Correio Braziliense/DF, 22 de agosto de 2008
STF | Ministros Aposentados | Ministro Carlos Velloso
Sebastião Alves dos Reis, o homem, o jurista, o juiz
OPINIÃO
Carlos Mário Velloso
Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal ( STF)
Os mineiros notáveis estão nos deixando. Recentemente, morreu Abílio Machado Filho. Depois,
José Cabral. E, no dia 9 deste, faleceu o ministro Sebastião Reis, com quem convivi por mais de 40 anos.
O nosso ingresso na magistratura federal ocorreu em
1967. Deveríamos instalar, em Minas, a Justiça Federal. Éramos seis juízes: Pereira de Paiva, Sebastião
Reis, eu próprio, Fernando Pinheiro, João Toledo e
Gilberto Lomônaco. Pereira de Paiva, titular da 1ª
Vara, ficou incumbido, com os demais colegas, da
instalação da Justiça. Sebastião Reis e eu fomos designados para despachar e decidir mandados de segurança, habeas corpus e demais medidas urgentes.
Não dispúnhamos de gabinete, de papel, de máquina
de escrever, de servidores. Acomodamo-nos no gabinete de uma das varas da Fazenda Pública do estado, que se encontrava vaga. Assentávamos num
mesmo birô. Ali, com o auxílio dos servidores da vara, a Justiça Federal de Minas decidiu os primeiros
mandados de segurança, os primeiros habeas corpus, as primeiras medidas urgentes, que não foram
poucas.
Conheci, no convívio diário e diuturno, primeiro, o
homem Sebastião Reis. Dedicado à família, formava,
com a esposa, Lúcia, e os filhos, João Tadeu, Pedro
Paulo e Sebastião Júnior, uma família perfeita. Após
o expediente, eu o levava no meu carro até a sua casa.
Não por poucas vezes ficávamos a conversar, na sua
biblioteca, sobre as coisas da vida, sobre o direito tributário, de que era mestre incomparável. De fina sensibilidade, discutia idéias, formulava teses,
comentava os acontecimentos. Jamais ouvi de sua
boca uma palavra que deixasse mal qualquer pessoa.
Li, alhures, que os homens superiores cuidam de
stf.empauta.com
idéias; os médios, de fatos; e os inferiores, de pessoas. Sebastião Reis, homem superior, ficava sempre
no campo das idéias.
Professor de direito, foi jurista de escol. Quando de
sua posse e de mais sete ministros, em 1980, dentre
eles Pereira de Paiva, no antigo Tribunal Federal de
Recursos, tive a honra de saudá-los em nome do tribunal. Revelei, então, que Sebastião Reis era um
scholar, no estilo harvardiano, e que os meus primeiros passos no campo do direito tributário foram
por ele seguramente conduzidos. Homem modesto,
disse-me que se emocionara com a revelação que eu
fizera. Os verdadeiros juristas, os cientistas, primam
pela humildade. Os artigos de doutrina que escrevia
eram disputados pelas revistas especializadas. Aposentado por implemento de idade, assumiu, pouco
tempo depois, a presidência do Centro Jurídico Brasileiro, entidade criada por Orlando e Isabel Vaz, para o fim de estudar o direito. Regularmente,
comparecia ao Centro Jurídico, onde elaborava pareceres, artigos de doutrina, palestras e conferências.
Muito haveria o que dizer do juiz de verdade que foi
Sebastião Reis. Conta o advogado Genival Tourinho
que, por volta de 1970, proferiu ele sentença, numa
ação em que Genival era advogado, que desagradara
ao militar que presidia certo órgão federal. Teria o militar, de alta patente, apregoado que, se a decisão fosse contrária a sua repartição, providenciaria ele a
cassação do seu prolator. Sebastião Reis não se incomodou. Encerrada a audiência, na qual a sentença
foi publicada, declarou, alto e bom som: "Perco o cargo, mas não perco a honra".
Convém esclarecer que não era ele homem de arroubos. Juiz austero, punha-se longe dos holofotes.
Mas há momentos em que o magistrado deve proclamar os seus princípios. Era assim que procedia o
juiz Sebastião Reis. As suas sentenças, no 1º grau, os
seus votos, no antigo Tribunal Federal de Recursos,
pg.3
Correio Braziliense/DF, 22 de agosto de 2008
STF | Ministros Aposentados | Ministro Carlos Velloso
Continuação: Sebastião Alves dos Reis, o homem, o jurista, o juiz
fizeram escola. Quando votava, o tribunal o ouvia
atentamente. Era o mestre que ensinava, mas, sobretudo, o grande juiz que tinha por divisa a lição de
Vauvenargues, nas suas Reflexões e máximas: "Não
se pode ser justo se não é humano".
xou, permanecem, entretanto, conosco, fazendo viva
a sua memória. Penso que é nesse sentido a sentença
de Guimarães Rosa: "As pessoas não morrem, ficam
encantadas".
Opinião / 19
O ministro Sebastião Reis não está mais entre nós. O
exemplo de homem, de juiz e as lições que nos dei-
stf.empauta.com
pg.4
Download

Sebastião Alves dos Reis, o homem, o jurista, o juiz