EDUCAÇÃO LIBERTADORA VERSUS EDUCAÇÃO À
DISTÂNCIA
Mônica Maria Matias Muniz¹ Marília Fontenele Magalhães Muniz ²
¹ Universidade Estadual do Ceará / [email protected]
Universidade Federal de Campina Grande / [email protected] ²
RESUMO
O presente artigo objetiva proporcionar ao leitor um panorama geral da Educação à Distância e
lançar um olhar, especialmente, para o professor que atua nessa modalidade de ensino. Ao
encontrar características como o uso do diálogo, mesmo que mediado pelas mídias, nos
despertou a curiosidade de saber se esse profissional não se assemelhava ao gestor educacional
defendido por Paulo Freire na década de 1960. Assim, ao comparar os passos que cada docente
deveria seguir, encontramos semelhanças além da prática do diálogo. São traços como o
incentivo da autonomia do aluno frente à busca de informações (sendo o professor um apoio
para a sua busca), a construção do conhecimento de modo coletivo (sendo o professor um
mediador das ideias abordadas) e assim por diante.
Palavras-chave: Professor. Educação à Distância. Autonomia.
1 INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da humanidade, a comunicação faz parte do cotidiano do
ser humano. No começo, imagens e onomatopeias transmitiam as mensagens e, com a
evolução do homem, os meios de comunicação evoluíram também. O desenvolvimento
de códigos orais e a descoberta da escrita marcaram uma época. A partir dessa
descoberta, foi observado que seria possível transmitir conhecimentos através de
registros escritos.
Alguns estudiosos afirmam que os primeiros professores do homem são seus
pais, uma vez que eles mostram como andar, falar e, assim, apresentam uma pequena
parte do mundo para a criança. Assim sendo, ao sair do seu recanto familiar, ele
encontra uma figura destinada ao ensino dos conhecimentos: o professor. Esse
profissional, por anos, foi formado ou instruído a ensinar de modo que o aluno seja
receptor passivo de informações e ele o total detentor do saber.
A cada inquietação do homem, novas formas de comunicação foram sendo
criadas. Sistemas de correspondência, telefone, rádio, televisão, computador, todos
esses veículos trazem e levam informações. Mas onde se encontra a educação durante
esse diálogo? Qual a relação entre comunicação e educação? Qual a importância desses
meios durante o processo dialógico?
A comunicação e a educação estão intrinsicamente ligadas. Sem comunicação
não há educação, uma vez que o ato de ensinar exige que mensagens sejam trocadas e
entendidas. E, conforme a comunicação e seus meios vão evoluindo, a educação deve
apresentar evolução simultânea a tais processos.
A partir desse cenário de relações educacionais e comunicacionais, observa-se
um movimento originado a partir do século XX chamado Educação à Distância. Este se
iniciou por correspondência e hoje se instalou em ambientes criados virtualmente para a
aprendizagem. Essa mudança atingiu tanto aos alunos quanto aos profissionais da área
de educação. Deste modo, o objetivo deste estudo é apresentar as semelhanças entre os
professores das educações libertadora e à distância e o que foi modificado no cotidiano
desses profissionais.
2 METODOLOGIA
A fim de que esta pesquisa fosse realizada, utilizamos como objetos de estudo
os esboços da personificação do papel do professor tanto na EaD como na Educação
Libertadora. A presente análise, segundo Gil (1999), caracteriza-se por ser descritiva,
uma vez que procuramos encontrar pontes de ligação entre as duas ideias sobre
educação, delimitadas em épocas distintas, porém com objetivos semelhantes.
3 RESULTADOS
Segundo Dias e Leite (2010), os primeiros traços da educação à distância
surgiram em meados de 1905 com as “Escolas Internacionais”. Depois dessa escola,
ações educativas surgiram na rádio fundada por Roquete Pinto, no Rio de Janeiro, em
1934. Observando tal início, o supracitado autor afirma que “as tecnologias disponíveis
em cada momento histórico influenciam a sociedade e, em particular, a educação.”
(2010, p.11).
Podemos, então, perceber que a relação comunicação e educação é antiga.
Segundo Freire, não há educação se não houver comunicação. A partir dessa
prerrogativa, Kaplún (1998) classifica três modelos de educação: a educação bancária, a
educação por meio da indução e a educação libertadora. O autor revela-nos a ligação
intrínseca entre a comunicação e a educação no momento em que nos mostra que os
métodos de emissão e recepção seguem os mesmos padrões.
Para Kaplún (1998) e para Freire (1987), o professor no modelo “bancário”
segue a linha linear de comunicação, ou seja, há um emissor (o professor, detentor do
saber), uma mensagem (as informações a serem passadas, pré-selecionadas pelo
emissor) e o receptor (que presencia a todo o processo passivamente). Esse é o modelo o
qual estamos habituados a encontrar na maioria dos locais formais de educação e de
comunicação de massa.
O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas,
invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão
sempre os não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e
o conhecimento como processos de busca.” (Freire, 1970, p.66-67).
Retomando Dias e Leite (2010), as tecnologias midiáticas influenciam
diretamente a educação, ou seja, com o avanço dos meios de comunicação, a educação
deveria acompanhar tal desenvolvimento.
Kaplún (1998), afirma que em 1960, na América Latina, surgiu um movimento
de educação libertadora, em que não havia o detentor do saber e os receptores passivos,
todos possuíam seus saberes e experiências que poderiam construir um conhecimento
coletivo. Além dessa característica, o autor relata, em seu livro, a utilização do rádio (o
meio de comunicação que tem maior alcance de massa) em comunidades distantes do
grande centro como meio de informar e educar. Com isso, os professores tornaram-se
educadores, saindo da posição de detentores do saber para agirem como gestores de
processos educacionais e comunicacionais.
Mas em que ponto objetivamos chegar com esse diálogo? Em ambos os
processos educativos podemos perceber a mudança de postura do profissional da
educação. Um era o detentor do saber e outro aberto a prática do diálogo. Porém, Dias e
Leite (2010) chamam-nos a repensar o papel do docente na modalidade de ensino à
distância. Quais são as principais características desses profissionais? Quais as suas
dificuldades? Será que realmente a educação à distância pode ser considerada um ensino
de qualidade?
O ensino à distância já passou por três gerações, segundo dados da UVB
(Universidade
Virtual
Brasileira,
2002):
ensino
por
correspondência,
a
Teleducação/Telecursos e o ensino em ambientes interativos. Nesta última, alocam-se
os cursos superiores à distância, que estão em crescimento no país. Entre várias
instituições, destaca-se a Universidade Aberta do Brasil (UAB), criada, segundo Dias e
Leite (2010), pelo Decreto 5.800 no dia 8 de junho de 2006. Segundo os mesmo autores,
a universidade surgiu para suprir a demanda de formação de professores para rede
básica de educação formal. Ou seja, os cursos de ensino superior ligados à UAB, ou a
qualquer outra instituição que possua reconhecimento do MEC, possui validade como
qualquer outro curso presencial.
Resumindo, o Sistema UAB foi instituído para expandir a
Universidade Pública e Gratuita e, ao mesmo tempo, interiorizar a
oferta de cursos e programas universitários nos Municípios que não
possuem a educação superior ou cujos cursos ofertados não são
suficientes para atender a todos os cidadãos interessados. (Araújo,
2007, p.171)
A partir dessa realidade, possuímos diferentes métodos de ensino, segundo
Dias e Leite (2010), na Educação à Distância que acontece em ambientes virtuais de
aprendizagem. É bom lembrarmos que, segundo Lévy (1999), o conceito de virtual não
significa irreal. Tudo o que ocorre na internet é real, porém acontece em outro ambiente
não palpável.
Essas mudanças acarretam a diferenciação do perfil do professor à distância.
Agora, ele deve se ver como um orientador ou tutor, segundo Dias e Leite (2010), além
de encarar-se como um aprendiz, uma vez que ele familiarizar com as várias
informações que se encontram disponíveis na internet. Para Pierre Lévy, o professor
pode ser visto, nessa situação, como um “animador” da inteligência coletiva, no tocante
a “incentivar a aprendizagem e o pensamento” (1993, p.103).
Levando em consideração tais afirmativas, podemos perceber a semelhança
entre os educadores da educação libertadora e os da educação à distância. Além das
semelhanças apresentadas acima, o professor de EAD deve firma-se no papel de:
1) Validar, mais do que anunciar, a informação. 2) Orientar e
promover a discussão sobre as informações. 3) Proporcionar
momentos de triagem das informações, para a reflexão crítica, o
debate e a identificação da qualidade do que é oferecido pelas
múltiplas mídias. 4) Auxiliar na compreensão, utilização, aplicação
e avaliação crítica das inovações. 5) Possibilitar a análise de
situações complexas e inesperadas. 6) Permitir outros tipos de
“racionalidade”: a imaginação criadora, a sensibilidade táctil,
visual e auditiva, entre outras. [numeração própria] (Dias e Leite,
2010, p. 65-66 apud Hack, 2007, p.3)
Nesta visão, cabe ao educador pôr em prática a autonomia do aluno, fazendo
com que o educando, juntamente com os outros integrantes do grupo, e com o apoio do
tutor, construa conhecimento e encontre sua própria resposta. Esse é um processo
coletivo, no qual todos participam, fato que se caracteriza como o grande ponto de
encontro entre as duas linhas de ensino.
4 DISCUSSÃO
Conforme o exposto, podemos afirmar que as características inerentes a cada
professor é semelhante no tocante a reconhecer a sua mídia como parte integrante da
sociedade, bem como na tentativa de conscientizar o profissional da necessidade de
tornar-se um gestor de processos educacionais.
Podemos notar que a busca pela autonomia escolar cresce na sociedade
educativa em números exponenciais. Cada passo dado em busca desse objetivo é
significativo. A renovação da educação, pautada no modelo de liberdade de expressão e
de uso da realidade como método de aprendizagem de Freire (1970), é completamente
encaixada nos parâmetros do que se busca com a educação mediada por computadores.
A tentativa é que o modelo formal de educação, aquele em que se ensina pela
prática, seja visto como ultrapassado. Nesse modelo, o professor dá os caminhos e os
alunos realizam sem que haja discussões sobre o fazer ou até mesmo sobre a relevância
na vivência do alunado. A prática atrai pelo fato, enganoso, de participação, porém o
modelo é complemente “pseudoparticipativo”.
Se da una apariencia de participación de los educandos o receptores.
Pero es sólo una apariencia, una pseudoparticipación: los contenidos y
los objetivos y a están definidos y programados de antemano. El
educando sólo «participa» ejecutándolos. (KAPLÚN, 1998, p.38)1
O que se busca na prática educativa libertadora é a real participação. É o debate,
a troca de ideias por meio de diálogos, a compreensão de novas configurações de
ensino-aprendizagem. Para o referido Freire (idem), a libertação surge da não alienação
e da não padronização de pensamentos.
O que a EaD busca é ser diferente dos outros processos de aprendizagem. Para
tanto, o educador transforma-se em “problematizador”, ensina a comunidade a pensar
coletivamente, ou seja, é a prática e a reflexão da prática através de fóruns, webconferências e diálogos interativos por meio de chats.
Apesar do contato não
presencial, é a possibilidade de espaço para desenvolvimento de visão crítica, de
aperfeiçoamento de afirmação de identidade.
Na abordagem “muito para muitos”, a interação acontece de forma
mais intensa, de modo que há possibilidade de feedback rápido pela
internet, em atividades síncronas e assíncronas, que permite a
comunicação tanto entre professor-aluno como entre aluno-aluno.
Nesse cenário, o professor atua de modo a acompanhar
constantemente os alunos, propondo-lhes desafios e instigando a
participação do grupo [...] (BORBA; MALHEIROS; ZULATTO,
2008, p. 24)
1
Dá-se uma impressão de participação dos educandos ou receptores. Mas é somente uma aparência, uma
pseudoparticipação: os conteúdos e os objetivos já estavam definidos e programados de antemão. O
educando só «participa» executando-os.
Deste modo, os autores apenas reafirmam o que já fora citado: o professor é
reconhecido como “agitador” de interações, de construção coletiva de saberes. Este é o espaço
onde tanto aluno, como professor se encontram em processo constante de aprendizagem. A
busca por liberdade torna a adesão de saberes mais completa, uma vez que traz à tona para a
sociedade a vivência de cada membro presente na construção e no compartilhamento de
informações.
5 CONCLUSÃO
A comunicação evolui e, concomitante a ela, a educação. Os meios de educar
formalmente mudam com o passar do tempo. Deste modo, a EAD surgiu como produto
da necessidade da comunidade e do avanço das tecnologias da comunicação.
Com essas mudanças, o professor, figura essencial no cenário da educação
formal, precisa moldar-se ao que se passa na atualidade. Porém, podemos perceber que
o docente que trabalha com Educação à Distância, no século XXI, tem características
similares aos professores ou educadores que atuavam na década de 1960 com a
chamada “Educação Libertadora”.
O objetivo desse artigo foi alcançado no que concerne a apontar essas
semelhanças, além de dialogar sobre a EAD.
Os estudos sobre este assunto necessitam ser desenvolvidos para que as linhas
de ensino possam integrar-se e revolucionar o que conhecemos por educação formal.
Esta continua com os ranços deixados pela educação bancária que, hoje, podemos
considerar ultrapassada e autoritária.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Bohumila. Universidade Aberta do Brasil. In Educação a Distância no
contexto brasileiro: experiências em formação inicial e formação continuada.
ARAÚJO, Bohumila, FREITAS, Katia Siqueira (Org.), Salvador: ISP/UFBA, 2007.
Disponível em < http://www.proged.ufba.br/ead/EADlivro2.pdf#page=169> Acessado
em: 29/12/2014.
BORBA, Marcelo de Carvalho; MALHEIROS, Ana Paula dos Santos; ZULATTO,
Rúbia Barcelos Amaral. Educação a Distância online. Belo Horizonte: Autêntica,
2008.
DIAS, Rosilânia Aparecida; LEITE, Lígia Silva. Educação a Distância: da legislação
ao pedagógico. Petrópolis, RJ: Vozes. 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
KAPLÚN, Mario. Una pedagogía de la comunicación. Madrid: Ediciones de la Torre.
1998.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed.35, 1993.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de
Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 5ª ed. 2003.
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das Mídias Digitais: linguagens, ambientes, redes.
Petropólis-RJ: Vozes, 2014.
ZANETTE, Elisa Netto; GIACOMAZZO, Graziela Fátima; FIUZA, Patricia Jantsch
(orgs.). Tecnologias e Inovações nas Práticas Pedagógicas: trajetórias e experiências.
Jundiaí: Palco Editorial, 2012.
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