Filosofia Clínica e Exames Categoriais
Contribuições de Ryle para a Filosofia Clínica,
em especial para os exames Categoriais.
Vera Lucia Laporta
Analista junguiana e Especialista em Formação em Filosofia Clínica
Resumo: A grande maioria dos dilemas filosóficos, só
existe porque fazemos mal uso das palavras, tanto no falar,
quanto no pensar, gerando dessa maneira, raciocínios
ilógicos. Essa confusão entre gramática e lógica acaba
criando ilusões sobre a realidade. Esses erros categoriais
resultam da atribuição errônea de um conceito a uma
determinada categoria, em razão de semelhanças
superficiais, diz Ryle. O trabalho do filósofo clínico consiste
em descobrir, o que Ryle sustenta como “erros categoriais”.
O que significa analisar criteriosamente juntamente com o
partilhante as palavras e enunciados que o mesmo traz à
clínica, tentando dessa maneira, encontrar uma solução
para o seu dilema. Isso acontece, porque segundo Ryle,
existe mais de uma forma de descrever as coisas e não se
pode impor apenas uma descrição. É o que muito
resumidamente tentarei colocar neste texto.
Palavras-chave: Categorias, lógica, signos de lacuna e
forma de conhecer.
A opinião de Gilbert Ryle em relação às tábuas de
Categorias de Aristóteles e Kant é de que elas são
insuficientes para dar conta de tudo, mas, também admite
ser a única forma de conhecer. Justamente por esse motivo,
em seu artigo Categorias, Ryle tenta remover os obstáculos
que encontrou, quando das suas observações históricas. A
lista de Aristóteles, segundo ele, pretendia ser uma lista dos
tipos últimos de predicados. Ryle observa que Aristóteles
usava proposições simples e singulares acerca de um
mesmo objeto particular, e consequentemente os
predicados é que davam os aspectos diferentes dessas
proposições. Esses predicados foram classificados num
número finito de famílias ou tipos, que para Ryle, não
satisfaz a todos os tipos de perguntas.
"Existem tantos tipos diferentes de predicados de
Sócrates quantas espécies irredutivelmente diferentes de
perguntas existem acerca dele". (p.30)
O método de Aristóteles, diz Ryle, parece ter consistido
em coletar as interrogações ordinárias do discurso
cotidiano. Entretanto, seu fio condutor não era tão estúpido,
pois função proposicional nada mais é do que um modo
sofisticado de escrever pergunta.
Ryle apresenta neste texto, alguns termos técnicos para
tentar enunciar em que ponto ele acha que Aristóteles se
encontrava no caminho certo, e em que ponto não foi bem
sucedido, e inclusive, para prosseguir com sua
demonstração. Ele chama, então, de fatores sentenciais a
toda expressão parcial, como: palavras isoladas, frases com
certo grau de complexidade, assim como cláusulas. Ryle
denomina fatores e não partes, porque partes poderiam
sugerir
que
são,
ao
mesmo
tempo,
elementos
independentes e que poderiam ser arbitrariamente
combinados. Diferente de fator, pois só podem ocorrer
como fatores em certos tipos de complexos, e que também,
eles só podem ocorrer nesses complexos sob determinadas
maneiras. Ainda que, os fatores sentenciais não possam ser
extraídos de todas as combinações, eles podem ser
abstraídos de qualquer combinação específica. Numa
sentença qualquer, substitui-se qualquer fragmento seu por
uma linha pontilhada ou pela frase assim e assim, e o que
restar será um fator sentencial. A linha pontilhada ou signo
de lacuna, embora exija um complemento qualquer,
toleraria, como seus complementos, qualquer dentre uma
gama indefinida de fatores.
Exemplo:
feio.
Sócrates é .......
Sócrates é
Eu sou o homem que assim e
assim.
Eu sou o homem que visitou
Atenas ontem.
Entretanto, diz Ryle, um signo de lacuna pode ser
preenchido por uma gama de fatores sentenciais
apropriados. Há dois tipos de pode. Ex: Assim e assim, está
na cama. Assim, sábado está na cama. Esta frase não
infringe nenhuma regra de gramática, pois a lacuna pode
ser eventualmente
preenchida por um substantivo,
pronome ou frases substantivas. Entretanto, a sentença é
absurda. Não basta, diz Ryle, que os complementos sejam
de determinados tipos gramaticais; é necessário também
que eles exprimam fatores proposicionais pertencentes a
certos tipos lógicos.
Seguindo com suas observações históricas, Ryle aponta
para o método utilizado por Aristóteles para exibir as
variedades de tipos de fatores que poderiam constituir
respostas às sentenças interrogativas usadas por ele, que
Ryle denomina de signos de lacuna. Esse método geral,
segundo Ryle, seria um aspecto importante da sua doutrina.
Por outro lado, Aristóteles parece supor, diz Ryle, que uma
palavra gramaticalmente simples sempre representa um
termo, um constituinte ou um componente de uma
proposição simples. Ele parece apoiar-se no senso comum e
no modo comum de falar para recolher evidências de um
dado fator é apropriado para preencher uma determinada
lacuna. Pior ainda,
"...ele não reconhece que tipos de fatores
controlam e são controlados pela forma lógica
das proposições em que eles podem figurar,
com exceção do caso solitário das substâncias
particulares que, Aristóteles reconhece, não
podem ocupar, naquilo que ele considera
como proposições simples, as vagas das
qualidades, das relações, das grandezas, das
posições, das espécies, etc." (p. 33)
Aristóteles parece ter pensado, diz Ryle, que existe um
único tipo de ligação, ou seja, o mesmo termo que, numa
proposição ocorre como sujeito, pode ocorrer como
predicado numa outra. As regras silogísticas que Aristóteles
descobriu giram em torno dos conceitos expressos por
palavras formais tais como todo, algum, isto, não,
eeimplica, mas o tratamento que ele dá a elas não
contamina nem é contaminado pela sua classificação dos
tipos de termos. Segundo Ryle:
"Saber tudo acerca da forma lógica de uma proposição
e saber tudo acerca dos tipos lógicos dos seus fatores é
saber uma só e mesma coisa. A terminologia que utilizo
tenciona ser abertamente semântica. Os itens que a
compõem, também, tencionam ser razoavelmente
auto-explicativos." (p.34)
A contribuição que Ryle deu até o presente momento,
a meu ver, é que, existindo uma lacuna no discurso do
partilhante, ela não pode ser preenchida com qualquer
complemento alternativo, mas, é necessário que exista
certa lógica. E a função do filósofo clínico é justamente
pesquisar juntamente com o partilhante, qual o termo que
se encaixa. Mostrando mais uma vez, o diferencial da
Filosofia Clínica, cuja principal preocupação é a
singularidade.
Já a doutrina das Categorias de Kant, segundo Ryle,
parte de uma direção bem diferente de Aristóteles. Ryle diz
que Kant se engana, quando diz que o seu propósito é
idêntico ao de Aristóteles, salvo num sentido bem amplo e
vago. Kant toma emprestadas as mesmas etiquetas que
Aristóteles havia utilizado para três das suas dez rubricas. A
saber, quantidade, qualidade e relação, mas que significam
tipos bem diferentes de coisas para os dois filósofos. Ryle
diz que, na realidade, Kant deixa de seguir a doutrina das
categorias de Aristóteles, pois ele não assinala nenhuma
diferença de tipo no interior das proposições de sujeito e
predicado, roubando os títulos qualidade, quantidade e
relação para os seus próprios objetivos, que são bem
diversos de Aristóteles. Isto é,
"na utilização de Aristóteles, verde, doce e honesto
significam qualidades, mas, na utilização de Kant,
qualidade significa o fato de uma proposição ser
afirmativa ou negativa. Quantidade, para Aristóteles, é
o nome da família de predicados de grandeza ou
tamanho; para Kant, é o nome do aspecto segundo o
qual as proposições são da forma todo...., ou da forma
algum... ou da forma isto/este.... As relações,
finalmente, na utilização de Aristóteles, são predicados
do gênero primo de, acima de, maior do que, mas, na
de Kant, elas são aquilo que é expresso por conjunções
tais como se, ou e (como ele deveria ter acrescentado)
e." (p.35)
Entretanto, diz Ryle, Kant percebeu certos fatos que
Aristóteles não havia observado, como a grande variedade
de aspectos nos quais as proposições podem ser
formalmente semelhantes ou dessemelhantes. Segundo
Ryle, Kant resgatou as funções de palavras formais como
todo,algum, o, um, qualquer, se, ou, e, não, que não foram
assinaladas na doutrina das categorias de Aristóteles. Na
interpretação de Ryle, Aristóteles parece supor que só
exista uma espécie de ligação a que os fatores estão
sujeitos. Mas Kant, diz ele, percebe uma imensidade de
tipos de ligações e que elas determinam ou são
determinadas pelos tipos de fatores que podem ser unidos,
ou seja, é uma teoria sintática a respeito dos tipos desses
fatores. Entretanto, diz Ryle, as categorias de Kant não são
idênticas às suas formas de juízo, mas, de algum modo, são
derivados dos itens que figuram na tábua das formas de
juízo. Ou seja, tudo o que é empírico deve incorporar essas
categorias e nada que não for empírico pode incorporá-las.
Ryle não participa da provável pressuposição de Kant,
Aristóteles e alguns filósofos contemporâneos, na existência
de um catálogo finito de categorias ou tipos. Ele não
acredita num simbolismo-código da lógica formal que possa
dar conta de todas as diferenças de tipo ou de forma. Ele
cita como exemplo o jogo de xadrez, onde existem vários
movimentos que podem ser feitos, entretanto, não existe
nenhuma lista finita desses movimentos.
Essa exposição de Ryle sobre os conceitos aristotélico
e kantiano remete-nos a Filosofia Clínica e à pesquisa do
filósofo clínico, no momento da coleta dos Exames
Categoriais. Digo pesquisa, porque as tábuas de categorias
aristotélica-kantiana consideradas como formas para
identificar semelhanças e diferenças, auxiliam na obtenção
da melhor forma de conhecer o universo no qual está
inserido o partilhante. Partindo do ponto de vista dessa
investigação histórica feita por Ryle é importante que o
filósofo clínico tenha sempre em mente que, assim como as
categorias são as formas que nos permitem conhecer, elas
também são as formas que nos limitam. Como diz Ryle,
não existe nenhuma lista finita que possa prever qual o
movimento que o partilhante fará em uma determinada
circunstância. Assim, observamos novamente, através das
contribuições de Ryle, que o conhecimento que o filósofo
terá do seu partilhante será sempre aproximado.
Bibliografia
AIUB, Monica. Para entender Filosofia Clínica. 2 ed. Rio de
Janeiro: WAK, 2008.
ARISTÓTELES. Categorias. São Paulo: Martin Claret.
RYLE, Gilbert. Categorias in Coleção os pensadores. São
Paulo: Abril Cultural
___________. Dilemas. São Paulo: Martins Fontes.
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