Anais do XVI Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas 27 e 28 de setembro de 2011 ISSN 1982-0178 Inversão Crítica: noção de valor Luis Felipe Marinho Leite Benedetti Vânia Dutra de Azeredo Faculdade de Filosofia Centro de Ciências Humanas [email protected] Filosofia Cultura e Sociedade Centro de Ciências Humanas [email protected] Resumo: A crítica de Nietzsche dirigida à filosofia de Kant, especialmente no que tange a uma crítica da razão, considera que nunca houve um questionamento quanto ao valor dos valores morais. Nietzsche, através do método genealógico, realiza a crítica no campo da análise etimológica dos termos e diferentemente de Kant - não obstante de outros filósofos - busca a sua origem, pois, entende o elemento crítico como aquele que busca as condições de criação das avaliações morais, levando o questionamento a respeito dos valores a uma análise assídua e severa. Palavras-chave: Crítica, Moral, Valor. Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Filosofia – PIBIC INTRODUÇÃO Este trabalho trata de proceder a uma análise da concepção nietzschiana da noção de valor. É a partir da introdução de tal noção que Nietzsche propõe sua filosofia crítica. Ora, na ótica nietzschiana só é possível proceder numa analise crítica utilizando-se do método genealógico, pois, é através deste que Nietzsche busca nas diversas línguas a origem dos valores morais mostrando, assim, como os filósofos que o antecederam não realizaram a critica, pois, tomavam os valores como dados, sem nunca se questionar pelo valor dos valores. Das principais características da filosofia nietzschiana destacamos a voracidade e exatidão com que ele ataca e critica a filosofia tradicional, no que diz respeito ao verdadeiro conhecimento, a verdadeira moral e a verdadeira religião. Acima de tudo, procede a uma crítica ao homem moderno e à sua idéia de cultura. O presente trabalho é uma analise da crítica nietzschiana que está presente na obra Para a genealogia da moral, considerada a mais dura critica à moral cristã, ou seja, a tradição. Já no prólogo ele esclarece o projeto genealógico; sua inquietação com relação à moral vigente e à idéia de que a mesma sempre existiu na sua vida desde que era um garoto: “De fato, já quando era um garoto de 13 anos, me perseguia o problema da origem do bem e do mal: a ele dediquei, numa idade em que se tem „o coração divido entre brinquedos e Deus‟, minha primeira brincadeira literária, meu primeiro exercício filosófico – quanto à solução que encontrei então, bem, rendi homenagem a Deus, como é justo, fazendo-o pai do mal. Era isso o que exigia meu „a priori‟ de mim? Aquele novo e imoral, pelo menos imoralista „a priori‟, e o „imperativo categórico‟ que nele falava, tão antikantiano, tão enigmático, ao qual desde então tenho dado atenção, e mais que atenção?”[4] Ainda no prólogo, Nietzsche, faz presente à finalidade com que a presente obra foi escrita: qual é a origem dos nossos preconceitos morais? Nietzsche, diz ter em si um questionamento, uma duvida que esteve presente em toda sua existência. Duvida esta que surgiu muito cedo e que seria a seguinte questão: “de onde se originam verdadeiramente nosso bem e nosso mal”. Quando se questiona o valor da compaixão, quando se tem a capacidade de questionar, abre-se uma perspectiva imensa para o indivíduo perscrutador. Cambaleia a crença na moral. Assim, se faz uma nova exigência, que se pode denominar “inversão crítica”. A inversão crítica é critica dos valores morais, o próprio valor desses valores colocados em questão. Ate então tem se tomado estes valores como dados, como valores em si. Atribui-se ao “bom” valor mais elevado do que ao “mau”, o sentido de utilidade, influência fecunda para o homem. E se a história fosse contraria para esses valores. Por isso deve-se ter um conhecimento das circunstâncias e das condições nas quais nasceram, sob as quais se desenvolveram e se modificaram tais valores. Este, propriamente dito, é o projeto genealógico: “...sob que condições o homem inventou para si os juízos de valor “bom” e “mau”? e que valor tem eles? Obstruíram ou promoveram até agora o crescimento do homem? São indícios de miséria, empobrecimento, degeneração da vida? Ou, ao contrario, revela-se neles a plenitude, a força, a vontade da vida, sua coragem, sua certeza, seu futuro?”[4] No entanto, não seria possível proceder em uma crítica à moral sem antes contrapor a filosofia de Immanuel Kant que constitui a grande filosofia crítica e defensora da moral tradicional. Tema central da filosofia critica de Immanuel Kant a busca por tais ideais - o verdadeiro conhecimento, a verdadeira moral e a verdadeira religião - estruturam sua obra que se faz presente nos três principais textos com nome de critica: Critica da razão pura, Critica da razão prática e Critica da faculdade do juízo. Nietzsche entende que Kant tinha por finalidade, no seu projeto filosófico, atingir uma moral universal. Para tal empreendimento seria necessário, primeiramente, resolver os problemas concernentes ao conhecimento humano. É, então, com a finalidade de obter um conhecimento seguro e perene que Kant inicia seu projeto que consiste em verificar quais os limites e as possibilidades da razão em termos de conhecimento. Tal projeto está contido na obra intitulada Crítica da razão pura. Segundo Kant, o problema central da razão pura está contido na pergunta: como são possíveis os juízos Anais do XVI Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas 27 e 28 de setembro de 2011 ISSN 1982-0178 sintéticos a priori? Sabe-se que no interior da obra o conhecimento a priori é proposto numa dupla espécie que são os juízos analíticos e os juízos sintéticos. Os analíticos são aqueles que expressam um conceito comum a certo objeto, por exemplo, quando digo que todos os corpos são extensos ou que o triângulo tem três lados. Ou seja, o predicado „B‟ está contido no sujeito „A‟. Os sintéticos, ao contrario, é algo diferente daquilo que penso quando concebo um corpo em geral, por exemplo, quando digo: todos os corpos são pesados, ou seja, o predicado „B‟ adiciona alguma coisa ao sujeito „A‟: “Se por exemplo digo: todos os corpos são extensos, então este é um juízo analítico. De fato, não preciso ir além do conceito que ligo ao corpo para encontrar a extensão enquanto conexa com tal conceito, mas apenas desmembrar aquele conceito, quer dizer, tornar-me apenas consciente do múltiplo que sempre penso nele, para encontrar aí esse predicado; é, pois, um juízo analítico. Do contrário, quando digo: todos os corpos são pesados, então o predicado é algo bem diverso daquilo que penso num mero conceito de um corpo em geral. O acréscimo de um tal predicado fornece, portanto, um juízo sintético.”[3] É a partir de tal construção argumentativa que Kant irá preparar um alicerce capaz de suportar o edifício da filosofia prática. Desde que o filosofo inglês David Hume abalou os alicerces da metafísica com a critica as ideias de causa e necessidade e com qualquer possibilidade de idéia de universalidade transcendental, tornou-se difícil formular qualquer projeto quer seja de metafísica ou até mesmo de moral universal. Os juízos sintéticos a priori vêm de certa forma, juntar os cacos deixados por Hume. Se Kant tivesse a idéia de construir uma moral universal não poderia fazê-lo sem antes esclarecer os problemas referentes ao conhecimento. Tanto que a ordem dos interesses de sua razão – tanto o especulativo quanto o prático – se concentra nas três perguntas: “Que posso saber? Que devo fazer? Que me é permitido esperar?”[3] Temos, então, que a finalidade ultima do projeto filosófico kantiano é a moral. Kant diz que a crítica da razão pura vai além de um suposto serviço prestado a moral, porém, a sua tarefa real é a própria moral. “O propósito ultimo para o qual conflui, enfim a especulação da razão em seu uso transcendente concerne a três objetivos: a liberdade da vontade, a imortalidade da alma e a existência de Deus.”[3] Ora, entende-se, então, que Kant não trata de criticar a razão e sim de defendê-la, pois, não questiona o valor da razão tomando-a como algo dado. Primeiramente resolve os problemas concernentes a razão especulativa para finalmente ter paz para trabalhar no seu projeto de filosofia moral. Ora, para Nietzsche a critica e a filosofia são uma unidade, e entende que, embora, Kant tenha ido nessa direção não levou a ideia até o fim. A crítica kantiana é a mais conciliadora que já se viu. É impar a compreensão que Kant faz da critica como devendo ser total, nada lhe deve escapar. Porém, no fim fez uso de uma velha concepção de critica, que postula a critica de todas as pretensões ao conhecimento, à verdade e à moralidade, mas não critica o conhecimento, a verdade e a moralidade. Ora os três ideais kantianos permanecem incriticáveis: o verdadeiro conhecimento (que posso saber?), a verdadeira moral ( que devo fazer?), a verdadeira religião (que me é permitido esperar?). Para Nietzsche a única possibilidade de critica é aquela que adota uma interpretação perspectivista em virtude de não existir, na sua ótica, fenômenos morais, somente interpretações morais dos fenômenos. RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma, Nietzsche, diferentemente dos filósofos que o antecederam realizou a crítica no seu mais alto grau de efetividade. Ao tratar dos valores não oscilou e foi afundo no estudo etimológico dos termos até o ponto de dissecar e desmistificar toda a moral tradicional. Não toma os valores como dados nem como algo útil. Genealogia quer dizer ao mesmo tempo valor da origem e origem dos valores. Ainda é importante esclarecer que a critica se opõe à vingança e ao ressentimento. Como ilustra muito bem Deleuze a critica não é uma re-ação do resentimento e sim um modo de existência ativa. O projeto genealógico destrói com as duas concepções de valor que antecede o projeto Nietzschiano: o que vale em si e o que vale para todos. Isso, devido ao caráter histórico que questiona como foi criado, em que condições e qual o valor do valor. A exclusão do questionamento tira o caráter crítico de um dado projeto. Tanto que ele considera a crítica que o antecede, principalmente a Kantiana, como um empreendimento de defesa do estabelecido e não de indagação. O empreendimento crítico de Kant tem por finalidade transpor limites para a razão, no sentido do que seria possível “conhecer”, ou seja, quais os limites do conhecimento. Para Nietzsche, Kant desde o inicio se furta de tal empreendimento por estabelecer uma verdade. Kant não compreendia que a verdade em si já é uma interpretação, uma avaliação. Nietzsche diz que o projeto Kantiano de crítica jamais se realizou, pois, Kant nunca colocou a questão em termos de valores. Inclusive Kant, desde o inicio não teve intenção de atacar a dogmática dos teólogos, mas ao contrario de defendê-los. Ainda sabe-se que Kant utilizou as criticas para erigir a moral em algo absolutamente seguro. Kant nunca questionou o valor do próprio conhecimento e sim do falso conhecimento e da falsa moral. Em suma, a inversão crítica é o projeto filosófico de Nietzsche de ataque a Kant, e a própria modernidade. De maneira singular ele introduz a noção de valor demonstrando que os valores não são universais e imutáveis, mas, sim avaliações e criações humanas. Deleuze ilustra muito bem essa idéia dizendo que Nietzsche em Para a genealogia da moral, quis reescrever a Critica da razão pura, isto é, quis propriamente mostrar qual é instancia crítica e porque a crítica Kantiana promove uma defesa do criticado. Ainda bem expresso pela autora de Nietzsche e a dissolução da moral, temos: “A critica kantiana apresenta três problemas cruciais que comprometem a sua realização. Primeiramente, não identifica a instancia critica: a vontade de potencia enquanto quem interpreta e avalia. Em segundo lugar não observa o paralogismo, a força separada do que ela pode o caráter primordial da má consciência, antinômica, força que se interioriza, que se volta contra si mesmo. Por ultimo, o ideal ascético como expressão de todas as ficções: ficção do verdadeiro conhecimento, da Anais do XVI Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas 27 e 28 de setembro de 2011 ISSN 1982-0178 verdadeira religião e da verdadeira moral, a mistificação do ideal em que a vontade prefere querer o nada a nada querer.”[1] AGRADECIMENTOS À Dra. Vânia Dutra de Azeredo, por instruir seu grupo de iniciação científica com muito esforço e dedicação. Agradecemos, também ao órgão CNPQ, por ceder a bolsa de estudos para a realização da pesquisa. REFERÊNCIAS [1]AZEREDO, Vânia. Nietzsche e a dissolução da moral. São Paulo: Discurso Editorial & Unijuí, 2000. [2]DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia. Tradução de Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias, Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. [3]KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger, São Paulo: Nova Cultural, 1999. [4]NIETZSCHE, F. Genealogia da moral. Tradução de Paulo César Souza, São Paulo: Brasiliense, 1987.