O ADVOGADO E O FALSO TESTEMUNHO
José Carlos Teixeira Giorgis
Ainda se revela controvertida a incriminação do advogado em falso
testemunho quando orienta a testemunha a pronunciar declaração inverídica.
A infração consiste em fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade
como testemunha, perito, contador ou intérprete em processo judicial,
administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral CP, art. 342).
É um crime formal em que a consumação ocorre com a prática da
conduta típica, sendo indispensável a potencialidade do dano ao bem jurídico;
sua concretização independe da possível influência do depoimento no deslinde
da causa (STJ, REsp 224774), tanto que o beneficiado pode ser inocentado ou
sofrer condenação, o que não reflete na denúncia da testemunha: é que o
delito se dirige contra outra objetividade jurídica, a reta administração da
justiça.
O que importa é ser um testemunho falaz sobre fato juridicamente
relevante e que tenha pertinência com o objeto do processo; caso não tenha
prestígio probatório, o ilícito não se caracteriza; alguns chegam a aceitar até a
indigitação de pessoa impedida que venha mentir na audiência; outros
entendem que meras contradições não ensejam a perspectiva de punição.
É pendular o entendimento sobre o termo em que a ação penal podia
ser proposta, eis que para uma corrente, por cuidar-se de infração que se
consuma com o ato, desde esse instante podia o magistrado expedir certidão
do testemunho e encaminhá-lo ao MP para a oferta da peça acusatória; já
outros julgados adotam que a iniciativa somente pode ocorrer depois da
sentença final do processo onde o perjúrio foi verbalizado, em respeito ao
dispositivo legal (CPP, art. 211) ante eventual retratação; e há quem ache que
a prolação da sentença no feito em que aconteceu o falso testemunho não é
condição de procedibilidade da ação do referido delito (STJ, REsp 18183), não
devendo, todavia, a decisão final neste preceder àquela da ação originária
(STJ, REsp 174486).
Quanto à denúncia do advogado que instigou a testemunha a omitir a
verdade, debatem-se duas vertentes jurisprudenciais.
Uma delas afirma o descabimento da inclusão, porque o crime de falso
testemunho é uma infração de mão própria, que só pode ser cometida pela
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testemunha, contador, tradutor ou intérprete; ou seja, não admite a autoria
mediata.
Por outra senda, o profissional que se limita a orientar, insinuar ou pedir
à testemunha para fornecer ao juízo a versão mais favorável ao cliente, ainda
que não ajustada à realidade dos fatos, embora incida em falta de caráter ético,
não transgride a norma penal. O induzimento ao falso testemunho
desacompanhado de corrupção, ameaça, ou pressão não constitui fato típico
(TJSP, RT 557/287).
Outra respeitável posição sustenta que o crime admite participação,
com apoio na reforma criminal advinda da Lei nº 7.209/84, que redigiu o art. 29,
CP; assim, quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a
este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
Nessa feição, é plenamente aceitável que o advogado seja
responsabilizado criminalmente pela prática de crime de falso testemunho,
embora não tenha praticado o ato executório atinente à emissão do
depoimento falso, que é próprio da testemunha; mas não é menos certo que
sua conduta quando induz, instiga, pressiona ou orienta a prestar depoimento
contrastante com a realidade, como partícipe, é relevante (STJ, REsp 123440;
no mesmo sentido REsp 200785. In: DVD Magister, v. 17, ementa 11069529.
Porto Alegre: Magister).
A Suprema Corte se alinha na convicção de que o advogado que instrui
a testemunha a prestar depoimento inverídico nos autos de reclamação
trabalhista pratica conduta que contribui moralmente para o crime, fazendo
nascer no agente a vontade delitiva, o que se robustece quando o partícipe é
figura indispensável à administração da justiça (STF, RHC 81.327, RTJ
181/703. In: DVD Magister, v. 17, ementa 11040660 e CD Magister, v. 18,
ementa 10004970. Porto Alegre: Magister. No mesmo sentido, RT 598/443).
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