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SAÚDE DO HOMEM: ATÉ ONDE A MASCULINIDADE INTERFERE
Alane Karine Dantas Pereira
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB
Resumo
O artigo em tela objetiva tecer comentários acerca da saúde do homem, através de uma
abordagem analítica sobre gênero, evidenciando a masculinidade do homem e como
esta interfere no âmbito da saúde. O termo gênero é utilizado para designar relações
sociais entre os sexos, a categoria é desenvolvida pelas teóricas do feminismo
contemporâneo sob a perspectiva de compreender e responder, dentro de parâmetros
científicos, a situação de desigualdade entre homem/mulher e como esta opera na
realidade das relações socais. Essas desigualdades são manifestadas pela ideologia do
patriarcado que legitima a “superioridade” do homem, percebida também com relação à
saúde. Atualmente evidencia-se um maior número de óbitos masculinos, por doenças
cardíacas, violência, doenças crônicas, entre outras. Isso se deve ao fato dos homens
sentirem receio ao procurar ajuda médica, quando o fazem, isso passa a ser visto como
sinal de fraqueza “coisa de mulher”. Dentro desse contexto se faz necessário repensar as
relações de gênero na perspectiva de quebrar paradigmas culturais desenvolvidos por
nossa sociedade, é de extrema relevância a implementação de políticas públicas de
atenção à saúde do homem, visando promover a saúde e prevenir agravos.
Palavras – chave: Gênero. Saúde. Masculinidade.
Introdução
O objetivo deste artigo é realizar uma discussão sobre a saúde do homem a partir
do estudo de gênero, focalizando a questão da masculinidade.
O termo gênero remete a questão das desigualdades entre os sexos. Vivemos em
uma sociedade estruturada pela ideologia do patriarcado que legitima a “superioridade”
do homem, este é influenciado pelas idéias hegemônicas de que deve ser forte,
dominador, invencíveis por esse fato cuidam pouco da saúde e demoram a procurar
médicos, uma vez que o cuidado com a saúde pode ser visto como sinal de fragilidade.
Tal problemática acaba colocando sua saúde como a de outros em risco. Estudos
demonstram que a cada três mortes de pessoas adultas, duas são de homens. Eles vivem,
em média, sete anos menos do que as mulheres e têm mais doenças do coração, câncer,
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diabetes, colesterol e pressão arterial mais elevada. Em decorrência desses agravos, o
ministro da saúde José Gomes Temporão, lançou como uma de suas prioridades a nova
Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem a ser implementada no Sistema Único
de Saúde, esta por sua vez, vai muito além da prevenção do câncer de próstata e exige
mudanças culturais que incluam o repensar das relações de gênero.
As reflexões que se seguem pretendem responder, dentro de parâmetros
científicos, os motivos que levam os homens a não cuidarem de sua saúde. Inicialmente
será traçada uma discussão sobre o conceito de gênero, partindo logo mais para a
naturalização dos papéis sociais em nossa sociedade, a partir dessa bagagem teórica se
torna possível compreender a hegemonia ideológica difundida em nossa sociedade do
homem como ser “dominador” e como esta rebate no cuidado com a saúde.
Conceito de gênero
Discutir saúde do homem implica necessariamente um recorte sobre o conceito
de gênero, tendo em vista que tal problemática traz consigo questões culturais que
envolvem desigualdade entre os sexos.
Gênero é um conceito das Ciências Sociais surgido nos anos 70, relativo à
construção social do sexo. Significa a distinção entre atributos culturais alocados a cada
um dos sexos e à dimensão biológica dos seres. O uso do termo gênero expressa todo
um sistema de relações que inclui sexo, mas que transcende a diferença biológica.
Segundo Scott (1995), tem-se assumido três posições teóricas no que concerne à
análise da categoria gênero: o patriarcado, o marxismo e a influencia psicanalista
pautada no pós-estruturalismo Frances e nas teorias anglo-americanas.
Os estudos alicerçados na teoria do patriarcado estão centrados na análise da
subordinação das mulheres e dominação do sexo masculino, não levando em conta as
desigualdades de gênero. Já com relação à corrente marxista existe toda uma discussão
em torno da relação de gênero com as condições sociais e econômicas da sociedade. A
última corrente, a psicanálise é mais restrita, centrando-se apenas no âmbito
intercultural, entendendo as relações de gênero apenas no meio familiar.
Diante disso, autora supracitada conceitua gênero como “um elemento
constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos,
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e o gênero é o primeiro modo de dar significações às relações de poder” (1995, p. 86),
portanto, é a primeira forma de estruturação do poder nas diversas formas de interação
humana.
O termo gênero é utilizado para designar relações sociais entre os sexos, é uma
categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Tal categoria vai ser desenvolvida
pelas teóricas do feminismo contemporâneo sob a perspectiva de compreender e
responder, dentro de parâmetros científicos, a situação de desigualdade entre os sexos e
como esta opera na realidade e interfere no conjunto das relações sociais.
A preocupação teórica com o gênero como categoria analítica só emergiu no fim
do século XX. Ela esta ausente das principais abordagens de teoria social formuladas
desde o século XVIII até o começo do século XX. Por esse motivo as feministas
contemporâneas tiveram dificuldades de incorporar o termo “gênero” às abordagens
teóricas existentes para explicar as persistentes desigualdades entre homens e mulheres.
Lauretis em sua reflexão sobre gênero verifica que:
O termo gênero é uma representação não apenas no sentido de que
cada palavra, cada signo, representa seu referente, seja ele um objeto,
uma coisa, ou ser animado. O termo “gênero” é, na verdade, a
representação de uma relação, a relação de pertencer a uma classe, um
grupo, uma categoria. Gênero é a representação de uma relação [...] o
gênero constrói uma relação entre uma entidade e outras entidades
previamente constituídas como uma classe, uma relação de pertencer
[...]. Assim, gênero representa não um indivíduo e sim uma relação,
uma relação social; em outras palavras, representa um indivíduo por
meio de uma classe (1994, p. 210).
Embora os significados possam variar de uma cultura para outra, o termo gênero está
intimamente ligado a fatores políticos e econômicos, trazendo consigo um sistema de
representações que atribui significados (identidade, valor, prestígio, posição de parentesco,
status dentro da hierarquia social etc.) a indivíduos dentro da sociedade.
Papéis sociais atribuídos às diferentes categorias de sexo
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O que se evidencia em nossa sociedade é uma naturalização dos papéis sociais,
os espaços são ocupados de acordo com o sexo, construídos historicamente e
legitimados pela sociedade.
O espaço privado naturalizou-se como o espaço feminino, mesmo quando a
mulher sai deste para os campos de trabalho ainda continua sendo responsável pela
tarefa de preparar as gerações mais jovens para a vida, isso decorre da capacidade da
mulher de ser mãe, de conceber e dar à luz. A sociedade só “permite” que a mulher
passe a outrem a atividade doméstica se ela precisar trabalhar para seu sustento e de
seus filhos ou para complementar a renda do marido.
É atribuída também a mulher o papel de cuidar da sua saúde e da sua família, o
homem só procura os serviços médicos em último caso quando os problemas se
agravam, isso ocorre por que existe uma cultura difundida em nossa sociedade de que o
homem é um ser dominador, invencível e que, portanto não sente “dor”, assim a
masculinidade acaba sendo o principal fator do aumento da mortalidade entre homens.
Em 2003, as causas externas mataram 89.580 homens, contra 11.467 mulheres; as
doenças do aparelho circulatório mataram 40.287, contra 26.323; as do aparelho
digestivo, 16.371 a 5.032. No caso das doenças crônicas não-transmissíveis (como
diabetes, hipertensão, insuficiência cardíaca, tumores, infarto, acidente vascular
cerebral, enfisema pulmonar), a diferença entre os dados é atribuída a uma série de
fatores de riscos, muito mais presentes entre os homens. A quantidade de fumantes é
muito maior entre os homens (20,3%) contra (12,8%) entre as mulheres, assim como a
de sedentários (39,8% ante 20,1%) e de pessoas que consumem em maior grau bebidas
alcoólicas (16,1% ante 8,1%). Mesmo com esses dados notificados a resistência
masculina em cuidar da saúde ainda persiste.
A naturalização desses papéis traz crescentes marcas da intervenção humana, a
ideologia cumpre uma finalidade de mascarar a realidade, ao mesmo tempo em que
legitima a “superioridade” do homem, como provedor, detentor de força física e
inteligência superior a da mulher. Na outra face encontra-se a inferioridade da mulher. É
atribuída à mesma a responsabilidade pela prole e pela casa, este fato acaba reduzindo
as probabilidades de desenvolvimento de outras potencialidades de que são portadoras.
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A igualdade de oportunidades pressupõe a partilha de responsabilidade por
homens e mulheres. No entanto o que ocorre é uma naturalização exclusivamente
sociocultural.
Travam-se, cotidianamente, lutas para fazer cumprir um preceito já consagrado
na constituição brasileira: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça,
trabalho, credo religioso e convicções políticas” (1º do art. 153).
É importante salientar que estruturas de dominação não se deixam afetar pela
legislação. A lei é importante, na medida em que permite a qualquer cidadão
prejudicado pelas práticas discriminatórias recorrer à justiça.
A sociedade brasileira tem como princípios estruturadores: as desigualdades de
gênero, classe social e raça. A supremacia masculina perpassa todas as classes sociais,
estando também presente no campo da discriminação racial.
As relações homem-mulher são permeadas pelo poder.
Saúde do homem: hora de quebrar paradigmas
A partir da abordagem traçada até aqui sobre gênero como principio estruturador
das relações sociais e sobre a naturalização dos papéis sociais atribuídos a diferentes
categorias de sexo em nossa sociedade, é possível compreender os determinantes
culturais que levam o “sexo forte” a não cuidar da saúde. O homem é influenciado pela
ideologia do patriarcado que legitima sua superioridade. O papel que lhe é atribuído é o
de ser provedor, detentor de força física superior a da mulher. Assim, no momento em
que o homem procura os serviços de saúde para atendimentos de rotina, ele é
discriminado até mesmo por profissionais da área, a atitude é vista como “sensível,
coisa de mulher”.
Na tentativa de quebrar paradigmas culturais, ano passado o ministro da saúde,
José Gomes Temporão, lançou como uma de suas prioridades a Política Nacional de
Atenção a saúde do Homem. Tal política tem como objetivo, além de facilitar, ampliar o
acesso do homem aos serviços de saúde. A iniciativa se explica pela preocupação de
Temporão com os expressivos casos de morte notificados nos últimos tempos, que
demonstram o fato dos homens cuidarem pouco da saúde. A política será realizada em
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torno de oito eixos de ação, entre eles a comunicação, promoção à saúde, expansão dos
serviços, qualificação de profissionais e investimento da estrutura na rede pública.
No inicio de 2008 a Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem deu seus
primeiros passos quando foi criada a área técnica de saúde do homem, subordinada ao
Departamento de ações programáticas estratégicas (DAPE), da secretaria de atenção à
saúde, antes da criação da mesma, as ações estavam centradas nas políticas de
enfermidade, como a hipertensão, diabetes, saúde mental, saúde do trabalhador. Outro
eixo que sustenta a iniciativa é capacitar os profissionais da saúde, para que esses
acolham melhor o sexo masculino, uma vez que muitos deles levam seus preconceitos
de casa para o trabalho e tratam com ironia os cuidados masculinos.
O Brasil é o segundo País das Américas a elaborar uma política especifica de
saúde do homem, seguindo o exemplo do Canadá.
Segundo o ministro da saúde:
Essa política parte da constatação de que os homens, por uma série de
questões culturais e educacionais, só procuram o serviço de saúde
quando perderam sua capacidade de trabalho. Com isso, perde-se um
tempo precioso de diagnóstico precoce ou de prevenção, já que
chegam ao serviço de saúde em situações limite. Em geral, os homens
têm medo de descobrir que estão doentes e acham que nunca vão
adoecer, por isso não se cuidam. Não procuram os serviços de saúde e
são menos sensíveis às políticas. Isso coloca um desafio ao SUS, já
que vai exigir do sistema mudanças estruturais para que o sistema
esteja mais sensível, inclusive com o treinamento de profissionais para
que olhem de forma mais atenta a essa população. (TEMPORÃO,
2009.)
Portanto, essa ação vai muito mais além do diagnóstico de doenças, ela exige
mudanças culturais no intuito de quebrar paradigmas construídos ao longo do tempo por
nossa sociedade, deve-se levar em consideração aspectos culturais e psicossociais
respeitando a diversidade dentro do próprio gênero. Esse desrespeito acaba sendo um
obstáculo impedindo que os homens freqüentem os serviços médicos. Os cuidados em
geral são percebidos como feminino isso existe por que os homens são influenciados
por idéias hegemônicas dos padrões do senso comum que consagram o homem como
forte, invencível e dominador.
Segundo o secretário de atenção à saúde do MS:
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Os homens foram educados para não chorar e para manter a couraça
de que são ‘machos’. Também alegam que são os provedores e têm
medo de que se descubram doenças, mas hoje as mulheres são tão
provedoras quanto eles. Queremos mudar essa cultura para que eles
vivam melhor. (BELTRAME, 2009).
Na maioria das vezes, os homens procuram os serviços de saúde somente
quando os riscos se agravam. Assim, em vez de serem atendidos no posto de saúde,
perto de sua casa, eles precisam procurar um especialista, o que acarreta maior custo
para o SUS e, sobretudo, sofrimento físico e emocional do paciente e de sua família.
Esse fato leva ao aumento da incidência de doenças e de mortalidade masculina.
Números do Ministério da saúde mostram que de três adultos que morrem no Brasil,
dois são homens, aproximadamente. Dados considerando o ano de 2005. Além disso, o
IBGE revela que, embora a expectativa de vida dos homens tenha aumentado de 63,20
para 68,92 anos de 1991 para 2007, ela ainda se mantém 7,6 anos abaixo da média das
mulheres.
Considerações finais
É imperioso salientar, os motivos que levam os homens a cuidarem pouco da
saúde. A partir da discussão feita é possível perceber que esse receio é fruto do contato
com os modelos de masculinidade, construídos historicamente e culturalmente por
nossa sociedade. O homem é influenciado pela ideologia do patriarcado, tal fato rebate
também no âmbito da saúde.
O índice de mortalidade masculina é muito maior que a feminina ao longo do
ciclo da vida. Isso ocorre porque os homens não se previnem e só procuram os serviços
médicos em situações mais graves, os cuidados geralmente são vistos como sinal de
fraqueza, “coisa de mulher”.
No nosso estudo, vimos que a internalização de papeis diferenciados é um dos
motivos que impede os homens de procurarem o setor da saúde em busca da prevenção,
assim buscou-se contribuir através de reflexões sobre gênero e masculinidade, entender
os fatores que levam os descuidos dos homens com sua saúde.
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Enfim, o homem é influenciado pelas idéias hegemônicas de que deve ser forte e
invencível, acarretando um maior índice de mortalidade masculina.
Referências
http:// www.ssrevista.uel.br/c_v3n2_genero.htm. Acesso em: 14 de setembro de 2009.
http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/default.cfm?pg=dspDetalheNoticia
&id_area=124&CO_NOTICIA=10490. Acesso em: 14 de setembro de 2009.
LAURETIS, T. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, B.H. Tendências e
impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
RADIS, comunicação em saúde. Saúde do homem, nova política de atenção quer
levar “sexo forte” aos postos. Nº 74. Outubro de 2008.
SAFFIOTI, Heleieth. Papéis sociais atribuídos às diferentes categorias de sexo. In:
Heleieth. Saffioti. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987. p. 8 à 20.
SANTOS, Álison Cleiton de. ARAÚJO, Kássia Regina A. Gênero, juventude e
Protagonismo Social. Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Pró-reitoria de Pósgraduação e Pesquisa. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PIBIC/UEPB – Cota 2006/2007. Agosto de 2007.
SCOTT, Joan. Educação e realidade. Porto Alegre, v. 20, n. 2. Jul/ dez, 1995. P. 71 à
99.
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