EMPREGO DA REGRESSÃO BIDIMENSIONAL PARA UMA ANÁLISE DA DISTÂNCIA-TEMPO DE VOO ENTRE AS CAPITAIS BRASILEIRAS PARA SÃO PAULO – UM EXERCÍCIO METODOLÓGICO Marilia Araujo Roggero1 1 Universidade de São Paulo FFLCH - Departamento de Pós-Graduação em Geografia Física [email protected] RESUMO A cartografia transformacional foi amplamente beneficiada pelo emprego da regressão bidimensional, método desenvolvido por Tobler nos anos 1970 e que possibilitou o desenvolvimento de softwares e um novo modo de interpretar o espaço que não privilegie apenas a métrica euclidiana, mas também outras, como no caso do presente exercício, a distância-tempo. Palavras chaves: Cartografia transformacional, Regressão bidimensional, Distância-tempo, Métrica euclidiana. ABSTRACT The transformational cartography was largely benefited by the employment of bidimensional regression method developed by Tobler in the 1970’s that allowed the softwares development and a new way of interpret the space that don’t gives priority just to Euclidian metric, but also others, like this present exercise, the distance-time. Keywords: 1. INTRODUÇÃO A regressão bidimensional é um método desenvolvido por W. Tobler nos anos 1970 e que permite a comparação entre duas superfícies. Essa metodologia comporta a comparação de configurações cartográficas diferentes: (Cauvin et al. 2000) entre mapas de épocas distintas, entre duas superfícies descritas por seus pontos homólogos e somente comparar duas superfícies descritas por esses pontos homólogos, que correspondem ao fenômeno estudado, como também, a posição estimada em cognição espacial. No presente artigo foi feito uso dessa metodologia, por meio dos softwares IsoDistAngle, desenvolvido por Cauvin (2000) e Darcy também por Cauvin (2009) para poder testar a distância-tempo de avião de São Paulo com relação à vinte e seis capitais brasileiras. Esses softwares foram desenvolvidos por Cauvin, C. em parceria com o laboratório LIVE (Laboratoire Image, Ville and environement) da Faculdade de Geografia e planejamento da Universidade de Strasbourg (UNISTRA) e outras instituições francesas. Cauvin, C. em conjunto com outros pesquisadores desse laboratório (Serradj, A. Bonheur, C.) têm desenvolvido diferentes tipos de análises espaciais que utilizam métricas distintas da euclidiana, tais como a distância-tempo, distância-custo, etc. É o espaço relativo, termo muito utilizado por diversos geógrafos, sobretudo após a invenção de meios de transportes rápidos. Ao invés de medir esse espaço em metros ou quilômetros, por que não utilizarmos o tempo de percurso? Assunto interessante e extenso, o objetivo maior deste artigo é explicar passo-a-passo cada etapa de trabalho, para a obtenção da cartografia transformacional por meio da regressão bidimensional, afim de ser um guia para outros colegas possam utilizar essas ferramentas e se aprofundar nesse tema. 2. REGRESSÃO BIDIMENSIONAL Primeiramente, é necessário antes de iniciar o passo-a-passo de utilização dos softwares, uma explicação melhor do que é a regressão bidimensional. Essa etapa é um resumo traduzido do material exposto no guia do software Darcy e do artigo Travaux et recherches – Faciscule 4 – Une méthode générale de comparaison cartographique: la regression bidimensionelle. (Cauvin, 1984) De acordo com esse material, essa metodologia de comparação possui duas etapas fundamentais e com significação geográfica. (Cauvin, 1984) O primeiro princípio básico consiste em duas repartições espaciais: a primeira chamada Z com coordenadas específicas X1, Y1 e uma outra W com vários pontos homólogos determinados pelas coordenadas Ui, Vi. A figura a seguir representa essas duas superfícies de deslocamento: Fig. 1 - Regressão bidimensional. Fonte: Darcy Mode d’emploi, 2009, p 1. http://spatial-modelling.info/Darcy2-module-de-comparaison Conforme dito, a primeira etapa consiste no ajustamento dos pontos escolhidos para a análise. Após esse passo, a segunda etapa nos ajudará entender os resultados obtidos pelos pontos iniciais. A figura a seguir simplifica essa explicação: Fig. 2 - Passos da regressão bidimensional. Fonte: Darcy Mode d’emploi, 2009, p 2. http://spatialmodelling.info/Darcy-2-module-de-comparaison 1.1 Os passos para a análise O primeiro passo trata portanto dos ajustamentos, conforme visto anteriormente. Essa etapa é importante pois minimiza distorções entre a superfície estimada e a observada. Princípio do ajustamento consiste em procurar um link entre W e Z por meio de uma função: Ŵ = f(Z) (1) Nesse caso a projeção de Z em Ŵ, deverá ser próxima da projeção Z em W. O segundo passo é a interpolação. Essa etapa consiste na melhora dos resultados; de modo a entender as medidas da área de estudo; essa etapa permite a distribuição da deformação em todos os pontos da superfície, gerando a cartografia com distorções. Para essa etapa é necessária a verificação de duas hipóteses relativas à área de estudo. - a primeira parte, a função utilizada é contínua e definida em todos os pontos da superfície. A correspondência entre cada ponto deve ser única. Portanto, somente um ponto na imagem observada corresponde à um outro ponto na imagem interpolada e o mesmo ocorre com o inverso. - A segunda parte, podemos atribuir valores nos pontos não observados a partir dos valores dos pontos observados. Se essas hipóteses não podem ser aceitas, a interpolação não pode ser feita, pois a aplicação do método deverá compreender o ajustamento. Para a etapa da interpolação, são necessárias mais operações que a primeira: - determinação das características da grade, - valores dos nós da grade ponderada, - o calculo dos novos valores afetados dos pontos que são referencia. O estabelecimento da grade é uma etapa preliminar e indispensável; os valores dos nós da grade e o calculo dos novos valores dos pontos de referencia são operações simultâneas e iterativas. Determinando a grade de interpolação: a grade superposta tem um espaçamento regular. Ela extravasa a área estudada em aproximadamente 5%. Apesar de diversas discussões sobre o tamanho da malha da grade, é adotado frequentemente as seguintes regras: ____________ ___________ ΔY = ΔX ≤ √área de estudo OU ΔY = ΔX ≤ 2/3 √área de estudo (2) n n Se ΔX é o tamanho da malha de acordo com o eixo Y e ΔY é o tamanho da malha de acordo com o eixo X, ΔY = ΔX significa que a malha retida é quadrada. Após o processo de criação da grade, deve ser alocado os valores de cada nó da grade. Os valores dos nós são calculados a partir dos pontos observados, em dois passos: - a ponderação dos nós em função dos números de pontos localizados na malha. - A valoração propriamente dita desses nós, sendo considerada a ponderação. Os valores estimados de Û e de cada nó, também é feito em duas etapas: em uma primeira fase as estimativas estão limitadas a um ajuste para melhor atender as observações. na segunda fase, é especificada a função de suavização e deformação a ser utilizada. Todos os detalhes deste método encontram-se no artigo de Tobler (1979). Este é apenas um pequeno resumo da técnica. Se uma grade de dimensões ∆X, ∆Y (nós temos que ∆X = ∆Y = 4) Se Z, é o valor de um ponto de coordenadas X,Y ao interior da célula. Nós podemos calcular o valor interpolado, Z, a partir dos quarto ângulos da malha com a seguinte fórmula: - Z* = __1___ ∑ ∑ Wpq Zpq ∆X.∆Y p=0 q=0 Nós temos: {P(X) = ∆X – (X-X0) se p=0 {P(X) = X-X0 se p=1 e {Q(Y) = ∆Y – (Y-Y0) se q=0 {Q(X) = Y-Y0 se q=1 com Wpq = P(X). Q(Y) (3) e mais , Zpq é o valor do ponto localizado na malha pq, ∆X = |Xi-X0| e ∆Y = |Yi-Y0| (4) 2. DADOS DISTÂNCIA-TEMPO Para o curso de cartografia transformacional ministrado pela Prof. Dra. Christinne Bonheur para as turmas de mestrado da faculdade de Geografia de Strasbourg no segundo semestre de 2013, um dos exercícios propostos foi o emprego da regressão bidimensional unipolar. Esse tipo de regressão pressupõe o uso a metodologia exposta acima, com a facilidade de centrar a análise em apenas um ponto de referência, no caso, a cidade de São Paulo. Para começar esse mapeamento num primeiro momento foi necessária a coleta e tabulação dos dados. Foram escolhidas as capitais dos estados brasileiros e pesquisados os tempos de voo destas para São Paulo, no site da empresa aérea TAM, pensando na chegada ao aeroporto de Congonhas (São Paulo), o tempo de deslocamento de algumas cidades para o aeroporto foi estimado entre 60 e 90 minutos de antecedência, de acordo com sua população, e o tempo de check-in, 60 minutos, orientação para realização do check-in para voos domésticos no Brasil. Conforme ilustra a figura a seguir: Fig. 3 - Tabela para preparação dos dados do exercício. Elaborada pela autora. Fonte: www.tam.com.br Todos os tempos expostos na tabela encontram-se em minutos. Mas o tempo que será trabalho para a elaboração do mapa distorcido será o tempo total. São Paulo encontra-se com zero (0) na tabela porque é o local de referência, portanto, será medido o quanto essas capitais estão mais próximas ou mais distantes à São Paulo com relação à viagens aéreas. 2.1 Primeira etapa metodológica Essa etapa trata da preparação do fundo de mapa e a inserção das coordenadas de cada cidade que participará da análise. Nesse caso, o fundo a ser trabalhado será a divisão do Brasil em Estados e os pontos das cidades obtidos a partir dos centroides, criados a partir do fundo de mapa dos municípios brasileiros. Para isso, foi feito o download dos arquivos em shape (Brasil Estados e municípios) do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) www.ibge.gov.br. Esses arquivos, quando feito o download geralmente estão com o sistema de coordenadas geográficas em graus decimais e datum SAD-69, ou mais recentemente, com o datum SIRGAS 2000. Os softwares utilizados, tanto o IsodistAngle quanto o Darcy trabalham com distância em metros, logo, deverá ser feita as devidas conversões para um sistema métrico de projeção. Essa etapa é delicada para um país de proporções continentais como o Brasil. Deste modo, foi feita uma pesquisa em conjunto com a professora e pesquisadora do LIVE, Christinne Bonheur e chegamos à conclusão de que para esse tipo de mapeamento é conveniente a adoção da projeção POLICÔNICA. A projeção Policônica no Brasil possui sua origem no meridiano de longitude 54OW, que divide o país praticamente ao meio. Ao adotar a origem do sistema retangular sobre o equador e sobre o meridiano central de longitude λ0 as coordenadas y serão negativos ao sul do equador e as x, serão negativas à oeste desse meridiano central. Para obter apenas resultados positivos, como ocorre com a projeção UTM, pode-se aplicar uma translação em w e y, de modo a obter valores sempre positivos para as coordenadas no hemisfério sul. (Galo, 2002) Na figura a seguir pode-se observar a indicação das coordenadas em metros (em destaque), devido a conversão para a projeção policônica. Fig. 4 - base em shape dos Estados e municípios brasileiros. Elaborada pela autora no Arcgis 10.1 Para a criação dos pontos das cidades selecionadas para a análise, foram extraídas as coordenadas dos centroides dos municípios da seguinte forma no software Arcgis: - criação dos campos centroide X e Y na tabela do shape – Brasil municípios. - Preenchimento do campo por meio do comando calculate geometry, com esse comando, você pode averiguar o sistema de projeção e datum. Fig. 5 - Preenchimento das coordenadas dos centroides dos municípios brasileiros. Elaborada pela autora no Arcgis 10.1 - Após essa etapa, deve-se criar os pontos das cidades a partir desta tabela, para isso devemos: exportar a tabela com a extensão .dbf criar os pontos com a tabela exportada pelo Arc catalog. Fig. 6 - Exportação da tabela com as coordenadas dos centroides dos municípios brasileiros. Elaborada pela autora no Arcgis 10.1 Fig. 7 - Criação dos pontos das cidades brasileiras. Elaborada pela autora no Arcgis 10.1 Finalizada essa etapa, os dados em shape para a realização da cartografia estão prontos. 2.2 Segunda etapa metodológica É nessa etapa que começam a serem utilizados os softwares para a realização da cartografia transformacional ou com distorções. Inicia-se pelo Isodistangle, que fará a primeira etapa da regressão bidimensional. Esse software é gratuito e pode ser obtido pelo site http://thema.univ-fcomte.fr/IsoDistAngle. Fig. 8 - Início da utilização do IsodistAngle. Em fichier escolhemos a opção charger les positions. Podemos agora a trabalhar no novo projeto. Em centroides de origem devemos escolher as cidades selecionadas, o ID deve ser os nomes dos municípios. Centroides de destinação deixamos a opção que já está selecionada (essa opção será diferente para uma análise multipolar). Na terceira e última opção temos o fundo de mapa, que deverá ser os Estados brasileiros. Fig. 9 - Dados a serem inseridos. Fig. 10 - Shapes abertos no IsodistAngles. Em seguida deve-se escolher a opção matrice (matriz) distances (distâncias). Essa etapa é de suma importância, uma vez que devemos salvar um arquivo txt, proveniente da tabela xls com o tempo total e somente isso, será baseada no ponto de referência zero (cidade de São Paulo) que serão efetuados os cálculos das distância-tempo das demais cidades. Fig. 11 - arquivo TXT com os tempos com a ordem do arquivo xls, ordem alfabética. Nesse caso, ao escolher a opção matrice de distance (matriz de distância), uma origem por coluna, nesse momento será aberta a opção de escolher o ponto de referência, no caso São Paulo. O importante é que a ordem desses dados na tabela seja a mesma do shape com os pontos. Feito isso, é preciso selecionar a opção lancer e escolher os parâmetros de Isodistância relativas ao vetor e escolher as isolinhas de acordo com o tempo conveniente, no caso, 60 (referente a sessenta minutos). Fig 12 – Parâmetros para elaborar a nova posição dos pontos. Fig. 13 - Ponto de origem, pontos deslocados, vértices de deslocamento e isolinhas de tempo. Após essa etapa, começa efetivamente a utilização do software Darcy. Nesse programa, deve-se carregar os pontos originais e imagem (o ponto imagem é aquele gerado com o software IsodistAngle) e também é possível carregar o fundo de mapa, utilizando a função load. Com o botão processing, escolha a opção Interpolation, que faz a interpolação. Ou seja, o IsodistAngle calcula os deslocamentos e o Darcy faz a interpolação, para demonstrar pontos que se aproximam ou se distanciam, devido ao tempo. Fig. 14 - Carregando os pontos origem e imagem e fundo de mapa. Fig. 15 - Escolha a dimensão da malha para fazer interpolação, o default é 2. Esse é o último procedimento para obtenção do mapa com o fundo transformado, ou seja, no exemplo adotado, os pontos das capitais mais próximas à São Paulo se distanciam, os pontos da região nordeste se aproximam e da região norte, que já é mais isolada e distante, distanciam-se mais ainda da capital paulista. Fig. 16 - Resultado final no programa. Fig. 17 - Exemplo de mapa com imagem exportada pelo software Darcy. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse tipo de cartografia é interessante para trabalhar tanto com a relação distância-tempo, como com distânciacusto. Trata-se de um método bastante utilizado na França e que pode e deve ser adotado para diversos estudos no Brasil. Com relação à estrutura dos dados, deve-se ter atenção na representação unipolar para seu ponto origem, pois caso os dados de tempo ou custo não estejam na mesma ordem do shape a ser trabalhado, a deformação ocorrerá, porém sua interpretação será praticamente impossível, tendo em vista os erros de aplicação. Outra questão importante de se ressaltar é que o programa não exporta o resultado final em formato shape, somente em *txt ou formato imagem, portanto, para representá-lo em forma de mapa é necessário um tratamento da imagem com algum software, tais como ilustrator, corel draw ou mesmo paintbrush. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAUVIN, C. Travaux et recherches – Faciscule 4 – Une méthode générale de comparaison cartographique: la regression bidimensionelle. Université de Strasbourg, 1984. 130 p. CAUVIN, C. Mode d’emploi Darcy 2.0 Paris, Besançon, Strasbourg. 2009. Disponível em http://spatialmodelling.info/IMG/pdf/Darcy_mode_emploi-2.pdf. Acesso: 22 outubro 2013. GALO, M. Notas de aula de cartografia – Introdução à projeção policônica. Unesp, Depto de Geografia. 2002, 13 p. Disponível em http://www.estig.ipbeja.pt/~legvm/cartmat/coisas/policonica_2002.pdf. Acesso: 15 novembro 2013. TOBLER, W. Bidimensional Regression. Disponível em http://www.geog.ucsb.edu/~tobler/publications/pdf_docs/geog_analysis/Bi_Dim_Reg.pdf. Acesso: 10 novembro 2013.