XXII CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO JUNGUIANA DO
BRASIL - 2014
Instituto Junguiano do Rio de Janeiro
A ALMA BRASILEIRA DIANTE DA CONFISSÃO: Considerações sobre a
importância atribuída por Jung à confissão, tanto no âmbito religioso quanto no terapêutico.
Autor
Lincoln Torres Homem Junior
Rio de Janeiro
2014
Objetivos
Como objetivo deste trabalho procura-se destacar a importância da confissão
religiosa e terapêutica para Jung como objeto de pesquisa, ressaltando sua importância e
necessidade de aprofundamento em seu estudo e entendimento, levando em conta sua
influência na personalidade e psique da pessoa mediante o contexto cultural, social e
histórico onde este se insere.
Justificativa (relevância) e adequação ao tema do congresso
Perguntar-se-ia da relevância de abordar a temática religiosa da confissão com sua
posterior correlação com a clínica. Responderia que atualmente verifica-se nos diversos
meios de comunicação informações sobre como as pessoas se tornam cada vez mais
religiosas e integradas a movimentos sociais promovidos por instituições ou grupos
religiosos. Outrossim vem aumentado a importância da psicologia em diversos setores da
sociedade e sua maior recorrência na promoção da saúde. Mostra-se assim, provavelmente,
a existência de uma busca crescente da pessoa, dentro dessa mobilização social, por um
consolo para seu sofrimento, para suas dificuldades ou pela busca do bem-estar psicológico
que possa lhe proporcionar sentido de vida, motivação diária e direcionamento existencial.
A relevância de abordarem-se temáticas religiosas e correlacioná-las à clínica
encontra respaldo na psicóloga Israela Silberman, professora da Universidade Columbia
(EUA) que cita:
Sabemos, por exemplo, que os sites com conteúdo religioso estão
entre os mais visitados da internet. Em muitos países, padres e
pastores são recordistas de vendas de CDs. E, recentemente a
revista Time incluiu entre os personagens mais influentes do nosso
tempo três figuras ligadas à religião de diferentes modos: papa João
Paulo II, Dalai Lama e Osama bin Laden. (SILBERMAN apud
CICERONE, p.18, 2012)
Vale também destacar que de acordo com o Censo IBGE de 2010 (IBGE, 2013)
sobre grupos de religião no Brasil, cerca de 92% da população brasileira da época
(190.755.799 habitantes) possui religião, sendo 64,6% de católicos, 22,2% de evangélicos,
2% de espíritas, 3,2% distribuídos entre as demais religiões e apenas 8% se dizem sem
religião. Ou seja, nesta imensa dimensão demográfica de almas brasileiras, apenas 8% não
se interessaria pelo tema religião ou religiosidade.
A temática religiosa é extremamente contemporâneo e relevante para pesquisa e
discussão e espera-se que este trabalho venha a interessar a estudantes e profissionais de
psicologia e áreas afins no sentido de possibilitar maior abertura para estudos e pesquisas
sobre o tema.
Desenvolvimento
Em várias oportunidades Jung destacou a importância de incorporar os estudos de
temas que envolvam a religião à Psicologia por sua intrínseca relação com a constituição
psíquica da pessoa.
(...) a religião constitui, sem dúvida alguma, uma das expressões mais
antigas e universais da alma humana, subentende-se que todo tipo de
psicologia que se ocupa da estrutura psicológica da personalidade humana
deve pelo menos constatar que a religião, além de ser um fenômeno
sociológico ou histórico, é também um assunto importante para grande
número de indivíduos. (JUNG, 2008a, p. 7, § 1).
Ele era possuidor de vasto conhecimento a respeito do estudo das religiões
comparadas e das diferentes tentativas que as mais diversas culturas faziam uso para
alcançar a proximidade com Deus e entendimento de si próprias. Neste sentido, Jung
buscava em suas pesquisas a observação do chamado Homo Religiosus, que vem a ser o
homem que consegue definir e avaliar o efeito da religião sobre si.
Como sou médico e especialista em doenças nervosas e mentais, não tomo
como ponto de partida qualquer credo religioso, mas sim a psicologia do
homo religiosus; do homem que conterá e observa cuidadosamente certos
fatores que agem sobre ele e sobre seu estado geral. É fácil a tarefa de
denominar e definir tais fatores segundo a tradição histórica ou o saber
etnológico, mas é extremamente difícil fazê-lo do ponto de vista da
Psicologia. (JUNG, 2008b, p. 11, § 11, grifo do autor).
Observa-se assim que a religião e religiosidade que se apresentavam como opção de
investigação para Jung no sentido de compreender a psique humana demandavam uma
relação autêntica de quem as vivenciassem. Otto (2007, p. 159) corrobora esta perspectiva
quando destaca que apenas pedir não é rezar, passa a sê-lo somente quando lhe aplicam a
categoria do numinoso e esta aplicação implicaria na autenticidade da fé, ou em suas
palavras, “não por se imaginá-los dotados de “almas”, mas por se “senti-los numinosos” é
que os objetos naturais entram na ante-sala da religião para se transformar em divindades
naturais, objetos de autêntica religião.” (OTTO, 2007, p. 159). Assim procedendo, o
indivíduo estaria apto a se enquadrar na categoria de Homo Religiosus como descrito por
Jung.
Fica então a curiosidade do posicionamento pessoal adotado por Jung em relação a
Deus, da crença ou não em sua existência, e as consequências que isso poderia ter exercido
no seu proceder como cientista, pesquisador e teórico da psique humana.
Em entrevista concedida ao jornalista inglês Frederick Sands que resultaram em
cinco artigos para o Daily Mail de Londres entre 25 a 29 de abril de 1955, Jung, dentre
outros assuntos, comenta sobre Deus.
Sem o saber, o homem está sempre preocupado com Deus. O que algumas
pessoas chamam instinto ou intuição não é outra coisa senão Deus. Deus é
aquela voz dentro de nós que nos diz o que fazer e o que não fazer. Por
outras palavras, é a nossa consciência. Nesta nossa idade atômica das
trevas, com o medo espreitando em cada esquina, o homem busca uma
orientação, um guia. Consciente ou inconscientemente, ele está uma vez
mais procurando Deus às apalpadelas. Faço meus pacientes entenderem que
tudo o que lhes acontece contra vontade deles é fruto de uma força superior.
Podem chamar-lhe Deus ou diabo, isso não tem importância para mim,
desde que se apercebam de que é uma força superior em nossa vida.
Podemos ter a experiência de Deus todos os dias. [...] Tudo o que aprendi
levou-me, passo a passo, a uma inabalável convicção sobre a existência de
Deus. Eu só acredito naquilo que sei. E isso elimina a crença. Portanto, não
baseio a Sua existência na crença... eu sei que Ele existe.(McGUIRE;
HULL, 1977, p. 227-22
Em minha apreciação, Jung efetuou a distinção entre crer e saber passando a
imagem para o leitor de que: quem crê, atribui um crédito a algo, dá um voto de confiança
na veracidade da existência de determinado objeto, tema ou relato. Desta forma, este
crédito estaria sendo fornecido sim, mas de maneira parcial e não na sua totalidade. Quando
Jung se refere a “Eu acredito naquilo que sei” (ibidem), passa a ideia de que quando ele crê,
o faz plenamente, na integra, sem margens para dúvidas. Por esse motivo, ao relatar “eu sei
que Ele existe” (ibidem) não se observa ai qualquer insegurança. Fica a certeza, por parte
dele, na existência de Deus.
Em sua mais famosa entrevista, concedida a John Freeman no programa de
televisão “Face to Face” da BBC de Londres, entrevista essa gravada na casa de Jung em
Küsnacht em março de 1959, foi ao ar em 22 de outubro de 1959 e nela Jung reforça sua
concepção de Deus registrado por McGuire e Hull (1977, p. 372):
(Freeman) - Que tipo de educação religiosa seu pai lhe deu?
(Jung) - Oh, éramos suíços reformados.
(Freeman) – E fez com que o senhor frequentasse regularmente a igreja?
(Jung) – Isso era perfeitamente natural. Todo o mundo ia à igreja aos domingos.
(Freeman) – E o senhor acreditava em Deus?
(Jung) - Ah, sim.
(Freeman) – E agora, ainda acredita em Deus?
(Jung) – Agora? [Pausa.] É difícil responder. Eu sei. Não necessito crer, porque sei.
Estas duas entrevistas ilustram a concepção de Jung sobre Deus em seus últimos
anos de vida. Atribuo este resultado aos estudos sobre religião e religiosidade aos quais se
dedicou ao longo de sua vida na elaboração dos diversos tópicos que compõem a Psicologia
Analítica.
Jung (2008b, p.7, §1) logo ao iniciar seu livro sobre Psicologia e Religião enfatiza
que a religião constitui, sem dúvida alguma, uma das expressões mais antigas e universais
da alma humana, subentendendo-se que todo o tipo de Psicologia que se ocupa da estrutura
psicológica da personalidade humana deve pelo menos constatar que a religião, além de ser
um fenômeno sociológico ou histórico, é também um assunto importante para grande
número de indivíduos. Assim ele procedeu em seus estudos e pesquisas trazendo aspectos
que relacionam religião e psique. Jung (2008b, p. 53, §85) deixava transparecer sua
preocupação com o processo de desintegração das instituições religiosas, citando o exemplo
da Igreja, onde o homem cedendo a esses processos ver-se-ia despojado de todos os
dispositivos de segurança e meios de defesa espirituais, que o protegeriam contra a
experiência imediata das forças enraizadas no inconsciente, e que esperam por sua
libertação. Neste caso a religião poderia ter o seu papel de proteção e contenção diminuído
diante destas forças do inconsciente que poderiam desestabilizar o homem. E exemplifica
esse perigo ao citar:
Observe-se a incrível crueldade de nosso mundo supostamente civilizado tudo isto tem sua origem na essência humana e em sua situação espiritual!
Observe-se os meios diabólicos de destruição! Foram inventados por
gentlemen inofensivos, cidadãos pacatos e respeitados e tudo aquilo que se
possa desejar. (Ibidem, grifo do autor)
Mostra-se assim o caráter apaziguador que a religião proporciona para o bom
andamento da convivência em sociedade ao conter os instintos mais primitivos que jazem
adormecidos no homem, segundo Jung. A menos valia dos princípios defendidos pela
religião retornaria o ser humano aos tempos onde “a lei do mais forte”, a natureza humana
irracional e feroz prevaleciam, por haver a isenção da culpa e a falta de uma moral coletiva.
E, onde se estabelece a ausência de moral ascende a desordem e o desajustamento de
condutas. Para Jung, “a moral parece ser um dom equiparável à inteligência. Não é possível
incuti-la, sem prejuízo, num sistema ao qual ela não é inata.” (2008b, p. 81, §130).
Com a possibilidade de manter a moral e os bons costumes em uma sociedade, as
religiões tem entre seus preceitos, nomear a culpa na origem do ser e por vezes têm na
culpa uma justificativa para o sofrimento ou para castigar a iniquidade, também, para
fornecer uma esperança de alívio ou promessa de perdão. Neste sentido, Corrêa (apud
SILVA, 2000) argumenta que nas organizações sociais mais primitivas, em várias religiões
ocidentais, ou nos primórdios da institucionalização do Direito, encontra-se sempre o
resgate da culpa pelo sofrimento administrado sob a forma de um dever, - dever para com o
próximo e seu bem estar em um convívio social harmonioso.
De acordo com Guedes e Walz (2007, p.34) a culpa no homem, se expressa pelas
autoacusações permanentes, pela rigidez com que a pessoa trata a si própria, pelo aparente
sentimento de inferioridade com diminuição da autoestima ou, em outras palavras, ocorre
uma ferida na imagem que a pessoa tem de si própria. Os autores concluem que as pessoas
que não tem uma boa imagem de si sentem-se frequentemente culpadas. Esta boa imagem
corresponderia àquela determinada pela sociedade para que seus integrantes tenham os
requisitos necessários para serem aceitos no convívio dos demais e serem considerados
semelhantes.
Evitando o julgamento social pela falta de caráter ou conduta que certo indivíduo
possa produzir, e esquivando-se das regras morais vigentes, este homem isola-se nas suas
faltas, que carrega como segredo, o que aumenta ainda mais seu sentimento de culpa e
angustia por não conseguir se adequar ao ideal postulado pela sociedade e religião. Jung
(2007, p. 188, §432) menciona que nada fecha tanto o homem sobre si mesmo e o separa do
convívio dos demais do que a "posse" de segredos que julga importantes e guarda ansiosa e
ciosamente. O autor conclui que muitas vezes são os atos e pensamentos "pecaminosos"
que separam os homens e os mantém afastados uns dos outros.
Para enfatizar a importância da culpa e seu prejuízo nas relações humanas
contemporâneas, Scliar (2007, p. 181) explicita que a culpa se traduz em comportamentos
repetitivos, todos eles tendendo a punir a pessoa, sobretudo pela eliminação do prazer. O
culpado sente-se inseguro diante dos outros, tem dificuldade em tomar iniciativas; diz sim a
tudo que lhe pedem, o que representa uma renúncia à sua própria vontade e liberdade.
Frequentemente escolhe uma profissão ou um trabalho de que não gosta, não tira férias, não
vai a festas. Elogios ou cumprimentos deixam-no confuso, angustiado; quem tem culpa não
pode ser homenageado, muito menos gratificado. É aquela pessoa que, ao receber um
presente dos filhos, não se vê merecedor de recebê-lo. Mas, inversamente, o culpado
presenteia compulsivamente outras pessoas no afã de “indenizá-las”. Toda a ênfase dada ao
sentimento de culpa aqui trazido tem como propósito esclarecer a importância do papel da
religião no processo de redenção desta, do ponto de vista de Jung.
Segundo Jung, a religião proporciona benefícios psíquicos ao homem que fizer uso
dos atos confessionais, como por exemplo, dentro dos ritos litúrgicos da igreja, pois a
confissão lhe dá oportunidade de aliviar o trauma e a culpa por não ter sido capaz de evitálo ou por ter adotado uma postura passiva. O autor destaca que: “... há pacientes, cuja cura
depende unicamente de uma confissão mais ou menos completa: de um desabafo em regra,
chamado ab-reação.” (JUNG, 2008a, p.16, §24)
Ab-reação – ou seja, a repetição dramática do momento traumático, a
recapitulação emocional em estado desperto ou sob hipnose – tem muitas
vezes um efeito curativo. Como é sabido, o ser humano tem necessidade de
contar repetidamente as experiências fortes que vivencia, até elas perderem
seu peso efetivo. “Wes das Herz vol ist, des geht der Mund über” (Aquilo
que enche o coração transborda pela boca), como diz o provérbio alemão.
Ao ser expresso em palavras, a afetividade da vivência traumática vai
diminuindo de intensidade progressivamente até perder seu efeito
perturbador. (JUNG, 2008c, p. 2-3, §262)
Jung (2007, p.189, §432) complementa sobre os benefícios da confissão ao
descrever que ela tem, não raro, um verdadeiro efeito de redenção onde a incrível sensação
de alívio que costuma seguir-se ao ato da confissão deve ser atribuída à readmissão daquele
que estava perdido, no seio da comunidade humana. Para Jung (ibidem), a solidão e o
isolamento moral anterior, que são tão difíceis de suportar, cessam com a confissão. Para
ele, aqui está o verdadeiro valor psicológico da confissão. No entanto, ele compreendia a
dificuldade dos terapeutas, principalmente daqueles que têm a psicanálise como sua
fundamentação teórica, de relacionar a terapia aos princípios da confissão religiosa.
As origens de qualquer tratamento analítico da alma estão no modelo do
sacramento da confissão. Mas como essa origem não é uma relação causal,
mas uma conexão pela raiz, irracional e psíquica, torna-se difícil, para quem
está de fora, relacionar os fundamentos da psicanálise com a instituição
religiosa da confissão. (JUNG, 2008a, p.53, §123)
Mas Jung (2008c, p.60, §390) reforça sua proposição ao dizer que as únicas forças
de salvação visíveis em nosso mundo são aqueles grandes sistemas psicoterapêuticos que
chamamos de religiões (dos quais se espera a “salvação da alma”) e, é natural que muitos se
filiem a uma das confissões existentes, numa tentativa justificada, e não raro bem
sucedidas, depois de adquirirem uma nova compreensão do sentido profundo das verdades
tradicionais de salvação. E conclui (ibidem, §391) que esta solução é normal e satisfatória,
na medida em que as verdades dogmáticas fundamentais formuladas pela Igreja cristã
exprimem de modo quase perfeito a natureza da experiência interior. O autor complementa
afirmando que o conhecimento dos mistérios da alma que essas verdades contêm é dos mais
profundos e é representado por grandes imagens simbólicas. Assim, para Jung, o
inconsciente tem, portanto, uma afinidade natural com o conteúdo espiritual da Igreja,
sobretudo no que diz respeito à sua forma dogmática, que deve seu aspecto atual às
seculares disputas dogmáticas – que tão absurdas parecem ao mundo de épocas posteriores
– sendo fruto do esforço apaixonado de muitos grandes homens.
Estas grandes imagens simbólicas da Igreja remetem a forças inconscientes,
possuidoras de energia psíquica, às quais Jung atribuía valor avassalador. O homem, então,
estabeleceria relação destas forças com a religião, de maneira consciente ou inconsciente,
associando-as a Deus, reforçando, portanto, a crença na religião como processo que
favorece a obtenção do alívio da culpa e o consequente bem-estar psicológico.
A religião é uma relação com valor supremo ou mais poderoso, seja ele
positivo ou negativo, relação esta que pode ser voluntária ou involuntária;
isto significa que alguém pode estar possuído inconscientemente por um
"valor", ou seja, por um fator psíquico cheio de energia, ou que pode adotálo conscientemente. O fator psicológico que dentro do homem, possui um
poder supremo, age como "Deus"' porque é sempre ao valor psíquico
avassalador que se dá o nome de Deus. (JUNG, 2008b, p. 85, §137)
Ainda sobre a importância da confissão, Jung (2007, p.189, §433) destaca que no
ato confessional ocorrem outros efeitos pela transferência do segredo e de todas as fantasias
inconscientes que acompanham o confessor. Surge uma certa vinculação moral do
indivíduo que recebe a confissão com o confessor, o que é chamado de "relação de
transferência". O autor relembra àqueles que têm experiência psicanalítica, sobre o quanto
sobe o conceito pessoal do analista, para com o paciente, quando este último chega a
confiar-lhe os seus segredos e conclui: “É espantoso, muitas vezes como a conduta do
paciente muda após esta confissão” (ibidem).
Jung cita que, provavelmente, a Igreja visava também essa consequência
transferencial que ocorre na confissão, pelo fato da maior parte da humanidade não só
precisar de orientação, mas sentir a necessidade de ser dirigida e tutelada. Isto justificaria,
até certo ponto, o valor moral que a Igreja atribui à confissão. O sacerdote, investido de
todos os atributos da autoridade paterna, é o líder e pastor responsável de seu rebanho. “Ele
é o pai confessor e os membros da comunidade são seus filhos penitentes.” (ibidem, grifos
do autor)
Outro aspecto relevante acerca da confissão viria a ser a sua característica catártica,
ou seja, ocorre a chamada catarse do confidente que para Jung “faz despejar tudo até o
fundo, somos levados a crer: pronto, agora tudo veio à tona, tudo saiu, tudo ficou
conhecido, todo medo foi vivido, toda lágrima derramada, daqui para frente tudo vai correr
às mil maravilhas” (JUNG, 2008a, p.65, §153)
Mas pela confissão lanço-me novamente nos braços da humanidade, livre
do peso do exílio moral. O método catártico visa a confissão completa, isto
é, não só a constatação intelectual dos fatos pela mente, mas também a
liberação dos afetos contidos: à constatação dos fatos pelo coração.
(JUNG, 2008a, p.57, §134)
De acordo com a citação acima, verifica-se que o processo catártico propicia alívio e
redenção aquele que guarda um segredo que lhe traz o fardo da culpa. A confissão destacase assim como mecanismo contido nas diversas religiões que favorece o pressuposto da
inferência da crença na religião, sendo libertadora por propiciar o bem estar psíquico após o
ato. Porém, fica o alerta de que não é qualquer tipo de confissão, mas sim aquelas feitas
com sinceridade por aqueles que se entregam verdadeiramente ao rito religioso ou ao
processo terapêutico.
Fica assim explicada a extraordinária importância da confissão sincera e
verdadeira: não da confissão ritual e de preceito. Não resta menor dúvida de
que todas as iniciações e todos os cultos e mistérios da antiguidade
conheciam esta verdade. Prova-o o adágio dos mistérios antigos: “Solta o
que tens, e serás acolhido”. (JUNG, 2008a, p.56, §133)
Procurou-se demonstrar neste trabalho o comprometimento e a importância dada
por Jung à confissão, seja ela religiosa ou na pratica psicoterápica, existindo assim a
necessidade de abertura, por parte dos psicólogos, do acolhimento à demanda confessional
de seus pacientes ao estabelecer-se o processo transferencial para que estes consigam
alcançar apaziguamento da culpa, traumas, das angustias e o encontro de forças para
reverter depressões ou vícios onde outras formas de ajuda médica, psiquiátrica ou
diferentes abordagens psicológicas não conseguiram atender.
Referência Bibliográfica
CICERONE, Paola Emilia. Crer faz bem? MENTE&CÉREBRO. Grande Temas - Fé, o lugar
da divindade no cérebro. São Paulo: Ediouro-Duetto, 1° ed., 2012.
IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm>. Acesso em:
11 Mar, 2013.
GUEDES, P.S.Rosa; Walz, J.Cesar. O Sentimento de Culpa. Porto Alegre: Edição do
Autor, 2007.
JUNG, Carl Gustav. Freud e a psicanálise. 4ª ed. O.C. Vol. IV - Petrópolis: Vozes, 2007.
______. A prática da psicoterapia. 11ª ed. O.C. Vol. XVI/1 - Petrópolis: Vozes, 2008a.
______. Psicologia e Religião. 8ª ed. O.C. Vol. XI/1 - Petrópolis: Vozes, 2008b.
______. Ab-reação, Análise dos Sonhos, Transferência. 6ª ed. O.C. Vol. XVI/2 Petrópolis: Vozes, 2008c.
McGUIRE, William; HULL, R. F. C. C. G. Jung Entrevistas e Encontros. São Paulo:
Cultrix, 1997.
OTTO, Rudolf. O Sagrado: os aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o
racional. 2ª ed. São Leopoldo: Sinodal/EST; Petrópolis: Vozes, 2007.
SCLIAR, Moacyr. Enigmas da Culpa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
SILVA, A.F.R. (ORG.) Culpa – Aspectos Psicanalíticos, Culturais & Religiosos. São
Paulo: Iluminuras LTDA, 1998.
Recursos Necessários
Datashow e som (microfone e alto-falantes).
Download

a alma brasileira diante da confissão