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A TUTELA DO ESTADO E A INFLUÊNCIA SOCIAL QUANTO AO
PRECONCEITO AOS HOMOSSEXUAIS
Lidiane Aparecida De Freitas – Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário
Uniseb de Ribeirão Preto.
Resumo
A partir de uma análise das atuais e constantes abordagens dos temas relacionados à
união homossexual, este trabalho visa analisar algumas concepções acerca das práticas
homossexuais em seus aspectos históricos, sociais e jurídicos. A fundamentação utilizada foi
sustentada nas discussões do tema na mídia, no Poder Judiciário, nas organizações religiosas e
principalmente na própria sociedade. Essa abordagem traz reflexões acerca de elementos
importantes que caracterizam o preconceito, a intolerância e o egocentrismo e atribui a eles o
principal motivo da discriminação, do desrespeito, da desigualdade social e da não efetivação
dos Direitos Humanos.
Palavras-chave: Direito, Homofobia, Justiça, Preconceito, Desigualdade.
Abstract
From an analysis of current and constant approaches of issues related to homosexual
unions, this work aims to analyze some conceptions of homosexual practices in their
historical, social and legal aspects. The statement of reasons was sustained in discussions
about this subject on the media, in the judicial branch, in the religious organizations and
especially in society itself. This approach brings reflections on important elements that
characterize the prejudice, intolerance, and selfishness and assign to them the main reason of
discrimination, disrespect, social inequality and non-effectuation of human rights.
Keywords: Law, Homophobia, Justice, Prejudice, Inequality.
1. Introdução
Intolerante não nasce intolerante, tem como mudar. Preconceituoso não nasce
preconceituoso, tem como mudar. Homofóbico não nasce homofóbico, foi criado
para ser assim. Tenho fé que, um dia, as palavras “intolerante” e “preconceito”
sejam abolidas do dicionário por não fazerem mais sentido. Já que - não importa a
etnia, a cor da pele ou a orientação sexual – nascemos iguais em direitos perante a
lei. (Leonardo Sakamoto)
Neste trabalho, serão analisadas a visão e influência da sociedade na não efetivação
dos Direitos do Homossexual, bem como a importância de uma mudança ideológica, religiosa
e cultural para que a proteção desses direitos não seja apenas uma positivação escrita, mas
uma materialização que envolva uma compreensão muito mais abrangente de respeito,
tolerância e igualdade.
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A polêmica que envolve este tema abre a possibilidade de uma análise ampla e
considerações em diversos aspectos, sejam eles jurídico, religioso, moral e social. Esses temas
serão abordados aqui de forma concisa e suficientemente clara, afim de ponderar a carência de
tutela aos excluídos por parte do Poder Judiciário, bem como a influência da sociedade que
dificulta ainda mais a igualdade e a inclusão social.
2. Evolução ou Conveniência?
A intolerância e o preconceito acompanham a história da humanidade e com o passar
do tempo a sociedade, sob a influência impositiva do capitalismo ou não, passou a rever
algumas concepções que antigamente eram tidas como incabíveis, sejam elas a união
homoafetiva, a liberdade religiosa, a igualdade dos sexos, entre outros. Essa quebra parcial de
hegemonia nos permite a seguinte indagação: se a atual positivação dos direitos humanos
garante aos indivíduos tratamento idêntico, como negar para o outro o reconhecimento dos
direitos que pela lei deveriam ser iguais para todos?
Como refere Bobbio:
No estado de natureza de Locke, que foi o grande inspirador das Declarações de
Direitos do Homem, os homens são todos iguais, onde por “igualdade” se entende
que são iguais no gozo da liberdade, no sentido de que nenhum indivíduo pode ter
mais liberdade do que outro. (BOBBIO, 2004, p. 65)
O fato é que, a princípio, num olhar menos crítico ou alheio à realidade, essa aceitação
parcial da sociedade poderá ser caracterizada como os primeiros passos para a evolução,
quando na verdade, por trás desse comportamento, se reconhece uma sociedade ainda
conservadora e egocêntrica que se manifesta apenas em defesa de suas conveniências, uma
vez que a igualdade é uma luta dos “diferentes” e grande parte dos ditos “normais” somente
tomarão partido dela quando houver algum meio de se beneficiar. Para elucidar essa
afirmação, basta observar que a inclusão do homossexual como sujeito de direito está
diretamente ligada à conveniência econômica, uma vez que reconhecendo esse grupo na
sociedade, aumenta-se a produção de mercados e produtos voltados para eles, girando a
economia e gerando capital.
3. A Sociedade e a Mudança do Direito
A norma jurídica é o reflexo da valoração que a sociedade faz dos fatos que ela mesma
produz. É assim que nasce o direito, sendo este, portanto, um conjunto de valores da
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sociedade. Dessa forma, o Estado tem como função organizar a sociedade, de modo que não
existam conflitos de interesses, ou pelo menos que esses se reduzam ao máximo. Para que
isso seja possível, é necessário que as normas jurídicas acompanhem o desenvolvimento da
sociedade regulando as modificações de valores que ocorrem com o passar do tempo.
As garantias fundamentais são alguns dos principais desafios que o Estado enfrenta
nessa luta pela pacificação da sociedade. O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de
1988 garante a igualdade de todos os indivíduos perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, entretanto, a positivação de um direito não é suficiente para que ele seja colocado
em prática, trata-se muito mais da necessidade de uma mudança cultural, onde o individuo
seja capaz de reconhecer as diferenças como algo benéfico, algo que possa acrescentar à
sociedade novas abordagens e concepções capazes de implementar conteúdos significativos
acerca de valores humanos almejados por todo individuo em sua singularidade.
Nesse contexto Bobbio elucida que:
A relação entre o nascimento e crescimento dos direitos sociais, por um lado, e a
transformação da sociedade, por outro, é inteiramente evidente. Prova disso é que as
exigências de direitos sociais tornaram-se tanto mais numerosas quanto mais rápida
e profunda foi a transformação da sociedade. (BOBBIO, 2004, p. 65).
Dessa forma, não se pode considerar que o Estado esteja garantindo a proteção desses
direitos, uma vez que ao invés de prevenir a sua violação, ele age como punidor quando o
mesmo já foi transgredido.
4. O Preconceito e a Justiça
Em caráter histórico uma análise mais aprofundada dos Direitos Humanos, revela que
a homossexualidade nem sempre foi repudiada. Nas duas grandes civilizações antigas a
homossexualidade era amplamente aceita. Fazia parte do tecido social na Grécia antiga e era
importante também no Império Romano. Era chamada de pederastia e ocupava lugar na
estrutura social como ritual sagrado, não era considerada uma degradação moral, um acidente
ou um vício. Na cidade de Esparta, onde a sociedade era voltada para o desenvolvimento
militar, o amor entre homens era estimulado dentro do exército, fundamentado pela ideia de
que ao ir para guerra o soldado não estaria lutando apenas pela sua cidade-Estado, mas
também para proteger a vida de seu amado, o que obviamente aumentaria o grau de empenho
do combatente (DIAS, 2011, p. 34).
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Considerações históricas como essa abrem a possibilidade de reflexões importantes a
qual é interessante analisar se é a prática homossexual de hoje que descaracteriza a essência
do amor, ou é a agressão homofóbica que regride o homem à condição de bárbaro.
Certamente o maior preconceito surgiu devido à grande influência da ordem religiosa
que considera que o envolvimento sexual deve ter como única finalidade a procriação, sendo
as relações entre indivíduos do mesmo sexo, mera perversão. Essa forte influência religiosa é
o principal motivo de preconceito e exclusão desse grupo de Seres Humanos que mais
parecem portadores de doença contagiosa do que irmãos oriundos de um mesmo Deus, repleto
de amor e justiça, como essa mesma ordem religiosa propaga.
Essa linha de pensamento excludente tornou-se tão vigorante que a grande massa
preconceituosa provém da própria família do indivíduo, que na maioria das vezes não aceita
suas condições por medo de serem apontados como motivo de vergonha para a sociedade.
Sendo assim, o homossexual por mais honesto e correto que seja, mesmo que cumpra seu
papel de cidadão e sujeito de bem, deverá se esconder da sociedade, por não ter amparo
suficiente nem ao menos de sua família, as quais se esquecem que a sexualidade é um direito
natural, intrínseco ao homem desde o seu nascimento, portanto não deveria ser motivo de
impressionabilidade a ninguém. Além disso, não há margem racional que dê respaldo para
impedir as reinvindicações de um grupo que está excluído, afinal, só sabe o que é viver a
experiência da exclusão quem faz parte dela.
O termo homofobia só foi registrado oficialmente no final dos anos 1990 e designa
dois aspectos de uma mesma realidade: “Uma dimensão pessoal de natureza afetiva, que se
manifesta pela rejeição aos homossexuais, e uma dimensão cultural de natureza cognitiva, em
que o objeto da rejeição não é o indivíduo homossexual, mas a homossexualidade como
fenômeno psicológico e social”. (DIAS, 2011, p. 75)
Essa prática agressiva traz ao homossexual o sentimento de autodiscriminação,
fazendo com que ele mesmo não aceite sua condição e essa é a causa de diversos distúrbios
emocionais e psíquicos principalmente entre os jovens, podendo levar até mesmo ao suicídio.
Por esse motivo, Estados vem promovendo emendas às respectivas Constituições e inúmeros
municípios estão alterando suas leis orgânicas com o objetivo de reprimir essas agressões.
Após muita polêmica e discussão o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união
homoafetiva como tendo os mesmos efeitos jurídicos da união estável entre homem e mulher.
Não se trata de uma solução para o fim da discriminação, mas pode se considerar uma
conquista significativa, o primeiro passo para uma mudança de pensamentos e uma aceitação,
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impositiva num primeiro momento, mas que com o passar do tempo se tornará mais comum
entre aqueles que consideram isso uma transgressão à ordem natural.
A Constituição Federal do Brasil de 1988, através do artigo 3º, inciso IV tem como
objetivo fundamental, “promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação”, mas isso não é suficiente, pois ainda há
uma grande deficiência cultural e normativa para esses casos de preconceito social, as quais
afastam a realidade de se estar vivendo em um Estado Democrático de Direito.
A ausência de leis, o conservadorismo da sociedade e do judiciário não podem levar a
omissão do Estado em tutelar os direitos dos homossexuais, diferenciando-os dos
heterossexuais. A união homoafetiva estável, por exemplo, gera relações de caráter pessoal e
patrimonial, como qualquer outra, e merece além de respeito, a inserção no âmbito jurídico.
Além do fato dos homossexuais não terem seus direitos resguardados diante da
sociedade, outro ponto que impede a liberdade desse indivíduo é no âmbito profissional, o
qual muitas vezes estes também sofrem graves preconceitos e exclusões. O artigo 7º da
Constituição Federal do Brasil de 1988 também prevê o direito de igualdade aos trabalhadores
em seu inciso XXX, o qual proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério
de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Esse artigo não prevê
expressamente a proibição da distinção de contratação por opção sexual, mas pode ser
considerado como uma proteção implícita à discriminação.
Recentemente o pastor Marco Antônio Feliciano, declarado racista e homofóbico, foi
eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o que gerou grande polêmica
e inúmeros protestos no país feitos inclusive por artistas conceituados que aproveitaram o
momento para assumir as suas relações homoafetivas. A influência desses artistas e também
da mídia, que atualmente tem grande influência na opinião comum, é importante, pois têm
trazido discussões mais abertas à respeito desses grupos que lutam por aceitação, como a
massa LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais).
Toda essa manifestação demonstra que a sociedade está deixando de lado o
preconceito e nutrindo, ainda que lentamente, uma prerrogativa da valorização dos direitos
humanos, dando respaldo a uma luta que infelizmente ainda acontece por uma pequena
parcela, mas que tende a se difundir cada vez mais com o objetivo de efetivar a proteção à
liberdade de escolha, que é o mínimo que um indivíduo que vive em um Estado Democrático
de Direito pode exigir.
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Resta então ao Estado cumprir o seu papel principal de organizar a sociedade e
estabelecer direitos e deveres a todos que nela vivem e aos indivíduos o dever de respeitar,
incluir e efetivar os direitos uns dos outros, uma vez que não cabem a eles a responsabilidade
de julgar o que é ou não direito do outro, já que ao praticar tal conduta, se abre espaço para
que os seus direitos particulares também não sejam efetivados e nem ao menos respeitados,
afinal negar para o outro reconhecimento de direitos que você já tem, é se posicionar como
um conservador e se colocar de maneira contrária à luta dos Direitos Humanos, inclusive aos
seus.
5. Considerações Finais
Os direitos dos homossexuais vêm sendo reconhecido de forma gradativa ao longo do
tempo. Verdade que parte da sociedade os reconhece de forma egoísta e interesseira, mas é
através de lutas sociais realizadas pela massa que não tem medo do preconceito, da violência
moral e da discriminação que esses direitos estão sendo efetivados e tutelados. A ABGLT –
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais, por exemplo, foi criada em 1995 e
atualmente é a maior rede LGBT da América Latina, conta com 286 organizações filiadas e
tem como missão:
Promover ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma sociedade
democrática, na qual nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de
discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e
identidades de gênero. (ABGLT - acesso em: 16/06/2013 disponível em: <
http://www.abglt.org.br/port/index.php >).
O fato é que enquanto não houver uma mudança radical de ideologia por parte dos
conservadores, os jovens que possuem essa característica continuarão crescendo com
distúrbios psicológicos e emocionais, continuarão afastando-se de suas famílias e refugiandose em seu mundo como um Ser excluído e inferior àqueles que, para grande parte da
sociedade e algumas religiões, são considerados normais. Essa conduta contribui para
inúmeros problemas afetivos sejam eles por parte dos jovens ou de suas famílias, além disso,
a carência de tutela por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário fortalece ainda mais a
intolerância, o preconceito e a injustiça por parte daqueles que não se sensibilizam com
aqueles que sofrem com a discriminação.
Para muitos homossexuais a oficialização do casamento, as manifestações favoráveis
por parte da mídia e também por seus ídolos fazem parte de uma conquista que os faz se
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sentirem inseridos na sociedade de forma digna e respeitada. Por outro lado, enquanto as
atenções dos indivíduos estiverem voltadas muito mais à identidade sexual e à cor da pele do
que às suas reais necessidades, a sociedade continuará sofrendo os reflexos desse
egocentrismo convertidos em falaciosos discursos políticos e morais que desrespeitam a
inteligência do povo.
REFERÊNCIAS
ABGLT. Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
Disponível em: < http://www.abglt.org.br/port/index.php > acesso em: 16/06/2013.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF, Senado, 1988.
DIAS, Maria Berenice. Direito Homoafetivo. Disponível em:
<http://www.direitohomoafetivo.com.br/ > acesso em: 11/05/2013
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: O preconceito & a Justiça. 5º ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011.
SENADO FEDERAL. Projetos e Matérias Legislativas. Disponível em: <
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=102589 > acesso em:
11/05/2013.
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