Desigualdades na expectativa de vida ao nascer entre os sexos e entre
distritos de saúde – município de Campinas/Brasil 1991, 2000 e 2005
Ana Paula Belon1; Marilisa Berti Azevedo de Barros2; Maria Cristina Restitutti3;
Solange Mattos Almeida3; Letícia Marín-León2
Introdução
A expectativa de vida ao nascer consiste num importante indicador das condições gerais de
saúde de uma população, podendo traduzir desigualdades sociais em saúde geradas e reproduzidas
no tempo e no espaço.
A vantagem de se recorrer a esta medida, para acompanhar as iniqüidades em saúde, é a sua
capacidade de sintetizar os diferenciais de mortalidade tanto em termos de nível, quanto de estrutura,
não sendo contaminado pela estrutura etária – o que possibilita comparações temporais e espaciais.
Além disso, trata-se de um indicador de fácil entendimento por representar um conceito concreto: o
número médio de anos que se espera que um recém-nascido viva, desde que esteja exposto, ao
longo da sua vida, aos riscos de morte observados na população no ano tomado por referência.
Desse modo, o objetivo principal deste estudo é analisar as desigualdades em saúde, por meio
da tendência dos diferenciais das expectativas de vida ao nascer segundo sexo e área de moradia
(distritos de saúde) no município de Campinas nos anos de 1991, 2000 e 2005.
Métodos
Foram adotadas, como unidade de análise territorial das desigualdades internas, os cinco
Distritos de Saúde em que se organiza o Sistema de Saúde do município de Campinas: Sul,
Sudoeste, Leste, Norte e Noroeste.
As fontes de dados empregadas para a obtenção de óbitos de residentes e nascidos vivos
foram, respectivamente, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de
Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Enquanto que, para o período de 1990 a 1992, as
fontes são provenientes do Ministério da Saúde (MS) do Brasil; os dados de 1999 a 2006 são da
Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Campinas. A escolha pelos dados da SMS está pautada na
sua qualidade, devido à revisão criteriosa das declarações de nascimentos e de óbitos, segundo o
registro do local de residência. Compete salientar que, desse modo, os resultados das tábuas de vida
são diferentes, conforme o emprego das informações da SMS ou do MS.
Os dados de população foram extraídos dos censos demográficos do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) referentes aos anos de 1991 e 2000. E, por meio do método AiBi
(JANNUZZI, 2006), obteve-se estimativas de população de Campinas e dos cinco Distritos de Saúde
no ano de 2005.
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade
de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil. [email protected]
2
Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), Brasil.
3
Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura do Município de Campinas, Brasil.
Para todos os anos avaliados, os dados de população sofreram ajustes para 1º de julho do ano
considerado.
Visando eliminar os efeitos de variação aleatória dos dados, recorreu-se à suavização por meio
do uso da média trienal dos óbitos, tendo como anos centrais 1991, 2000 e 2005.
Para o cômputo da taxa de mortalidade infantil, empregou-se a soma dos dados referentes a
três anos consecutivos tanto para os nascimentos, quanto para os óbitos de menores de 1 ano de
idade devido ao registro tardio (Arriaga, 2001).
Foram calculados ainda os fatores de separação da população total, masculina e feminina
menor de 1 ano e de 1 a 4 anos de idade para o município de Campinas nos anos de 2000 e 2005,
utilizando o método desenvolvido por Arriaga (2001) que considera a data de nascimento, a data de
óbito, a fração de tempo vivido e a fração do tempo de morte.
Os indicadores para os Distritos de Saúde foram construídos apenas para os anos 2000 e
2005, tendo como preocupação conservar os limites territoriais das unidades de análise no período.
Resultados principais e discussão
As tábuas de mortalidade revelam profundas desigualdades tanto entre os anos e entre os
sexos, quanto entre os Distritos de Saúde.
O município de Campinas apresenta um aumento de aproximadamente cinco anos no período
considerado, passando de 69,9 anos em 1991, para 73,5 em 2000 e para 74,7 em 2005 (Tabela 1). A
população masculina encontra-se em pior situação se comparada com a feminina, apresentando
diferenciais de 8,4 e 8,8 em 1991 e 2000 respectivamente. Este aumento em 2000 se deve
principalmente ao impacto das mortes precoces ocasionadas pelas causas violentas. Embora, em
2005, esta distância entre os sexos tenha atingido o valor de 7,3 anos, vale salientar que esta
redução é ocasionada, mormente, pela ligeira estagnação do crescimento da expectativa de vida ao
nascer das mulheres entre 2000 e 2005. Um dos possíveis motivos para este comportamento
estacionário é o fato de que este indicador alcançou patamares elevados já em 2000 – o que tornam
os incrementos sistematicamente menores e mais lentos, exigindo, para a sua superação, maiores
investimentos para o prolongamento dos anos de vida. Esta situação ainda pode ser percebida pelo
acréscimo de 4,1 anos para as mulheres ao longo do período; enquanto que, para os homens, foi de
5,2 anos.
Tabela 1 - Expectativa de vida ao nascer por sexo. Campinas, 1991-2005
Expectativa de Vida ao
Nascer
1991
2000
2005
Diferença
1991-2005
Total
69,9
73,5
74,7
4,8
Homens
65,9
69,2
71,1
5,2
Mulheres
74,3
78,0
78,4
4,1
Fonte: SIM-Datasus/MS, 1990-1992; SMS-Campinas, 2004-2006; SINASC-Datasus/MS,
1990-2006; Censos Demográficos/IBGE, 1991 e 2000
Apesar destas mudanças, os diferenciais entre homens e mulheres continuam a expressar um
padrão de mortalidade distinto entre os sexos, sendo mais desfavorável para a população masculina,
sujeita a maiores riscos de mortes especialmente por causas externas - causas estas que exercem
impacto forte e negativo sobre a expectativa de vida ao nascer.
Quanto às diferenças no interior do município, o distrito Leste detém as maiores expectativas
de vida ao nascer em todos os anos considerados e para ambos os sexos; ao passo que os menores
valores pertencem ora ao Sudoeste, ora ao Noroeste (Tabela 2).
Tabela 2 - Expectativa de vida ao nascer por sexo segundo distritos de saúde. Campinas, 2000-2005
Distritos de
saúde
Total
Homens
Mulheres
2000
2005
2000
2005
2000
2005
Sul
72,9
74,8
68,4
71,2
77,8
78,4
Norte
74,1
74,6
70,2
71,5
78,4
78,1
Noroeste
71,9
73,1
67,7
69,3
76,4
77,2
Sudoeste
71,7
73,1
67,4
69,7
76,5
76,9
Leste
75,4
76,1
71,5
72,7
79,1
79,4
Fonte: SIM-Datasus/MS, 1990-1992; SMS-Campinas, 2004-2006; SINASC-Datasus/MS, 1990-2006; Censos
Demográficos/IBGE, 1991 e 2000
Estes diferenciais refletem as condições socioeconômicas dos distritos de saúde. Verifica-se
correspondência regional entre as expectativas de vida ao nascer e a situação das condições de vida
em termos de rendimento e escolaridade, tendo as menores expectativas de vida os distritos de
saúde mais vulneráveis socioeconomicamente. Desse modo, o Leste com os melhores indicadores
socioeconômicos do município apresenta as maiores expectativas de vida; já Noroeste e Sudoeste,
com precárias condições de vida, se alternam na posição de menor expectativa de vida, conforme o
ano e o sexo.
É interessante observar que os maiores incrementos no período ocorrem nas regionais que
apresentam menor tempo médio de vida tanto na população total, quanto na masculina. Também se
destaca o fato dos acréscimos serem mais significativos entre os homens; ao passo que, entre as
mulheres, os dados das unidades de saúde apontam para certa estagnação no período. Este
fenômeno no ano de 2005 provavelmente é delineado pela queda das taxas de mortalidade por
causas externas na população masculina observadas no município (Boletim de Mortalidade, 2006).
Alguns estudos que também verificaram tendência estacionária da expectativa das mulheres na
realidade brasileira questionam se este quadro se manterá nas regiões em que os indicadores
atingiram patamares elevados ou se é reflexo do comportamento de morbi-mortalidade vigente
marcado pela maior participação das doenças crônicas não transmissíveis – o que exige ações
específicas para possibilitar o aumento dos anos de vida (FERREIRA e CASTIÑEIRAS, 1998).
Observa-se ainda que a distância entre os maiores e os menores valores dos distritos reduziu
do ano de 2000 para 2005, passando de 3,64 para 3,05 anos para a população total. Entre os
homens, esta queda foi ainda maior: de 4,12 anos em 2000, para 3,39 anos em 2005. Já entre as
mulheres esta diferença passou de 2,8 anos para 2,5 anos no período. Estas reduções sugerem
melhorias nas condições de saúde que estão sendo ofertadas por todo o município, através de
políticas públicas, além da redução das taxas de homicídios que atingem especialmente os distritos
socioeconomicamente menos favorecidos.
Considerações finais
Este estudo mostra que, embora persistam diferenças nas expectativas de vida ao nascer entre
os sexos e manifestadas temporal e espacialmente, pode-se acompanhar certa redução,
evidenciando conquista de melhores condições de saúde pela população masculina.
Todavia, torna-se preocupante a estagnação ou os incrementos relativamente pequenos dos
valores referentes às mulheres. Cabe questionar se este comportamento estacionário reflete uma
situação momentânea desfavorável ou se se trata de uma tendência a ser observada em anos
futuros. E aponta-se ainda para a necessidade de intervenção efetiva no controle das doenças
crônicas não transmissíveis e em promoção de saúde.
Quanto à distribuição espacial, apesar de o município de Campinas apresentar uma
expectativa de vida relativamente alta se comparada com a média brasileira, em seu interior são
expressas disparidades que revelam correspondência entre a menor expectativa de vida ao nascer e
as precárias condições de vida. Ou seja, conforme a área de residência no interior do município a
expectativa de vida pode variar entre mais de 2 anos ou menos de 1 ano em relação à média total.
Esta relação com o espaço caracterizado por diferentes padrões socioeconômicos, indubitavelmente,
permite identificar áreas prioritárias para melhorias das condições de saúde.
Bibliografia
ARRIAGA, Eduardo E. El Análisis de la Población con Microcomputadoras. Córdoba:
Universidad Nacional de Córdoba, 2001
BOLETIM DE MORTALIDADE nº 37 - Mortalidade por homicídios, julho a dezembro de 2005.
Coordenadoria
de
Informação
e
Informática/SMS/Campinas,
Centro
Colaborador/DMPS/UNICAMP, Campinas, abril 2006
FERREIRA, C.E.C.; CASTIÑEIRAS, L.L. Está diminuindo a esperança de vida paulista? Anais
do XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP, Caxambu, 1998, v.1, p 19611974
JANNUZZI, P.M. Projeções populacionais para pequenas áreas: métodos e aplicações. Textos
para discussão, Escola Nacional de Ciências Estatísticas/Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, Rio de Janeiro, 2006, n. 22, 67 p.
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