Estudo de Avaliação da Situação Ambiental e Proposta de Medidas de Salvaguarda
para a Faixa Costeira Portuguesa (Geologia Costeira)
J. M. Alveirinho Dias (1993)
IV
CAUSAS DA EROSÃO COSTEIRA
São múltiplos os factores inductores de erosão costeira. Embora
alguns desses factores sejam (ou possam ser considerados) naturais, a
maior parte é consequência directa ou indirecta de actividades antrópicas.
Os principais factores responsáveis pela erosão costeira e consequente
recuo da linha de costa são:
- elevação do nível do mar;
- diminuição da quantidade de sedimentos fornecidos ao litoral;
- degradação antropogénica das estruturas naturais;
- obras pesadas de engenharia costeira, nomeadamente as que são
implantadas para defender o litoral.
IV.1. - Elevação do nível do mar
A elevação do nível médio global do mar relaciona-se com a
variabilidade climatológica natural da Terra e com as perturbações
induzidas pelas actividades humanas.
Na análise deste assunto, Portugal beneficia do facto de ser detentor
de uma das mais longas séries maregráficas mundiais, referente ao
marégrafo de Cascais. O estudo desta série maregráfica (Taborda & Dias,
1988; Dias & Taborda, 1989,1991) permite deduzir, para Portugal, uma
elevação média do nível relativo do mar, ao longo do presente século, da
ordem de 1,5 mm/ano (Fig.IV.1). No entanto, na série aludida, é possível
definir dois domínios distintos : um até 1920, em que se constata tendência
mal definida para ligeiro abaixamento do nível marinho; e outro desde 1920
até a actualidade, em que é nítida a tendência de subida, à taxa média de
cerca de 1,7 mm/ano (Fig.IV.2). A inflexão registada por volta de 1920
poderá estar relacionada com o final da "Pequena Idade do Gelo".
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Fig. IV.1 - Análise dos maregramas de Cascais e de Lagos referentes,
respectivamente, aos períodos 1882-1987 e 1908-1987 revela que a
elevação média do nível relativo do mar foi de 1,3 mm/ano em
Cascais e de 1,5 mm/ano em Lagos. Apesar dos valores da elevação
serem pequenos, as consequências na faixa costeira podem atingir
amplitudes consideráveis.
(Dias & Taborda, 1988,1992)
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Fig. IV.2 - Na série maregráfica de Cascais é possível definir 2 domínios: um até
1920 e outro desde essa data até à actualidade (em que a tendência de
subida do nível relativo do mar tem sido de 1,7 mm/ano). Considerando
que existe um desfasamento de cerca de 18 anos no efeito de variação
da temperatura atmosférica sobre o oceano (e, consequentemente,
sobre o nível do mar), e que a "Pequena Idade do Gelo" teria terminado
no final do século passado, é possível que a inflexão de
comportamento assinalada esteja relacionada com o final da oscilação
climática aludida.
(Dias & Taborda, 1988,1992)
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Os estudos referidos permitem ainda concluir que grande parte da
elevação do nível do mar verificada em Portugal no decurso do último meio
século é, muito provavelmente, devida à expansão térmica do oceano, isto
é, causada pelo aumento de volume da água do Atlântico Norte induzido
pelo aumento da temperatura atmosférica (Fig.IV.3).
As consequências, no litoral, da subida gradual do nível relativo do
mar,
dependem das características tipológicas do troço costeiro
considerado, nomeadamente da existência de afloramentos de rochas bem
consolidadas, das características das acumulações sedimentares, da
existência de arribas, do pendor médio da praia, da presença de corpos
dunares, da frequência dos temporais, etc.
Estimativas recentes (Andrade, 1990; Ferreira et al, 1990) sobre a
percentagem de recuo da linha de costa directamente atribuível à actual
elevação do nível do mar revelam valores relativamente modestos. Assim,
essa elevação poderia justificar, no máximo 15 a 30% do recuo verificado
da linha de costa em litorais arenosos. Pode afirmar-se, portanto, que na
maior parte do litoral português, a actual elevação do nível do mar é uma
causa directa menor no que se refere ao recuo da linha de costa.
No entanto, além das consequências directas, a elevação do nível do
mar tem, também, de forma indirecta, consequências no litoral. Com efeito,
os estuários respondem à subida do nível do mar reduzindo as exportações
de materiais para a plataforma, de modo a adaptarem-se ao novo nível de
base. Convertem-se, assim, preferencialmente, em locais de recepção e
deposição de sedimentos (nomeadamente de materiais provenientes da
deriva litoral), em vez de fornecedores, como se verifica em períodos de
abaixamento do nível do mar (Swift, 1976).
A influência indirecta que acabou de se referir não está ainda
quantificada. Todavia, face à amplitude da diminuição do fornecimento
sedimentar causado pelas múltiplas actividades antrópicas, essa influência
é, também, presumivelmente, pequena (embora significativa).
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Fig. IV.3 - A comparação da variação do nível médio do mar em Cascais
(utilizando o método das médias móveis com uma "janela" de 5 anos)
com a variação da temperatura superficial do Atlântico Norte (utilizando
o mesmo método) sugere que grande parte da elevação do nível do
mar em Portugal é devida à expansão térmica do oceano.
(Dias & Taborda, 1988,1992)
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IV.2. - Diminuição do Fornecimento Sedimentar
A diminuição do fornecimento de sedimentos ao litoral está, na maior
parte, directa ou indirectamente relacionada com as actividades antrópicas.
À medida que a capacidade tecnológica do homem para intervir no
ambiente em que vive vai aumentando, vai diminuindo, simultaneamente, a
quantidade de areias que, por via fluvial, alimentam a deriva litoral. Assim,
constata-se que a diminuição do fornecimento sedimentar ao litoral tem
atingido amplitude exponencialmente crescente ao longo deste século.
São muitas as actividades humanas localizadas quer no interior, quer
nas zonas ribeirinhas, que contribuem para esta diminuição no
abastecimento de sedimentos ao litoral. A título exemplificativo referem-se
as florestações, os aproveitamentos hidroeléctricos, as obras de
regularização dos cursos de água, as explorações de inertes nos rios, nas
zonas estuarinas, nos campos dunares e nas praias, as dragagens, as
obras
portuárias e muitas das obras de engenharia costeira.
Frequentemente, estas actividades são imprescindíveis para o
desenvolvimento económico e social do país. Todavia, estas actividades
iniciam-se e desenvolvem-se sistematicamente sem se efectuarem
avaliações dos impactes que induzem no litoral e, obviamente, sem
preocupações de monitorização desses impactes.
IV.2. a) - Barragens
Um dos elementos inibitórios do transporte fluvial de areias mais
relevante é constituído pelos aproveitamentos hidroeléctricos e
hidroagrícolas, isto é, pelas barragens. Na realidade, sabe-se que no
decurso da fase de construção em que, por via de regra, são movimentados
grandes volumes de inertes e efectuadas escavações importantes, a
quantidade de sedimentos em trânsito no curso fluvial a jusante das obras
aumenta de forma significativa. Todavia, na fase de exploração, o fluxo
fluvial perde competência transportadora ao atingir o sector montante da
albufeira, aí depositando as fracções mais grosseiras dos sedimentos
(nomeadamente as areias que, mais cedo ou mais tarde, iriam abastecer o
litoral). Assim, verifica-se que as barragens constituem "filtros" de elevada
eficácia que inibem quase por completo a passagem de areias para o troço
fluvial a jusante.
A simples análise da redução da área que é directamente drenada
para o mar devido à construção de barragens (Fig.IV.4), permite deduzir
que a diminuição dos volumes sedimentares transportados por via fluvial é
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Fig. IV. 4- A figura representa a área total abrangida pelas bacias hidrográficas
que desaguam em Portugal. Os aproveitamentos hidroeléctricos e
hidroagrícolas construídos ao longo deste século vieram reduzir de
forma espectacular a área directamente drenada para o mar (1), não
permitindo o trânsito natural de areias que iriam alimentar a deriva litoral,
e isolando, sob este ponto de vista, as áreas mais sedimentogenéticas
(2). Esta deficiência de alimentação da deriva litoral em areias é uma
das causas principais da actual erosão costeira.
(Dias ,1990)
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extremamente sigificativa. Devido a esses aproveitamentos hidroeléctricos
e hidroagrícolas, a área aludida reduziu-se, ao longo deste século, em mais
de 85%. Esta área, cuja drenagem directa para o mar foi inibida, é a que
apresenta relêvo mais montanhoso. A área não afectada por barragens
corresponde, em geral, a planícies aluviais, como acontece no rio Tejo
(Fig.IV.5). Considerando que as descargas das barragens, nomeadamente
no decurso das cheias, não consegue remobilizar de forma significativa as
partículas arenosas (depositadas preferencialmente na parte montante das
albufeiras), pode concluir-se que os aproveitamentos hidroeléctricos e
hidroagrícolas das bacias hidrográficas que desaguam em Portugal são
responsáveis pela retenção de mais de 80% dos volumes de areias que
eram transportadas pelos rios antes da construção dos aproveitamentos
aludidos.
Um outro efeito de grande relevância induzido pelas barragens é o da
eliminação ou amortização das cheias. Sabe-se que a maior parte das
areias são exportadas da zona estuarina para a zona litoral e plataforma
interna no decurso das cheias. Quanto maior é a cheia, maior é o volume
de sedimentos (nomeadamente de areias) exportadas para o litoral.
Eliminando ou diminuindo a ocorrência das cheias e dos picos de cheia, as
barragens vieram inibir ou minimizar a exportação das areia para a
plataforma e, consequentemente, a alimentação do litoral.
A este propósito, o mapa esquemático da Fig.IV.6, onde se
representam as barragens existentes nos rios que afluem ao litoral do
Minho, é elucidativo. Só em períodos excepcionais de grande pluviosidade
concentrada e de descoordenação entre a gestão das albufeiras
espanholas e portuguesas existe a possibilidade da capacidade de
armazenamento ser excedida e ocorrerem cheias.
Assim, pode considerar-se que as barragens constituem um dos
factores inibitórios de alimentação sedimentar ao litoral com maior
importância. Existe correlação positiva entre a construção das barragens
(que apenas atingiu amplitude relevante neste século), e a falta de
alimentação em areias ao litoral, com a consequente erosão costeira e
recuo da linha de costa.
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Fig. IV.5 - Perfis longitudinais dos rios Douro e Tejo (segundo Alavedra & Girão,
reproduzido em Ribeiro et al. (1988), com indicação da localização das
barragens situadas mais a jusante. É evidente que praticamente todo o
trânsito de areias proveniente das zonas mais acidentadas é retido pelas
barragens, e que o troço dos rios drenado directamente para o litoral tem
potencial sedimentogenético muito reduzido.
(Dias, 1990)
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Fig. IV. 6. - Representação esquemática das redes hidrográficas que desaguam no
litoral do Minho, com indicação (triângulos) das barragens aí existentes.
Verifique-se que as areias produzidas nas partes montanhosas não têm
praticamente possibilidade de atingir o litoral, retidas que são pelas
cascatas de barragens.
(D.-G. R.A.H., 1986)
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IV.2.b) - Dragagens
O assoreamento das zonas estuarinas constitui fenómeno natural,
embora amplificado por inúmeras actividades antrópicas. As mais antigas
destas actividades humanas, directa ou indirectamente inductoras de
assoreamento, remontam aos períodos pré-históricos em que os incêndios
provocados em florestas (nomeadamente para criação de campos de
pastoreio e/ou de agricultura) tiveram como consequência o aumento do
volume sedimentar transportado fluvialmente e o assoreamento progressivo
de áreas estuarinas.
Ao longo da história, as actividades antrópicas directa ou
indirectamente causadoras de assoreamento sucederam-se de forma
sistemática e com amplitude crescente. A este propósito é de referir, a título
meramente exemplificativo, que a drástica redução da áreas originais das
lagoas de Óbidos, de Alfeizerão (actualmente restringida à pequena
"concha" de S. Martinho), e de Pederneira (hoje totalmente colmatada), se
ficou a dever, provavelmente na maior parte, às actividades antrópicas,
nomeadamente às práticas agrícolas (Fig. IV.7 e IV.8).
Até ao final do século passado, o intenso assoreamento estuarino era
periodicamente amortizado pela ocorrência de cheias, que exportavam para
o exterior do estuário (plataforma e litoral) grande parte dos sedimentos aí
acumulados. Como se referiu, as barragens vieram inibir o funcionamento
deste processo natural de depuração do estuário e de alimentação do
litoral.
Por outro lado, os desenvolvimentos portuários, bem como o
progressivo aumento do calado dos navios, vieram aumentar as exigências
no que se refere à estabilidade dos canais de navegação e à sua
profundidade. Consequentemente, as obras de dragagem para abertura,
manutenção
ou
aprofundamento
desses
canais
têm
vindo,
progressivamente, a atingir maior amplitude.
A este propósito, e a título apenas exemplificativo, refere-se que, só
na parte jusante do rio Douro, o volume de sedimentos dragados entre
1982 e 1986 foi de 3x106m3 (vidé Fig. IV.9), isto é, um quantitativo pouco
inferior ao estimado para o volume de sedimentos interessados na deriva
litoral, o qual se estima ser da ordem de 1x106m3/ano. Este caso do Douro
é apenas exemplificativo das amplitudes de que, actualmente, se revestem,
com frequência, as operações de dragagem. Vários outros exemplos
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Fig. IV. 7. - Há 18000 anos as zonas onde hoje se localizam as lagoas de Óbidos
e de S. Martinho correspondiam a troços fluviais. Quando o nível do mar
atingiu aproximadamente a cota actual constituíram-se as Lagoas de
Óbidos, de Alfeizerão e da Pederneira. Actualmente, esta última está
totalmente colmatada, a de Alfeizerão está reduzida à pequena concha
de S. Martinho e a de Óbidos ocupa uma área muito inferior à original.
(Dias, 1990)
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Fig. IV. 8. - Das três lagoas que existiam há 2500 anos a Sul da Nazaré,
actualmente só existem duas e com áreas extremamente reduzidas
relativamente às dimensões originais. O intenso assoreamento
responsável por estas diminuições de área deve-se a causas naturais
e, principalmente no decurso do último milénio, às actividades antrópicas
(nomeadamente agricultura) nas bacias drenantes.
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Fig. IV. 9. - Os volumes dragados na parte jusante do rio Douro têm atingido
quantitativos muito importantes na última década. As dragagens nos
troços vestibulares dos rios são parcialmente responsáveis pelos défices
de abastecimento sedimentar ao litoral e, consequentemente, pelo recuo
da linha de costa.
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poderiam ser referidos, nomeadamente os que dizem respeito aos portos
de Aveiro, da Figueira da Foz, de Lisboa, de Setúbal, de Faro, etc.
As zonas dragadas ficam em desequilíbrio dinâmico, tendendo a ser
assoreadas de novo a curto ou médio prazo, o que obriga a novas
operações de dragagem. Em geral, quando as zonas dragadas se
localizam na parte externa do estuário, acabam por ser colmatadas com
areias provenientes da deriva litoral. Assim, estas dragagens não só
diminuem ou inibem a transferência de areias para o litoral, como retiram à
deriva litoral parte dos volumes nela interessados. Por outras palavras,
frequentemente as operações de dragagem não só são responsáveis pela
inibição do abastecimento sedimentar litoral, como ainda retiram do trânsito
litoral parte das areias que aí transitam.
Geralmente, quando se trata de areias "limpas", como é frequente
acontecer, estes produtos dragados (em vez de, como seria natural e
lógico, serem utilizados em operações de realimentação do litoral que
reconstituiriam a deriva litoral) são utilizados na indústria da construção.
IV.2.c) - Extracção de Inertes.
A quantidade de sedimentos subtraídos ao litoral pelas actividades
humanas é, na realidade, muito grande. No que se refere a extracções de
inertes efectuadas nas zonas fluviais, estuarinas e costeiras os números
conhecidos são reveladores e alarmantes: só no período 1973/76 as
explorações autorizadas de areias nas zonas de Peniche e da Nazaré
rondaram, respectivamente, 3,7x106m3 e 8,4x106m3 (Paixão 1980/81). Na
costa a Norte de Aveiro (S. Jacinto) extrairam-se, só em 1980, 4x106m3 de
areias (Oliveira et al., 1982), havendo razões para pensar que o somatório
das extracções legais e ilegais tem atingido volumes próximos de
1x106m3/ano nos últimos anos. Na parte externa do porto de Leixões o
volume de sedimentos dragados atingia já, há mais de duas décadas, cerca
de 1,5x106m3/ ano (Abecassis et al. , 1962). A extracção de areias e
cascalhos, só no troço inferior do rio Douro, incluindo o estuário, atingia, no
início desta década, valores da ordem de 1,5x106m3/ ano (Oliveira et al.,
1982). A inventariação compreensiva das acções de exploração de inertes
verificadas nos troços fluviais, estuarinos e costeiros portugueses no
decurso das últimas décadas está ainda por efectuar, e dificilmente será
efectuada se se pretender contemplar tanto as explorações legais como as
ilegais (por vezes, presumivelmente, tão ou mais importantes que as
legais).
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O conjunto acumulado das acções que têm vindo a ser referidas
justificaria, só por sí, um forte comportamento transgressivo do litoral. O rio
Douro, por exemplo, que em regime natural debitaria cerca de
1,8x106m3/ano de carga sólida transportada junto ao fundo, teve esse valor
reduzido para cerca de 0,25x106m3/ano, após conclusão de todas as obras
previstas (Oliveira et al., 1982).
IV.3. - Destruição das Estruturas Naturais
A degradação antropogénica das formas costeiras naturais afecta o
litoral já debilitado pela elevação do nível do mar e pela diminuição do
abastecimento de sedimentos. Estas estruturas constituem as melhores
defesas contra a aceleração do recuo da linha de costa e a sua destruição
implica, por via de regra, taxas de recuo mais elevadas.
Entre as muitas acções degradativas das estruturas naturais podem
referir-se, a título meramente exemplificativo: o pisoteio das dunas (que,
destruindo o coberto vegetal, propicia o aparecimento de cortes eólicos e
facilita os galgamentos oceânicos); o aumento da escorrência devido às
regas (a qual provoca, geralmente, erosão muito forte e intensifica os
fenómenos de abarrancamento); as estradas improvisadas e a construção
de edifícios no topo das arribas (o que aumenta as cargas exercidas e
induz vibrações conducentes a quedas de blocos e movimentos de massa);
e as explorações de areias (que destroiem por completo as formas naturais
e que, frequentemente, deixam zonas deprimidas que são inundadas no
decurso de temporais e conduzem à intensificação da erosão, propiciando
recuos locais da linha de costa muito elevados provocados, por vezes, por
uma única tempestade). Estas e muitas outras acções degradativas das
formas naturais subtraiem ao litoral uma capacidade intrínseca de defesa
que lhe era conferida por tais formas.
IV.4. - Obras Pesadas de Engenharia Costeira.
As obras de engenharia costeira têm, em geral, consequências
nefastas para o troço litoral em que são implantadas. Efectivamente, basta
o facto de se tratar de estruturas estáticas, rígidas, inseridas num meio que
é profundamente dinâmico (o litoral), para causar perturbações profundas
nesse meio. Acresce, ainda, que tais estruturas têm, regra geral, como
objectivo tornar estático (ou, pelo menos, o menos dinâmico possível )
partes importantes do litoral.
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Fig. IV. 10. - O pisoteio das dunas destroi o coberto vegetal, deixando as areias soltas para
serem actuadas pelo vento. Constituem-se, assim, "cortes eólicos" como o da
imagem existente a Sul da Vagueira. Como estas zonas deprimidas constituem
passagens mais fáceis para a praia são, em geral, intensamente utilizadas pelos
utentes dessa praia. Assim, os cortes eólicos vão-se progressivemente
aprofundando até cotas que, por ocasião de temporais, são facilmente galgadas
pelo mar.
(foto A. Dias - 6.AGO.1989)
Fig. IV. 11 - O grande corte nas dunas que se vê nesta imagem foi essencialmente
provocado para construção de um esporão a Sul de Mira, não tendo sido sujeito a
quaisquer obras de reconstrução e recuperação paisagística. Depressões como
esta são facilmente exploradas pelo mar durante os temporais, aí podendo
ocorrer grandes galgamentos oceânicos (com consequente alargamento do corte,
inundação e salinização das terras interiores, grandes movimentações de areias,
etc.).
(foto A. Dias - 4.MAR.1988)
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Fig. IV. 12. - Frequentemente, os
corpos dunares primitivos do litoral
portugês encontram-se bastante
degradados,
devido,
principalmente,
a
acções
antrópicas. A fotografia aérea aqui
representada da zona da Vagueira
é disso um bom exemplo. Notemse os cortes e leques de
galgamento
oceânico
e
os
numerosos cortes eólicos que
propiciarão, no futuro, outros
galgamentos oceânicos.
(foto A. Dias/A.P.G. - 13.MAR.1990)
Fig. IV. 13 - Fotografia aérea de parte da Península do Ancão, no Algarve. Notemse os inúmeros cortes eólicos (provocados pela passagem dos
veraneantes) e vários galgamentos oceânicos com variadas dimensões.
(foto A. Dias - 20.SET.1984)
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Fig. IV. 14. - Galgamento oceânico ocorrido junto a Vila Praia de Âncora em 1990. O leque
de galgamento interrompeu, por completo, o curso do rio Âncora, provocando
alagamento das terras interiores. (foto A. Dias/A.P.G. - 14.MAR.1990)
Fig. IV. 15 - Após o galgamento oceânico ocorrido em Vila Praia de Âncora foi necessário
proceder à dragagem do curso do rio. As obras efectuadas são questionáveis. Com
efeito, é nítido que o meandro do rio atinge uma zona que deveria ser ocupada por
dunas de defesa, e que as "dunas" reconstruídas estão fora do alinhamento da duna
primária, deixando largas depressões entre as "dunas" reconstruídas e as dunas
naturais que, em próximo temporal, serão certamente exploradas pelo mar para a
instalação de novos galgamentos oceânicos. (foto A. Dias - 26.FEV.1991)
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IV.4.a) - Molhes e Quebra-Mares.
Há que reconhecer que os molhes e quebra-mares dos portos são
imprescindíveis para o desenvolvimento económico e social do país. Têm,
fundamentalmente, duas funções: modificar as condições oceanográficas
locais (por forma a tornar mais segura a entrada do porto e a própria zona
portuária); e modificar as condições da dinâmica sedimentar (por forma a
fixar canais de navegação e minimizar o assoreamento).
Como é evidente, tais estruturas perturbam profundamente a
dinâmica intrínseca do litoral, entre outras razões porque: a) modificam, as
condições locais da deriva litoral, induzindo fenómenos de difracção,
refracção e reflexão da agitação marítima totalmente estranhos ao
funcionamento natural do sistema; b) frequentemente, divergem para o
largo as correntes de deriva litoral, o que tem como consequência a
deposição de areias a profundidades em que dificilmente são
remobilizadas, o que se traduz numa diminuição da deriva litoral nesse
troço costeiro; c) interrompem, quase por completo, a deriva litoral (pelo
menos até colmatação completa do molhe), o que tem consequências
profundamente nefastas para o litoral a jusante dos molhes (Fig. IV.16).
Aponta-se, a título exemplificativo, o caso do Porto de Aveiro onde,
após a construção dos molhes nos anos de 1945/50, se estimava uma
acumulação de areias, a Norte do molhe norte, de cerca de 8x105m3/ano
(Abecassis et al ., 1962). No litoral a sul dos molhes, desprovido de
alimentação, verificou-se forte incremento das taxas de recuo da linha de
costa. Segundo Oliveira et al (1982) registaram-se, neste troço litoral que
sofre os impactes negativos dos molhes, recuos médios anuais de 8m/ano,
com valores locais superiores a 10m/ano, situação esta que conduziu à
construção de um campo de esporões na Costa Nova, os quais induziram,
por sua vez, nos dois anos seguintes à sua construção, recuos da ordem
dos 50 m.
IV.4.b) - Obras pesadas de protecção costeira.
As obras pesadas de engenharia costeira que são implantadas para
obviar ao recuo da linha de costa (que, como se referiu, é induzido pela
elevação do nível do mar, pela diminuição do abastecimento sedimentar,
pelas acções degradativas antrópicas do litoral e pelos molhes dos portos)
funcionam, em geral, como indutores suplementares de intensa erosão
costeira. Consequentemente, são também grandes responsáveis pelo
recuo acelerado da linha de costa.
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Fig. IV.16 - Barra de Faro. Esta fotografia oblíqua (FAP, 13 de Setembro de 1984)
mostra como o molhe ocidental da barra construido na extremidade E da ilha
da Barreta interrompeu a deriva litoral (cuja resultante é para nascente),
induzindo uma acreção de 300 m. A linha a tracejado identificada com "A"
marca a posição da linha de costa em 1951. Concomitantemente com a
acreção aludida na ilha da Barreta, verificou-se erosão na parte ocidental da
ilha da Culatra. Note-se o grande desfasamento lateral entre a linha de costa
na ilha da Barreta e na ilha da Culatra, o qual foi induzido pelos molhes.
(Pilkey et al., 1989)
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para a Faixa Costeira Portuguesa (Geologia Costeira)
J. M. Alveirinho Dias (1993)
Apesar do nome por que são conhecidas, as obras de protecção
costeira não têm como objectivo, regra geral, proteger o litoral.
Normalmente, tais obras são construídas para proteger a propriedade,
pública ou privada. São, fundamentalmente, obras de cariz "curativo"
realizadas, em geral, com carácter de urgência, isto é, que pretendem
eliminar ou mitigar localmente uma "doença": a erosão costeira que ameaça
ou começa a danificar propriedades mal localizadas.
Fundamentalmente, as obras designadas como de "protecção
costeira" são de três tipos: obras transversais (como os esporões), obras
longilitorais aderentes (como os paredões) e obras destacadas (como
alguns quebra-mares).
- Estruturas Transversais
As obras construídas transversalmente à linha de costa, tipo esporão,
interrompem o trânsito litoral de areias. Estas acumulam-se contra o
esporão, no lado montante (relativamente ao sentido da deriva litoral),
dependendo essa acumulação de factores vários, nomeadamente do
comprimento e da altura da estrutura, e das características da deriva litoral.
Devido a esta retenção de areias verifica-se, por via de regra, propagação e
incremento da erosão na zona a jusante da obra, fazendo-se sentir
significativamente estes efeitos, por vezes, a dezenas de quilómetros do
local onde a estrutura foi implantada. Como consequência, verifica-se
tendência para estas estruturas se multiplicarem, isto é, para se
construirem campos de esporões que, progressivamente, vão afectando
maiores extensões, só terminando quando todo esse sector do litoral
estiver intervencionado (Fig.IV.17). Existem em Portugal, alguns bons
exemplos do que se afirmou. Entre outros, apontam-se os campos de
esporões de Ofir, de Espinho, da Caparica e de Quarteira.
Quando os esporões ficam colmatados, isto é, quando a parte a
montante fica completamente preenchida com areia, os volumes
interessados na deriva litoral no sector jusante não são, geralmente
restabelecidos, pois que, devido à forma da nova linha de costa imposta
pelo esporão, as correntes de deriva são deflectidas para o largo,
verificando-se deposição de areias a profundidades tais que inibem a sua
remobilização frequente.
A implantação de um campo
milhares de contos e, contabilizando
manutenção, poder-se-á falar mesmo
milhões de contos. A análise da relação
de esporões importa em muitos
as despesas associadas à sua
em quantitativos da ordem dos
entre o valor das propriedades
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Fig. IV. 17 - A construção de esporões não constitui uma solução verdadeiramente eficaz
no que se refere à protecção da faixa costeira a médio e longo prazo. Estas
estruturas transferem os problemas de erosão costeira para a zona a jusante, em
geral de forma agravada. Esta figura representa esquematicamente a história de um
campo de esporões. (Dias, 1988, adaptado de Pilkey et al. 1980)
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protegidas e o custo dos esporões construídos para as proteger ainda
não foi efectuada em Portugal. Todavia, alguns casos óbvios há em que os
custos destas protecções ultrapassam em muito o valor real do que se
pretendia proteger.
- Estruturas Longilitorais.
As consequências negativas das estruturas longilitorais (tipo paredão)
não são tão óbvias como as dos esporões. No entanto, frequentemente,
são de igual modo nefastas. Quando os paredões são construídos em
troços do litoral cujo recuo está a afectar campos dunares, essas estruturas
inibem, por si próprias, uma importante fonte de areias que possibilitaria,
em maior ou menor grau, a regeneração (ou, mesmo, saturação) da deriva
litoral, o que evitaria (ou minimizaria) a erosão costeira mais a juzante da
zona intervencionada.
Por outro lado, sem a reserva natural de areias que era constituída
pelas dunas, a praia frontal ao paredão torna-se menos larga e menos
dissipativa, principalmente no decurso de temporais. As ondas tendem a
atacar a costa com mais energia e desenvolvem-se mesmo correntes de
retorno com elevado poder remobilizador que acabam por culminar na
erosão do litoral adjacente a uma ou a ambas as extremidades do paredão.
O local fica, então, em posição protuberante, induzindo convergência da
ondulação e, consequentemente, recebendo maior energia da agitação
marítima, a qual acaba por ser dissipada através de maior remobilização e
transporte de areia, isto é, maior erosão. Frequentemente o paredão
começa a ficar "descalço" e em perigo e, posteriormente, acaba por ceder
(Fig.IV.18).
Nestas condições, as estruturas longilitorais podem funcionar,
parcialmente, como esporões. Para obviar à erosão nos flancos e na
própria base das estruturas são, então, geralmente, construídos esporões.
Essa é uma das razões pelas quais a associação paredão-esporões é tão
frequente, disso existindo numerosos exemplos de Norte a Sul do litoral
português.
- Obras de Protecção Destacadas.
As obras de protecção destacadas (tipo quebra-mares) não têm sido
intensivamente utilizadas em Portugal. A ideia geral do seu funcionamento
resulta de que, sendo o transporte litoral uma consequência da actuação
das ondas e das correntes, estas estruturas artificiais conduzem à
formação de um tômbolo que irá proteger eficazmente as propriedades
existentes no litoral que fica na dependência do quebra-mar.
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Fig. IV. 18. - Saga de um Paredão. (Dias, 1988, adaptado de Pilkey et al. 1980)
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Como estas obras são geralmente implantadas a profundidades
consideravelmente maiores do que as atingidas pelas extremidades dos
esporões, e devido ao tômbolo que geram, constituem provavelmente o
processo mais eficaz de interceptar o transporte litoral. Assim, os quebramares destacados funcionam simultaneamente como estruturas longilitorais
e transversais. Consequentemente, podem ser extraordinariamente
agressivas para o litoral, pois induzem acumulativamente os efeitos
nefastos aludidos quando se referiram quer as estruturas transversais, quer
as longilitorais.
IV.5. - As causas múltiplas da erosão costeira
Do exposto, facilmente se conclui que a erosão costeira que
actualmente se faz sentir no litoral português tem causas múltiplas. Embora
algumas dessas causas sejam naturais, as mais importantes advêm de
actividades antrópicas. A intensa ocupação do litoral tem vindo a ser
efectuada de forma que não viabiliza um desenvolvimento sustentável da
faixa costeira. Assim, embora seja necessário intervir a diferentes níveis,
torna-se imprescindível e imperioso proceder, em grande parte dos casos,
a um reordenamento da faixa litoral por forma a propiciar um
desenvolvimento racional e sustentável dessa importante zona do território
português.
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13 IV CAUSAS DA EROSÃO COSTEIRA São múltiplos os factores