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C A PA
Após passar no
reator, a vinhaça se
transformará em
um biofertilizante
ainda melhor
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Setembro · 2015
A vez da
vinhaça!
PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
DO BIOMETANO ORIGINÁRIO DA
VINHAÇA PODE SER A REDENÇÃO DESSE
SUBPRODUTO DO ETANOL E MAIS UMA
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TADEU FESSEL
FONTE DE RENDA PARA O SETOR
C A PA
Luciana Paiva e Clivonei Roberto
Q
uando o Brasil colocou em prá-
nho, SP. O aumento de produtividade foi
tica o Programa Nacional do Ál-
de espantar. Há registros de áreas que no
cool (Proálcool), em 1975, o país
final da década de 1960, a produção era
assumiu não só o posto de maior produ-
de 30 toneladas por hectare, e com o auxí-
tor de álcool combustível do mundo, mas
lio da fertirrigação passou para 100 tone-
também o de maior produtor de vinhaça:
ladas. É que este subproduto é constituí-
resíduo do processamento industrial para
do por uma suspensão de sólidos, rico em
obtenção do álcool. Para cada litro de ál-
substâncias orgânicas e minerais, e com
cool, são produzidos cerca de dez a 13 li-
predominância do potássio.
tros de vinhaça.
Ainda na década de 1970, surgiram
Quanto mais se produzia álco-
pesquisas para produzir biogás a partir da
ol, maior o volume da vinhaça, o que se
vinhaça, mas o custo desse gás não era
transformou em um sério problema para
economicamente viável, e como a aplica-
as usinas: que destino dar ao famoso “ga-
ção da vinhaça in natura, em substituição
rapão?” Muitos desastres ambientais ocor-
total ou parcial às adubações minerais,
reram até que o empresário Maurilio Bia-
passou a ser um bom negócio para o se-
gi passasse a irrigar com vinhaça os solos
tor, as pesquisas para reduzir o custo da
fracos da Usina Santa Elisa, em Sertãozi-
produção do biogás esfriaram.
Canais de vinhaça levando
fertilidade aos canaviais
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Setembro · 2015
O Secretário João Carlos de Souza Meirelles assina Protocolo de Intensões durante a Fenasucro
Mas com a tecnologia de motores
mentos para o armazenamento, transpor-
flex, lançada em 2003, e que impulsionou
te e aplicação da vinhaça no solo agrícola,
grande aumento no volume da produção
pois a fertirrigação excessiva pode resul-
de etanol, a vinhaça produzida passou a fi-
tar em contaminação do solo e do lençol
gurar como excesso. Para se ter uma ideia:
freático.
se neste ano, a produção brasileira de etadução de vinhaça será superior a 300 bi-
A produção de biometano
a partir da vinhaça
lhões de litros.
Porém, um novo cenário aponta que
nol alcançar os 30 bilhões de litros, a pro-
E a prática de lançar a vinhaça inte-
o maior volume de vinhaça pode ser um
gralmente nas lavouras, como fertilizan-
ponto positivo e gerar lucro para a empre-
te, tem seu limite. A CETESB (Companhia
sa sucroenergética. A boa notícia aconte-
Ambiental do Estado de São Paulo) regu-
ceu na Fenasucro & Agrocana (Feira Inter-
lamentou normas técnicas tendo como
nacional de Tecnologia Sucroenergética),
objetivo estabelecer os critérios e procedi-
realizada no final de agosto de 2015 em
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C A PA
DIVULGAÇÃO GASBRASILIANO
de distribuição de gás natural e cuja ênfase é o biometano produzido a partir de
vinhaça.
Com investimento de R$ 16 milhões,
o projeto envolverá inicialmente a construção de uma planta de biodigestão na
Malosso Bioenergia, localizada em Itápolis, SP. Além de disponibilizar a área de implantação, a usina também será responsável pelo fornecimento da matéria-prima
(vinhaça). Luiz Roberto Zanardi, diretor da
Malosso, diz que foi muito bem-vinda a
proposta da GasBrasiliano e do Consórcio
de Investidores CSO. “Estamos a apenas 10
quilômetros de distância do canal de gás
da GasBrasiliano, o que facilitou essa par-
“Vamos comprar todo o excedente”,
afirma Walter Fernando Piazza Júnior
ceria”, diz.
A planta funcionará de maneira autônoma e será administrada por uma So-
Sertãozinho, SP. Durante a Feira houve o
ciedade de Propósito Específico (SPE) com
lançamento de um projeto pioneiro que
o Consórcio CSO, que é formado pela CR-
prevê a produção e distribuição de biome-
Xavier Consulting Bioenergia, Sagitta Con-
tano no Noroeste do Estado de São Paulo.
sultoria em Projetos de Energia Renovável
O projeto foi formalizada por meio
e Orion Biotecnologia. Toda produção e
de um Protocolo de Intenções assinado
purificação do biogás, de acordo com as
por representantes das empresas GasBra-
especificações da ANP (Agência Nacional
siliano, Consórcio CSO e Malosso Bioener-
do Petróleo, Gás Natural e Biocombustí-
gia, na presença do Secretário de Ener-
veis), serão de responsabilidade do grupo.
gia do Estado de São Paulo, João Carlos
“A SPE terá duração de 20 anos e, encer-
de Souza Meirelles. A parceria está alinha-
rado o prazo, ela poderá ser incorporada
da ao Programa Paulista de Biogás do Es-
à usina ou passar a fazer parte de outra
tado de São Paulo (Decreto nº 58.659, de
empresa”, afirma Carlos Alberto Xavier, da
04/12/2012), que prevê a obrigatorieda-
CRXavier Consulting Bioenergia.
de de comercialização de um percentual
O projeto terá capacidade de produ-
mínimo de biometano por meio das redes
zir 5 milhões de m³ de biometano ao ano,
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Setembro · 2015
volume que será comprado pela GasBrasi-
o produto às normas de segurança.
liano e injetado em sua rede de distribuição
De acordo com levantamento reali-
para atender consumidores das cidades de
zado pela Secretaria de Energia do Esta-
Itápolis e Catanduva. “Vamos comprar todo
do de São Paulo, o potencial de geração
o excedente e não há risco de atendimen-
de biometano proveniente da vinhaça das
to à demanda, pois caso ocorra qualquer
usinas de todo o Noroeste de São Paulo é
descontinuidade na produção do biogás,
de 10 milhões de m³ por dia, volume que
nós iremos complementar com o gás na-
equivale a 25% da produção nacional de
tural já presente em nossa rede”, esclarece
gás atualmente. “Hoje, podemos afirmar
o diretor-presidente da GasBrasiliano, Wal-
que o biogás da vinhaça é considerado o
ter Fernando Piazza Júnior.
‘pré-sal’ do Noroeste paulista. Ao substi-
Para receber o biometano em sua
tuir o gás fóssil pelo biometano, a GasBra-
rede de distribuição, a GasBrasiliano deve-
siliano reafirma seu compromisso com a
rá construir a rede de interligação, além de
sociedade, pois amplia a participação do
uma estação de medição, um cromatógra-
gás natural renovável na matriz energéti-
fo para monitorar a qualidade do biome-
ca de São Paulo, se alinhando totalmente
tano dentro das especificações da ANP, e
ao Programa Paulista de Energia”, comple-
um sistema de odorização, que adequará
ta o executivo.
A primeira planta
será instalada na
Malosso Bioenergia
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C A PA
O que é o biometano
Os diferenciais do projeto
José Waldir Ferrari, diretor técnico
De acordo com Carlos Alberto Xavier,
comercial da GasBrasiliano, explica que o
da CRXavier Consulting Bioenergia, o atu-
biometano – que alguns chamam de bio-
al projeto difere de outras pesquisas sobre
gás – é um combustível quase que idênti-
a produção de gás da vinhaça, principal-
co ao gás natural convencional que circula
mente porque é economicamente viável.
na rede de distribuição. São basicamente
“Quando idealizamos nosso projeto, pen-
combustíveis à base de metano. “O com-
samos em uma planta com altíssimo po-
bustível com alta concentração de me-
tencial energético. Também empregamos
tano queima melhor, traz melhor rendi-
o mais baixo custo de construção e ope-
mento ao motor e baixíssima emissão. A
ração para chegar ao menor valor possível
queima é completa. Não
há resíduo nenhum nessa queima. A combustão
completa traz eficiência
e baixa emissão. É combustível nobre, Premium,
e está disponível nas usinas”, salienta.
De acordo com Ferrari, a Malosso Bionergia deve começar, já no
início, a produzir 10 mil
metros cúbicos por dia,
o que é bastante gás. A
Luiz Roberto Zanardi: “proposta bem-vinda”
Malosso é empresa relativamente pequena. A previsão de moa-
ao produto final”, salienta.
gem para a safra 2015/16 é de 800 mil to-
Xavier observa que na Alemanha
neladas de cana. Mas a estimativa é que as
existem mais de sete mil plantas de bio-
maiores unidades do Estado de São Paulo
gás gerando energia, mas só que o incen-
possam produzir até 50 mil metros cúbi-
tivo para sua produção é superior a 110
cos de gás. “Se fizermos o aproveitamen-
euros por megawatt/hora, fora o preço
to disso, temos oferta de um combustível
ganho pela comercialização de energia.
novo, renovável, ambientalmente reco-
Porém, essa não é a realidade do Brasil,
mendado e em larga escala.”
o que leva a trabalhar baseado na redu-
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Setembro · 2015
ção de custo e aproveitamento total. “Outros projetos desenvolvidos na década de
1970 ou que estão em desenvolvimento
em Pernambuco e Paraná, o custo é cinco vezes maior que o nosso custo, porque
nossas instalações e as operações são baratas e sem o uso de insumos. Produzimos
5 mil metros³/hora de biogás e consumimos 4 metros³ de água, esse é o único insumo utilizado.”
Além do menor custo de produção,
outro importante fator que viabiliza o projeto, ressalta Xavier, é a diversidade de opções de o que fazer com o biogás. “O gás
pode ir para o gasotudo; ou ser transportado comprimido em caminhões; ser transfor-
Xavier: “Não é um milagre,
mas um excelente negócio”
mado em energia elétrica por meio de um
motor ciclo-otto e ajudar a biomassa para
Uma das primeiras ações da GasBra-
maior ou produção de energia ou geração
siliano neste projeto, segundo Ferrari, foi
o ano todo; ou ainda substituir o diesel nas
mapear, na sua área de concessão no es-
frotas das usinas.” Para Xavier, tudo depen-
tado de São Paulo, o número de unidades
derá do que for mais rentável no momento.
abrangidas, que são um total de 167 usinas de cana-de-açúcar. “Temos inclusive
Biometano na rede
a informação da distância entre cada uni-
Ferrari salienta que as soluções estu-
dade e a nossa rede de distribuição.” São
dadas até hoje se baseavam na compres-
distâncias variadas, como 10 km, 12 km,
são desse gás para transporte até o centro
15 km, por exemplo, que, segundo Ferra-
de consumo. A partir desse projeto, o gás
ri, são extensões relativamente pequenas
produzido na usina é transportado até a
e que permitem viabilizar a instalação de
rede por meio de um novo gasoduto, que
um gasoduto até tais unidades. “Para vo-
fica a cargo de ser construído pela Gas-
lumes dessa ordem, de 8 mil, 10 mil me-
Brasiliano – diferente das usinas que, para
tros cúbicos, posso fazer uma rede de 10
venderem energia para o sistema elétrico,
km para capturar esse gás. Essa captação é
precisam investir na conexão até a subes-
controlada: o gás fornecido é medido, au-
tação mais próxima.
torizado e levado até a rede principal da
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DIVULGAÇÃO GASBRASILIANO
C A PA
Área de abrangência
da GasBrasiliano
empresa, por gasodutos feitos pela pró-
na, feito a partir da vinhaça, entrará menos
pria GasBrasiliano.”
gás na rede, mas o nosso gás originário das
Uma preocupação para a usina poderia ser: o que acontece quando não tenho
reservas continuará sendo distribuído da
mesma forma”, responde Ferrari.
gás para fornecer? “Comercialmente nossa
intenção é fazer contrato flexível, de forma
Redução do custo do diesel
que, se eventualmente deixar de produ-
Para Xavier, a melhor opção de ga-
zir ou não produzir na quantidade contra-
nho com o biometano para o setor sucro-
tada, não há nenhuma consequência co-
energético é usá-lo para substituir o diesel
mercial, porque a nossa rede vai continuar
na frota das usinas. Segundo ele, 1 metro³
cheia, completa e vai continuar atenden-
de biometano substitui 1 litro de diesel, e
do nossos clientes. Esse gás é um gás novo
apenas o setor paulista consome por ano
que será introduzido na rede e se deixar de
1,3 bilhão de litros de diesel. “Temos como
existir, não fará diferença. Na rede não se
produzir 1,3 bilhão de metros³ de biogás
estoca e não se armazena gás, se distribui
e em teoria substituir todo o consumo de
o gás disponível. Se não vier o gás da usi-
diesel da frota canavieira paulista. Mas
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Setembro · 2015
tecnicamente, isso será possível em torno
gamento e transporte, mas as colhedoras
de 50% a 60% da frota, porque será neces-
e transbordos respondem por quase 3 li-
sário converter caminhões, tratores e má-
tros. Hoje, quase 20% do custo da cana na
quinas em motor dual-feel (movido a die-
esteira da usina vem do diesel.
Xavier informa que, de acordo com
conversão, ou poderão utilizar 100% gás.”
a Bosh, cerca de 65% das colhedoras po-
Essa prática já ocorre nos Estados
derão trocar o diesel pelo gás. “Já temos
Unidos desde 1990, e na Europa, onde os
protótipos de caminhões para abastecer
caminhões, como Volvo e Scania, já saem
as colhedoras com gás na frente de corte”,
da fábrica com essa conversão, conta Xa-
diz. Nos caminhões, a conversão poderá
vier, salientando que o dispositivo reduz
ser de até 83%. “Se conseguirmos substi-
o consumo em torno de 25% sem dimi-
tuir 60% com gás os 1,3 bilhão de litros
nuir a potência. O consultor informa que
de diesel consumidos por ano pela frota
são utilizados quatro litros de diesel para
das usinas paulista, significará deixar de
cada tonelada de cana processada, sendo
usar 780 milhões de litros de diesel”, cal-
que 80% deste custo vem do corte, carre-
cula o consultor. A conversão dos motoDIVULGAÇÃO GASBRASILIANO
sel e gás) e nem todos possibilitam essa
O gás da vinhaça vai entrar no gasotudo que leva o gás natural
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C A PA
res e a operação de levar o gás até a fren-
subproduto só irá fazer um pit-stop no re-
te de colheita fica por conta do investidor,
ator e sair, salienta Xavier. Assim, as usi-
a usina não se preocupa com isso, salienta
nas continuarão utilizando a vinhaça para
Xavier. O que ela fará é adquirir o biome-
a fertirrigação. Porém, no processo de rea-
tano por um valor menor que o do diesel,
ção, o nitrato e nitrito presentes na vinha-
por exemplo: uma usina que mói três mi-
ça serão transformados em amônia, que
lhões de toneladas, consome por safra 12
terá o pH neutralizado e sua temperatura
milhões de litros de diesel. Se hoje o litro
será reduzida para abaixo de 40°. Esse bio-
do combustível está R$ 2,50 e a usina pa-
fertilizante, por ter uma concentração de
gar pelo gás R$ 2,0 o metro³, vai deixar de
potássio melhor, não satura o solo. “Após
gastar R$ 6 milhões no ano.
a produção do biogás, a vinhaça retornará
à usina ainda mais concentrada e benefi-
Biofertilizante enriquecido
ciada, pronta para ser usada na fertirriga-
A produção do biometano não irá
ção”, explica Luiz Roberto Zanardi, diretor
reduzir a quantidade da vinhaça, pois o
da Malosso Bioenergia.
Só as usinas de São Paulo consomem por ano 1,3 bilhão de litros de diesel
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Setembro · 2015
Ferrari: “ a cana é uma planta milagrosa
O empresário não precisa
colocar a mão no bolso
dução do biometano será para o segun-
Xavier acredita que agora sim é a vez
há quase 20 cartas de intensão de usinas
da vinhaça, até porque, neste projeto, “se
para adesão ao projeto. Mas primeiro eles
o empresário quiser não tem de colocar a
querem construir a planta na Malosso, co-
mão no bolso”. São oferecidos vários mo-
locá-la em funcionamento, injetar o gás na
delos de negócio: apenas o fornecimento
rede, para depois apresentar aos interes-
da vinhaça; a usina ser a dona sozinha do
sados o projeto na prática.
do semestre de 2017. Xavier conta que já
negócio; ou ter a participação de investi-
Essa possibilidade de produzir um gás
dores. No caso da Malosso, será uma par-
renovável parece estar empolgando a Gas-
ceria não onerosa para a usina. Neste pro-
Brasiliano. Pelo menos o diretor técnico co-
jeto de produção de biometano, salienta
mercial, José Waldir Ferrari, se rendeu à cana.
Ferrari, não há subsídio governamental,
“Como se diz, a cana é uma planta milagro-
não há participação de governo. O preço
sa. É o único vegetal que consegue transfor-
do gás dá sustentação econômica para a
mar com maior eficiência possível a energia
produção do biogás por meio da vinhaça.
solar em outras fontes de energia”, declarou.
A previsão do início da construção
Agora é torcer para que esse projeto possi-
da planta da Malosso é para 2016, logo
bilite também à vinhaça fazer bonito e cair
após o fim do período de chuvas, e a pro-
na graça dos investidores e do setor.
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