A VERTICALIZAÇÃO PREDIAL E O MELHOR URBANISMO BRASILEIRO
Sylvio Nogueira
Arquiteto CREA 347-D/RJ (UFRJ-1966)
Ex-professor universitário (PUC/PR)
Bolsista do DAAD junto à Technische Hochschule Stuttgart / Alemanha
Consultor na área de patologias prediais
Escritório em Curitiba/PR
e-mail: [email protected]
A verticalização das construções acaba acontecendo, com o crescimento das cidades, em decorrência dos
limites planos ( orlas marinhas ou fluviais ), da topografia ( morros ou vales a contornar ), da ineficácia dos
sistemas viário, de transporte coletivo e da carência de infra-estrutura ( sanitária e energética ).
Como as duas primeiras condicionantes são quase irremovíveis ( salvo aterros, viadutos, túneis, etc ), resta a
presunção urbanística de que um sistema viário bem planejado e um transporte coletivo inteligente,
racionalizado e eficaz ( escoltados por saneamento básico e ligações de energia ) serão instrumentos capazes
de refrear as tendências de verticalização e de forte adensamento das edificações. Esta é, pelo menos, a
saudável conquista dos países mais civilizados do planeta ( salvo as inevitáveis e mitológicas manhattans e
hong-kongs da vida ).
Contudo, não é o que ocorre em Curitiba, cidade que se converteu em literal ícone do melhor, mais profícuo e
afamado urbanismo brasileiro, dotada de avançado e muito bem articulado sistema de transporte coletivo:
pesquisas revelam que a capital paranaense possui cerca de metade dos prédios altos, no Brasil, entre 22 ( vinte
e dois ) e 50 ( cinqüenta ) pavimentos; o que seria surpreendente, não fosse o fato de que a especulação
imobiliária, quando quer ( e quase sempre quer e pode ), realiza inúmeros - e muito lucrativos - “milagres”.
Também à propósito, cumpre observar os textos :
“.....Mantido e atualizado por Jonathan Enns, escrito em português e inglês, é de interesse de
arquitetos e curiosos. Lá tem uma lista com as mais altas estruturas já erguidas no Brasil. Há
também uma lista com os que estão em obras, na qual chama a atenção a grande quantidade
daqueles que estão sendo construídos no Recife (PE) para uso residencial......Vendo a lista dos
que já foram erguidos é revelador saber que a mais alta estrutura construída no País é a Torre
de TV de Brasília, com 218 metros, ou saber que o Edifício Itália (168 m) não é o mais alto de
São Paulo, tendo sido superado pelo o Palácio Zarzur Kogan (Edifício Mirante do Vale), com
189 metros de altura. O Zarzur Kogan está aberto à visitação, mas somente com agendamento.
Na Av. Prestes Maia, 241, Centro.......Nessa mesma lista chama a atenção a quantidade de
edifícios altos construídos em Curitiba (Paraná). Estão listadas 71 estruturas erguidas no
Brasil, destas 34 estão em Curitiba e apenas 21 em São Paulo. Os edifícios Champagnat I e Vila
Carolina, quarto e quinto colocados, com mais de 170 metros de altura, indicam ou uma
imprecisão na lista (que o responsável pelos dados adverte que não está completa) ou uma
cidade que se revela muito verticalizada ou em processo de verticalização crescente.”.
( ArqBr / Opinião / Cláudio Cruz / 27.02.04)
“São Paulo não tem um só edifício internacionalmente notável em dimensões e altura que
justifique sua fama de cidade de arranha-céus, ainda que estes, reduzidos no porte e na altura,
se espalhem por toda a mancha urbana. Os edifícios mais altos do Brasil estão hoje em Curitiba
e no Rio de Janeiro. Os da América Latina, na Cidade do México e em Caracas.” ( URBS / Viva o
Centro /OUT-NOV2003: ”Um centro com edifícios à altura de São Paulo”, de Jule Barreto )
Tomando os dados do primeiro texto, temos o seguinte quadro comparativo :
CIDADE
ARRANHA-CÉUS
POPULAÇÃO ESTIMADA (2004 )
PROPORÇÃO APURADA
RIO
16
14.000.000
1 TORRE
/ 875.000 habitantes
SÃO PAULO
21
18.000.000
1 TORRE / 857.000 habitantes
CURITIBA
34
1.800.000
1 TORRE /
53.000 habitantes
Nota: Curitiba, com apenas 5% da população total ( das 3 capitais ), possui cerca de metade das torres
listadas. E mais: já é possível perceber, em trânsito pela capital paranaense, que a listagem mostrada no site
do Jonathan Enns será acrescida de, pelo menos, mais 15 ou 20 prédios acima de 22 pavimentos; o que pode
elevar a participação, da cidade, para quase 2/3 ( dois terços ) do total de arranha-céus brasileiros ( ! ).
Importante notar, também, que quase todos os edifícios citados integram grupos prediais bem adensados
(quando não justapostos, formando frios "corredores de vento" ), sem a desejável contrapartida - através de
áreas verdes circundantes e “corredores” de ventilação natural - para a liberação de gabaritos especialmente
elevados (à exceção daqueles situados em áreas no Mossunguê/ Ecoville, habitados por cidadãos
especialmente abastados).
Por outro lado, uma infra-estrutura de transporte coletivo - ainda que sabidamente exemplar - não poderá ser
exibida, indefinidamente, como atenuante para a existência de “cinturões de reserva especulativa” (adquiridos
por pessoas ou incorporadores de visão espantosamente “profética”), que tendem a deslocar os cidadãos, de
baixa e média rendas, para áreas cada vez mais distantes do centro urbano; mesmo porque o explosivo
crescimento da frota de automóveis ( já são cerca de 1 veículo para cada 2,5 habitantes ! ) está gerando mais
longos tempos de parada em cruzamentos e, por óbvio, mais volumosos engarrafamentos e incrementos nas
concentrações e/ou deposições de poluentes (vide pesquisa, em curso, coordenada pela Prof. Dra. Inês
Moresco Danni-Oliveira, do LABOCLIMA / UFPR).
Ou seja: alem das distâncias, os tempos de deslocamento estão aumentando. O que, no “beabá” do urbanismo,
tem direto vínculo com os graus de integração e/ou de segregação, do homem, em relação ao núcleo urbano.
Observe-se outro texto, com grifos nossos:
“ De 2001 para cá a Prefeitura de Curitiba regularizou cerca de três mil lotes, e estão em
andamento outros 5.710. No entanto, segundo dados de 2000, ainda existem cerca de 45 mil
lotes que precisam passar pelo mesmo processo. O problema é que pelo menos 10 mil famílias
precisam ser deslocadas para outros lugares, porque estão em situação de risco ou
construíram a casa em área de proteção ambiental. Mas a capital já não tem mais grandes
áreas para comportar tanta gente. As que existem são pequenas e muito caras. A solução seria
avançar para a Região Metropolitana........ Mas o problema da moradia ainda está longe de ser
solucionado. Em Curitiba faltam áreas para a criação de loteamentos populares.....................
"As pessoas de baixo poder aquisitivo não vão ter condições de pagar as prestações", comenta
o coordenador do programa, Valter Rebelo. Segundo ele, um lote com infra-estrutura mínima
custa cerca de R$ 9 mil, se tiver que ser construída uma casa sobe para R$ 20 mil - o que daria
um total de R$ 200 milhões para ajudar as 10 mil famílias. Se o terreno for muito caro os
valores sobem mais ainda.....................Em Curitiba, as regiões que concentram o maior
número de ocupações são a regional do Cajuru, Uberaba, Cidade Industrial, Sítio Cercado e
Pinheirinho. Uma das maiores é a Vila Audi, no Cajuru, próxima à Avenida das Torres. Lá vivem
cerca de três mil famílias, e todas teriam que ser retiradas do local, que é fundo de
vale............Para encontrar lugar para tanta gente a saída seria avançar em direção à Região
Metropolitana. São José dos Pinhais, Piraquara e Fazenda Rio Grande seriam exemplos de
cidades que poderiam comportar os novos loteamentos. Já houve algumas conversas entre os
municípios para a criação de um consórcio intermunicipal, no qual a Prefeitura de Curitiba
poderia ficar encarregada de fazer algumas benfeitorias, como a construção de escolas. Mas as
negociações não avançaram. "Daqui a cinco anos não teremos mais espaço para loteamentos
destinados à população de baixa renda", prevê Rebelo.(“Curitiba não tem espaço para lotes
populares”-Elizângela Woniski /Paraná On-Line / 26.10.2004 ) “
Trata-se, portanto, de tema relevante, que merece muita atenção - e renovados debates - no meio profissional,
haja vista a superlativa exaltação ("marketing") que se fez ( e ainda se faz ) das pesquisas, experiências e
realizações ( muitas delas, excelentes e inegavelmente brilhantes ) ocorridas, em Curitiba, nos últimos 35 anos.
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