III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014
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Variação Morfológica em Populações de Nematocharax cf. Venustus (Characiformes,
Characidae) em Bacias Costeiras da Bahia: Dados Preliminares
S. B. Barreto1*, L. A. Nunes1, A T. Silva2, R. Jucá-Chagas1, P. R. A. M. Affonso1 & D.
Diniz1
1
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, UESB
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP
*
Email para correspondência: [email protected]
2
Introdução
A família Characidae inclui a maior parte dos peixes do Brasil, sendo a maior e mais
complexa dentre os Characiformes (Nelson, 2006). Os representantes desse grupo
apresentam diversas formas corporais, o que lhes permite ocupar diferentes habitats e
desenvolver estratégias de vida variadas (Lowe-McConnell, 1999; Graça & Pavanelli,
2007).Dentro desta família, encontra-se o gênero Nematocharax, que, até recentemente,
era considerado um gênero monotípico de Characidae, composto apenas por
Nematocharaxvenustus, conhecido popularmente como tetra-véu. Esta espécie foi
originalmente descrita para o rio Jequitinhonha, em Minas Gerais, e atualmente consta na
lista da fauna brasileira ameaçada de extinção.Segundo estudos sobre composição e
distribuição de espécies de peixes, N. venustus habita também as drenagens do alto e baixo
rio de Contas, rio Cachoeira, rio Almada, rio Una, rio do Braço e rio Pardo (Menezes &
Lima, 2008). Nematocharaxvenustus apresenta um acentuado dimorfismo sexual, sendo
que os machos possuem as nadadeiras dorsal, pélvica e anal avermelhadas, com seus
primeiros raios alongados (Weitzmanet al., 1986). Vale ressaltar que dados sobre a
biologia desta espécie são quase inexistentes, tornando necessário reavaliar o seu status de
ameaça. Não obstante, uma nova espécie (Nematocharaxcostai) foi recentemente descrita
para o gênero na sub-bacia do rio Gongogi (região do baixo rio de Contas), na Bahia
(Bragança et al., 2013), o que traz uma série de dúvidas quanto ao status taxonômico das
populações pertencentes ao gênero Nematocharax, sobretudo no que se refere à bacia do
rio de Contas e às bacias adjacentes a esta. A morfometria geométrica é uma técnica que
permite a união do caráter geométrico das formas biológicas e a possibilidade de um
tratamento estatístico da variação (Monteiro; Reis, 1999), sendo capaz de descrever e
localizar mais claramente as regiões de mudanças na formacom base em marcos
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anatômicos homólogos.Em alguns casos, diferenças morfológicas entre as populações são
tão marcantes a ponto de sugerir a existência de espécies diferentes. Diante do exposto,
este trabalho teve como objetivo determinar, por meio da morfometria geométrica, se há
diferenças na forma do corpo entre as populações de Nematocharaxcf. venustus coletadas
em diferentes localidades das bacias do rio de Contas, Cachoeira e Almada, bem como
analisar esta variação da forma em função do tamanho dos indivíduos.
Material e Métodos
Foram avaliados 325 exemplares, provenientes de diferentes localidades das bacias do rio
de Contas, Cachoeira e Almada, no Estado da Bahia. O material foi obtido por empréstimo
das coleções científicas do Museu de Zoologia da UFBA (MZUFBA) e do Museu de
Biologia Professor Mello Leitão (MBML). Para as análises morfométricas, as imagens
foram obtidas com uma câmera digital Nikon P510 (16.1 megapixels) da vista lateral
esquerda dos espécimes, com escala métrica. Posteriormente, com o auxílio do software
TpsDig2 versão 2.16 (Rohlf, 2010), foram inseridos nas imagens 10 marcos anatômicos,
como segue: (1) região anterior do focinho; (2)região dorsal da cabeça; (3) região anterior
da inserção da nadadeira dorsal; (4) região posterior da inserção da nadadeira dorsal; (5)
região anterior da inserção da nadadeira adiposa; (6) região posterior da inserção da
nadadeira anal; (7) região anterior da inserção da nadadeira anal; (8) região anterior da
inserção da nadadeira pélvica; (9) inserção da nadadeira peitoral e (10) região ventral da
cabeça. A partir destes dados, foi efetuada a análise morfométrica utilizando-se o software
MorphoJ versão 2.0 (Klingenberg, 2011), onde primeiramente foi realizada a sobreposição
de Procrustes. Posteriormente, foi empregada a Análise de Variáveis Canônicas, a fim de
verificar as diferenças na forma do corpo entre as populações correspondentes às três
bacias hidrográficas consideradas. Em seguida, foi realizada uma Análise de Validação
Cruzada para verificar a precisão dos dados. Adicionalmente, uma Análise de Regressão
foi realizada para avaliar a variação da forma em função do tamanho dos indivíduos.
Resultados e Discussão
A Análise de Variáveis Canônicas CV1 e CV2 indicou diferenças significativas (p<0,001)
entre a forma do corpo dos peixes entre as bacias do rio de Contas, Almada e Cachoeira,
sendo que o primeiro eixo canônico explicou 81,43% da variação. A maior parte da
diferenciação morfológica está associada à cabeça e altura do corpo. A partir da Análise de
Validação Cruzada, foi possível verificar que mais de 80% dos indivíduos foram
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classificados corretamente dentro dos seus respectivos grupos. Segundo Wimberger
(1992), a forma do corpo dos peixes pode ser afetada por fatores genéticos, ambientais e
por interações entre variáveis como idade e tamanho. Neste caso, por se tratar de uma
análise preliminar, aliado ao fato de o material avaliado ser proveniente de coleções
biológicas, sem a descrição precisa e padronizada dos locais em que foram coletados, ainda
não é possível determinar as causas destas variações de forma entre as populações de
Nematocharax cf. venustus. No entanto, algumas hipóteses podem ser levantadas. As
divergências morfológicas entre populações coespecíficas podem, por exemplo, ser
resultado de diferentes pressões seletivas e usos do recurso, o que varia de acordo com o
habitat e/ou estrutura da comunidade em que estão inseridas. Langerhanset al. (2003),
estudando duas espécies de peixes neotropicais, Bryconopscaudomaculatus (Characidae) e
Biotodomawavrini (Cichlidae), verificaram que ambas as espécies apresentam diferenças
morfológicas, sobretudo quanto à orientação da boca e posição da profundidade máxima
do corpo, entre populações provenientes de ambientes lóticos e populações de ambientes
lacustres. De acordo com os autores, os padrões morfológicos observados são consistentes
com os princípios morfológicos funcionais, sugerindo divergência adaptativa entre
populações da mesma espécie. Outra hipótese remete ao isolamento geográfico ou
reprodutivo entre as populações das diferentes bacias, cabendo destacar que estas bacias
encontram-se atualmente isoladas em decorrência do nível do mar. A Análise de Regressão
também foi significativa (p<0,001), indicando que a forma do corpo varia em função do
tamanho dos indivíduos. De fato, diferenças no tamanho e na forma do corpo podem
resultar de diferenças ontogenéticas (Strauss & Bond, 1990) ou estarem relacionadas ao
dimorfismo sexual já documentado para a espécie, em que os machos são maiores do que
as fêmeas.A presença de dimorfismo sexual pode indicar diferenças nos papéis
reprodutivos ocupados pelos sexos, os quais influenciam os padrões de seleção e, portanto,
levam a diferenças sexuais na morfologia. Os machos devem ter adaptações que aumentam
a probabilidade de adquirir parceiras e de sucesso na competição com outros machos. As
fêmeas, por sua vez, devem estar sob seleção para processar e armazenar energia para
facilitar a produção da prole (Doradoet al., 2012).
Conclusão
A morfometria geométrica permitiu diferençar as populações de Nematocharax cf.
venustus, no que se refere à forma do corpo, tanto entre as localidades quanto entre o
tamanho dos indivíduos. Estes resultados permitem reconhecer que existe uma variação
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morfológica dentro da espécie, o que pode ser um importante instrumento para seu manejo
e conservação. Futuramente, a abordagem morfológica será complementada com estudos
citogenéticos e moleculares e um número maior de populações de outras bacias será
inserido, de forma a contribuir para a compreensão da complexidade morfológica da
espécie.
Agradecimentos
À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) pelo espaço cedido para a
realização deste trabalho.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio
financeiro na forma de bolsa de iniciação científica.
À Angela Zanata e Priscila Camelier do Museu de Zoologia da UFBA (MZUFBA) e à
Luisa Maria Sarmento-Soares e Ronaldo Fernando Martins-Pinheiro do Museu de Biologia
Professor Mello Leitão (MBML) pelo material cedido.
Literatura Citada
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