Experiência da doença e performance: uma análise preliminar sobre o uso do paradigma de
performance nos estudos das curas espirituais1.
Waleska de Araújo Aureliano2
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Resumo: A proposta deste trabalho é pensar o conceito de performance e sua relação com os processos de
saúde e doença na análise do Centro de Apoio ao Paciente com Câncer (CAPC), instituição Espírita
Kardecista localizada em Florianópolis (SC) que presta um serviço de atenção à saúde através da
aplicação de terapias alternativas e de cirurgias espirituais. No CAPC trabalham biomédicos, terapeutas
alternativos e médiuns. Proponho pensar as cirurgias espirituais enquanto performances, pois entendo que
esta prática possui elementos de dramaticidade que colocam a experiência do paciente em relevo,
suspendem seu cotidiano constituindo-se em momentos onde o doente voltar-se para a sua experiência
com a enfermidade e reflete sobre seu processo de cura; são até certo ponto experiências multisensoriais
cujo objetivo é uma transformação fenomenológica no nível mais profundo do corpo; está situada num
contexto e é temporária (Langdon, 2007). Além disso, nas práticas do CAPC estão relacionados elementos
estéticos tanto religioso-espirituais quanto médicos-científicos que conferem a este espaço um caráter
integrador de domínios simbólicos aparentemente antagônicos quando tomados nos contextos específicos
da religião ou da biomedicina, mas que ao unirem-se neste espaço conferem às suas práticas o caráter
totalizante de uma experiência que para os sujeitos não pode ser dividida em corpo e alma, mas está
presente no todo da existência da pessoa na sua relação com o evento do adoecimento.
Palavras-chave: Performance; cirurgias espirituais; câncer.
1
Trabalho apresentado na 26ª. Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 01 e 04 de junho, Porto
Seguro, Bahia, Brasil.
2
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina
(PPGAS/UFSC), mestre em Sociologia pelo Programa de Pós Graduação em Sociologia da Universidade Federal da
Paraíba/Universidade Federal de Campina Grande (PPGS/UFPB-UFCG), pesquisadora do NUR – Núcleo de Estudos
de Modos de Subjetivação e Movimentos Contemporâneos da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail:
[email protected]
Introdução
O Centro de Apoio ao Paciente com Câncer (CAPC) foi fundado em março de 1998 e está
localizado no bairro do Ribeirão da Ilha, em Florianópolis. Vinculado ao Núcleo Espírita Nosso
Lar (NENL)3, sediado na cidade de São José, o CAPC atende em média 100 pacientes por
semana. Uma parte destes pacientes fica internada num regime denominado hospital-dia onde
recebem as terapias/tratamentos ao longo do dia, retornando para casa à noite. Apenas nas sextasfeiras esses pacientes dormem no Centro para serem submetidos à cirurgia espiritual4. Todo
atendimento feito no CAPC é gratuito e o Centro é mantido através de doações, mensalidade de
sócios efetivos, subvenções e trabalho voluntário. Os tratamentos oferecidos no CAPC
constituem-se de uma série de aplicações de terapias alternativas, na realização dos grupos
vivencias e nas cirurgias espirituais5.
Tanto o NENL quanto o CAPC oferecem tratamentos espirituais para a saúde, no entanto,
é para o CAPC que seguem os doentes com patologias degenerativas, principalmente o câncer, e
no NENL os atendimentos são direcionados ao tratamento das chamadas “doenças da alma”
(depressão, ansiedade, etc). O CAPC possui uma estrutura física e uma dinâmica interna com
várias semelhanças aos ambientes médico-hospitalares convencionais ao mesmo tempo em que
possui sinais facilmente identificáveis da sua prática médica alternativa/espiritual. O ambiente
físico da instituição é semelhante a um hospital e ele foi todo estruturado atendendo as normas e
“exigências da Organização Mundial de Saúde, do Ministério da Saúde e de qualquer órgão de
inspeção médica ou de saúde pública” (Finger, 2004). As pessoas que ali trabalham vestem-se
como profissionais de saúde (roupas brancas, jaleco, máscaras e toca) e o ambiente está dividido
em sala de espera e enfermarias, com 37 leitos, farmácia, equipe de enfermagem, psicólogos,
3
Para ser atendido no CAPC, o paciente precisa passar antes pelo NENL para ter seu caso analisado e ser
encaminhado para tratamento. A história da criação do NENL está fortemente permeada pelas questões envolvendo
saúde e espiritualidade. Seu fundador é o senhor José Álvaro Farias, que com 14 anos de idade passou a receber
mensagens do espírito Savas, oftalmologista que, quando encarnado, teria trabalhado na cidade de Florianópolis e
que, por motivos particulares, teve que abandonar o Brasil, indo para Cuba, aonde veio a falecer. Savas é o mentor
espiritual do NENL e do CAPC e juntamente com os espíritos Yura e Gabriel formam o eixo espiritual sobre o qual
está constituída a filosofia e a prática das duas casas. Yura teria vivido a sua última encarnação no Tibet, na antiga
Indochina e parte do sudeste asiático, há mais ou menos 800 anos. É considerado o espírito responsável pelos
trabalhos e aplicações à distância, destinados às pessoas que não podem se locomover até às duas casas para
eventuais tratamentos. Gabriel teria sido um padre franciscano em sua última encarnação, e dedica-se aos trabalhos
de esclarecimento e de conscientização, tanto dos trabalhadores das casas como dos inúmeros pacientes que a elas
recorrem (www.nenossolar.com.br).
4
Os demais atendimentos são oferecidos ao que eles denominam pacientes externos: pessoas com outros tipos de
enfermidade que não seja o câncer, que passam pelas cirurgias espirituais realizadas nas tardes de quinta-feira.
5
Algumas das terapias alternativas realizadas no CAPC são: massagem terapêutica, cromoterapia, reflexologia,
Reiki, Florais de Bach, geoterapia, fluidoterapia, crioterapia e programação neurolingüística. Os grupos vivenciais
desenvolvem terapias de grupo e são formados por pacientes e/ou ex-pacientes do CAPC.
2
médicos e terapeutas. O Centro possui ainda um auditório com capacidade para 100 pessoas,
cozinha e refeitório para os pacientes.
Silveira (2000: 4) em sua pesquisa aponta o CAPC como uma instituição que faz parte do
sistema médico local de tratamento para o câncer em Florianópolis, porém afirma que o Centro
não seria “parte do sistema oficial de saúde”, estando dentro do setor popular de atendimento à
saúde, considerando o sistema proposto por Kleinman (1973)6. No entanto, o CAPC ocupa um
lugar nitidamente distinto dentro do que podemos chamar de setor popular, pois ele está
autorizado em certas práticas que nos levam a considerá-lo como uma instituição senão oficial de
saúde, mas legitimada de maneira mais ampla no seu exercício médico-terapêutico. Uma destas
práticas, por exemplo, é a emissão de atestados de comparecimento aos tratamentos e às cirurgias
espirituais para comprovar ausências no trabalho ou na escola emitidos, inclusive, para os
acompanhantes dos pacientes em tratamento7.
Em minha primeira visita ao CAPC, fiquei bastante impressionada com o aparato
simbólico altamente relacionado à prática biomédica naquela instituição. Sendo um centro de
tratamento para pacientes com câncer e outras doenças degenerativas vinculado a um núcleo
Espírita Kardecista, esperava ver ali práticas mais ligadas ao universo religioso em contraposição
ao modelo biomédico alopático. Contudo, embora o elemento religioso esteja permeando
fortemente os serviços de atenção à saúde ali desenvolvidos, uma forte conexão com os
pressupostos biomédicos e científicos pode ser claramente observada na forma como o Centro
esta organizado, na sua disposição física (divisão em enfermaria, farmácia, sala de cirurgia e sala
de espera), no modo de vestir dos terapeutas e médiuns da casa (roupa branca, jaleco, máscaras e
touca), na hierarquização das funções (médiuns operadores, médiuns doadores, instrumentadores
cirúrgicos, auxiliares técnicos, leitor/a de prontuários, etc.) e na forma como as cirurgias
espirituais são realizadas (em macas, com uso de iodo, gases, falsos bisturis, curativos, emissão
de atestados e orientações pós-cirúrgicas).
A união de elementos simbólicos religiosos e biomédicos neste espaço, a dramaticidade e
o caráter comunicativo das práticas ali realizadas, pautadas no empoderamento e na reflexão do
sujeito sobre os processos de saúde-doença (Maluf, 2005), me fizeram pensar o uso do conceito
6
Kleinman (1973) divide os sistemas de cuidados da saúde em três setores: popular, folk e professional. Jean
Langdon traduz esses três termos como familiar, popular e profissional, respectivamente, sendo o primeiro composto
principalmente pela família e a comunidade onde está inserido o doente, o setor popular seria formado pelos
especialistas na área de saúde que não são profissionais e o setor profissional seria constituído pela biomedicina e
pelas tradições de cura e medicinas “nativas” que são profissionalizadas (1973: 87).
7
Em uma das minhas visitas ao Centro presenciei a solicitação de alguns destes atestados de comparecimento que
são assinados por médicos que trabalham no Centro.
3
de performance para analisar este campo, porém, não sem hesitação já que a minha pesquisa está
em fase inicial bem como meu aprofundamento nos estudos teóricos sobre a relação entre
performance e saúde. Assim, devo ressaltar que este texto longe de apresentar qualquer conclusão
ou elucidação sobre o uso de performance na análise das práticas de cura do CAPC, servirá antes
como meio de levantar questões sobre o campo e pensar as possíveis abordagens teóricas para
pesquisa. Desta forma, minha intenção neste trabalho é pensar o conceito de performance e sua
relação com os processos de saúde e doença na análise dos tratamentos espirituais do CAPC,
tomando ainda como base os conceitos de experiência e narrativa abordados nas análises
antropológicas contemporâneas que vêm centrando o foco de suas investigações nas questões
envolvendo a práxis e a agência dos sujeitos no seu engajamento com o mundo.
Do ritual a performance: a mudança de foco na observação das ações humanas
Em Culture and Truth, Renato Rosaldo (1989), faz uma crítica ao que chama de modelos
clássicos da análise antropológica, pautados na idéia de padrões culturais únicos e homogêneos.
Para o autor, as normas desenvolvidas dentro daquilo comumente classificado de período clássico
da antropologia (1921-1971) trazem serias limitações para se pensar as sociedades e os grupos
humanos na sua relação e interação, pois partem do pressuposto que existem modelos e padrões
socioculturais rígidos compartilhados pelos indivíduos. Ao definir cultura como um conjunto de
significados compartilhados, as normas clássicas de análise antropológica tornariam difícil o
estudo de zonas de diferença dentro e entre culturas bem como obscureceria os eventos
caracterizados por conflitos, inconsistências e contradições presentes nas relações e ações
humanas (1989: 28). Segundo Rosaldo, começa a haver uma erosão destas normas clássicas, e
uma conseqüente mudança na caracterização da cultura como algo normativo e coercitivo, a
partir dos anos 1960 quando a disciplina se vê em “crise” com seu objeto clássico, os povos
tradicionais, que passam a ser considerados como em “processo de extinção”, e a rejeição a
presença dos antropólogos após os processos de descolonização. Neste novo contexto sóciohistórico, a antropologia começou não só a voltar-se para análise da sua própria sociedade, o
Ocidente, como necessitou atualizar seu olhar sobre os processos que constituem os mundos
humanos. Isso levou a disciplina a rever seus procedimentos de pesquisa e seus conceitos
analíticos bem como a produção da escrita etnográfica. Este processo se intensifica nos anos 1980
e agora a preocupação não mais recai sobre a formulação de leis sociais gerais, sistemas de
manutenção e teorias de equilíbrio, mas o foco muda para a percepção da ação dos sujeitos nas
4
interações sociais e suas intencionalidades, vendo os mundos humanos como construídos através
de processos políticos e históricos e não como fatos brutos da natureza (idem:36-39). A proposta
de Rosaldo é pensar a etnografia como um meio de análise social, e a cultura deve ser vista como
heterogênea, um espaço de possibilidades e não um lugar de escolhas pré-determinadas (p.21).
Sherry Ortner (1994) chega a comparar essa mudança de olhar e foco da antropologia ao
conceito de liminaridade. Para a autora, a atual falta de unicidade dos conceitos dentro da teoria
antropológica contemporânea seria, na verdade, um estágio de liminaridade enfrentada pela
disciplina que estaria se abrindo para uma nova ordem. Esta nova ordem estaria orientada para
prática (ou a práxis ou ação) classificada por Ortner como o novo símbolo chave (new key
simbol) da orientação teórica que vem emergindo dentro da antropologia nas últimas décadas do
século XX (1994: 372). Ortner aponta para dois conjuntos de termos analíticos e interrelacionados que representam as orientações destas novas tendências. O primeiro trata da prática:
práxis, ação, interação, atividade, experiência e performance. O segundo conjunto de termos está
relacionado aquele que realiza estas ações: agente, ator, pessoa, self, indivíduo e sujeito (ibid:
388). Deste modo, a moderna teoria da prática estaria buscando explicar as relações entre os seres
humanos na ação, analisando as interações e os processos que as constituem, não colocando a
ação humana de um lado e alguma entidade global que podemos chamar de "sistema" do outro. O
estudo da prática seria antes de tudo o estudo de todas as formas de ação humanas, mas de um
ângulo - político - particular (p. 392-3). A antropologia passa a lidar com um mundo
"caracterizado pelo imprevisto ou indeterminado, a heterogeneidade, a polifonia de vozes, as
relações de poder, a subjetividade e a transformação contínua. Estas características não são
limitadas às sociedades complexas, mas fazem parte de toda a interação social, inclusive nas
sociedades ágrafas” (Langdon, 2007: 7).
É dentro deste novo cenário de preocupações teórico-metodológicas centradas no sujeito
consciente e agente de sua cultura, pensando esta última sempre como algo emergente e não
como uma estrutura fixa, que surgem os estudos de performance e as discussões sobre a análise
da experiência e da narrativa enquanto formas de compreensão da ação humana. Irei tomar aqui
especialmente as análises de Jean Langdon (1996; 2007) sobre o campo dos estudos de
performance, considerando o vasto conteúdo teórico que já foi desenvolvido para falar deste
conceito e focar na sua relação com o campo da antropologia da saúde.
Segundo Langdon (1996), o conceito de performance na antropologia “emergiu das
preocupações com o papel do símbolo na vida humana e a construção de um conceito de cultura
conseqüente desta visão simbólica” (p. 2). O papel do símbolo na ação humana é primeiramente
5
analisado dentro da antropologia através da observação dos rituais. Um dos principais autores que
analisaram o rito enquanto elemento transformador da ação e da experiência humanas foi Victor
Turner. Diferente de outros autores, Turner não apresenta o ritual como um elemento que
demonstra a unidade, coesão ou uma pretensa existência harmoniosa nas sociedades tribais, mas
antes como um elemento do processo social que traz à tona as tensões das relações sociais para
resolvê-las pelo retorno à ordem ou pelo reconhecimento da ruptura. Estes momentos de conflito,
denominados por Turner de “drama social”, tem lugar nas fases “a-harmônicas” do processo
social, quando os interesses e atitudes de grupos ou indivíduos estão em oposição e fazem parte
da dinâmica social das relações. O ritual seria uma forma de tratar os dramas sociais, permitindo
que as situações de mudança suscitadas pelo conflito social sejam legitimadas e reconhecidas (a
ruptura entre grupos e/ou indivíduos) como também possibilitar a continuidade e permanência
das formas estruturais da sociedade em questão (Turner, 1974). Posteriormente, Turner iria dirigir
sua atenção para pensar o drama social através do conceito de performance o que lhe permitiria
analisar mais profundamente a força da experiência para os sujeitos, pois a performance seria a
expressão da experiência que permite ao ator momentos de reflexividade. Para Langdon:
O que difere os estudos de performance dos estudos clássicos do rito não são os eventos a ser
analisados, mas uma alteração no direcionamento do olhar. Enquanto as análises mais clássicas
do rito resultaram principalmente em interpretações do conteúdo semântico dos símbolos, as de
performance chamam atenção para o temporário, o emergente, a poética, a negociação de
expectativas e a sensação de estranhamento do cotidiano (2007: 4).
Langdon ressalta a diversidade do conceito de performance enquanto paradigma analítico
o que tem levado a questionamentos dentro da antropologia quanto ao seu valor conceitual, pois o
termo tem sido usado em um campo interdisciplinar com conotações variadas, dependendo de
como cada pesquisador o emprega. De modo que, não haveria um paradigma de performance,
mas vários, o que tem levado alguns pesquisadores a considerar performance como um “conceito
guarda-chuva” onde caberia tudo. Langdon se opõe a esta crítica e apresenta alguns elementos
que seriam característicos dos atos performáticos, embora reconheça que a “fronteira entre
performance e outros gêneros de eventos não é sempre clara” (2007: 4). Para ela, a performance
envolve um evento que coloca a experiência em relevo, há um estranhamento do cotidiano. Este
evento está situado num contexto particular, construído pelos participantes. Há papéis e maneiras
de falar e agir na expressão da performance que é antes de tudo um ato comunicativo, porém, há
6
uma função poética na fala que distingue a performance de outros atos de comunicação, pois na
performance o que se ressalta é o modo de expressar a mensagem e não seu conteúdo (1996: 6).
Langdon apresenta então cinco qualidades inter-relacionadas que seriam compartilhadas pelas
abordagens de performance, formando um eixo para os diversos usos do termo:
1. Experiência em relevo: Performance trata de experiência ressaltada, pública, momentânea e
espontânea. A performance é um tipo de evento situado, em que o foco está na expressão estética
e não no sentido literal.
2. Participação Expectativa: Esta qualidade trata da participação plena de todos presentes no
evento para criar a experiência.
3. Experiência Multisensorial: Indo além dos limites da analise semântica do rito, a experiência
de performance se localiza na sinestesia, ou seja, na experiência simultânea dos vários receptores
sensoriais recebendo os ritmos, as luzes, os cheiros, a música, os tambores e o movimento
corporal.
4. Engajamento corporal, sensorial e emocional: Como é característico na antropológica
contemporânea, tanto quanto em outros campos intelectuais atuais, o paradigma do corpo e
“embodiment” também faz parte das análises de performance, como demonstram particularmente
bem as pesquisas sobre a eficácia terapêutica da performance.
5. Significado emergente: O modo de expressar se localiza no centro de performance, não só no
significado semântico ou referencial, como é o caso das análises da antropologia simbólica
clássica. Como conseqüência, o conceito de performance implica na experiência imediata,
emergente e estética.(Langdon, 2007: 11).
Tomando por base as características acima, e particularmente os itens 3 e 4, proponho
aqui a utilização do termo performance para pensar os processos de cura observados no CAPC,
especificamente as cirurgias espirituais, enquanto atos performáticos que colocam a experiência
do adoecimento em relevo e proporcionam a reflexividade dos atores sociais sobre sua condição
tanto através das terapias e cirurgias espirituais, quanto através da retórica apresentada pelo
Centro que está pautada no empoderamento do sujeito nos processos de cura.
7
Experiência da doença e performance: a comunicação e a expressão dos estados de aflição e
sofrimento.
Como todo acontecimento da vida humana, a doença e a saúde também necessitam de
sentido e significado. Estar doente/ser doente ou estar saudável/ter saúde são mais do que estados
biológicos, constituindo-se em estados da percepção individual e coletiva do corpo desenvolvidos
culturalmente como forma de explicar e decodificar sensações e dar a elas sentidos que possam
ser compartilhados. A doença vai se tornar inteligível a partir não apenas de um discurso médicocientífico (que por si só já é parte de uma construção social e cultural de um campo de saber
instituído), mas também pela forma como ela está culturalmente apreendida numa dada sociedade
e pela maneira como a pessoa doente experimenta o processo de adoecimento.
Turner (2005), ao discutir a importância da experiência nos estudos de performance nos
lembra que as experiências são eventos formativos e transformativos que interrompem o
comportamento rotinizado e repetitivo e iniciam-se com choques de dor ou prazer (2005: 179).
Podemos pensar as doenças como estes momentos de quebra do normal, não exatamente todas as
doenças (um resfriado não é um evento sobre o qual fazemos grandes reflexões), mas aquelas que
levam o sujeito a uma ruptura com seu cotidiano e ao desenrolar de novas relações com seu corpo
e seu universo relacional.
A experiência da doença, embora não seja a mesma para cada doente, pode ter seu
conteúdo compartilhado e este compartilhamento é também uma das formas de organizar e dar
sentido a este evento. As doenças crônicas ou degenerativas são experiências que normalmente
despertam nos sujeitos momentos de reflexividade sobre sua condição no mundo. Esse processo
reflexivo muitas vezes exige modos de expressão e comunicação desta experiência. Analisando a
experiência na visão de Dilthey, Turner nos coloca que:
A experiência incita a expressão, ou a comunicação, com os outros. Somos seres sociais e
queremos dizer o que aprendemos com a experiência. As artes dependem desse ímpeto para
confessar e declamar. Os significados obtidos às duras penas devem ser ditos, pintados, dançados,
dramatizados, enfim, colocados em circulação (Turner, 2005: 180).
No entanto, penso que a necessidade de expressão colocada por Turner na sua análise de
Dilthey não diz respeito apenas às expressões artísticas, mas a vários outros eventos que se
constituem em “uma experiência” e não em “mera experiência” (Turner, 2005) para os sujeitos e,
8
neste caso, penso que os eventos que envolvem o adoecimento estão entre estas experiências que
necessitam de modos de expressão e comunicação que façam circular os significados. Vejo como
um dos modos desta expressão os grupos de ajuda mútua, comuns entre pacientes crônicos. Estes
grupos passam a constituir espaços privilegiados para o compartilhamento da experiência da
doença, sobretudo através da narrativa, que permite aos doentes elaborar o evento da doença,
dando-lhe coerência e sentido e, ao mesmo tempo, se reconhecer ou não na narrativa do outro,
despertando uma consciência de si a partir deste compartilhamento:
What is shared, however, is not the experience of the other in its full existential immediacy.
Rather, the sharing takes place at another level, at a degree removed from any immediate
individual experience. The various concepts, constructs, and typifications, that are engaged in the
action of sharing experience are about experience, integral to its comprehension and
understanding rather than to the experience itself (Kapferer, 1986: 190).
Nestes grupos, observamos momentos de estranhamento da realidade cotidiana posta na
fala dos envolvidos ao contar sua história, aliada ao uso expressivo da voz, de gestos e da postura
corporal que podem levar a expressão de emoções (choro, indignação, jocosidade) durante o
relato, bem como a presença de uma platéia que se vê ligada ao narrador pelo contexto do
encontro e a similaridade da experiência. Todo este cenário, me faz pensar a dinâmica destes
grupos enquanto uma performance, já que coloca a experiência dos sujeitos em relevo e
proporciona, através da expressão narrativa, um modo de organização e comunicação do evento
da doença que de certa forma impele à ação, pois ao narrar o doente constrói uma imagem de si e
de sua condição que precisa ser correspondida na prática. Para Rabelo, “narrando eventos
vividos, os indivíduos criam um campo para a ação coletiva: os eventos tal qual narrados
postulam certas identidades e impelem os atores participantes da situação da fala a tomar
posições condizentes com o estado de coisas apresentado” (1999:78).
Langdon (2001) cita o conceito de emplotment de Mattingly através do qual esta autora
argumenta que "as narrativas sobre doenças têm um papel na relação com a experiência vivida
que vai além de um relato a posteriori dos fatos ou um guia cultural para interpretá-los. (...) há
uma relação entre a narração de histórias e a tomada de decisões práticas" (Langdon, 2001: 257).
Esta relação seria o emplotment, traduzido por Langdon como "a construção do enredo" que nos
permitiria ver a homologia entre as estruturas da narrativa e da ação. Desta forma, a "narrativa
estrutura e é estruturada pela experiência" (idem: 251), não sendo um texto fechado, mas sim
9
aberto para ação. Isto estava bastante presente nos grupos de mulheres mastectomizadas que
pesquisei durante o mestrado (Aureliano, 2006), onde a narrativa impelia a uma ação (geralmente
de resistência, "luta", determinação ou resignação) com relação à experiência do câncer de mama
e pode ser observada no meu atual contexto de pesquisa que de certa forma exige dos sujeitos a
transformação de suas ações já que, na retórica apresentada no CAPC, a cura "só depende do
doente, da sua maneira de se colocar no mundo e de suas ações".
De modo que, podemos observar como a experiência da doença, enquanto uma
experiência, necessita de espaço para seu compartilhamento e sua expressão, que pode se realizar
através da narrativa como também de outros elementos como os encontros médicos ou os rituais
de cura. Carol Laderman e Marina Roseman observam na introdução de The Performance of
Healing o caráter dramático dos encontros médicos e alertam para o aspecto teatral da relação
médico-paciente pensado estes momentos de interação enquanto performances. Com base no que
já foi dito acima sobre performance, as autoras reiteram a idéia do ato performativo como um ato
de expressão e comunicação da experiência chamando atenção para o fato de que "performative
aspect of performance, the extent to which it does not merely refer to or talk about but does
something in the world, is fundamental to our comprehension of transformatives movements from
illness to health, from initiate to ritual practitioners, from past to presente" (idem: 3). O foco
destes movimentos transformativos nos estudos de performance e cura está posto, segundo as
autoras, nos aspectos relacionados ao corpo, aos sentimentos e às sensações e a questão sempre
levantada sobre a eficácia das performances de cura (especificamente os rituais xamânicos ou as
terapias alternativas) é re-situada em relação às questões que tratam do embodiment, da
imaginação e da experiência.
Gustavo Pacheco (2004) também parte do pressuposto de que "todo ritual de cura - seja
uma cirurgia em um moderno hospital, seja uma consulta com uma benzedeira, seja um
exorcismo em uma igreja neopentecostal - envolve aspectos expressivos, dramáticos e estéticos"
(p.25) que os caracterizam enquanto performances de dimensão médico-terapêutica. Entre estes
aspectos dramáticos e estéticos podemos pensar tanto o uso da música num ritual xamânico
quanto os odores de um hospital ou até mesmo a fala de um médico sobre o status terminal de
uma paciente (Biesele e Davis-Floyd, 1996). Esta dramaticidade acompanha a experiência do
doente e a transforma. Elementos como cores, sons, cheiros, atos, falas e movimentos fazem parte
do cenário onde de desenvolve uma performance de cura e este cenário pode ser um quarto de
hospital ou um terreiro de umbanda, os atores podem ser biomédicos ou xamãs, e a platéia pode
ser tanto de seres visíveis como invisíveis, pois como coloca Kapferer "performance always
10
intends an audience, and in ritual this might include supernatural as well as those from the
mundane world" (1986: 192).
A partir da perspectiva colocada por Laderman, Roseman e Pacheco, proponho pensar as
cirurgias espirituais e as terapias alternativas realizadas no CAPC enquanto performances, pois
entendo que esta prática possui elementos de dramaticidade que colocam a experiência do
paciente em relevo, suspendem seu cotidiano constituindo-se em momentos onde o doente deve
voltar-se para a sua experiência com a enfermidade e refletir sobre seu processo de cura; são até
certo ponto experiências multisensoriais8 cujo objetivo é uma “transformação fenomenológica no
nível mais profundo do corpo” (Langdon, 2007: 11), que rejeita qualquer separação entre o
racional, o emocional e o corporal; está situada num contexto e é temporária. Além disso, nas
cirurgias e nas terapias do CAPC estão relacionados elementos estéticos tanto religiosoespirituais quanto médico-científicos que conferem a este espaço um caráter ambivalente e
integrador de domínios simbólicos envolvidos na experiência da doença que seriam
aparentemente antagônicos quando tomados nos contextos específicos da religião ou da
biomedicina.
Descrevo abaixo à realização de cirurgias espirituais que observei no CAPC para tornar
mais claro o caráter performático deste evento. Contudo, como já salientei no inicio deste texto,
esta abordagem inicial não tem a pretensão de concluir uma análise, mas tão somente despertar
questionamentos sobre o uso do paradigma da performance para pensar a dinâmica deste espaço.
A cirurgia espiritual. As cirurgias espirituais que pude observar no CAPC eram
destinadas a pacientes com outras doenças que não o câncer. Basicamente eram casos de
problemas de coluna, rins, coração, problemas musculares e ósseos. Antes de iniciar a cirurgia, a
equipe se reuniu em uma sala chamada Sala da Dualidade local que, segundo o sr. Nolasco, um
dos dirigentes do CAPC, seria a “UTI do médium”, o lugar aonde ele ou ela vai para se preparar
para os atendimentos9. Nesta sala, os terapeutas e médiuns receberam passes10 e a designação de
suas funções durante a cirurgia. Foram formadas duas equipes: instrumentador cirúrgico(2),
médiuns operadores(2), médiuns doadores(6), fitoterapeuta(2), leitores dos prontuários(2),
8
Algumas das terapias mais comuns envolvem a utilização de luzes cromáticas (cromoterapia), aromas
(aromoterapia), música (musicoterapia) e outros elementos que despertam no doente a percepção sensorial com
objetivo de alterações físicas e psíquicas. Embora as terapias sejam aplicadas uma de cada vez, o paciente no CAPC
deve passar por todas elas ou várias delas no mesmo dia.
9
A sala está repleta de símbolos indígenas, principalmente relacionados à cultura Inca, com quadros de Machu
Pichu, cocares, maracás, arcos e flechas. Nas duas casas, NENL e CAPC, a segurança espiritual é feita por índios que
eles reconhecem como sendo da nação Charrua que teriam habitado o Uruguai e parte do Brasil.
10
Transmissão de energia através da imposição das mãos praticada comumente no Espiritismo Kardecista.
11
organização dos pacientes(4) e atendimento pós-cirúrgico(2)11. A sala de cirurgia é semelhante à
de um hospital, há três macas dispostas em U e canhões de uma luz amarela forte estão voltados
para elas. Nas paredes há vários quadros de anatomia humana, de várias partes do corpo. A
cirurgia inicia-se com a entrada de um paciente e a leitura de seu prontuário que consiste em dizer
o nome do paciente e o seu diagnóstico. A instrumentadora12 coloca seu carrinho junto ao leito e
passa para a médium operadora uma palheta com algodão embebido em iodo que é usado para
marcar o local da cirurgia. Logo em seguida, a instrumentadora entrega o “bisturi” (um pedaço de
metal com ponta roliça) para a médium operadora que o pressiona sobre a marca de iodo como se
estivesse efetuando um corte e com uma gaze ela vai “secando o sangue”. Depois coloca novas
gazes sobre o que seria a abertura, espera alguns poucos segundos e diz “Desmaterialização” ao
que a instrumentadora vai retirando as gazes. Logo em seguida, a médium operadora diz
“Fitoterapia” e outra médium imposta as mãos sobre o “corte”, fazendo diferentes inflexões
dependendo do caso. Depois disso, a médium operadora faz movimentos vibratórios com as mãos
sobre o local da cirurgia (sem tocar o paciente), “tomando energia” de um(a) outro(a) médium
que está a sua frente, do outro lado do leito. São cinco pessoas em torno do paciente, dispostos da
seguinte maneira: médium operador sempre por dentro do U, três médiuns doadores, um fica em
frente ao médium operador, outro nos pés do paciente e outro na cabeça, e o médium que aplica a
fitoterapia. Depois dessa “troca energética”, a instrumentadora passa gaze branca para a médium
operadora e o “bisturi” e ela faz sobre a marca de iodo um movimento de costura, “fechando o
corte” com um esparadrapo e logo depois diz “Mão direita sobre o paciente” e todos colocam a
mão direita sobre o paciente (os cinco: médium operador, fitoterapeuta, e os três médiuns
doadores), estendem a mão esquerda com palma para cima e rezam todos o Pai-Nosso. Por fim, a
médium operadora diz “em nome de Deus e Jesus esta(e) irmã(o) está operada(o), que Deus seja
por ela(e) agora e para sempre”. Saem imediatamente do leito e vão para o próximo, onde tudo
se repete após leitura do prontuário. O paciente é então conduzido à sala de pós-operatório por
outro membro da equipe. Lá estão duas biomédicas que perguntam como o paciente está se
sentido, observam seu o prontuário e informam ao paciente se ele tem retorno previsto ou não. As
médicas perguntam se a pessoa lembra das orientações que ouviu na palestra antes da cirurgia e
11
O número entre parênteses corresponde ao número de pessoas em cada função, sendo que cada equipe tinha um
instrumentador, um médium operador, três médiuns doadores, um leitor de prontuário, duas pessoas na organização
dos pacientes e um fitoterapeuta. A equipe do pós-cirúrgico era formada por duas médicas que atendiam
conjuntamente.
12
Os termos que se referem à equipe que realizou as cirurgias estão ora no masculino ora no feminino, pois estou
descrevendo a cena tal como observada e considerando que durante minha observação a equipe foi trocada de modo
que houve um instrumentador e uma instrumentadora, uma médium operadora e um médium operador, etc.
12
entregam um papelzinho com as instruções de fazer repouso por 48 horas, só tomar banho e
retirar os curativos após 24 horas e não fazer esforço físico.
Considerações Finais
Durante a realização da cirurgia espiritual, o paciente permanece com um pano branco
sobre os olhos. Isto me fez pensar no modo como a pessoa doente, que busca as terapias de cura
do CAPC, participa da performance de cura voltada para ela. Embora com os olhos cobertos (não
completamente vedados), o paciente experimenta uma série de sensações e interferências sobre
seu corpo tais como os toques e contato com objetos metálicos, sente o cheiro do iodo, como
também ouve as pessoas durante a realização das cirurgias nos leitos vizinhos. Seu contato com o
evento da cirurgia não é centrado na visão, mas na percepção através de outros sentidos e acredito
também que através de recursos imaginativos, pois na preparação para a cirurgia os pacientes
recebem informações sobre o que significa a cirurgia espiritual e como ela atua sobre o corpo
físico através da materialização energética e da interferência dos espíritos. Desta forma, muito
daquilo que o doente vai perceber sobre este “procedimento cirúrgico” envolve elementos
criativos e imaginativos que constituírão sua relação com este processo.
Sob esta perspectiva, penso que o paciente, embora pareça ter um lugar passivo na
cirurgia, é na verdade o principal agente deste processo, pois é aquele que confere sentido à
performance. Penso que o procedimento performático das cirurgias espirituais é um dos
momentos da ação do sujeito no seu processo de cura e, neste sentido, um dos pressupostos do
paradigma da performance nos lembra que o foco da observação deve estar justamente na
agência do sujeito e na sua relação com o ato performativo. Pacheco, fazendo referência a
Csordas, lembra que:
Considerando que a eficácia dos rituais de cura está diretamente relacionada ao modo como a
pessoa que está sendo tratada participa e é envolvida no processo terapêutico, é possível então
lançar um olhar mais atento sobre a fenomenologia do curar e ser curado: neste sentido, as
abordagens performativas, voltadas para a experiência de cura, vêm opor-se a maioria dos relatos
antropológicos tradicionais de rituais de cura, que prestavam mais atenção àquilo que é feito aos
participantes do que àquilo que os rituais de fato significam para eles. (Pacheco, 2004: 26).
13
Assim, é o doente que negocia os sentidos para a performance de cura, estabelecendo com
ela as relações pertinentes a sua experiência com a doença. Deve-se ter em mente também o fato
de que, no campo que aqui apresentamos, observamos a circulação de várias representações,
práticas, ações e discursos envolvendo saúde, doença, corpo e religião, e pessoas de diferentes
classes sociais, formações profissionais, filiações religiosas, estados de aflição e sofrimento,
enfim atores que transitam em diversas arenas sócio-culturais e que estão ali compartilhando o
mesmo evento, mas de lugares diferentes e com percepções distintas. Este fato nos remete ao
caráter polifônico do paradigma da performance e a questão da práxis que ela envolve, que no
caso da saúde está centrada na idéia do empoderamento constante do sujeito sobre o processo de
cura. Um dos pacientes que conheci em uma das minhas visitas ao CAPC colocou que:
Muita gente pergunta se eu estou curado e eu fiquei pensando esses dias o que é cura, o que
significa estar curado para mim, então eu pensei assim que cura é um processo que tem início,
meio, mas não tem fim porque você tem que estar sempre vigiando, sempre atento pra não repetir
aquelas coisas que você fazia antes na sua vida ‘normal’ que te deixaram doente e que podem te
deixar doente de novo, então cura pra mim é um processo que não tem fim. (ex-paciente,
voluntário do CAPC).
A cura para este paciente está na ação e a participação em uma performance como as
cirurgias espirituais é parte deste movimento de agência que organiza a experiência e lhe confere
significados. Os significados não são os mesmos para todos, mas o que verdadeiramente importa
para nossa análise é saber como esta experiência é acionada no enfrentamento da doença e na
transformação (e formação) do seu significado para aquele que está sofrendo.
Por fim, devemos pensar também o caráter paradigmático que envolve a performance de
cura no CAPC na sua manifestação estética altamente vinculada aos símbolos biomédicos. As
representações retiradas dos espaços biomédicos conferem uma determinada legitimidade a este
espaço de cura que na cidade de Florianópolis é considerado uma instituição de utilidade pública.
Devemos pensar a questão emblemática envolvida nesta relação entre biomedicina e
espiritualidade dentro do desenvolvimento do Espiritismo Kardecista e suas práticas terapêuticas
que não são recentes13. A proposta não é delimitar o que é biomédico ou o que é espiritual, mas
13
Cf. GIUMBELLI, Emerson. 1997. O cuidado dos mortos: uma história da condenação e legitimação do
Espiritismo. Ministério da Justiça, Arquivo Nacional: Rio de Janeiro.
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observar com estes dois domínios simbólicos se coadunam e se complementam na performance
de cura, pois concordo com Pacheco quando diz que ao estabelecermos taxonomias rígidas sobre
os agentes terapêuticos corremos o risco de obscurecer o diálogo e a circulação constante entre
eles, reificando categorias cuja autonomia nem sempre é reconhecida por seus praticantes e
clientes (2004: 153). Assim, considerando que minha observação está em fase inicial, vejo no
CAPC a intenção de promover um fluxo na relação entre biomedicina e espiritualidade que ao
unirem-se neste espaço conferem às suas práticas o caráter totalizante de uma experiência que
para os sujeitos não pode ser dividida em corpo e alma, mas está presente no todo da existência
da pessoa na sua relação com o evento do adoecimento.
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