EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO CONTEXTO ESCOLAR
Neiva Francenely Cunha Vieira
Universidade Federal do Ceará
[email protected]
Maria de Fátima Cardoso Marques
Maria do Socorro Mendonça Sherlock
Alexsandra Rodrigues Feijão
Universidade Federal do Ceará
A educação em saúde às crianças nas escolas pode contribuir para ações de promoção de
saúde na comunidade. Este estudo tem como objetivo apresentar o perfil das condições de saúde de
crianças em duas escolas governamentais da cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil e de conhecer o
conceito de educação em saúde dos professores. Dividiu-se a coleta de dados em duas fases: 1)
Oficina com 25 professores do ensino fundamental de duas escolas públicas de Fortaleza, objetivando
conhecer quais seus conceitos de educação em saúde e, posteriormente, compará-los ao conceito da
Organização Mundial da Saúde – OMS; 2) Levantamento, através de exames físicos, dos principais
agravos à saúde de 127 escolares. Os resultados mostraram as seguintes situações: crianças com
problemas de saúde (parasitoses e déficits de higiene pessoal) e professores que possuem um conceito
de saúde puramente prescritivo e limitado. Este fato demonstra a carência da interdisciplinaridade e
do elo professor/enfermeiro no enfrentamento dos problemas de saúde na escola. O que suscitou uma
reflexão sobre a importância do trabalho do enfermeiro com professores e alunos, fazendo com que os
mesmos possam fazer melhores escolhas a respeito de sua saúde e da saúde da comunidade.
INTRODUÇÃO
Crianças e adolescentes na faixa etária de sete a 14 anos são freqüentemente
consideradas como um grupo de baixo risco de mortalidade se comparado a outros grupos da
população(POLAND,2000). Por esta razão, as políticas públicas de saúde não priorizam
programas voltados para este público-alvo específico.
O impacto social deste descaso toma proporção relevante quando a Pesquisa Nacional
sobre Demografia e Saúde(PNDS,1996), apresenta que 93% dos jovens na faixa etária de sete a
quatorze anos freqüentam a escola, sendo que aproximadamente 80% deste total freqüentam a
escola pública.
É relevante ressaltar que 27,6% das famílias destas crianças e adolescentes sobrevivem
com renda familiar de menos de dois salários mínimos. Isto é reforçado pelo fato de que o
rendimento familiar médio mensal no Brasil não passa de R$ 144,90(IBGE,2000).
Esta realidade, de precárias condições sociais em que vivem as famílias brasileiras,
demonstradas nos indicadores acima, nos remete a refletir sobre a vulnerabilidade destas
crianças e adolescentes em adquirir doenças ou enfrentar situações de comportamento de risco,
por exemplo, se envolver com drogas e com o mundo do crime, além de diversos tipos de
violência (psicológicas e físicas).
1433
Os principais agravos à saúde associados à faixa etária de 7 a 14 anos são as chamadas
causas externas, especialmente os acidentes domiciliares (crianças) e extra-domiciliares
decorrentes da violência social (adolescentes). Entre as causas de morte aparecem os acidentes
de transito, homicídios, queimaduras, suicídios. Entre as adolescentes do sexo feminino, a
gravidez indesejada vem crescendo nos últimos anos. Também a iniciação de diferentes drogas
vem se intensificando nesta faixa etária(BRASIL, 1997). É importante observar que estes
problemas indicam a necessidade de ações de educação em saúde para estas faixas etárias.
Esta problemática demonstra que a saúde do escolar, que tem por finalidade a
supervisão adequada dos aspectos físico, mental e emocional do escolar, deve ser levada em
consideração dentro de projetos pedagógicos governamentais, visando o bem-estar físico e
psicológico dos alunos para melhoria do aprendizado e preparo para cidadania(FERIANE &
GOMES, 1997).
Família, educadores e comunidade devem ser vistos pela enfermagem como pontos de
ação dentro dos planos de trabalho para a saúde escolar. A educação em saúde e intervenções
voltadas às crianças e adolescentes usuários das escolas pode abranger uma grande fatia da
população e envolver a comunidade em trabalhos dentro e fora da escola, no intuito de
promoção da saúde da comunidade como um todo. A saúde comunitária não se faz apenas nos
postos, mas nos espaços de encontro das pessoas que formam a comunidade.
Neste estudo busca-se contribuir para a construção de conhecimentos na área temática:
criança e adolescente no contexto escolar. E mais, apresentar um perfil das condições de saúde
deste grupo em duas escolas da rede pública da cidade de Fortaleza, no intuito de ajudar a
conduzir uma reflexão sobre a importância do profissional enfermeiro na escola.
METODOLOGIA:
Os dados e discussões apresentados neste estudo baseiam-se nos resultados de dois
eventos distintos realizados em duas escolas da rede pública de Fortaleza, os quais chamaremos
de fase I e fase II da coleta de dados.
A primeira fase realizou-se com 25 professores do ensino fundamental de duas escolas
da rede pública de Fortaleza, objetivando conhecer os conceitos de educação em saúde e
percepções a respeito de saúde destes professores e compará-los ao conceito de saúde da OMS.
Os dados foram coletados através de uma oficina educativa promovida pelo Projeto
AIDS/Educação e Prevenção (Departamento de Enfermagem-Universidade Federal do Ceará).
No final da oficina, foi entregue a cada participante uma folha de papel com a seguinte
pergunta: na sua opinião, o que é educação em saúde?
1434
Os dados foram agrupados em categorias temáticas. A discussão dos resultados levou
em conta o estudo comparativo das categorias encontradas e o conceito de educação em saúde
da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A segunda fase, constou de um levantamento dos principais agravos físicos encontrados
durante exames físicos feitos pelos acadêmicos da disciplina de Enfermagem no Processo de
Cuidar I(VIEIRA, 1998). Esta fase teve como amostra 127 alunos de ensino fundamental de
uma escola pública de Fortaleza, que se encontravam entre a alfabetização e a 6ª série,
abrangendo aceleração, ciclo I e ciclo II. Os dados coletados foram dispostos em um quadro
para uma melhor apreciação dos resultados, onde utilizamos os diagnósticos de enfermagem da
North American Nursing Association (NANDA) para designar os problemas de saúde
encontrados.
Por fim, fez-se uma reflexão crítica dentro da apresentação dos resultados, onde se
discutiu o papel da enfermagem no ambiente escolar e a importância deste profissional para
promoção da saúde entre alunos e professores.
Este estudo foi desenvolvido no período de outubro de 2001 a fevereiro de 2002. Os
princípios éticos da pesquisa estão de acordo com a resolução 196, de 10 de outubro de 1996, do
Conselho Nacional de Saúde-Ministério da Saúde. Este estudo é um sub-projeto incluído no
projeto de pesquisa intitulado Promoção da Saúde no Contexto Escolar: Identificando
Estratégias para Intervenção de Enfermagem, o qual obteve parecer favorável e aprovação pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da UFC.
RESULATDOS:
•
FASE I: CONCEITO DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE PARA PROFESSORES
A tabela a seguir oferece uma visão geral dos dados encontrados em oficina realizada com
os professores de duas escolas públicas de Fortaleza, onde foi feita a seguinte pergunta: “Para
você, o que é educação em saúde?”. As respostas foram divididas em áreas temáticas e dispostas
na tabela.
1435
TABELA I: Conceitos de educação em saúde dos professores do Ensino Fundamental de
uma escola pública de Fortaleza.
Categorias Temáticas (respostas)
%
Nº
Ações para prevenção de doenças (“É de fundamental importância para prevenção 48
12
de doenças”)
Ações para promoção de saúde e qualidade de vida, higiene e segurança (“É ensinar 32
08
as crianças a ter bons hábitos de higiene, segurança e prevenção de doenças”).
Ações em conjunto dos profissionais da saúde e da educação com vistas à prevenção 20
05
de doenças e de acidentes (“É a informação dada em parceria (saúde e educação),
visando a prevenção de doenças e acidentes”).
Para a fase de análise comparativa dos dados coletados com a literatura, foi considerado
o conceito de educação em saúde da Organização Mundial de Saúde – OMS(LEVY et all, 2001)
que diz o seguinte:
“A educação em saúde é uma atividade que objetiva desenvolver nas
pessoas o senso de responsabilidade pela sua própria saúde e pela saúde da
comunidade a qual pertençam e a capacidade de participar da vida
comunitária de uma maneira construtiva”.
Confrontando os conceitos de educação em saúde da OMS e dos professores, observa-se
que o conceito da OMS tem uma perspectiva mais abrangente do processo educativo em saúde.
Enquanto os conceitos dos professores têm um contexto limitado, desconsiderando aspectos,
como: a preocupação não só com a saúde individual, mas com o coletivo; o desenvolvimento do
senso crítico e de responsabilidade com a saúde; etc.
É importante ressaltar que a maioria dos professores considera a educação em saúde
como sendo ações para a prevenção de doenças. Porém, dentro do conceito da OMS, estas ações
são apenas uma parcela do propósito da educação em saúde. A qual objetiva desencadear
mudanças de comportamento do indivíduo ou grupo de indivíduos nas formas de pensar a saúde
individual e coletiva, através de sua participação no controle de sua vida e de sua
saúde(VIEIRA, 1998). É um processo de fortalecimento, onde o indivíduo compreenda sua
necessidade de mudar.
Os professores, ao colocar que a educação em saúde compreende ações em conjunto de
profissionais da saúde e da educação, traduzem uma idéia de multidisciplinaridade em
detrimento à interdisciplinaridade e transversalidade preconizadas pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais –PCN(BRASIL, 2001).
1436
Segundo o MEC – Ministério da Educação e Cultura(Brasil, 2001), a interdisciplinaridade
questiona a segmentação entre os diversos campos de conhecimento, produzida por uma
abordagem que não leva em conta a inter-relação e a influência entre estes campos. A
transversalidade diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma relação
entre aprender conhecimentos teoricamente sistematizados e as questões da vida rela e de sua
transformação.
•
FASE II: AGRAVOS À SAÚDE FÍSICA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
ESCOLARES
Os principais agravos à saúde encontrados em alunos do ensino fundamental de uma escola
pública de Fortaleza foram dispostos no quadro I, o qual está dividido em séries e ciclos de
acordo com a estrutura básica do ensino fundamental.
Quadro I: Principais agravos à saúde encontrados em alunos da alfabetização à 6ª série do
Ensino Fundamental de uma escola pública de Fortaleza
Dados
de
observação/ Alfabetizaçã 1ª Série
2ª Série
Aceleraçã 3ª Série 4ª Série 5ª
Problemas e categorias o
7, 8, 9 07 anos
diagnósticas
anos
09 alunos 11, 12, 13, Ciclo II Ciclo II 11,1
33 alunos
53
Ciclo II
Manhã
alunos
de 06 anos
Enfermagem
o
14 anos.
6ª
09 anos 10 anos Série Série
08 anos 11 anos 2
18 alunos
11, 12,
14
anos
Ciclo I
anos
*Presença de parasitas:
-Escabiose
07 (21,21%) 11
01
03
01
03
01
-
-Pediculose
15 (45,45%) (20,7%)
(11,1%)
(16,6%)
18
23
13
04
29
07
09 (50%)
(54,7%)
(77,7%)
01 (5,5%) 03
09
06
03
02
04
-
*Integridade
da
pele
prejudicada1
04 (12,12%) 05
01
(09,6%)
(11,1%)
-
01
03
(11,1%)
(16,6%)
*Risco para integridade
da pele prejudicada2
-
01
*Déficit no auto-cuidado
1437
banho/higiene 17 (51,51%) 19
para
corporal3
(35,5%)
*Higiene
01
07
(11,1%)
(38,8%)
06
06
(66,6%)
(33,3%)
05
09
04
02
10
08
05
09
oral
inadequada/Integridade
18 (54,54%) 24
5
dentária prejidicada
(42,8%)
Nos exames físicos realizados na escola, observou-se que os principais agravos eram a
presença de parasitas (pediculose e escabiose), a deficiência na higiene corporal e oral e
prejuízos na integridade da pele.
Ao fazer-se uma inter-relação entre estes agravos físicos e as situações de risco e
problemas comuns na faixa etária (violência, drogas, gravidez indesejada e outras situações já
descritas neste estudo), pode-se perceber que são problemas facilmente preveníveis através de
práticas simples que poderiam ser promovidos pelos professores em parceria com os pais, tendo
a educação em saúde como estratégia e a escola como lócus de intervenção.
Quando se trata de educação em saúde na escola, deve-se ressaltar que ainda há
utilização de um caráter prescritivo e autoritário baseado em idéias biologicistas nas ações de
saúde na escola. A educação em saúde, quando passada ao discurso escolar dissemina, na
verdade, “regras para o bem viver” ou as chamadas “regras para o viver higiênico”, como
hábitos de higiene, alimentares, de atividade física, etc(PEREGRINO, 2000).
A educação em saúde deve incorporar, ao mesmo tempo, o conhecimento da dignidade
e integridade das pessoas envolvidas no processo educativo, bem como a construção de bases
democráticas e igualitárias de comunicação na prática pedagógica. Isto parte da concepção que
vê a educação como processo de comunicação que visa à liberdade e à felicidade dos seres
humanos(HAMANN, 1999).
Portanto, a instituição pode ser participante da promoção da saúde dos alunos, através
da educação em saúde, oportunizando aos alunos situações de aprendizagem que se voltem
principalmente, para os cuidados com o corpo e o ambiente(FERRIANE & GOMES, 1997).
Desta forma a escola é um importante ambiente de aprendizagem, não só de conteúdos
curriculares, mas também perpassa pela aquisição de conceitos, valores e tabus transmitidos
através destas novas relações.
1438
CONCLUSÕES:
Resgatando-se os conceitos de saúde comunitária, espaços de encontro humano,
enfermagem como agente de cuidado e concepções de saúde, ressalta-se a importância do papel
do enfermeiro dentro do espaço escolar, principalmente no que concerne a formação de
parcerias entre professores, pais e outros profissionais da saúde objetivando a implementação de
uma educação para a saúde que vise a mudança de comportamento e o despertar da cidadania
nas crianças e adolescentes.
Ao associar-se os casos analisados em separados nas duas fases citadas anteriormente,
percebeu-se a seguinte situação nas escolas estudadas: crianças com problemas de saúde
relacionados a parasitoses e déficits de higiene pessoal e professores que possuem um conceito
de saúde puramente prescritivo e limitado. Este fato demonstra a carência da
interdisciplinaridade e do elo professor/enfermeiro no enfrentamento dos problemas de saúde na
escola.
Este campo de emergente importância para a enfermagem poderia ser desenvolvido a
partir das propostas dos temas transversais (PCN-MEC), pois os mesmos abrem espaço para a
inclusão de saberes extra-escolares construídos na realidade dos alunos, promovendo uma
compreensão abrangente nos diferentes objetos do conhecimento(BRASIL,2001).
O desenvolvimento deste estudo suscitou uma discussão sobre as necessidades da
presença do enfermeiro no ambiente escolar para viabilizar a promoção de saúde. Isto levou-nos
a refletir sobre a importância do trabalho junto aos professores e aos alunos, fazendo com que os
mesmos possam fazer melhores escolhas a respeito de sua saúde e da saúde da comunidade em
que estão inseridos.
Quanto aos professores, observou-se que os mesmos possuem um conceito limitado de
educação em saúde, cabendo à enfermagem atuar como facilitadora das ações de saúde
promovida pelos professores na escola, fazendo com que os escolares tenham a oportunidade de
desenvolver hábitos saudáveis de vida e senso crítico sobre sua responsabilidade no autocuidado.
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1440
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