Editoria: Broadcast
Data: 19/2/2014
17:03 MULTINACIONAIS BRASILEIRAS TENTAM MUDAR MP DAS COLIGADAS
São Paulo, 19/02/2014 - Apesar de o relatório sobre a Medida Provisória nº 627, conhecida como MP das Coligadas,
trazer algumas medidas um pouco mais benéficas às empresas em relação ao texto original, as próximas semanas
prometem ser de debate intenso nas audiências públicas e no Congresso. Criada a partir de discussões com o
objetivo de contemplar reivindicações dos empresários, a MP acabou sendo um tiro no pé das multinacionais
brasileiras que investem no exterior.
Se mantido o texto como foi divulgado ontem pelo relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB), algumas
multinacionais vão tentar derrubar a MP. Elas consideram que a situação tributária era melhor sem as mudanças
trazidas pela medida, editada em 11 de novembro.
Grandes empresas com controladas ou coligadas no exterior não aceitam a tributação pelo Brasil de seus
investimentos lá fora. Segundo elas, a taxação brasileira compromete a competitividade dos negócios internacionais
ante suas concorrentes de outros países.
Enquanto no Brasil os lucros externos são apurados anualmente, independente de os dividendos do negócio no
exterior terem sido ou não remetidos para cá, companhias internacionais de outras nacionalidades só pagam
impostos quando repatriam os dividendos e algumas vezes nem nessa situação.
"Além disso, a MP esvazia tratados internacionais, limita compensações de perdas e cria tributos novos ao mudar o
critério de avaliação das coligadas pela equivalência patrimonial o que, se passar, irá gerar mais uma enorme disputa
na Justiça", diz uma fonte de uma grande empresa.
As mudanças feitas no relatório foram consideradas insuficientes. "As negociações feitas anteriormente com o
governo não foram contempladas", reafirma a fonte, dizendo que seria melhor vetar todas as medidas referentes à
tributação dos lucros no exterior e começar do zero. "É um assunto muito relevante para o Brasil e deveria começar
com um projeto de lei, com o País discutindo o que quer para suas multinacionais."
Falta debate de fundo sobre o tema, na opinião de Bernard Appy, ex-secretário de Política Econômica do Ministério
da Fazenda, que acredita que o assunto mereceria uma reflexão prévia que não deve ocorrer com o timing dado pela
aprovação da MP no Congresso.
"Isso não é apenas uma discussão da Receita, mas do governo que deve avaliar o que acontece no resto do mundo e
se quer que suas empresas paguem mais ou menos impostos", diz. "Não podemos olhar o sistema do Brasil sem ver
os outros países", diz ele, lembrando que Alemanha, França e Japão tributam apenas 5% dos dividendos das
controladas no exterior, enquanto o Reino Unido isenta tudo.
Já os Estados Unidos tributam os dividendos, mas não os recursos de suas empresas que são reinvestidos nas
controladas, por exemplo.
A sócia da área de Tributário de um dos maiores escritórios de advocacia do País, o TozziniFreire, Ana Cláudia Utumi,
concorda que a forma como os lucros no exterior são tributados afeta a competitividade das multinacionais
brasileiras. "Nos EUA, por exemplo, desde a era Kennedy, as sociedades só pagam impostos quando repatriam os
dividendos e não quando a coligada anota o lucro anual. Quando reinvestem os dividendos não pagam nada. Isso
ajudou a fortalecer a internacionalização, a força e a influência dos Estados Unidos no mundo."
Na Europa, explica Ana Cláudia, se a empresa estiver em paraíso fiscal, paga imposto sobre a
diferença da taxação entre os dois países. Se o investimento for operacional fora de paraíso fiscal está isenta, como
forma de incentivo à internacionalização.
Mudanças
Apesar da reação negativa das empresas, advogados destacam que alguns pontos alterados no relatório do
deputado Eduardo Cunha foram positivos. O sócio de Tributário do Mattos Filho Advogados, Flavio Mifano, destaca
como principal mudança o fato de ter eliminado a exigência de que as empresas antecipem para este ano os efeitos
da MP, que passa a valer a partir de 2015. O texto original exigia esta antecipação para que não fosse tributada a
diferença entre os dividendos pagos pelo critério do balanço societário e pelo balanço fiscal e juros sobre capital
próprio, além da mudança no cálculo dos ajustes feitos na equivalência patrimonial das controladas.
"Como as empresas iriam tomar esta decisão se nem os efeitos da MP 627 ainda foram devidamente avaliados por
todos?", questiona Mifano. "Além disso, a MP ainda está em tramitação e teria de se tomar esta decisão sem o texto
final", diz lembrando que essa mudança garante ainda que as companhias não sejam autuadas pela forma como
declararam seus tributos no passado.
Maucir Fregonesi Junior, sócio da área tributária do Siqueira Castro Advogados, destaca como importante no
relatório da MP o fato de ter reaberto o prazo para adesão ao Refis e ter reiterado o princípio da neutralidade fiscal.
Ele explica que, quando o Brasil adotou as normas internacionais de contabilidade (IFRS)
havia receio de que houvesse uma elevação da tributação e que o Regime Tributário de
Transição (RTT) foi criado para neutralizar esta possibilidade. "O que se discutia é que essa neutralidade valia só para
o período de transição entre um sistema e outro e depois poderia eventualmente aumentar os tributos", diz,
afirmando que o relatório, porém reforça que este princípio vale não apenas para o período de adaptação. (Fátima
Laranjeira - fatima.laranjeira@Estadão.com)
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