Observatório Político Sul-Americano
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ/UCAM
As negociações comerciais intra e extra-Mercosul
Análise de Conjuntura OPSA (nº 3, fevereiro de 2005)
Pedro da Motta Veiga*
EcoStrat Consultores
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Introdução
No começo da década de 90, com a constituição do Mercosul e a Rodada Uruguai do
GATT, as negociações comerciais ganharam relevância na agenda de política comercial e,
mais amplamente, de política externa do Brasil.
Quinze anos depois, o projeto de
integração sub-regional vivia sua crise mais profunda, mas as negociações comerciais do
país passaram a integrar a agenda de política doméstica.
Um impulso significativo para que o tema das negociações comerciais passasse a fazer
parte da agenda de política doméstica veio das negociações do Mercosul com seus grandes
parceiros econômicos desenvolvidos: os EUA e a União Européia. As negociações com
estes parceiros envolvem uma ampla gama de temas (alguns não estritamente comerciais) e
prevêem o estabelecimento de áreas de livre comércio, ou seja, a eliminação de barreiras
comerciais para a (quase) totalidade dos produtos. Mais recentemente, a multiplicação de
focos de tensão comercial entre Brasil e Argentina e as dificuldades para dar conteúdo
efetivo às intenções políticas de relançar o bloco sub-regional conferiram aos problemas
internos do Mercosul um grau inédito de publicidade e geraram, entre distintos atores
sociais, reações e posicionamentos os mais diversos.
Esta nota pretende sintetizar algumas características marcantes e a evolução recente do
processo de integração sub-regional e das negociações externas (preferenciais) do bloco
*
Sócio-Diretor da EcoStrat Consultores, consultor permanente da CNI e integrante da lista indicativa de
panelistas da OMC.
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com seus grandes parceiros econômicos do Norte. Os processos aqui considerados não dão
conta de todas as negociações em que o Mercosul está envolvido, deixando de fora em
especial as negociações Sul – Sul (com a CAN, a África do Sul e a Índia, entre outros) e as
negociações multilaterais na OMC, onde cada país do bloco sub-regional negocia
separadamente. A nota se conclui com uma discussão muito sucinta acerca dos dilemas que
as negociações preferenciais aqui analisadas colocam para a política comercial brasileira.
As negociações intra-Mercosul e sua evolução recente
A constituição do Mercosul representou uma ruptura bem vinda na história de iniciativas
frustradas de integração na América do Sul. Funcional aos objetivos de liberalização
comercial e de reorientação dos modelos nacionais de desenvolvimento, que se tornaram
hegemônicos nos países do Cone Sul, no início da década de 90, o processo de integração
adotou uma metodologia baseada na eliminação gradual, automática e universal das
barreiras ao comércio entre países-membros.
A intensidade da expansão dos fluxos de comércio entre os países membros, até 1997 – em
um período em que as importações de extra-zona também aumentaram consideravelmente –
é o indicador mais eloqüente do sucesso da iniciativa. Em conseqüência, a integração
contribuiu de forma importante para modificar o nível de interdependência entre os paísesmembros, não só através do crescimento dos fluxos de comércio e de investimentos, mas
também ao facilitar projetos e iniciativas baseados na vizinhança geográfica.
Mas o aumento da interdependência entre os países-membros também implicou que a
instabilidade econômica de um ou mais sócios se transmitisse com maior intensidade aos
vizinhos através dos fluxos comerciais. Isto ocorreu intensamente nos primeiros anos do
Mercosul, gerando conflitos comerciais entre os países-membros, mas não foi capaz de
reverter o processo.
A gênese das dificuldades atuais enfrentadas pelo Mercosul remonta ao período póstransição para a União Aduaneira (1995/1997), quando o comércio intra-regional ainda se
encontrava em uma trajetória de franca expansão e o Mercosul vivia sua melhor fase.
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Divergências de percepções e interesses entre os sócios tornaram inviável implementar a
agenda de consolidação e aprofundamento consensada em dezembro de 1995. De maneira
geral, o Mercosul passou a conviver com um gap crescente de implementação das medidas
acordadas, o que gerou impactos negativos crescentes sobre a credibilidade do projeto de
integração.
Parece hoje claro que as principais dificuldades da integração começam a se manifestar
quando o processo ultrapassa sua etapa mais simples, do ponto de vista institucional, e
menos conflituosa, do ponto de vista da política doméstica dos países-membros. Esta etapa
mais simples do processo de integração coincidiu com o período de transição para a União
Aduaneira (1991-1994).
Os requerimentos institucionais dos objetivos estabelecidos para esta fase foram mínimos:
o processo baseou-se essencialmente em um mecanismo linear e universal de desgravação
tarifária, que – uma vez acordado pelas autoridades nacionais praticamente sem consulta
aos setores privados – passou a funcionar automaticamente. Outros objetivos do Tratado de
Asunción, como os acordos setoriais, mais intensivos em requerimentos de coordenação,
acompanhamento e avaliação – portanto, mais intensivos em conteúdo institucional –
tiveram papel absolutamente marginal nesta fase.
Concluída a transição para a União Aduaneira – a negociação da TEC e a assinatura do
Tratado de Ouro Preto sendo os últimos atos deste processo – a agenda interna do bloco
muda de foco, para enfatizar temas não diretamente relacionados ao comércio de bens e à
circulação transforteiriça de mercadorias. A Agenda 2000, estabelecida em Montevideo, em
dezembro de 1995, explicita formalmente este deslocamento do foco da agenda.
As dificuldades enfrentadas na abordagem da agenda não diretamente comercial não são
exclusivas do Mercosul. Mas elas certamente se acentuaram neste processo, em função da
assimetria de tamanhos entre países-membros, que gera uma estrutura muito heterogênea de
incentivos entre estes países para abordar a agenda de aprofundamento da integração, e da
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natureza do compromisso político do país maior do bloco – marcado pela ambigüidade e
pela dificuldade para arcar com os custos da liderança - com o processo de integração.
A partir da crise asiática, no segundo semestre de 1997, as dificuldades do Mercosul
tornaram-se mais explícitas e este quadro somente seria agravado com a desvalorização do
real em 1999. Os reflexos sobre o comércio intra-regional foram expressivos. O comércio
brasileiro com os sócios, em 2002, representava menos da metade dos valores registrados
em 1997.
A partir de 1998, assistiu-se à estagnação dos níveis de interdependência entre os países do
Mercosul, cresceram os incentivos para a adoção, pelos países-membros, de medidas
defensivas unilaterais e as divergências intra-bloco foram crescentemente politizadas dentro
de cada país, levando a uma forte deterioração das percepções nacionais acerca dos
impactos da integração e da contribuição desta para o crescimento dos países-membros.
A adoção, em junho de 2000, da agenda de relançamento do Mercosul representou a
tentativa de reversão do quadro de deterioração, através da adoção de uma agenda positiva
de superação de conflitos e de estabelecimento de novas regras e disciplinas. No entanto, a
iniciativa não pode reverter a deterioração de expectativas em relação ao futuro do bloco,
que se aceleraria, em seguida, em quadro marcado pelo agravamento da crise Argentina.
Superada a fase mais aguda da crise macroeconômica na região, com a desvalorização do
peso e o fim da conversibilidade da moeda argentina, o ano de 2003 trouxe novo alento às
expectativas de revigoramento do comércio na sub-região. Além disso, a eleição, no Brasil
e na Argentina, de novos presidentes favoráveis ao Mercosul e críticos da liberalização
empreendida em ambos os países nos anos 90 foi interpretada por alguns analistas como um
fator positivo para o futuro do bloco e para a recuperação da perspectiva estratégica do
projeto.
Neste novo cenário, o Mercosul pode lograr alguns avanços importantes – na área de
comércio de serviços, compras governamentais e solução de controvérsias – mas as tensões
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intra-bloco foram realimentadas pela combinação do aumento do contencioso com a adoção
de medidas de proteção unilaterais na Argentina contra exportações brasileiras e pelo
surgimento de dificuldades de coordenação entre os sócios na elaboração de ofertas de
acesso a mercados de bens nas negociações da ALCA e com a União Européia. De fato, à
medida que essas negociações foram caminhando para etapas mais decisivas, aumentaram
as dificuldades para a construção de ofertas conjuntas, refletindo, em grande medida, as
diferenças de interesses dos membros com relação à estrutura de proteção mais adequada
(diferenças em relação à TEC).
Com isto, não se registrou, na evolução recente do Mercosul, o salto de qualidade que
alguns esperavam a partir da superação da fase mais aguda da crise argentina e das eleições
de Lula e Kirchner. Apesar dos avanços pontuais obtidos, o recrudescimento de tensões
setoriais ensejou, no Brasil e na Argentina, manifestações – sobretudo entre setores
empresariais – favoráveis à revisão do modelo de integração, algumas das quais
propugnando que o Mercosul se limitasse a ser uma área de livre comércio e abandonasse a
ambição de evoluir para um projeto de integração profunda.
Independente da posição que se adote em relação do modelo de integração mais adequado
às características dos países-membros do Mercosul, há que se reconhecer que a crise do
bloco é profunda. De fato, ao déficit de institucionalização acumulado a partir de 1995
soma-se, no período mais recente, o aprofundamento das assimetrias estruturais entre as
economias brasileira e argentina: entre 1998 e 2003, as diferenças de tamanho e de
competitividade entre a grande maioria dos setores manufatureiros dos dois países só
fizeram crescer (em favor da economia brasileira) e é este fator estrutural que está na
origem das medidas protecionistas argentinas.
O Governo brasileiro, de seu lado, defende uma postura auto-qualificada como de paciência
estratégica e que seria mais adequadamente denominada de “unilateralismo benévolo”:
incita-se a Petrobrás a investir na Argentina, propõem-se mecanismos financeiros para
fomentar importações brasileiras provenientes da Argentina, mas resiste-se duramente a
aceitar negociar regras e disciplinas sub-regionais que possam vir a limitar as margens de
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liberdade do Governo no manejo de políticas consideradas domésticas – embora tais regras
constituam parte essencial da agenda de qualquer processo de integração econômica mais
profunda.
As negociações da ALCA e com a União Européia
(i) A ALCA
As negociações para a constituição da ALCA se iniciaram em meados dos anos 90, mas só
adquiriram densidade a partir de 1998/1999, quando se aprofundaram as discussões sobre o
conteúdo dos capítulos que deveriam compor o acordo. Pelo menos em parte, os avanços
obtidos neste processo remetem à consolidação de uma ampla coalizão pró-Alca com adeptos
na grande maioria dos governos e setores privados dos países latino-americanos e à operação de
uma dinâmica negociadora fortemente estruturada com base em Grupos de Negociação que se
reúnem diversas vezes ao ano e apoiada tecnicamente por organizações internacionais (BID,
CEPAL e OEA) e administrativamente por uma Secretaria especificamente criada com este
fim, o que assegura às negociações uma estabilidade e freqüência que não se encontra em
outros casos.
A declaração da reunião ministerial de Buenos Aires (abril de 2001) estabeleceu os prazos
para o final das negociações (janeiro de 2005) e a entrada em vigor do Acordo (final de
dezembro de 2005). A ministerial seguinte, realizada em Quito, em novembro de 2002,
marcou – de acordo com o cronograma oficial da ALCA – o início da última etapa das
negociações deste acordo. Ao final da Reunião, Brasil e EUA assumiram a co-presidência
do Comité de Negociações Comerciais, cargo que deveriam exercer até o final das
negociações.
A partir de 2002, o dinamismo do processo negociador começou a se reduzir. Naquele
momento, parte desta dificuldade estava certamente relacionada ao número e à diversidade
das partes negociadoras: há países de todos os tamanhos, com níveis gritantemente
heterogêneos de desenvolvimento - os menores não são necessariamente os mais pobres, os
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grandes não são por definição desenvolvidos ou ricos, etc. A ALCA é o único exercício de
negociação de uma área de livre comércio “de nova geração” a englobar um número
expressivo de países com níveis muito distintos de desenvolvimento e certamente paga um
preço elevado por esta característica.
Mas as dificuldades que começaram a se evidenciar a partir de 2002 também estão
relacionadas ao fato de que uma negociação desta natureza requer liderança e o país que
lançou o projeto de liberalização hemisférica – os EUA – não parecia, à medida em que se
avançava para a fase de negociações substantivas e de troca de concessões, disposto a
exercer tal papel e sobretudo a pagar um preço para fazê-lo. Na realidade, o fortalecimento
do unilateralismo como forma preferencial de exercício do poder dos EUA na área de
política comercial afetou de perto as negociações hemisféricas: os EUA fizeram ofertas de
acesso a mercados diferenciadas segundo grupos de países – começando a minar, no projeto
hemisférico, o princípio de nação mais favorecida e a “multilateralização” das concessões e
abrindo a porta para o bilateralismo como via preferencial para as negociações dentro da
ALCA. Na mesma direção iam as freqüentes declarações de representantes comerciais dos
EUA de que dificuldades para concluir as negociações da ALCA os levariam a negociar
acordos bilaterais com países ou grupos de países na América Latina.
A partir de 2003, ganharam relevância, no elenco de dificuldades para avançar nas
negociações da ALCA, as divergências de agenda entre Brasil e EUA, os dois copresidentes do processo negociador naquela que deveria ser sua etapa de conclusão. Os
temas que compõem o lado ofensivo da agenda brasileira – agricultura e anti-dumping –
são tratados pelos EUA como “temas sistêmicos”, a serem negociados primeiro na esfera
multilateral. Em contraposição, os temas prioritários para os EUA, como investimentos,
serviços, acesso a mercados para bens industriais, encontram-se no pólo defensivo da
agenda brasileira.
Especialmente na área de serviços, investimentos, compras governamentais e direitos de
propriedade intelectual, a negociação na ALCA se caracterizou, desde o início, por uma
forte polarização de posições entre as posições minimalistas do Brasil – tanto em termos de
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regras quanto de acesso – e as posições maximalistas dos EUA. Para o Brasil, a estratégia
central nestas negociações foi a de preservar ao máximo sua estrutura regulatória de
compromissos na área de regras que possam limitar sua margem de manobra para a
implementação de políticas industriais. Já os EUA “empurraram” estes temas nas
negociações hemisféricas, utilizando o NAFTA como paradigma para a arquitetura dos
capítulos.
Embora o governo Lula tenha tornado ainda mais minimalista a posição brasileira em
relação ao tratamento destes temas, a polarização entre Brasil e EUA nestas áreas de
negociação, na ALCA, remonta a pelo menos 1998/9, quando se começou a negociar mais
detalhadamente os textos dos capítulos de um futuro acordo. Na realidade, divergência
análoga já esteve presente nas negociações para o lançamento da Rodada Uruguai, em
meados da década de 80, quando os EUA patrocinaram a ampliação da agenda para incluir
serviços, investimentos e direitos de propriedade intelectual e o Brasil fez parte ativa do
grupo de países em desenvolvimento que resistiram intensamente a estas propostas.
Isto significa que a divergência bilateral sobre a ampliação da agenda de negociações
comerciais – e, uma vez a agenda ampliada, sobre modalidades e objetivos das negociações
nas novas áreas – é profunda e tem raízes em fatores domésticos não circunstanciais nos
dois países, além de se referenciar ao debate sobre os limites do paradigma de
convergências (ou harmonização) de políticas entre países com tradições, práticas e
instituições diversas. Vale lembrar que esta divergência é essencialmente bilateral, não
sendo a posição brasileira automaticamente compartilhada pelos sócios do Mercosul.
Ao longo de 2003, a posição brasileira evoluiu no sentido de propor um escopo de
negociações muito mais limitado do que o que vigorava até então. Diante do impasse que se
seguiu ao enrijecimento da postura brasileira, a Reunião Ministerial de Miami, em
novembro último, definiu que a ALCA será um acordo de dois pisos, o primeiro dos quais
conterá os direitos e obrigações a serem compartilhados por todos os países. O segundo
piso será composto por acordos temáticos mais profundos que serão negociados e assinados
apenas pelos países que o desejarem. Ou seja, abandonou-se o single undertaking e
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remetem-se as propostas mais ambiciosas para o segundo piso, reduzindo, na mesma
proporção, o escopo e os objetivos da “ALCA multilateral”.
No entanto, este acordo, patrocinado por Brasil e EUA, não ensejou a retomada das
negociações da ALCA: o conteúdo do acordo de primeiro piso e a natureza das relações
entre este acordo e os acordos de segundo piso não foram definidos em Miami, de tal forma
que novas divergências não tardaram a se manifestar entre os dois países no que se refere
ao detalhamento do acordo de Miami. Ao mesmo tempo, tanto Brasil quanto os EUA
investiram, em 2004, em uma estratégia de negociações bilaterais no Continente
Americano: os EUA fecharam um acordo de livre comércio com os países centroamericanos e a República Dominicana e negociam acordo semelhante com três países
andinos. De seu lado, o Brasil concluiu um acordo de livre comércio – menos ambicioso do
que o modelo promovido pelos EUA - com os países da CAN e deve começar a negociar
com o Canadá um acordo de livre comércio em 2005.
Neste quadro, é a própria idéia de uma negociação hemisférica que perde sentido, pelo
menos no curto prazo. Fortalece-se a cada dia a rede de acordos bilaterais de comércio no
Hemisfério e esta multiplicação de iniciativas tende a reduzir os incentivos para que se
busque uma negociação entre todos os países até então envolvidos na ALCA. No que se
refere às negociações entre o Mercosul e os EUA, o cenário mais provável aponta para a
retomada do processo em bases bilaterais (4+1) e com a agenda concentrada em temas de
acesso a mercados para bens e serviços, questões relacionadas a regras e disciplinas sendo
remetidas às negociações da OMC.
(ii) Mercosul - União Européia
A União Européia é o principal parceiro comercial do Mercosul e a principal origem dos
fluxos de investimento direto externo dirigidos à sub-região. As negociações bilaterais entre
os dois blocos regionais tiveram início com a assinatura, em novembro de 1995, de um
Acordo de Associação Inter-regional. O Acordo, genérico em seus objetivos e métodos,
cobre temas comerciais e econômicos, mas também inclui uma dimensão política e outra de
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cooperação, seguindo um modelo adotado pela União Européia em seu relacionamento com
outras regiões ou países em desenvolvimento.
As negociações passaram das intenções aos atos em junho de 1999 e em abril de 2000 foi
realizada a primeira reunião do Comitê de Negociações Birregionais, estabelecendo
programas de trabalho para as áreas de comércio, cooperação e diálogo político.
Na área comercial, os principais objetivos das negociações envolvem a liberalização
recíproca das condições de acesso aos mercados de bens, o estabelecimento de disciplinas
comerciais, a liberalização do comércio de serviços e dos fluxos de investimentos, o acesso
aos mercados de compras governamentais, a proteção dos direitos de propriedade
intelectual, etc.
As negociações entre o Mercosul e a União Européia evoluíram muito lentamente, ao longo
dos últimos dois anos. Houve, ao longo de 2001, uma primeira troca de ofertas de
liberalização na área de bens, mas ambas propostas foram avaliadas pelas partes como
muito insatisfatórias.
O passo seguinte, nesta área de negociação, foi a apresentação, pelo Mercosul, de oferta
revisada, em março de 2003. A evolução da oferta do Mercosul foi significativa, abrindo
novas perspectivas para a continuidade do processo. Nas áreas de serviços e investimentos,
à diferença do que ocorre na ALCA, não há divergências entre as partes no que se refere à
arquitetura dos capítulos. De fato, a União Européia aborda tais temas, em suas negociações
com o Mercosul, dentro de uma ótica muito mais palatável às “preferências de política”
dominantes no Brasil: negociações de serviços e investimentos dentro da arquitetura dos
acordos da OMC e concentrados em investimentos diretos, inexistência de mecanismo de
solução de controvérsias investidor – Estado, etc.
À medida que avançavam as negociações nas diferentes áreas, aumentavam as
preocupações com o tema agrícola, onde se concentram tanto as resistências européias à
liberalização dos mercados quanto as expectativas de ganhos derivados do acordo para o
Mercosul. A revisão da Política Agrícola Comum – PAC, em 2004, abriu algum espaço
para que a Comissão Européia fizesse ofertas de cotas para produtos agrícolas e agro-
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industriais do Mercosul, mas estas ofertas, além de receberem pesadas críticas da parte de
governos de países-membros da UE, foram consideradas insuficientes pelos governos e
setores exportadores do Mercosul.
Em outubro de 2004, as duas partes concluíram ser impossível “fechar”, até o final do ano,
o acordo, não apenas pela divergência remanescente na área agrícola, mas também pelo
fato de que muito pouco se avançara até então em temas técnicos de extrema relevância na
área de bens industriais: regras específicas de origem, tratamento de produtos beneficiados
pelo regime de drawback, etc.
O Brasil e as negociações intra e extra – Mercosul: os dilemas da política comercial
O paradoxo da situação atual do Brasil, no campo das negociações comerciais, é a
participação em diferentes – quanto a parceiros, objetivos e metodologias - processos de
negociação sem que se tenha gerado internamente no país um consenso acerca (i) da
conveniência de aprofundar a integração internacional da economia brasileira – através do
aumento dos coeficientes de exportação e de importação da economia - bem como (ii) dos
benefícios potenciais da transferência parcial de soberania econômica requerida por um
projeto de integração mais profunda, como pretende ser o Mercosul.
No que se refere às perspectivas de aprofundamento da integração internacional da
economia brasileira, foi a partir das negociações com países desenvolvidos – e, em especial,
da ALCA – que este tema ganhou relevância na agenda doméstica de política, nos últimos
anos. Ainda prevalecem, no debate político brasileiro, as posições que vêem nestas
negociações – e sobretudo na ALCA – muito mais riscos do que oportunidades, como se o
Brasil pudesse ignorar não apenas os ganhos potenciais que se pode associar a estes
acordos, mas também os custos de se “auto-excluir”.
Uma crítica difundida à concretização deste tipo de acordos sugere que os ganhos
potenciais a serem obtidos pelo Brasil seriam pequenos, pois EUA e União Européia não
abrirão mão, em negociações preferenciais, de seus principais mecanismos de proteção à
produção doméstica. Este argumento ganhou força a partir do final dos anos 90, quando o
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ambiente comercial internacional começou a se deteriorar: as resistências européias à
revisão da ultra-protecionista Política Agrícola Comum se revelaram extremamente fortes e
os EUA passaram a recorrer com maior freqüência a instrumentos de defesa comercial
(antidumping e salvaguardas), ao mesmo tempo em que, já no início do século XXI,
renovavam sua política de apoio doméstico à produção agrícola, abundantemente apoiada
em subsídios.
Numa visão menos crítica a tais acordos, os ganhos das exportações brasileiras nos
mercados dos EUA e da União Européia podem ser significativos, mesmo na hipótese de
que não se eliminem todas as barreiras comerciais ou distorções domésticas que afetam o
acesso àqueles mercados. Por outro lado, se estes acordos autorizarem a preservação de
mecanismos de proteção a produtos sensíveis – o que é muito plausível - isto também pode
ser utilizado pelo Brasil para evitar impactos traumáticos sobre segmentos pouco
competitivos de sua indústria.
Em relação ao Mercosul, a atitude dominante no Brasil ainda é de ambigüidade em relação
ao projeto: avaliado positivamente por seu potencial para alavancar a capacidade de
negociação de seus membros (inclusive o Brasil) e para beneficiar as exportações
industriais do país, o projeto sub-regional torna-se “excessivo” quando requer o
estabelecimento de regras e disciplinas que cerceiam a liberdade de seus membros – ou
seja, do Brasil - para fazer políticas.
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