por
disposições
constitucionais,
especificamente
em
relação
à
instrumentalização política, então, o regulamento geral de minúcias de
procedimentos internos de instituições públicas, presumivelmente, não se
ampara na lógica de racionalização social dominante, por áreas de conquista
de autonomia para a reflexão social.
O regulamento geral de minúcias de procedimentos internos de
instituições públicas não deve se tornar a principal tarefa específica de
disposições constitucionais genuinamente atadas ao princípio federativo,
enquanto instrumental da competência concorrente.
Dessa maneira, o conflito apresentado é resultado de uma competência
constitucionalmente prevista que não é eminentemente clara ao dispôs sobre o
poder de cada ente federado em legislar, sejam eles União, estados-membros,
Municípios ou Distrito Federal; empurrando-os, assim, no caso em tela, a União
e os estados-membros, a inevitável busca do poder político, sua expansão e
retração. Movimentos esses que são inerentes ao federalismo constitucional.
III – RAZÕES E FUNDAMENTOS DE DIREITO
Fato é que a ação de inconstitucionalidade proposta aponta no conflito
dessa contenção necessária preexistente num sistema federalista, já que a
norma constitucional criou um sistema de competência concorrente entre seus
entes, determinado a União a confecção de norma em sentido geral e aos
estados-membros
cabem
estabelecer
suas
pecularidades
quanto
ao
disciplinamento das Defensorias públicas.
O esforço na busca de uma conceituação doutrinária de normas gerais
não deve cessar, intimidado pela dificuldade em se chegar a uma desejável
solução apriorísitica.
A
juridicidade
é
um
critério
qualificador
universal
do
direito,
compreendendo a legalidade, submissão do agir à lei, e a legitimidade,
submissão do agir à finalidade da lei. A análise das normas, portanto, não só
se restringe às suas condições de eficácia, validade e demais características
usais, mas, também, na sua dimensão de legitimidade. Resulta, daí que não
7
basta examiná-la apenas em suas relações estritamente jurídicas, mas
estender a perquirição ao próprio sistema juspolítico que lhe deu vida e,
presumidamente, suporte.
O poder se autolimita, portanto, a partir do seu estatuto fundamental – a
Constituição-, em graus sucessivos, como na pirâmide de kelseniana: cada
princípio, cada norma e cada norma geral, por conseguinte, representa um
limite. Nesse viés, como afirma Eduardo García Maynéz, em sua obra
Axiomática Jurídica, que “toda norma é limitadora”.13
As normas gerais, enquanto normas, são impositivas de limites. O que
as tornam peculiares, entretanto, são seus endereçamentos no contexto de
poder organizado numa federação.
Sim, as normas gerais endereçam limites: tanto para os legisladores
federais e quanto aos estaduais embora possam estendê-los para os
aplicadores federais e, eventualmente, os estaduais encolher sua esfera
legislativa.
Nesse passo, entende-se que ao propor a presente ação, o estadomembro já se pôs na situação de mantenedor de poder ora conferido na
Constituição Federal de 1988, não ficando a mercê do expansionismo
legisferante da União.
Assim, é louvável a ação proposta como resposta ao direito de se ver
preservado a competência de legislar dos estados-membros, redefinindo-se os
limites da União quando apresenta lei complementar em questão que
apresentam ditames maiores a ela conferidos.
Ao se prever que dois entes federativos hão de conviver num mesmo
sistema constitucional e esta própria norma apresenta imprecisão quanto ao
poder conferidos a eles é natural o resultado dessa celeuma processual que a
parte autora pleiteia.
Quando o legislador constituinte determinou que a União pode legislar
sobre normativas gerais em assuntos de organização das Defensorias públicas
estaduais, é esperado que a postura da União seja de expansão, forçando um
limite que somente o estado-membro poderá reclamar, o que aqui já ocorreu
com a propositura da ADI 4608.
13
MAYNÉS, Eduardo García. Introdución a La lógica jurídica. México: Fondo de Cultura
Econômica, 1951, p. 217.
8
Dessa feita, qualquer norma que pretende apontar minúcias está
impondo regras que limita a decisão legislativa estadual, como se afirma o
Autor, sendo, portanto, restrito ao legislador federal, em matéria de
competência concorrente apenas se ater as regras gerais, apenas balizando as
normas que serão produzidas estadualmente.
Em termos práticos, a esfera federal legislativa está-se assim orientada:
A ordem jurídica positiva, como se sabe, compreende atos que
expressam a vontade congente do Estado em vários níveis de
abstração e de generalidade. Num extremo de concreção e de
particularização estão os atos jurídicos e, no outro extremo, de
abstração e de generalização, estão os princípios; entre
ambos, estão as normas, no sentido estrito, e menos abstratas
e gerais que os princípios, porém sem as características de
concreção e particularização dos atos jurídicos.14
As normas gerais avizinham-se com as normas-princípios, gozam de
maior abstração e menor pormenorização, ao passo que remanescem como
normas específicas, particularizantes ou de aplicação, as que, devendo reger
próxima e diretamente os atos jurídicos, seriam menos abstratas e mais
pormenorizadas.
Logo, têm-se três graus de generalização normativa: o generalíssimo,
das normas-princípios; o geral, propriamente dito, das normas gerais; e o
subgeral, das normas particularizantes.15
Segundo Norberto Bobbio, é possível assim esquematizar os princípios:
a) os princípios estabelecem diretrizes ou orientações cardeais para um
sistema; b) os princípios são normas fundamentais, chaves mestras do
sistema; os princípios são normas indiretas; dão o conteúdo de outras normas,
tendo, por isso, função construtiva e conectiva.16
É possível delimitar que as normas gerais coparticipam em duas
naturezas dos princípios: estabelecem diretrizes, orientações, linhas mestras e,
segundo, se situam, ambas, no plano das questões fundamentais, não
admitindo particularizações.
14
MOREIRA Neto, Diogo de Figueredo. Competência Concorrente limitada. O problema da
conceituação das normas gerais. In: Informativo Legislativo. Brasília. ano. 25. n. 100. out/dez
1988.
15
Ob. Cit.
16
BOBBIO, Norberto. Teoria General del Derecho.Madri: Debate, 1993. p. 132.
9
As normas gerais têm o condão de declararem um valor juridicamente
protegido, conformam um padrão vinculatório para a norma particularizante e
vedam o legislador e o aplicador de agirem em contrariedade ao valor nelas
declarados.
O fim das normas gerais é a uniformização do essencial sem cercear
acidental, peculiar das unidades federadas. Essa atividade homogeneizadora
se justifica na medida em que a excessiva diversificação normativa prejudique
o conjunto do país, daí ter sido adotada em inúmeros Estados federativos.
Preservar-se-á, assim, pelas normas gerais, aquilo que a Constituição
quer que seja nacional, sem sacrifício para que a diversidade enriqueça
culturalmente toda a Nação.
Chega-se, em síntese, que as normas gerais são declarações
principiológicas que cabe à União editar, o uso de sua competência
concorrente limitada, restrita ao estabelecimento de diretrizes nacionais sobre
certos assuntos, que deverão ser respeitadas pelos estados-membros na
feitura das suas respectivas legislações, através de normas específicas e
particularizantes que as detalharão, de modo que possam ser aplicadas, direta
e imediatamente, às relações e situações concretas a que se destinam em
seus respectivos âmbitos políticos.
Dessa feita, ao se editar a lei complementa sub judice a União sem
sombra de dúvida pormenorizou, atribuindo elementos detalhados do
funcionamento das Defensorias Públicas estaduais. Tendo somente a
prerrogativa de legislar dessa forma pormenorizada para a Defensoria Pública
da União.
Em que pese a tentativa esforçada em dizer que a referida lei
complementar, ora sob julgamento de inconstitucionalidade, é apenas uma
normatização geral, não há como escapar do apontamento expresso ainda no
art. 134 da Constituição Federal de 1988:
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas
autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua
proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei
de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art.
99, § 2º.17
17
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 2008.
10
(grifei)
O princípio da autonomia funcional e administrativa às Defensorias
públicas foi consagrado na Emenda constitucional 45/2004. O marco federalista
da Constituição é notório, permearam-se até mesmo quando se tratou de
normas limitadoras, compondo-se em competências que nutrem este princípio
tão valioso que preconiza um direito maior que é o da democracia.
A Defensoria pública integrava o executivo, porém com a emenda
Constitucional n.º 45/2004, passou a ter autonomia funcional administrativa e
financeira. Assim, o princípio da autonomia administrativa concede a
Defensoria pública sua autodeterminação, utilizando-se de seus meios para um
bom desempenho de sua função constitucional. No tocante à política de
atuação institucional, a Defensoria Pública tem como obrigação e desafio
constitucional de zelar pela afirmação e efetividade de sua autonomia.
Portanto, “Os Estados não têm a faculdade de escolher se instituem e
mantêm, ou não, a Defensoria Pública.”18 A autonomia e gerência estadual são
atributos
inerentes
aos
estados-membros
quanto
à
organização
e
administração das respectivas Defensorias públicas.
Em outro giro, aponta José Afonso da Silva para a postura da União em
outros momentos legislativos:
A Lei Complementar 80, de 12.1.1994, entra em pormenores
sobre a estrutura das Defensorias Públicas dos Estados e a
carreira
de
defensores
públicos,
de
duvidosa
constitucionalidade, porque são minúcias para além da
configuração de normas gerais. Seja como for, o fato de
estabelecer que o chefe das defensorias Públicas estaduais é
um defensor público-federal, só por si, não lhe dá status de
Secretaria de Estado e não exclui a possibilidade de sua
vinculação a uma Secretaria. Não caberia à lei federal,
complementar ou não, definir essa matéria, porque é assunto
da autonomia estadual.19
Nota-se que não é a primeira vez que a União legisla além do que é
permitido constitucionalmente em se tratando de assuntos relativos às
Defensorias públicas estaduais.
18
SILVA, José Afonso da. Comentários contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros,
2008.p. 615.
19
Idem.
11
Ao que diz respeito à norma geral, a União trouxe a baila uma legislação
pormenorizada, portanto, a insistência em manter uma postura de flagrante
inconstitucionalidade legislativa apresentada deve ser afastada, sob pena do
enfraquecimento do Estado federal brasileiro.
Não há dúvida quanto à inconstitucionalidade, pois se não ofende o art.
24 quando decorre de problemas doutrinários sobre a conceituação de normas
gerais, peca a referida lei complementar 132 em seu art.10, ofendendo também
a hermenêutica constitucional, nos artigos abaixo:
Art. 24 Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:
XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República, não exigida esta para o especificado
nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de
competência da União, especialmente sobre:
IX - organização administrativa, judiciária, do Ministério Público
e da Defensoria Pública da União e dos Territórios e
organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria
Pública do Distrito Federal;20
(grifei)
Assim, até mesmo a criação de ouvidorias das Defensorias públicas
estaduais e sua regulamentação são do crivo exclusivo estadual. O constituinte
somente se preocupou com as ouvidorias do Ministério Público e da
Magistratura, conforme alterações da Emenda Constitucional 61/2009, em seus
art. 103-A e 103-B:
§ 5º Leis da União e dos Estados criarão ouvidorias do
Ministério Público, competentes para receber reclamações e
denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos
do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares,
representando diretamente ao Conselho Nacional do Ministério
Público.
§ 7º A União, inclusive no Distrito Federal e nos
Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para
receber reclamações e denúncias de qualquer interessado
contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus
20
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 2008.
12
serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho
Nacional de Justiça.21
(grifei)
Não há previsão constitucional para criação pela União de ouvidorias
nas Defensorias públicas estaduais não podendo ser legislado por um ente que
não é competente para conhecer tal assunto, qual seja a União, portanto, recaise também na afronta do princípio constitucional da autonomia institucional das
Defensorias públicas estaduais, conforme art. 134, §2ª da CFRFB/88:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe
a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados,
do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente
da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais
Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos,
na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as
leis que:
II - disponham sobre:
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública
da União, bem como normas gerais para a organização do
Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do
Distrito Federal e dos Territórios;
(grifei)
As normas específicas baixadas pela União juntamente com as normas
gerais ou os aspectos específicos por acaso nelas contidas não têm aplicação
aos estados-membros, considerando-se normas particularizantes federais,
dirigidas ao Governo Federal. Apregoa a Constituição Federal de 1988 em seu
art. 22:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XVII - organização judiciária, do Ministério Público e da
Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem
como organização administrativa destes;22
21
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 2008.
22
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 2008.
13
O excesso praticado pela União ao legislar, objeto da ADI, dificulta o
intérprete estadual que na falta de um seguro discrímine doutrinário, não tem
outra alternativa que usar de sua instituição e recorrer à perigosa analogia,
imprestável para as questões que envolvam competência, já que a União
invade a sua esfera.
Em razão de sua inafastável característica nacional, a lei complementar
132 em seu art. 10 absolutamente não é norma geral, pois dispõe sobre a
organização e servidores dos Estados, em conseqüência, é derradeiramente
inconstitucional. Devendo ser acolhido o pedido pleiteado.
É louvável o questionamento da inconstitucionalidade na medida em que
há um aperfeiçoamento do federalismo brasileiro pelo correto dimensionamento
teórico-doutrinário do espaço juspolítico da autonomia das entidades federadas
e previna os conflitos de competência que concorrem para a insegurança
jurídica, quando não para o caos normativo, porfiadamente a ser evitado.
Por tudo exposto, é procedente a ação direta para declarar a
inconstitucionalidade da pelo art. 10 da Lei Complementar nº 132/09, que
dispõem sobre os critérios de elegibilidade para o cargo de Ouvidor-Geral (art.
105-B) e as competências da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado
(art. 105-C), ficando, por consequência, afastado do cenário jurídico tal
normatividade por afronta ao princípio do federalismo.
Bibliografia
BOBBIO, Norberto. Teoria General del Derecho.Madri: Debate, 1993.
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado, 2008.
DORF, Michael C. SABEL, Charles. A Constitution of Democratic
Experimentalism. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 2003.
GERSTENBERG, Oliver. SABEL, Charles. Directly Deliberative Polyarchy:
An Institutional Ideal for Europe?, 2002.
14
MAYNÉS, Eduardo García. Introdución a La lógica jurídica. México: Fondo
de Cultura Econômica, 1951.
MOREIRA Neto, Diogo de Figueredo. Competência Concorrente limitada. O
problema da conceituação das normas gerais. In: Informativo Legislativo.
Brasília. ano. 25. n. 100. out/dez 1988.
SELZNICK, Phillip. The Moral Commonwealth: Social Theory and the
Promise of Community. Berkeley: University of California Press, 1992.
SILVA, José Afonso da. Comentários contextual à Constituição. São Paulo:
Malheiros, 2008.
TEUBNER, Gunther. Inteligência dos argumentos de Gunter Teubener. In: Art
and Money: Constitutional Rights in the Private Sphere. 18 Oxford Journal of
Legal Studies 1998, 61-74.
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