"Eu não escrevo por prazer, mas para testemunhar a realidade do meu continente", diz Alain Mabanckou - 03-24-201
por Por Dentro da África - Por dentro da África - http://www.pordentrodaafrica.com
"Eu não escrevo por prazer, mas para testemunhar a realidade do
meu continente", diz Alain Mabanckou
por Por Dentro da África - terça-feira, março 24, 2015
http://www.pordentrodaafrica.com/cultura/eu-nao-escrevo-por-prazer-mas-para-testemunhar-a-realidadedo-meu-continente-diz-alain-macakbout
Alain Mabanckou- Divulgação
Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio - Com mais de 20 obras em seu currículo, o escritor Alain Mabanckou é uma voz inspiradora que
parte da África para o mundo. Nascido em Port Noire, na República do Congo, ele usa a literatura
para traduzir o que acontece na África e para combater o "afropessimismo".
"Na Africa, os artistas encontram muitas maneiras para se expressar. Eu não escrevo por prazer, mas para
testemunhar e explicar a realidade do meu continente. É uma forma de me envolver em todas as questões
da sociedade", disse em entrevista exclusiva ao Por dentro da África o congolês que vive em Santa
Mônica, Estados Unidos.
Alain escreve poesia, ficção, romance. O estilo escolhido depende do momento. Quando ele está mais
introvertido, pensativo, é a poesia que ele usa para traduzir o sentimento, para construir a sua próxima
história em versos.
" Todos os estilos literários estimulam a reflexão. No romance, especificamente, há uma dose forte de
questões sociais que intrigam a minha mente. Talvez eu consiga explorar com mais complexidade o
mundo em que vivemos", contou o escritor, que, neste momento, está envolvido (de segunda a segunda,
segundo ele) com a construção de um romance que se passa em sua cidade natal.
O escritor que fala inglês, francês, bembe, laari, vili,
1/4
"Eu não escrevo por prazer, mas para testemunhar a realidade do meu continente", diz Alain Mabanckou - 03-24-201
por Por Dentro da África - Por dentro da África - http://www.pordentrodaafrica.com
Kamba, kituba e lingala costuma escrever sobre o que não é comum (diz ele), costuma inserir humor com
memórias africanas, como em Broken Glass (2009), onde o personagem afoga suas mágoas no vinho tinto
sobre livros de temática africana. A obra libera o humor contido no livro African Psico
(2007), anteriormente escrito.
Em 2006, Alain publicou Memoirs of a Porcupine, que ganhou o Prêmio Renaudot, um dos mais
importantes da literatura francesa. O livro é uma releitura de um conto popular em um retrato psicológico
de um jovem congolês.
Direitos Humanos
Como Alain escreve sobre a realidade do continente, ele faz questão de se posicionar contra os abusos de
direitos humanos. Nesse caminho, ele escreveu uma carta pública para o poeta camaronês Enoh
Meyomesse, que, desde novembro de 2011, está cumprindo pena de sete anos de prisão, acusado pelo
regime do presidente Paul Biya por suposta cumplicidade no roubo e venda ilegal de ouro.
Presidente de Camarões desde 1982, Biya é considerado por muitos de seu país como um ditador. A
população da região anglófona do país, onde está concentrada a oposição, denuncia a opressão por parte
do governo. Nas eleições presidenciais de outubro de 2011, Biya garantiu um sexto mandato com 77,9%
dos votos. A oposição alegou fraude eleitoral, e houve irregularidades relatadas por observadores
estrangeiros.
Enoh Meyomesse - Divulgação PEN
"Enoh é um grande escritor que foi para a cadeia só porque fez uso da liberdade de expressão. Eu fui
contatado pelo PEN (Poets, Essayists and Novelists) para encorajar as pessoas a pressionarem o governo.
Fiz isso porque eu também ajo como um ativista e tenho orgulho disso. Se um inocente for preso, eu
defenderei. Se você for para a prisão, eu vou ajudar a libertar você", brincou Alain, completando que essa
ajuda mútua é sinal de humanidade.
Leia um trecho da carta
"O mundo seria um lugar perfeito, se a liberdade de expressão não estivesse sofrendo, dia após dia, a
partir da cegueira dos nossos governos, porque nos recusamos a endossar qualquer regime e porque a
nossa independência não está à venda ...
Você não está sozinho neste cativeiro, porque quando os escritores são jogados na prisão, eles são
seguidos em suas células por um exército de leitores e colegas indignados. É com esse otimismo em
2/4
"Eu não escrevo por prazer, mas para testemunhar a realidade do meu continente", diz Alain Mabanckou - 03-24-201
por Por Dentro da África - Por dentro da África - http://www.pordentrodaafrica.com
mente que eu estou escrevendo esta carta para você, para lembrá-lo de que nunca deixarei de falar seu
nome e de denunciar, de todos os telhados do mundo, a injustiça que se abateu sobre você e o desprezo
demonstrado pelo sistema de justiça em sua direção."
Heróis africanos
Alain Mabanckou no Níger - Divulgação
Erguer a bandeira dos direitos humanos inspira novos líderes que se mulplicam pelo continente de mais
de 1 bilhão de habitantes. Peço o nome de um grande herói africano, e Alain cita rapidamente
Lumumba, líder da independência do Congo e o primeiro primeiro-ministro da República do
Congo democraticamente eleito. Em doze semanas de independência do Congo, em 1960, Patrice
Lumumba foi deposto, preso pelas autoridades governamentais e executado por um pelotão de
fuzilamento.
Pergunto qual seria a sua heroína, e Alain cita Kimpa Vita, relembrando a sua coragem, bravura.
Considerada a Joana Darck africana, Kimpa foi uma profetisa do Reino do Kongo (onde hoje estão
Angola, República do Congo, Gabão e República Democrática do Congo) e líder do movimento que dizia
que Jesus e outras figuras cristãs eram originárias do Império do Kongo. Representando perigo para a
expansão do catolicismo na região, Kimpa Vita foi capturada e queimada na capital, em 1706, por forças
leais a Pedro IV.
Saiba mais sobre Mbanza-Kongo, a capital do reino do Kongo
Colonização, Guerra Civil e a literatura atual
A literatura na África expressa um continente diverso, de avanços tecnológicos, de eleições democráticas
(apenas em 2012, foram 17 em toda a África), de inovações, de líderes, de uma África que supera
desafios, mas que também precisa vencer tantos outros.
3/4
"Eu não escrevo por prazer, mas para testemunhar a realidade do meu continente", diz Alain Mabanckou - 03-24-201
por Por Dentro da África - Por dentro da África - http://www.pordentrodaafrica.com
Alain Mabanckou - Divulgação
"Atualmente, temos muitos escritores que falam sobre terrorismo e colonização. Ainda temos muitos
problemas que foram herança da colonização como ditaduras, o genocídio em Ruanda, o apartheid na
África do Sul e o afropessimismo. A literatura fala sobre o que acontece hoje, ao mesmo tempo em que
resgata esta memória", ressaltou Alain, um dos convidados do Back2Black e que, nesta terça-feira,
recebeu a notícia de que está entre os 10 finalistas do Man Booker International Prize.
Veja mais: "O genocídio em Ruanda não foi lição. O homem continua sendo medido pelo petróleo que
tem em seu país", diz ativista
Alain acredita que, quando pensam em literatura africana, muitas pessoas acabam reproduzindo o
imaginário da face de problemas da África. Falta o interesse pelos vencedores, pela felicidade, pelo
sucesso.
"Acham que nós, escritores, devemos falar sobre a escuridão, mas isso será diferente no futuro. Eu penso
que a literatura vem ficando cada dia mais global. Temos pessoas de muitas partes do continente em
muitos lugares. Hoje, você pode não pode dizer que não sabe nada sobre África, você pode cruzar o mar,
procurar na internet e aprender sobre o continente.
Por dentro da África
4/4
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)
Download

"Eu não escrevo por prazer, mas para testemunhar a realidade do