MANIFESTO
ATO NACIONAL
PELA CONTINUIDADE DOS TRABALHOS DE MEMÓRIA E VERDADE,
POR JUSTIÇA E REPARAÇÃO PERANTE AS GRAVES VIOLAÇÕES
COMETIDAS POR MILITARES E CIVIS NA DITADURA!
A criação da Comissão Nacional da Verdade foi um passo fundamental dado
pelo governo brasileiro no sentido da apuração das graves violações de
Direitos Humanos ocorridas entre 1946 e 1988. A este passo se somaram
muitos outros, dados por associações, sindicatos, movimentos de familiares de
mortos e desaparecidos, comissões da verdade municipais, estaduais,
entidades, comitês, entre outros.
Em três anos de atividade, foram centenas de audiências, visitas, depoimentos,
num intenso processo de investigação que resultou num relatório repleto da
história da luta de classes no Brasil que muitos ainda não conhecem, mas que
a
CNV
contribuiu
para
tornar
mais
conhecida. Foram
inúmeros
os
apontamentos feitos pela CNV, a começar pela lista de 434 mortos e
desaparecidos políticos e mais de 300 responsáveis por torturas, embora ainda
consideremos estas listas ainda inacabadas. Todos esses dados de realidade
histórica, levantados ao longo dos anos de trabalho da CNV, foram entregues
mediante o Relatório Final para a Presidente da República em 10 de dezembro
de 2014.
Operários, indígenas, trabalhadores do campo, mulheres, negros, militares,
religiosos foram muitos os que sofreram as graves violações. No caso dos
trabalhadores, a CNV, por meio do Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão
aos Trabalhadores, às Trabalhadoras e ao Movimento Sindical – o “ GT 13”,
contribuiu para que fosse levantado um conjunto de elementos que comprovam
a participação direta e indireta de empresas no engendramento do regime
ditatorial brasileiro. Participação esta que vai desde o financiamento do golpe,
passando pelo uso de práticas de repressão entre os seus funcionários, que
resultaram em sequelas físicas e psíquicas, até condenação ao desemprego ou
ao subemprego dos trabalhadores militantes (devido às listas sujas por elas
elaboradas), vigilância, infiltração, prisões dentro das fábricas, repasse de
fichas funcionais de trabalhadores aos órgãos de repressão, entre outras
modalidades de colaboração.
No meio rural, além das perseguições às lideranças e intervenção em
organizações políticas e sindicais, a violência se deu também pela ação dos
governos ditatoriais na implantação de uma política de ocupação do território
nacional, de maneira especial na Amazônia Legal, concedendo fartos
incentivos fiscais a pessoas físicas e empresas de todos os ramos que se
dispusessem a investir. Os empreendimentos assim incentivados invadiram
territórios indígenas, expulsaram comunidades camponesas, se apropriaram
indevidamente de terras públicas (grilagem) e reduziram trabalhadores a
condições análogas ao trabalho escravo, resultando no aumento dos conflitos
fundiários com uso da violência física, material e psicológica, com o amparo do
poder repressivo do Estado. No entanto, persiste a invisibilidade e quase
nenhum reconhecimento dos crimes cometidos contra os camponeses mortos,
desaparecidos ou perseguidos pela ação direta ou indireta dos agentes do
Estado (inclusive por parte da Comissão de Anistia no que se refere à
reparação), muito menos a responsabilidade dos agentes empresariais
cúmplices dessas violações.
Por isso, defendemos a responsabilização dos civis colaboradores do golpe e
da manutenção do regime militar. A responsabilização não se associa apenas à
reparação e à justiça: a responsabilização, enquanto medida avaliada
coletivamente, produz potencialmente memória. Identificar a responsabilidade e
a necessidade de pagar por essa responsabilidade é agir frente a uma versão
eleita da história, é agir “memoriadamente”.
Compreendemos que a ditadura civil-militar não teria sido implementada por
meio do golpe de 1964 e consolidada por décadas se não houvesse uma
aliança estrutural de setores empresariais com militares. Essa visão histórica,
lamentavelmente, não perfila ou orienta (pelo menos não com a devida
intensidade) as políticas públicas de verdade e memória, nem a maior parte
das análises históricas hegemônicas, que costumam imputar apenas aos
militares as graves violações do período. É como se a ditadura tivesse sido um
projeto de despotismo político de uma casta, um “autoritarismo inventado” por
um conjunto de conspiradores antidemocráticos.
É fundamental que as políticas de memória façam aparecer a responsabilidade
dos quadros empresariais na repressão à classe trabalhadora e à sua
organização, visando implementar um projeto econômico que viabilizasse um
novo padrão de acumulação de capital no Brasil.
É nesse sentido que as recomendações feitas pelo GT Trabalhadores da CNV
se orientam. Entre as 43 recomendações, destacamos:
“5. Investigar, denunciar e punir empresários,
bem como empresas privadas e estatais, que
participaram
material,
ideologicamente
para
a
financeira
e
estruturação
e
consolidação do golpe e do regime militar”
e
“6. Instituir um fundo, mantido por meio de
multas e punições pecuniárias provenientes de
empresas públicas e privadas que patrocinaram
o golpe e a ditadura subsequente, para a
reparação
dos
danos
causados
aos
trabalhadores, organizações sindicais e ao
patrimônio público”.
Para além, devemos compreender que os trabalhos de memória e,
evolutivamente, de reparação, respondem aos ataques feitos à classe
trabalhadora organizada e aos movimentos sociais nos dias de hoje. Esse é o
verdadeiro sentido da memória política: compreender e educar para que os
processos históricos que levam a certos resultados não sejam apenas
esquecidos, mas que não se realizem para impedir, em nome do interesse de
quem explora trabalhadores e grupos oprimidos, a construção de um mundo
socialmente justo.
Contudo, não é apenas a reivindicação por uma nova modalidade de
reparação, coletiva e não individualizável, que superará toda a demanda
relacionada a este tema; é necessário revigorar os instrumentos já existentes,
com destaque, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e
a Comissão de Anistia. Sobre esta última, vale elaborar uma crítica justa ao
andar dos julgamentos. Milhares de processos aguardam anos a fio para serem
julgados. Esta falta evidente de celeridade acaba por sufocar o atingimento dos
objetivos da reparação individual, visto que muitos dos anistiandos falecem
antes de verem o resultado dos seus casos enquanto os impactos da
perseguição perduram para as suas famílias. O comprometimento da vida
familiar segue em curso sem qualquer amparo do Estado.
É certo, portanto, que o trabalho de procura da Verdade, da Justiça e da
Reparação, para nós, não se encerrou na conclusão do relatório da CNV, não
se encerra na prática dos órgãos permanentes, como a Comissão de Anistia e
a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
Por
isso,
a
recomendação
mais
consensual
entre
as
entidades
e
personalidades que participaram da CNV foi a continuidade dos trabalhos de
apuração após a conclusão do relatório, de modo que o trabalho esteja
lastreado
num
organismo
criado
e
mantido
pelo
Estado
brasileiro:
“Estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às
ações e recomendações da CNV” (Recomendação nº. 26 do Relatório Final da
CNV), com a função de subsidiar e sustentar tais investigações, para garantir
que o rico Relatório produzido siga vivo e pulsante nas ações políticas e
governamentais.
Por tudo isso, reivindicamos o cumprimento das recomendações do relatório da
CNV, a começar pela instalação de um órgão permanente e controlado
publicamente, voltado à Verdade, a Justiça e Reparação, no âmbito do Estado
brasileiro, a fim de que todo o legado deixado pelas comissões, comitês,
entidades e outras forças sociais não seja apenas continuado, mas que se
aprofunde nos seus objetivos e no seu alcance para se firmar entre as lutas
democráticas fundamentais do nosso tempo.
São Paulo, 11 de junho de 2015.
Assinam inicialmente esse documento as entidades presentes no Ato Público por
Memória, Justiça e Reparação, realizado no dia 11 de junho, no Arquivo Histórico de São
Paulo, e outras entidades que o endossaram depois.
Fórum de Trabalhadores e Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação:
Central dos Sindicatos Brasileiros – CSB
CSP-Conlutas - Central Sindical e Popular
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB
Intersindical – Central da Classe Trabalhadora
Nova Central Sindical de Trabalhadores – NCST
Federação Nacional dos Metroviários – FENAMETRO
Sindicato dos Metroviários de São Paulo
Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco
Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas – IIEP
…
Membros de Comissões extintas que assinam:
Adriano Diogo – Comissão da Verdade do Estado de São Paulo - “Rubens Paiva”
Carlos Frederico Guazelli – Comissão da Verdade do Rio Grande do Sul
José Ferreira – Comissão da Verdade de São Bernardo do Campo
…
Entidades que assinam:
Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano – ASMOB
Centro de Memória de Educação da Faculdade de Educação da USP
Coletivo Aparecidos Políticos
Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça
Comissão da Verdade da ADUNESP – Associação de Docentes da UNESP
Comissão Camponesa da Verdade
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo
Comissão Estadual da Verdade da Bahia
Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara - Pernambuco
Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
Comissão da Verdade da Câmara Municipal de Santos
Comissão Memória e Verdade da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Comissão da Verdade da Associação Paulista de Saúde Pública
Comissão da Verdade da Reforma Sanitária
Comissão Municipal da Verdade de Osasco
Comissão da Verdade, Memória e Justiça do Sindicato dos Jornalistas de Goiás
Comitê Catarinense Pró Memória dos Mortos e Desaparecidos
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Distrito Federal
Coordenação Memória e Verdade – Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo
Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul
Federação Nacional dos Petroleiros – FNP
Instituto Centro de Memória & Atualidades – IMA
Instituto Zequinha Barreto
Grupo de Anistiandos da Baixada Santista – SP
Núcleo de Estudos Trabalho e Sociedade – NETS-UFRJ
Núcleo Piratininga de Comunicação
Núcleo de Preservação da Memória Política
Pastoral Operária Metropolitana de São Paulo
Programa de Memória dos Movimentos Sociais – MEMOV
Rede Nacional de Comissões da Verdade Universitária
Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro – Sindpetro RJ
União Brasileira de Mulheres
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Pela Continuidade dos Trabalhos de Memória e - CSP