Universidade Federal Fluminense
Centro de Estudos Sociais Aplicados
Programa de Pós-Graduação em Educação
ESTUDANTES EM ANGRA,
MÃO-DE-OBRA DOS REIS...
A política pública municipal para a Educação de Jovens e Adultos
de Angra dos Reis no período 2000-2004
MARCIO PLASTINA CARDOSO
Dissertação apresentada ao
Curso de Pós-Graduação em
Educação da Universidade
Federal Fluminense como
Requisito para a obtenção
do Grau de Mestre
Orientador: Prof. Dr.Victor
Vincent Valla
Niterói 2005
Universidade Federal Fluminense
Centro de Estudos Sociais Aplicados
Programa de Pós-Graduação em Educação
ESTUDANTES EM ANGRA,
MÃO-DE-OBRA DOS REIS...
A política pública municipal para a Educação de Jovens e Adultos
de Angra dos Reis no período 2000-2004
MARCIO PLASTINA CARDOSO
Dissertação apresentada ao
Curso de Pós-Graduação em
Educação da Universidade
Federal Fluminense como
Requisito para a obtenção
do Grau de Mestre
Banca Examinadora:
Profª Drª Lana Fonseca
Profº Dr. João B. Bastos
Niterói 2005
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DEDICATÓRIA:
Há quase vinte anos quando te vi pela primeira vez e decidi que você seria
minha mulher, eu que não ganho nem rifa de igreja, nunca dei tanta sorte em minha
vida. Dedico a você, Rita, este pequeno trabalho.
Muito bem, meu amor
Muito mal
Meu amor
O bem e o mal
Estão além do medo
E não há nada igual
O bem e o mal sem segredo
As marchas do carnaval
Muito mal, meu amor
Muito bem
(Torquato Neto, Os Últimos Dias de Paupéria, 1971)
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AGRADECIMENTOS:
Este trabalho só foi possível com a imensa colaboração daqueles que me
proporcionaram durante a vida os encontros que me fizeram como sou. A todos vocês
meus agradecimentos por simplesmente existirem.
Agradeço ao meu pai e minha mãe por serem os melhores pais que qualquer
pessoa no mundo poderia ter. Vocês são força e exemplo. Eu amo vocês demais!
Agradeço ao meu filho Pedro, meu tesouro, minha paz e minha meta. Filhão, te
amo!
Agradeço ao meu orientador Victor V. Valla pela monástica paciência que
devotou ao seu aluno, assim como, sua indispensável ajuda.
Agradeço a Renato e Flávio por suportarem e amarem um irmão tão relapso.
Agradeço as minhas avós Virgínia e Stella por até hoje estarem ao meu lado
abençoando-me com seu amor e dedicação.
Agradeço aos meus avós Vicente e Fernando, por terem sido os grandes mestres
da minha vida.
Agradeço a minha sogra, na verdade, segunda mãe Isaura, por ser tão especial, e
devotada a mim e a minha familia.
Aos tios, tias, primos e primas Sérgio, Darci, Sânia, Maria Helena, Arlindo,
Irani, Sérgio Carvalho, Aline (Patuska), André (Magrila), Samanta, Pedro José, Fátima,
Pérsio, Virna, Rúbia e Cadmo, pelo incentivo e por formarem uma familia tão linda.
À Daniele e Mariana por terem surgido no caminho de Renato e terem lhe dado
uma nova vida.
Agradeço ao meu grande amigo Jaime(velhinho) por ser minha referência
política, ética e afetiva. Cara você é um amigo maravilhoso. Te amo!
À minha amiga Rossana Pappini pela dedicação e companheirismo inabaláveis.
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Ao meu amigo André(Lobinho) por nossas duas décadas de cumplicidade.
Ao meu amigo Naboro, companheiro de iniciações na vida, que mesmo do outro
lado do planeta, está sempre junto comigo.
Aos companheiros de hoje e de ontem da Cacique, junto aos quais tornei-me de
fato profesor: Luis Cláudio e Eliane, Arnaldo e Déa Regina(a rainha da piscina),
Mauricio (Tio Biludo), Leozinho, Sandrinha, Aílda e Augusto, Salvadora, Nairlene
Antônio Jorge, Fran, Léia, José Roberto, Ferreira, Reginaldo(Paulista) e Daniela
Gava(Dani)
Aos amigos de Angra: Enio, Edna, Patrícia, Lana, Marcolino, Wagner,
Alexandre(Gonzaguinha),
Jorge
Baptista(Jorjão),
Edson(cãozinho),
Cláudio
(Macumba), por termos caminhado juntos na tentativa de fazer algo diferente em
educação.
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A causa a que devotei boa parte de minha vida não prosperou. Eu espero que
isso me tenha transformado em um historiador melhor, já que a melhor história é
escrita por aqueles que perderam algo. Os vencedores pensam que a história terminou
bem porque eles estavam certos, ao passo que os perdedores perguntam por que tudo
foi diferente, e esta é uma questão muito mais relevante.
Eric Hobsbawn. Pessoas Extraordinárias, 1998.
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RESUMO:
Esse trabalho se propõe a resgatar e problematizar a história do Regular Noturno
na E.M. Cacique Cunhãbebe, de Angra dos Reis, no período 2000/2004. Pesquisar
interna e externamente a formulação e implementação do seu Projeto Político
Pedagógico para esse tipo de oferta à modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
Procura, também, investigar as razões que levaram ao abandono do projeto
inicial, construído coletivamente a partir da proposta de grade curricular da Secretaria
Municipal de Educação, da última das três gestões consecutivas do Partido dos
Trabalhadores (1989-2000) e a imposição de um novo projeto a partir de 2001.Para
tanto, tenta analisar a relação entre os atores envolvidos na construção e implementação
do projeto, assim como, a que se estabeleceu entre os que fizeram sua defesa e os que
impuseram seu abandono. Pois, que se pretende utilizar a análise da trajetória do projeto
atual, como ponto de partida para um movimento mais amplo de entendimento da
política pública de Educação de Jovens e Adultos em Angra dos Reis, no período
2000/2004.
ABSTRACT:
This work intends to recover and probe the Regular Night shift teaching Project
at Cacique Cunhãbebe School in Angra dos Reis, Rio de Janeiro, from 2000 to 2004.
It focuses to research internally and externally the formulation and
implementation of its political and educational Young and Adult modality project.
It takes into account to investigate the reasons that took this project, made
collectively and based on the Secretaria Municipal de Educação curriculum standard,
dating the last three consecutive periods of govern of the Partido dos Trabalhadores
(PT – 1989-2000) to an abandoned situation and an imposition of a new project in
2001. Thus, it tries to analyse the relationship between the actors involved in the
construction and implementation of the project itself to the one established between
those who defended it and those who imposed it to an abandon. To do so, it intends to
analyse the route of the current project as a starting point to a wider movement leading
to a general understanding of the public educational politics of the Young and Adult
Student in Angra dos Reis during the period of 2000 / 2004.
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SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO _____________________________________________________ p.9
CAPÍTULO 1 – PERSPECTIVAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS DA
PESQUISA__________________________________________________________ p.15
CAPÍTULO 2 - A EDUCAÇÃO PÚBLICA EM ANGRA DOS REIS
2.1 Contextualização histórica___________________________________________
p.30
2.2 A Educação Pública nas gestões “petistas” de Angra dos Reis_______________
p.33
2.3 “Angra para os angrenses”___________________________________________ p.41
CAPÍTULO 3 - O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA “CACIQUE”
3.1 A Criação do Ensino Regular Noturno na Rede Municipal de Angra dos
Reis________________________________________________________________ p.49
3.2 O Cacique________________________________________________________ p.57
3.3 A “Cacique” e o Frade______________________________________________
p.59
3.4 O Projeto do “Noturno”_____________________________________________
p.62
EPÍLOGO__________________________________________________________
p.75
BIBLIOGRAFIA____________________________________________________
p.77
{PAGE }
Introdução:
Estarrecimento e indignação, esses foram alguns dos sentimentos que
dominaram a maioria dos simpatizantes, eleitores e militantes do Partido dos
Trabalhadores (PT), a partir de Maio de 2005. As denúncias e mesmo evidências de
envolvimento da cúpula do partido e de setores do governo Luis Inácio da silva em
fisiologismo e clientelismo político assustaram aqueles que, se não esperavam uma
ruptura com o modelo econômico vigente, apostavam no enfrentamento com a herança
política patrimonialista brasileira. É verdade que muitos que dedicaram suas vidas
durante anos, ao que parecia a opção mais concreta de um projeto de esquerda chegar ao
poder, já percebiam há tempos a crise se avizinhando, e por isso se afastaram. No
entanto, a grande maioria dos simpatizantes e militantes do partido foram pegos de
surpresa.
Não cabe neste trabalho a investigação ou afirmativas sobre as causas desses
acontecimentos. Tenho certeza que muitos trabalhos se realizarão com esse propósito. A
convicção que tenho, no entanto, é que agora, mais do que nunca, é importante
investigar e analisar as experiências políticas que contaram com a participação do PT.
Acredito que, durante muito tempo, as forças de direita no Brasil usarão desses
acontecimentos para invalidarem proposições alternativas, ou mesmo reformadoras da
realidade social brasileira e, portanto, é fundamental estudar as experiências passadas,
que demonstraram ser possível fazer política pública voltada para os interesses da
maioria da população.
Ao investigar os embates sobre um projeto educacional surgido em uma cidade
governada pelo PT durante doze anos (1989-2000), este trabalho pretende ser uma
pequena contribuição à análise de algumas alternativas as políticas públicas de educação
historicamente hegemônicas.
No início do ano letivo de 2000, a Escola Municipal Cacique Cunhãbebe,
situada no bairro do Frade, 4º distrito do município de Angra dos Reis, adotou a
proposta da Secretaria Municipal de Educação (SME) de nova grade curricular para a
construção de seu Projeto Político Pedagógico (PPP) do Ensino Regular Noturno.( cf.
anexo 1)
Este projeto tentava alterar alguns pontos que marcaram a criação e a oferta da
educação formal para jovens e adultos no Brasil, como modalidade compensatória, que
durante muito tempo, tem sido uma resposta paliativa à impossibilidade das classes
populares terem acesso e condições de permanência à escolarização no momento
adequado.
Historicamente, são marcas do Ensino Regular Noturno (RN), como uma das
possibilidades
de
oferta
temporalidade/duração
dessa
idênticas
modalidade,
ao
diurno.
a
A
organização
pouca
curricular
importância
e
a
dada
à
posição/participação dos educandos no processo de ensino e aprendizagem, bem como,
os altos índices de evasão e repetência.
Internamente, a adoção da proposta da Secretaria Municipal de Educação, era o
resultado de um processo, do corpo docente, da equipe pedagógica e da direção da
escola em problematizar, discutir e dar respostas às especificidades e demandas dos
jovens e adultos, que formavam nosso corpo discente.
Até a década de 1970, o Frade era uma localidade litorânea que apresentava um
pequeno contingente populacional de características rurais e ligado às atividades
pesqueiras. Em meados dessa década esse quadro mudou de forma radical.
O prolongamento da BR 101(Estrada Rio-Santos) e a construção do Centro
Nuclear Almirante Álvaro Alberto levaram a formação de um intenso fluxo migratório
para a região.
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Assim, além das características inerentes, aos que procuram o ensino regular
noturno, com sua história de exclusão e marginalização, quanto ao acesso aos direitos
sociais básicos, inclusive o da educação formal, a maioria de nossos alunos apresenta
singularidades, ligadas à sua condição de migrantes, que interferem decisivamente em
sua busca e permanência no processo de educação formal.
Esse fluxo migratório ainda é constante, como demonstra a existência de uma
linha “pirata” de ônibus que faz o percurso, semanalmente, do interior do estado do
Espírito Santo (desde a cidade de Ibatiba) até o Frade.
Temos, então, no regular noturno, um corpo de alunos formado por jovens e
adultos, que em sua maioria, é composto de migrantes capixabas, mineiros, e em menor
número, nordestinos, que já se estabeleceram com suas famílias no Frade ou ainda
fazem um movimento pendular. Isto, de acordo com as colheitas de café no ES e em
MG e as férias que lotam os hotéis e condomínios do Frade e adjacências.
Inicialmente, e por fim, de forma convergente à busca dos profissionais da
escola por um projeto para o seu ensino regular noturno que desse conta das
especificidades de nossos alunos, havia a construção das propostas para a Educação de
Jovens e Adultos (EJA) em Angra dos Reis, dentre as quais se incluía a nova grade
curricular para o ensino regular noturno.
Esta foi, em linhas gerais, resultado de debates e deliberações de dois
Congressos Municipais de Educação, realizados em 1994 e 1999, durante as três gestões
do Partido dos Trabalhadores no governo municipal (1989-2000).
Criado em agosto de 1989, o ensino regular noturno no município de Angra dos
Reis, viveu em seus primeiros anos os dilemas comuns no Brasil a essa possibilidade de
efetivação da EJA, já citados anteriormente.
Em 1991, em parceria com os movimentos sociais e sob a gerência do poder
público municipal, foi criado, pela prefeitura, o Movimento de Alfabetização de Jovens
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e Adultos (MOVA/AR), que aproximava as demandas dos usuários aos eixos
norteadores da educação em Angra dos Reis, definidos a partir de 1989:
democratização da gestão, democratização do acesso e nova qualidade de ensino.
Outro passo adiante nesse movimento de busca de uma coerência entre propostas
e ações práticas, foi a instituição, pela Secretaria Municipal de Educação, a partir de
uma proposta surgida durante o I encontro de EJA, da Comissão do RN/MOVA, em
1996.
Como resultado das discussões e propostas feitas em fóruns, encontros, além das
experiências realizadas em algumas escolas da rede, a Secretaria Municipal de
Educação implantou, em 1999, sua nova grade curricular, na qual fundamentou-se o
Projeto Político Pedagógico da E.M. Cacique Cunhãbebe.
Nas eleições de Outubro de 2000, após três gestões seguidas do Partido dos
Trabalhadores a oposição saiu vitoriosa e um novo ciclo na história da educação pública
do município teve início.
Como nos concursos públicos que as gestões “petistas” promoveram houve uma
grande maioria de aprovados de outras cidades, assim como, também a contratação de
alguns assessores de outras gestões do partido em outros municípios, a oposição
transformou em capital simbólico a associação entre PT e “estrangeiros”.
Acusava-se o Partido dos trabalhadores de apenas favorecer a esses
“estrangeiros”, enquanto se propunha uma “Angra para os angrenses” (sic) em caso da
vitória oposicionista.
Surpreendeu efetivamente o peso dessa propaganda sobre o universo de
migrantes que compunha o RN no Frade. Imaginávamos nós, seus professores, que o
trabalho que fazíamos, valorizando a sua condição de migrante e supostamente dando
voz a suas demandas, tornasse-os livres desse trabalho ideológico. No entanto a vitória
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do candidato de oposição se deu por larga maioria no Frade, como de resto, no
município inteiro.
No ano de 2001, a nova gestão na Secretaria Municipal de Educação manteve a
estrutura da grade curricular, porém ocupou todos os espaços de discussão do RN na
escola com uma pauta sobre a necessidade “legal” de unificar a forma da temporalidade,
em toda a rede. Dizia a nova comissão do RN, que na rede, não poderiam conviver duas
formas de temporalidade distintas (a seriação e os ciclos) como vinha acontecendo.
No ano seguinte a SME impede a continuidade do projeto na escola, estabelece o
retorno a grade curricular tradicional e impõem a seriação às outras escolas que usavam
os ciclos como princípio organizador da temporalidade.
Aparentemente, sem conseguir apresentar uma proposta concreta para o RN, a
Secretaria determina, em 2003, a volta a grade curricular da gestão “petista”. Desta
feita, as reuniões com os professores do noturno são ocupados com a “matriz
curricular”. Esta, que mais a frente será discutida, passou a ser o carro chefe das ações
da Secretaria. Ao mesmo tempo, manteve-se a idéia de ocupar esse dia de reunião dos
professores com atividades alternativas para os alunos. No entanto com um caráter
completamente diferente da idéia original. Não eram mais oficinas artesanais e/ou de
geração alternativa de renda, as quais os alunos poderiam freqüentar de acordo com suas
escolhas e em turmas diferentes das suas. Três novas “disciplinas” foram impostas a
todas as escolas com RN: Novas Tecnologias, Leiturização e Turismo.
Em 2004, esse Projeto Político Pedagógico imposto pela Secretaria de Educação
às escolas ainda era o mesmo.
Esse trabalho se propõe a resgatar e problematizar a história do Regular Noturno
na E.M. Cacique Cunhãbebe no período 2000/2004. Pesquisar interna e externamente as
razões do abandono do projeto inicial, que tinha sido construído coletivamente a partir
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da proposta de grade curricular da Secretaria de Educação e a implementação do novo
projeto. Assim como os resultados desse processo.
Fazer a confrontação e a relação entre os atores envolvidos na sua
manutenção/efetivação, as normas/intervenções e dispositivos da Secretaria Municipal
de Educação nesse período.
Dessa forma, a pesquisa nos mostra um campo de análise próprio para a microhistória, quando a partir de um objeto de escala reduzida da ação social, pode-se chegar
àquilo que escapa às generalizações. Pois, que se pretende utilizar a análise da trajetória
do projeto atual, como ponto de partida para um movimento mais amplo de
entendimento da política pública de educação de jovens e adultos em Angra dos Reis,
no período 2000/2004.
Na primeira parte apresento e discuto as referências teóricas e metodológicas
escolhidas para a pesquisa, assim como as categorias usadas e as hipóteses de trabalho.
Na segunda, apresento um breve histórico da educação pública em Angra dos Reis. Na
terceira parte analiso a história da gestação, formulação e implementação do Projeto
Político Pedagógico adotado em 2000 no RN, seus marcos teóricos, sua coerência
interna e externa, além dos embates e as negociações que aconteceram dentro da escola
e entre a escola e o poder público, que levaram ao abandono desse projeto e a imposição
do projeto atual. Para tanto, analiso os projetos pra o ensino regular noturno das gestões
“petistas” e da gestão que as sucedeu. Tecendo minhas conclusões na quarta parte do
trabalho.
{PAGE }
CAPÍTULO 1
PERSPECTIVAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS DA PESQUISA.
A escolha por uma investigação, que utiliza os referenciais teóricos da microhistória não se prende, apenas pela redução da escala de observação, mas,
principalmente porque através dela pode-se perceber a ação social “(...) como resultado
de uma constante negociação, manipulação, escolhas e decisões do indivíduo, diante de
uma realidade normativa, que embora difusa, não obstante oferece muitas possibilidades
de interpretações e liberdades pessoais”.1
Nesse sentido, acredito que a fixação por modelos abrangentes pode levar a
perda de experiências individuais e coletivas importantes na investigação das
experiências passadas. Isto não quer dizer uma negativa às análises globais, mas uma
valorização das possibilidades que as pesquisas microscópicas, a partir de objetos
particulares e únicos, têm como excelente ponto de partida às explicações gerais.
Considerando que os referenciais teórico/metodológicos dessa corrente, surgida
na historiografia européia, na década de 1970, são múltiplos, se torna necessário
evidenciar o que há de comum nessa perspectiva de se pesquisar e interpretar
historicamente.
Inicialmente é importante definir o conceito de escalas de observação variáveis
dentro de uma mesma estrutura social. É bastante claro que a escala tem sua própria
existência na realidade e que a combinação de escalas diferentes mesmo que
congruentes é, no mínimo, fundamental para delimitar as dimensões internas do
fenômeno social a ser estudado.
Por outro lado, não há uma relação direta entre as dimensões desse objeto de
análise com as dos problemas a serem colocados, pois é exatamente nesse ponto que se
torna fundamental uma escala variável de observação para propósitos experimentais.
1
BURKE, Peter.(Org.) A Escrita da História. Novas Perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. p. 135.
{PAGE }
Em oposição a um funcionalismo supersimples, é
importante enfatizar o papel das contradições sociais na
geração da mudança social; em outras palavras, enfatizar o
valor explanatório das discrepâncias entre as restrições que
emanam dos vários sistemas normativos e do fato de que, além
disso,
um
indivíduo
tem
um
conjunto
diferente
de
relacionamentos que determina suas reações à estrutura
normativa e suas escolhas com respeito a ela.2
Portanto, acredito que reduzir a escala de observação para a análise intensiva das
fontes que documentam a trajetória do RN na unidade escolar, possibilita revelar fatores
dificilmente observáveis na política pública de Angra dos Reis para a educação de
jovens e adultos, caso fossem pesquisadas apenas as normas e deliberações advindas da
secretaria de educação.
Pois, as reações e negociações que os atores envolvidos nesse processo
desenvolvem, permite-nos recolher indícios que de outra forma escapariam a
observação.
Ao historicizar o paradigma indiciário em seu “Mitos, Emblemas, Sinais”,
(GINZBURG, 1989) demonstra a origem milenar da operação cognoscente da busca de
indícios, assim como, sua pertinência atual nas ciências sociais para ultrapassar a
oposição entre investigações racionalistas ou irracionalistas dos fenômenos.
Se as pretensões de conhecimento sistemático
mostram-se cada vez mais como veleidades, nem por isso a
idéia de totalidade deve ser abandonada. Pelo contrário: a
existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos
superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma
que um conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se
a realidade é opaca existem zonas privilegiadas - sinais,
indícios – que permitem decifrá-la.3
2
Ibid., p. 139
GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais. Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras,
1989. p. 177
3
{PAGE }
Outro ponto comum às várias pesquisas na perspectiva da micro-história é a
análise livre de preconceitos quanto à natureza das fontes pertinentes ao objeto
escolhido. Fontes de diversas naturezas, como, por exemplo, documentais e/ou orais que
possibilitariam o desvendamento de pistas para a solução dos problemas colocados.
No entanto, tomando o particular como ponto de partida e prosseguindo através
de sua identificação com o contexto específico, abre-se o debate sobre o como e o
porquê dessa contextualização.
Em uma perspectiva funcionalista, o contexto é focalizado para explicar o
comportamento social. Não são tanto as próprias causas do comportamento que
constituem o objeto de análise, mas antes a normalização de uma forma de
comportamento em um sistema coerente que explica aquele comportamento, suas
funções e o modo como ele opera.
(...) ao contrário da ênfase do funcionalismo na
coerência social, os micro-historiadores concentraram-se nas
contradições dos sistemas normativos e
por isso
na
fragmentação, nas contradições e na pluralidade dos pontos de
vista que tornam todos os sistemas fluidos e abertos. As
mudanças ocorrem por meio de estratégias e escolhas
minuciosas e infinitas que operam nos interstícios de sistemas
normativos contraditórios. Isto é realmente uma reversão da
perspectiva, pois acentua as ações mais insignificantes e mais
localizadas, para demonstrar as lacunas e os espaços deixados
em aberto pelas complexas inconsistências de todos os
sistemas.4
Dessa forma, a redução de escala demonstra o seu caráter experimental, pois
assume que o contexto e sua coerência são apenas aparentes, possibilitando o
desvendamento suas contradições.
Outras referências teóricas importantes, para que a pesquisa consiga superar a
dicotomia entre objetivismo e subjetivismo, estão presentes na obra de Pierre Bourdieu.
4
BURKE,op. cit. p. 155
{PAGE }
Em oposição ao subjetivismo, Bourdieu afirma o caráter socialmente condicionado das
atitudes e comportamentos individuais.
Para ele, o indivíduo é um ator socialmente configurado e constituído. Por outro
lado, se afasta das concepções que consideram as experiências subjetivas diretamente
subordinadas às relações objetivas de natureza sócio-econômica.
Bourdieu afirma que a essas concepções falta uma teoria da ação que possa
explicar os mecanismos e/ou processos de mediação envolvidos na passagem da
estrutura social para a ação individual.
É, nesse sentido, que Pierre Bourdieu intervém com a categoria de habitus, de
grande importância para este trabalho.
Passamos, então, a expor o ponto de vista da
reprodução que requer um modelo dinâmico, de tipo gerativo,
capaz de correlacionar o domínio das estruturas ao domínio das
práticas através do habitus. O modo de conhecimento
praxeológico tem por objeto não apenas o sistema das relações
objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói,
mas também as relações dialéticas entre estas estruturas
objetivas e as disposições estruturadas pelas quais elas se
atualizam e que tendem a reproduzi-las, vale dizer, o duplo
processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização
da interioridade.5
São também fundamentais para esse trabalho, as discussões de Bourdieu sobre a
escola e seu papel na reprodução das desigualdades sociais. Aplicado a Educação, o
conceito de habitus nos mostra que toda teorização sobre uma escola, que proporciona
aos estudantes oportunidades iguais, que atua ancorada em uma meritocracia e na
possibilidade do desenvolvimento de dons individuais, cai por terra.
5
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva. 2001. p. 39
{PAGE }
Pois, os estudantes trazem uma bagagem socialmente herdada. Bagagem, que
inclui certos componentes objetivos, externos ao indivíduo, e que podem ser postos a
serviço do sucesso escolar: os capitais econômico, social e cultural.
Podem ser criticadas as posturas de Bourdieu, quanto à sobrevalorização da
origem de classe, como critério de diferenciação dos grupos familiares. Pois, as famílias
e os indivíduos não se reduzem apenas a sua posição de classe.
Pode-se criticar, também, sua apresentação da escola como uma instituição,
totalmente subordinada aos interesses de reprodução e legitimação das classes
dominantes, já que, a diversidade interna dos sistemas de ensino pode incluir aqueles
que buscam uma aproximação entre a cultura escolar e a cultura de origem dos alunos.
Todavia, acredito ser possível a utilização e o diálogo, durante as pesquisa, com
esses conceitos apresentados, pois, Bourdieu fornece um repertório fundamental para a
análise macrossociológica das relações entre sistemas de ensino e estruturas sociais.
Para tanto, faz-se necessário, um estudo mais detalhado dos casos concretos e
particulares que compõe o objeto de pesquisa. Aliás, o que proponho ao utilizar-me de
uma metodologia baseada na micro-história.
Considerando as disputas, embates e negociações em torno de visões distintas
que se colocaram em função do RN, tanto em relação ao PPP da escola estudada, quanto
ampliadamente, à política municipal para a educação de jovens e adultos em Angra dos
Reis. Tivemos, basicamente, em jogo, duas posições antagônicas sobre o papel da
escola.
A visão, que estava presente no primeiro projeto, entendia a escola como um
espaço potencial de conscientização das classes populares. Vinculava-se, assim,
assumidamente a uma concepção tributária da obra e da prática política de Paulo Freire,
que nos últimos cinqüenta anos, ficou conhecida no Brasil e na América Latina, como
Educação Popular.
{PAGE }
Nessa concepção de Educação Popular o objetivo principal é estimular a
participação política de grupos sociais subalternos na transformação das condições
opressivas de sua existência social. Para tanto, se torna central o método pedagógico
dialógico que conseguiria impedir a reprodução das relações sociais de dominação e
possibilitaria a busca de justiça social.
A educação popular nasceu na América Latina no
terreno fértil das utopias de independência, autonomia e
libertação, que propunham um modelo de desenvolvimento
baseado na justiça social. Para esse modelo de educação
popular a conquista do Estado era fundamental. Porém esse
processo foi interrompido pela brutal intervenção militarista e
autoritária. A educação popular refugiou-se, então, nas
organizações não-governamentais e, em alguns casos na
clandestinidade. Com a retomada do processo democrático
também se redefiniu a relação entre a sociedade civil e a
sociedade política, entre os movimentos populares e o Estado.
Na crise de educação popular na América Latina hoje, muitos
educadores encontram saída no interior do Estado capitalista,
abrindo espaço para a construção da educação pública popular,
procurando tornar popular a educação oferecida pelo Estado.6
Por outro lado, a posição adotada pela nova gestão, como pretendo investigar
com essa pesquisa, condiciona à escola um papel ativo – ao definir seu currículo, seus
métodos de ensino e suas formas de avaliação – no processo de reprodução das
desigualdades sociais e de uma mão-de-obra dócil e disponível.
Uma das questões teóricas e metodológicas fundamentais nesse trabalho se
relaciona à posição do pesquisador em relação ao seu objeto. Ao mesmo tempo em que
me coloco como pesquisador de um fenômeno social, assumo uma impossível
neutralidade sobre o mesmo. Pois, ainda que não tivesse participado como um dos
6
VALE, Ana Maria do. Educação Popular na Escola Pública. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 8
{PAGE }
atores envolvidos no processo de discussão e negociação em torno do RN, seria
impossível manter uma posição neutra quanto a ele.
O questionamento sobre as possibilidades da objetividade nas ciências sociais e
mesmo nas ciências naturais tem diversas respostas. No entanto, acredito que apenas em
uma perspectiva positivista e as nela diretamente referenciadas, pode-se conceber um
pesquisador totalmente objetivo e neutro. “A formação do modelo científico-natural de
objetividade, a constituição de uma ciência da natureza livre de julgamentos de valor e
de pressupostos ideológicos, foi o resultado de vários séculos de desenvolvimento do
capitalismo”.7
Nesse sentido, cabe definir, então, a posição do pesquisador quanto ao seu objeto
de estudo. Para tanto, é importante explicitar a interpretação que assumo na relação
teoria-prática.
Durante os séculos acima citados em que se consolidaram os modelos de ciência
natural e que acabaram influenciando a construção dos modelos das ciências sociais,
houve concepções que entendiam a prática como uma aplicação da teoria ou ao inverso
a prática inspirando uma teoria.
Porém, ambas concepções levavam essa relação a um processo de totalização,
quando, de fato, ela é muito mais parcial e fragmentárias operando em um revezamento
entre teoria e prática que leva, como nos mostra a conversação entre Foucault e
Deleuze:
(...) a uma coisa totalmente diferente: um sistema de
revezamentos em um conjunto, em uma multiplicidade de
componentes ao mesmo tempo teóricos e práticos. Para nós, o
intelectual teórico deixou de ser um sujeito, uma consciência
representante ou representativa. Aqueles que agem e lutam
deixaram de ser representados, seja por um partido ou um
sindicato que se arrogaria o direito de ser a consciência deles.
7
LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen. Marxismo e Positivismo
na Sociologia do Conhecimento. 5. ed.rev. São Paulo: Cortez, 1994. p. 197
{PAGE }
Quem fala e age? Sempre uma multiplicidade, mesmo que seja
na pessoa que fala ou age. Nós somos todos pequenos grupos.
Não existe mais representação, só existe ação: ação de teoria,
ação de prática em relações de revezamento ou em rede.8
Cabe, portanto, renunciar ao papel tradicional do intelectual na sociedade
burguesa, de dizer a verdade àqueles que não a viam ou não podiam dizê-la, enfim, ser
sua consciência e portador de seu discurso.
Acredito que, exatamente ao assumir a posição de um dos atores do objeto de
pesquisa, desloco-me do lugar daquele que tradicionalmente se colocou à frente.
Colocando-me, também, como objeto e instrumento na ordem do saber e do discurso.
Busco a inserção no concreto e no imediato dos embates que pesquiso, tentando
encontrar seus problemas específicos, sem subordiná-los a um “universal” a priori.Ao
mesmo tempo em que tento produzir ligações transversais entre os saberes de docente e
de pesquisador
Por isso assumindo uma teoria que não se expressa nem se traduz em prática;
mas que é a prática:
Lutando (...) não para uma tomada de consciência (há
muito tempo que a consciência como saber está adquirida pelas
massas e que a consciência como sujeito está adquirida, está
ocupada pela burguesia), mas para a destruição progressiva e a
tomada do poder ao lado de todos aqueles que lutam por ela, e
não na retaguarda, para esclarecê-los. Uma “teoria” é o sistema
regional desta luta.9
Utilizo nesse trabalho fontes documentais encontradas na E.M. Cacique
Cunhãbebe e na Secretaria Municipal de Educação de Angra dos Reis, que registram os
diversos momentos da trajetória do RN, no período proposto.
8
9
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 13 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998. p. 70
Ibid, p. 71
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Busco na pesquisa, com essas fontes, indícios que possibilitem uma descrição
das articulações entre os discursos e as práticas não-discursivas, a partir da trajetória do
PPP da E.M. Cacique Cunhãbebe, e que engendraram a política pública em Angra dos
Reis para a educação de jovens e adultos.
Assim, assumo a posição que considera o discurso como o caráter lingüístico do
processo de construção do mundo social. Isto significa considerar a linguagem como
não essencialista, ou seja, que não há uma correspondência natural entre os enunciados
e seus referentes na realidade.
As palavras não são signos neutros, que não interferem na mediação que fazem
com seus referentes na realidade. Entendo e utilizo, portanto, a linguagem como
construcionista, intimamente ligada às relações de poder e com os saberes produzidos
nessas relações.
O conjunto formado pelos discursos e as práticas não-discursivas (condições
econômicas, sociais, políticas, etc.) formam os dispositivos, que estariam em conexão
direta com as relações de poder. Os dispositivos se constituem e se articulam,
fundamentalmente, para atender a uma vontade de poder. Neste sentido, é importante
entender que as relações de poder, enquanto a capacidade de cada um interferir nas
ações de outrem, se espraiam por toda a rede social. Atuando interna e externamente ao
indivíduo. Não há sociedade que exclua a existência de relações de poder.
Como esse poder atua sobre o que há de mais íntimo -nossos corpos-, pode-se falar em
um micropoder.
Apesar desse micropoder ter a capacidade de inscrever marcas de fracionamento,
classificação, sujeição e docilização, entre outras, nos corpos, não é exatamente uma
relação direta com a violência que ele estabelece. Na verdade há uma diferença radical
entre violência e poder, pois, se a primeira é uma ação direta sobre os corpos, o segundo
é uma ação sobre ações. Isto quer dizer que, na verdade, o poder se torna consensual em
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suas ações, levando a aceitação de sua inexorabilidade e os saberes e dispositivos, os
articuladores desse consenso.
Acredito que entender esses dispositivos discursivos e não-discursivos,
atendendo as relações de poder, é pensar na comunicação, enquanto estabelecimento de
relações, transmissão de idéias e valores e troca de signos entre indivíduos ou grupos;
troca na qual a linguagem ocupa um lugar fundamental.
Em relação às especificidades desse trabalho, é indispensável considerar a
dimensão da comunicação que se tentou estabelecer no primeiro projeto entre a cultura
popular e a cultura científica-escolar.
Ao analisar as armas da conquista espanhola sobre os astecas, (TODOROV,
1999) destaca, entre todas, a imposição da superioridade na comunicação humana, que
os europeus efetivaram. Neste caso, a conquista do saber levou à do poder. Em
concordância com este autor, interessa-me, nesta pesquisa, como a conquista do saber
pode ser feita para resistir ao poder.
Partir da cultura popular, trazendo-a para o confronto com o conhecimento
científico-escolar, a fim de que se produzisse uma síntese cultural nova, era o
fundamento do primeiro projeto investigado. Porém, a ausência de uma problematização
aprofundada sobre as condições para que essa comunicação, entre alteridades, pudesse
ser exercida. É uma das premissas que investigo, como possibilidade, para que esse
projeto possa ter sido abandonado, sem maiores reações do seu público-alvo.
Será que é possível amar realmente alguém ignorando
sua identidade, vendo, em lugar dessa identidade, uma projeção
de si mesmo ou de seu ideal? Sabemos que isto é possível, e até
freqüente, nas relações interpessoais, mas como fica no
encontro das culturas? Não se corre o risco de querer
transformar
o
outro
em
nome
de
si
mesmo,
e,
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conseqüentemente, de submetê-lo? De que vale então esse
amor?10
Há dois preconceitos, muito usuais, na tentativa de produção de conhecimento, a
partir diálogo entre culturas. O primeiro, e mais é óbvio, é o da superioridade. Já, o
segundo, criador de obstáculos ainda maiores, é o preconceito da igualdade, pois
consiste em identificar, pura e simplesmente, o outro a seu próprio ideal do eu (ou a seu
eu).
Evidentemente, não basta a admissão de que as culturas humanas são iguais e
diferentes ao mesmo tempo; é necessário investigar em que bases uma comunicação
entre culturas pode ser de fato investida, para que se realize um diálogo de fato, e não a
ilusão da adição de monólogos.
Todorov aponta que há pelo menos três eixos nos quais pode ser situada a
problemática da alteridade: Primeiramente, nos julgamentos de valor (plano axiológico),
em segundo lugar na ação de aproximação ou de distanciamento em relação ao outro
(plano praxiológico) e por último a atitude de conhecimento ou ignorância em relação à
alteridade (plano epistêmico). Ele nos mostra que existem relações e afinidades entre os
planos, mas nenhuma redução de um a outro. Conhecer não implica amar, e nenhum dos
dois, necessariamente, implica em identificação e assim por diante.
Quanto às formas possíveis de comunicação, comuns a todas as culturas, o
lingüista e historiador búlgaro, afirma que elas existem nas dimensões entre os
indivíduos, entre o indivíduo e os grupos sociais, entre o indivíduo e o mundo natural e
entre o indivíduo e o universo religioso/sobrenatural. Cada cultura dará ênfases e
hierarquias diferentes entre essas dimensões.
Considero que as categorias e problemas levantados por esse autor, apesar de
evidentemente, não esgotarem a discussão sobre a possibilidade de diálogo entre
10
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América. A Questão do Outro. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1999. p. 203
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culturas diferentes, permitem uma intervenção bastante proveitosa sobre o objeto
estudado.
Para viabilizar a análise dos embates e negociações entre o poder público e os
profissionais da escola em torno dos projetos pedagógicos para o RN, Recorro aos
conceitos de “tática” e “estratégia”, formuladas por (CERTEAU, 2002). Nesse sentido,
é a estratégia:
(...) o cálculo (ou a manipulação) das relações de
forças que se torna possível a partir do momento em que o
sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma
cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A
estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como
algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações
com uma exterioridade de alvos ou ameaças.11
Fica caracterizada, então, a estratégia como um tipo específico de saber que
sustenta a conquista de um lugar para si. Um saber que tem um poder como seu
pressuposto e não como sua conseqüência. Ou seja, são ações e concepções próprias de
um poder instituído na gestão de suas relações com seu “outro”.
Já a tática é utilizada como uma categoria de análise própria daqueles que não
têm lugar próprio de exercício de poder, que nenhuma exterioridade garante seu
exercício. “Ela não tem, portanto a possibilidade de dar a si mesma um projeto global
nem de totalizar o adversário num espaço distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe
por golpe, lance por lance”.12
Temos, dessa forma, nos embates por um projeto político pedagógico para o
regular noturno, a partir da vitória da oposição em 2000, o confronto entre estratégias do
poder municipal e táticas de resistência de alguns profissionais da escola.
11
12
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 99
Ibid, p. 100
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Formulo duas premissas principais, na análise da trajetória do RN na E.M.
Cacique Cunhãbebe, entre 2000 e 2004, como ponto de partida para a problematização
da política municipal de Angra na educação de jovens e adultos.
O abandono do primeiro projeto político pedagógico e sua substituição pelo
projeto da nova gestão municipal, sem que tenha havido maiores reações do corpo
discente, e da comunidade é resultado, além da perseguição política dessa nova gestão e
da imposição de uma nova linha, assim como, da presença de uma crise de interpretação
que os profissionais/atores envolvidos em sua formulação viveram quanto à cultura
popular. Faltou-nos, como mediadores, por insuficiência de nossos esquemas teóricos
e/ou dogmatismo de nossas orientações políticas entender a diversidade “interna” das
classes subalternas. Um discurso que unifica retoricamente as classes populares, como
adverte (MARTINS, 1989), não as unifica de fato. Ao contrário, pode mistificá-las e
empobrecer a interpretação de suas realidades. Quando narramos “outro”, o
produzimos, fabricamos sua identidade.
Neste sentido, os profissionais da escola envolvidos com o projeto inicial para o
noturno, não teriam percebido que a cultura popular é como uma teoria imediata de
intervenção no mundo, isto é, um conhecimento que interpreta e explica a realidade. E
como aponta (THOMPSON, 1998):
(...) é preciso quanto a generalizações como “cultura
popular”. Esta pode sugerir, numa inflexão antropológica
influente no âmbito dos historiadores sociais, uma perspectiva
ultraconsensual dessa cultura, entendida como “sistema de
atitudes, valores e significados compartilhados, e as formas
simbólicas( desempenhos e artefatos) em que se acham
incorporados” Mas uma cultura é também um conjunto de
diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito
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e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole; é
uma arena de elementos conflitivos(..)13
Essa crise de interpretação poderia se relacionar, também, a uma compreensão
parcial dos conflitos existentes entre a população migrante e a que mais tempo está
estabelecida no Frade.
Conflito sobre o qual algumas pistas parecem ser dadas por alguns referenciais
teóricos do sociólogo Norbert Elias, utilizados por ele na análise das relações entre
populações estabelecidas em uma localidade há muito tempo, com outras que chegam,
ao mesmo lugar, mais tarde.
Em Estabelecidos e Outsiders, (ELIAS, 2000) nos mostra que mesmo
pertencentes a uma mesma classe social, a população mais antiga funda uma relação de
dominação cultural com o grupo mais recente. Apesar de entender as óbvias diferenças
de contexto, penso que pode-se investigar até que ponto isso também se atualizou nas
relações de poder entre “angrenses” e “capixabas” do Frade.
Paralelamente a essa crise de interpretação, a derrota iminente que se anunciava
nas eleições municipais levou aos profissionais da escola e a última gestão da secretaria
de educação do governo do Partido dos Trabalhadores, a tratar da implementação desse
projeto nas escolas com um certo açodamento que teria contribuído para que este não
tenha tido os resultados esperados.
A segunda hipótese que considero é que as alterações introduzidas no projeto
original, pela nova secretaria de educação, teriam transformado completamente seu
caráter e intencionalidade.
Teria sido abandonada uma concepção de educação popular para o regular noturno e
implementando um projeto político pedagógico conservador e modelador de uma escola
13
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. Estudos sobre a Cultura Popular Tradicional. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 17
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reprodutora das desigualdades sociais, voltada para formação de uma mão-de-obra
barata para os empreendimentos turísticos da região, com o cultivar de falsas ilusões
quanto a uma qualificação para o mercado de trabalho, como parece apontar, por
exemplo, a mudança das oficinas livres da grade diversificada, para aulas obrigatórias
de leiturização, Novas tecnologias e Turismo.
Mesmo que não haja oficialmente um novo projeto na escola e na rede, e sim, como diz
a atual coordenação do RN/MOVA, um “aproveitamento das experiências positivas das
gestões anteriores do PT, com mudanças pontuais que as tornem mais eficientes”. O que
temos de fato é uma guinada à direita.
Neste sentido, temos a inexistência de instâncias coletivas de deliberação, restando aos
profissionais do RN, como de resto, aos demais da rede, serem consultados
ocasionalmente. Temos, também, as alterações constantes de metas e demandas da
Secretaria de Educação (aliás, desde o início de 2004, SMECTI - Secretaria Municipal
de Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação), que têm um poder tão grande de
desmobilização – que com um certo receio da adoção de teorias conspiratórias –
parecem menos um sinal de incompetência do que de intencionalidade. E, em relação
direta com o projeto inicial para o RN, a contratação maciça de profissionais, que se
renovam a cada dois anos. Fazendo com que, a cada início de ano letivo, o trabalho
pareça começar do zero.
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CAPÍTULO 2
A EDUCAÇÂO PÚBLICA EM ANGRA DOS REIS
2.1 Contextualização histórica.
De um dos primeiros palcos dos encontros entre os colonizadores europeus e as
populações indígenas, ainda no século XVI, Angra dos reis tornou-se rapidamente uma
das regiões mais importantes na produção de cana-de-açúcar, e posteriormente no
século XVIII, porto escoador do ouro de Minas Gerais. No século seguinte, observa-se o
declínio da produção açucareira e ascensão do cultivo do café que dominaria a
economia local até a sua decadência em inícios do século XX. Até então, como espaço
de educação formal, “(...) concretamente, temos conhecimento da criação da Escola
Nossa Senhora do Carmo para as primeiras letras e preparatório. Também se contavam
nos dedos as escolas mantidas pelo estado,(...) enquanto os municípios não tinham a
educação como uma de suas atribuições legais.”14
Nos primeiros anos do século XX Angra vive um momento de estagnação
econômica que perduraria até a década de 1930, quando a ampliação do porto e a
ligação ferroviária com a cidade de Barra Mansa foram marcos iniciais no
redimensionamento das ligações econômicas e políticas da cidade com o resto do país.
Processo que seria consolidado com a construção da Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) em Volta Redonda, em meados da década de 1940, que passou a escoar parte de
sua produção pelo porto da cidade e a implantação do estaleiro Verolme Reunidos (de
capital holandês), em 1959. Até então tínhamos a convivência de uma Angra rural e
pesqueira que se estabeleceu com a decadência da produção cafeeira e o setor de ponta
da indústria nacional em associação com o capital internacional em uma articulação
promovida pelo Estado. Este em sua fase “nacional desenvolvimentista” assumiu um
novo posicionamento das instâncias públicas em relação à educação, fazendo com que
14
PMAR. Escola Participativa, 12 anos. Angra dos Reis: Secretaria Municipal de Educação, 2000. p. 16
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em 1954 já se contassem 28 escolas de ensino primário e o Ginásio Angrense, fundado
em 1946 e transformado em Colégio Estadual Doutor Arthur Vargas em 1966,
atendendo ao secundário.
O golpe militar de 1964 e a subseqüente implementação do modelo econômico
que gestaria o conhecido “milagre econômico” trouxe grandes transformações para
Angra dos Reis.
Transformada em área de segurança nacional em 1969, Angra dos Reis passou a
ter seus prefeitos indicados diretamente pelo presidente da República. Esse processo
ligou-se diretamente a segurança e garantia da implementação de três grandes projetos
do governo federal no município: O Centro Nuclear Almirante Álvaro Alberto; o
Terminal Petrolífero da Baía da Ilha Grande (TEBIG), implantado pela PETROBRAS; e
a construção do trecho Rio-Santos da Rodovia Federal BR-101, que viabilizou o Projeto
Turis, também do governo federal, que indicava para a região a exploração do turismo
voltado para a elite com a implantação de hotéis “cinco estrelas” e loteamentos de
grandes áreas para a construção de condomínios.
É exatamente o 4º Distrito, onde se localiza o bairro do Frade, além das
comunidades do Perequê, Mambucaba, Vila histórica de Mambucaba, Praia Vermelha e
Vila residencial da Praia Brava, que viveria as maiores transformações em seu espaço
físico e em sua estrutura econômica e social, resultantes da implantação desses projetos,
pois nele instalou-se a usina nuclear em Itaorna, entre as comunidades do frade e do
Perequê e o complexo turístico do Hotel do Frade, entre outros grandes
empreendimentos desse setor.
Após a construção do novo trecho da Br-101, em 1974 e as obras para instalação
da usina nuclear (de 1972 a 1980) Angra como um todo, e em especial o 4º distrito,
passou a viver a realidade do aumento populacional, resultante da migração, do caráter
temporário dos empregos oferecidos, da valorização do solo urbano, da expansão
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desordenada para as encostas e da incapacidade do poder público de dar conta de tal
realidade.
Neste quadro, restava às camadas da classe trabalhadora
um ínfimo benefício gerado a partir do aumento da renda do
município, o que, junto à repressão política, ajudou na
contenção de reivindicações trabalhistas e políticas mais
profundas, só não evitando os sucessivos conflitos de terra
onde
se
enfrentavam
posseiros
camponeses
e
capital
imobiliário, numa luta pelas terras valorizadas pelo turismo.
Estes conflitos, reprimidos muitas vezes de forma violenta,
tomaram vulto cada vez maior e se propagaram também para as
áreas urbanas, onde a pressão por moradia se intensificava15
As elites locais, basicamente formadas por comerciantes do centro e grandes
proprietários de terras, que em um primeiro momento apoiaram incondicionalmente os
projetos do regime militar, ansiosos pelo que esperavam ganhar de suas execuções, e
que em parte ganharam em seus momentos iniciais, passaram gradativamente à
oposição assim que o “milagre” dava sinais de cansaço.
“Enquanto isso, a rede municipal de ensino funcionava as duras penas, sendo
comum a presença de professores leigos nos lugares considerados de difícil acesso. No
início da década de 1980, a precariedade da rede estava posta em números: menos de
três mil alunos freqüentavam os bancos escolares da rede municipal”16
Dessa forma, em afinidade com o projeto nacional de redemocratização, a
população de Angra dos Reis questionava o regime e seus projetos para o município
15
SANTOS, Ênio J. S. dos. Repensando o Ensino Regular Noturno Como Escola Pública Para
Trabalhadores: O Caminho de Angra dos Reis. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003. p. 23
16
PMAR.op. cit. p. 19
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que, inclusive, foram combatidos por movimentos sociais surgidos na década de 1980,
como a Sociedade Angrense de Proteção Ambiental (SAPÊ ) e diversas associações de
moradores.
Com apoio das forças progressistas e dos movimentos sociais foi eleito em 1985,
José Luís Resek, como primeiro prefeito após os interventores do regime militar. Seu
governo causou extrema frustração nos movimentos sociais organizados da cidade, pois
além de romper com as forças de esquerda que o apoiaram reproduziu práticas
clientelistas e fisiológicas tradicionais, além de dar apoio incondicional aos
empreendimentos imobiliários calcados no modelo adotado pelos militares.
Todo esse cenário político e social que marca a
sociedade angrense no final dos anos oitenta faz com que, em
1988, com o apoio dos movimentos sindical, sem terra,
ambientalista, cultural, popular e das igrejas progressistas,
vencesse as eleições municipais o candidato Neirobis Nagae,
do Partido dos Trabalhadores. Com uma proposta centrada
basicamente na construção de um governo de fato democrático
e participativo e aglutinando partidariamente boa parte dos
quadros oriundos dos movimentos sociais da cidade.17
2.2 A educação pública nas gestões “petistas” de Angra dos Reis
Segundo (SANTOS, 2003), foram marcas das primeiras gestões municipais
petistas, inclusive a de Angra dos Reis, a inversão de prioridades e o choque de
realidade.
A inversão de prioridades significaria a construção e execução de políticas
públicas voltadas para as camadas mais desfavorecidas da população, através de
investimentos em educação, saúde e habitação que funcionariam como medidas
17
SANTOS. Op. Cit. p. 25
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compensatórias à exploração inerente ao capitalismo. Da mesma forma, haveria uma
inversão de prioridades ao se fomentar a participação popular expressa na formação de
conselhos como o de urbanismo e meio ambiente, de usuários de transporte, de saúde e
de orçamento, que inclusive levaria a efetivação na segunda gestão “petista” do
orçamento participativo. SANTOS cita Pontual e Silva para explicar como as
dificuldades para a execução dessa inversão de prioridades se traduziria em um “choque
de realidade”:
As experiências do período 1989-1992 foram,
portanto, caracterizadas pelo “choque de realidade”. Em
primeiro lugar porque houve o reconhecimento da pluralidade
dos atores com os quais nos deparávamos no exercício de
governo. Essa pluralidade de identidades no impôs um debate a
respeito da distinção entre conselhos populares (que possuíam
um caráter mais claramente classista, totalmente independentes
e autônomos do Estado) e canais institucionais de participação
popular (que deveriam ser canais de co-gestão entre o governo
e os diversos segmentos da sociedade, representados não
apenas pelo critério classista, mas pela multiplicidade de outras
identidades presentes nas cidades). Foi a partir daí que a idéia
de partilha do poder surgiu como contraposição à idéia de
delegação de poder absoluto à comunidade18
Nesse sentido, a gestão de Neiróbis, deu grande destaque à educação
pública.Foram estabelecidos três eixos de ações que marcariam as futuras intervenções e
formulações de políticas educacionais, inclusive as voltadas para o EJA: a
18
PONTUAL, Pedro; SILVA, Carla Cecília R. A. 1999. Participação popular nos governos
petistas: trajetórias, mecanismos e caráter, p. 61-70. In MAGALHÃES, Inês; BARRETO,
Luiz; TREVAS, Vicente (orgs.). Governo e cidadania. Balanço e reflexões sobre o modo p.63
petista de governar. São Paulo, Fundação Perseu Abramo
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democratização da gestão, a democratização do acesso e a nova qualidade do
ensino.
Seguindo a orientação de democratização da gestão e baseada na política de
inversão de prioridades a gestão de Neiróbis atuou na ampliação física da rede que
possibilitou um salto de 7526 alunos matriculados em 1988, para 12171 em 1992, assim
como 470 professores para 950 no mesmo período, segundo dados da secretaria
municipal de educação.19 Inicialmente os cargos de professores, especialistas e pessoal
de apoio foram supridos através de contratos no regime da CLT e em 1992 foi realizado
o primeiro concurso público para esses cargos.
Como se implementou uma política de valorização do magistério que levou, por
exemplo, em 1994 os professores do segundo segmento do ensino fundamental,
receberem cerca de dez salários mínimos, por uma carga horária de 16 horas semanais a
afluência ao concurso foi enorme. Houve um grande número de candidatos aprovados
provenientes de outros municípios do Rio de Janeiro e até mesmo de outros estados,
trazendo conseqüências para a rede, que mais a frente serão analisadas.
A ampliação da rede não foi apenas quantitativa. Ações como a criação, antes
inexistentes no nível municipal de novas modalidades como a educação infantil,
especial, de jovens e adultos, através do regular noturno e do MOVA, assim como, a
promoção de cursos de curta duração, seminários e encontros para a discussão de
questões político-pedagógicas e convênios com a Universidade Federal Fluminense
(UFF) e a Faculdade de Educação Campograndense (FEUC) demonstram a preocupação
que o poder executivo tinha em conjugar a democratização do acesso às classes
populares e uma nova qualidade do ensino que estivesse voltada para atender as suas
demandas. É necessário destacar, que apesar dessas ações estarem sendo efetivamente
promovidas, não havia ainda, nessa primeira gestão “petista”, uma proposta pedagógica
19
PMAR.op. cit. p. 31
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concreta que se instrumentalizasse em uma nova orientação curricular, ou seja, eram
ações coerentes com a proposta dos novos eixos para a educação, mas que ainda não
estavam articuladas em um projeto.
Quanto a democratização da gestão, o governo do prefeito Neiróbis Nagae
iniciou uma série de encontros, fruto das reflexões que surgiram a partir dos cursos,
seminários e encontros promovidos previamente, entre as associações de moradores e os
profissionais da educação das unidades escolares (UEs) e a secretaria de educação. A
partir destes encontros surgiu a proposta das eleições diretas para as direções das UEs e
da gestão compartilhada entre os servidores e a comunidade, que se efetivariam no
próximo governo, a partir de 1993.
Em uma eleição polarizada o PT consegue eleger em 1992, o vice-prefeito de
Neiróbis, Luiz Sérgio Nóbrega, egresso do movimento sindical metalúrgico da cidade,
como novo prefeito. Boa parte dos empresários da cidade, assim como, aqueles ligados
aos investimentos turísticos na região, investiram maciçamente na campanha do
comerciante Fernando Jordão, que já havia sido candidato em 1988 pelo partido liberal
(PL) e que em 1992 disputou a prefeitura pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).
A nova gestão do PT em Angra procurou aprofundar a gestão democrática na
educação. As eleições para as direções das UEs que vinham sendo obstaculizadas pela
câmara dos vereadores, aonde o PT nunca teve maioria, e por isso ganharam respaldo
legal apenas em 1996, vinham sendo feitas desde 1993.
A instalação dos conselhos de escola, como canal que pudesse viabilizar a gestão
partilhada das UEs entre os profissionais da educação e a comunidade e fizesse a ponte
com SME foi uma tentativa que esbarrou na herança cultural hierarquizada e
estratificada das relações sociais no Brasil, pela qual cabem apenas aos profissionais e
direção das escolas o direito de interferirem em sua gerência. Uma das respostas da
SME foi a criação das reuniões de pólos (recortes regionais do município), nas quais
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seus representantes (coordenadores) pudessem atuar como facilitadores e mediadores
das discussões e deliberações dos conselhos de escola e direções das UEs.
O grande avanço no processo de democratização da gestão se deu com a
convocação e realização do I Congresso Municipal de Educação em 1994, como fórum
de discussão, deliberação e formação permanente. Seu papel, seus limites e
possibilidades foram, no entanto, objeto de intensas disputas políticas e ideológicas
entre grupos de profissionais da educação e a SME, como assinala (SANTOS, 2003):
A SME (PMAR, 2000) sustenta que a realização do
Congresso foi resultado da percepção de que os fóruns de
caráter consultivo já não davam as respostas necessárias à
concretização de novos projetos; era necessário amadurecer a
melhor forma de colocar em prática uma instância de discussão
de caráter deliberativo. (...) Sua organização, por exemplo,
ficou a cargo de uma comissão formada por representantes dos
professores e membros da SME. Após várias reuniões e depois
de já delineada a estrutura que teria o evento, a comissão foi
destituída e a organização ficou exclusivamente nas mãos dos
dirigentes da SME. Vemos que as contradições entre discurso e
prática marcaram as relações entre os dirigentes e a rede de
ensino naquele momento, fruto de diferentes visões e
concepções políticas e do real significado da participação
popular e da gestão democrática
20
Apesar das contradições, principalmente presentes entre grupos de professores
que buscavam uma radicalização nas relações sistema de ensino/sociedade e a SME que
entendia que os canais de representação presentes fossem suficientes, vários temas
fundamentais como alfabetização, educação permanente, movimento de reorientação
20
SANTOS. Op. Cit. p. 36
{PAGE }
curricular, avaliação, regular noturno/educação de jovens e adultos, revisão da estrutura
e funcionamento da SME, foram discutidos e deliberados. Assim, por exemplo,
aprofundando a questão da gestão democrática para além das eleições diretas para a
direção, várias plenárias com representantes das UEs deliberaram o novo regimento das
escolas municipais, da mesma forma que em direção a uma nova qualidade de ensino a
SME investiu na formação continuada com assessorias com profissionais com
experiência em outras redes administradas pelo PT, convênios com organizações nãogovernamentais e a criação de novas coordenadorias dentro da estrutura da secretaria
como o de educação ambiental e do programa de orientação sexual. Os coordenadores já
existentes por área de conhecimento e de educação infantil passaram a promover
reuniões periódicas com os profissionais específicos a fim de discutir e por em prática
as decisões do congresso.
Em 1996, como primeiro resultado de todo esse processo de reorientação
curricular, a SME organizou a I Mostra Pedagógica da Rede Municipal de Ensino de
Angra dos Reis, onde as escolas puderam expor seus projetos e as atividades nelas
desenvolvidas.
Nas escolas, foi a partir desse momento que houve a efetivação das discussões e
elaborações dos PPPs, com autonomia curricular, porém, respeitando os princípios
estabelecidos para o movimento de reorientação curricular, também deliberados durante
o 1º Congresso: a interdisciplinaridade, o diálogo com a realidade local e o trabalho
coletivo.
É também nesse momento que ganha força dentro da Escola Municipal Cacique
Cunhãbebe a discussão sobre um novo projeto para o Regular Noturno, tema desse
trabalho e que mais a frente será discutido.
Em uma nova disputa eleitoral apertada, o PT consegue eleger o vice de Luiz
Sérgio, José Marcos Castilho, como prefeito. Surpreendendo a militância, simpatizantes
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e parte do seu eleitorado, o novo prefeito escolheu vários secretários estranhos ao
partido, inclusive, a da educação para qual foi nomeada a professora Graça Salomão,
ligada a rede particular de ensino da cidade.
O governo Castilho promoveu uma alteração profunda na orientação política que
as gestões anteriores do PT, mesmo com contradições, vinham tomando. Assim, os
conselhos e o orçamento participativo são esvaziados. Um discurso técnico e
burocrático é assumido e uma aliança com empresários e comerciantes locais é ensaiada
e sintetizada no projeto Angra-Orla, um projeto urbanístico de revitalização da orla que
abrangia os bairros do Balneário, Praia do Anil e Centro da cidade. Esse projeto previa
o aterro de uma área de manguezal para a construção de uma nova rodoviária, além da
construção de marinas, áreas de lazer e estacionamento que mesmo com críticas severas
dos conselhos de orçamento e de urbanismo e meio ambiente e de Organizações não
Governamentais (Ongs), como a SAPÊ, resultou de forma incompleta na construção da
rodoviária (sobre o manguezal) e da duplicação da Avenida caravelas, ligando a RioSantos ao centro da cidade.
A tentativa de mudança na educação não se concretizou plenamente. Após três
meses, a secretária de educação nomeada pelo prefeito renunciou e os quadros
históricos do partido, ligados a educação, retomaram o controle da SME.
Em 1999 iniciou-se o II Congresso Municipal de Educação, desta feita com um
caráter mais democrático, pois os representantes da SME e dos pólos de educação
ampliaram a participação das UEs, garantindo presença e voz aos representantes de
funcionários de apoio, pais e alunos com delegados.
Em Julho de 2000 a II Mostra Pedagógica da rede municipal funcionou como
um balanço dos doze anos de reflexões e ações na educação, demonstrando que apesar
de todas as dificuldades resultantes das contradições internas e do aludido “choque de
realidade”, que impediram um avanço maior, a rede municipal de Angra dos Reis
{PAGE }
apresentava um grande diferencial em relação a outras do país. O aumento significativo
do número de escolas, a valorização salarial dos profissionais, a formação continuada,
entre outras ações, sem dúvida, foram componentes desse diferencial, no entanto,
considero que a concepção democrática e popular de educação e as ações para colocá-la
em prática tem que ser vista como algo fundamental.
Por mais estruturadas e fundamentadas teoricamente que sejam as políticas
públicas para a educação, por melhor que sejam sintetizadas e apresentadas, se não há o
envolvimento direto dos profissionais e das comunidades, a quem se dirigem essas
políticas, em sua formulação elas não são de fato vivenciadas. Permitir que a sociedade
exerça seu direito à informação e à participação deve fazer parte dos objetivos de um
governo que se comprometa com a solidificação da democracia. Democratizar a gestão
da educação requer, fundamentalmente, que a sociedade possa participar no processo de
formulação e avaliação da política de educação e na fiscalização de sua execução,
através de mecanismos institucionais. Esta presença da sociedade materializa-se através
da incorporação de categorias e grupos sociais envolvidos direta ou indiretamente no
processo educativo, e que, normalmente, estão excluídos das decisões (pais, alunos,
funcionários, professores). Ou seja, significa tirar dos governantes e dos técnicos na
área o monopólio de determinar os rumos da educação no município.
A participação torna o caminhar para uma educação de qualidade e acessível
aparentemente lento e difícil, mas a minha inserção como professor, em boa parte
desses doze anos de gestão “petista” da educação pública em Angra dos Reis, trouxe-me
a convicção que sem participação democrática e efetiva dos atores envolvidos no
processo educacional e da sociedade como um todo não há caminhada.
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O abandono de suas concepções sobre a política e o papel da participação
popular, assim como, da “inversão de prioridades” e o empenho apenas na vitória
eleitoral, tentando conquistar o apoio de setores conservadores, custaram caro ao PT de
Angra. Aliás, hoje, em 2005, podemos dizer que não apenas ao de Angra.
(...)Em
1996,
a
vitória
de
Castilho,
com
aproximadamente 32% dos votos, contra uma oposição ainda
dividida mas conquistando quase 50% dos eleitores, mostra
bem o quanto as eleições eram disputadas e que para derrotar o
PT só faltava mesmo a união da oposição em torno de uma
única candidatura. Foi o que aconteceu em 2000, e com o
terceiro governo petista bastante descaracterizado, afastado de
suas premissas iniciais e sem o apoio das principais lideranças
comunitárias, o caminho estava aberto para a volta ao poder
das velhas oligarquias locais.21
Nas eleições de 2000 o candidato, pelo PDT e uma grande aliança de partidos,
Fernando Jordão, empresário, dono de uma rede de supermercados, de concessionárias
de automóveis e outros ramos do grande comércio é eleito com cerca de 73% dos votos.
2.3 “Angra para os angrenses”.
Em maio de 2005, a Secretaria Municipal de Educação, Ciência, Tecnologia e
Inovação (SMECTI) de Angra dos Reis, nova designação para SME, adotada em 2004,
promoveu nos salões do Colégio Naval uma jornada pedagógica. Apesar desse evento,
não se enquadrar no corte temporal desse trabalho nem ao seu objeto primordial que são
os embates em torno do projeto de regular noturno da Escola Municipal Cacique
Cunhãbebe, acredito que alguns aspectos que o constituíram têm que ser mencionados,
pois são bastante ilustrativos e significativos do que se fez na educação em Angra entre
21
Ibid, p 42
{PAGE }
2001 e 2004, mesmo porque, foi realizado na segunda gestão do prefeito eleito em 2000
e esta sempre se autoproclamou como uma continuidade do que foi feito na primeira.
Os professores da rede foram “convidados” a participarem da Jornada, com o
abono da presença nas escolas, desde que pagassem a “formação continuada” com a
quantia de R$ 25,00. Muitos deles, abismados com a cobrança, perguntaram aos
representantes da SMECTI o porquê de uma formação continuada, que até nas empresas
particulares de ensino são promovidas pelo empregador sem ônus para o empregado,
seria cobrada. As respostas variavam sobre o mesmo tema: Apesar de haver
patrocinadores particulares, estes cobririam o custo apenas dos impressos, do material
de divulgação e do cafezinho, enquanto os palestrantes deveriam ser pagos com o que
fosse arrecadado das inscrições. Com certeza temos uma nítida confusão entre o que é
público e privado e esta foi uma das marcas do período 2001-2004, da mesma forma, a
consideração de que a participação dos profissionais de educação no processo político
pedagógico deveria ser a de ouvintes ou no máximo a de consultados, nunca a de
partícipes e construtores com poder de deliberação.
Além dos equívocos da última gestão do PT em Angra, da crise generalizada que
o Brasil vivia quanto à oferta de empregos, a primeira campanha eleitoral de Fernando
Jordão foi muito feliz ao formar um capital simbólico condensando esses problemas no
mote “Angra para os angrenses”. Isto porque conseguiu direcioná-los para a realidade
de que vários cargos, que através de concurso ou por indicação, eram preenchidos por
profissionais de fora da cidade. Diziam que ao se contratar um profissional da educação,
por exemplo, sempre se relegava o angrense em detrimento de um “estrangeiro”.
Em Angra, até 2004 a única universidade pública presente era a UFF e apenas
com o curso de pedagogia, isto, evidentemente, nos concursos dava uma vantagem aos
residentes no Grande Rio e de outras regiões com maior oferta de cursos superiores.
Quanto aos contratos por tempo determinado que foram em grande número nas gestões
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“petistas”, para darem vazão a demanda das escolas, houve, aparentemente, um erro por
parte delas em não substituí-los progressivamente por concursados. No entanto, ao
mesmo tempo, havia o critério de análise de currículo, na grande maioria dos casos, o
que levava de novo ao problema da dificuldade em se conseguir a formação adequada
para a maioria dos moradores de Angra.
Em 2003, instada pelo ministério público a gestão de Fernando Jordão teve que
realizar concurso público para diversos cargos e o resultado foi o esperado, a maioria
esmagadora dos aprovados não era de Angra.
“Angra para os angrenses” significou na prática, a partir de 2001, a contratação
maciça de pessoas da forma mais clientelista possível, quer dizer, através da indicação
de políticos. Uma prática, desde então, tão intensa que não há quem tenha algum
vínculo com a cidade que a desconheça e que muitos por ignorância ou cinismo
freqüentemente assumem como normal e positiva, ou seja, é de domínio público. As
escolas receberam profissionais dos quais não se exigia mais o currículo, mas sim o
título de eleitor em Angra. A Escola Municipal Cacique Cunhãbebe em 2002, por
exemplo, tinha cerca de 80% de seus 60 professores na situação de contratados.
Desnecessário dizer quanto que essa prática é nociva para a educação no
município, pois mesmo que o profissional, ocasionalmente, tenha as qualificações
necessárias para o exercício da sua profissão, ele terá que ser substituído ao cabo de dois
anos com o fim do contrato, impedindo a continuidade de diversos projetos. Por outro
lado, caso o profissional não tenha as qualificações necessárias, permanecerá na escola
durante o período do contrato. Desde o primeiro ano de governo, o prefeito com maioria
absoluta na câmara conseguiu reduzir o prazo de dois anos de impedimento para o
postulante conseguir outro contrato, para seis meses, o que garantiu a sua “política de
emprego” “Angra para os angrenses” ser mais eficaz, além de manter um grande
{PAGE }
número de profissionais com poucas possibilidades do exercício da crítica quanto as
políticas do governo.
Quando digo que prática indiscriminada de contratações para cargos públicos é
nociva à educação, não falo apenas da educação formal, mas do reforço que proporciona
a concepções autoritárias, como as que, por exemplo, levaram após a vitória de
Fernando Jordão as histéricas passeatas “da mala” e “da vassoura” que agrediram verbal
e fisicamente aqueles considerados os “estrangeiros” de Angra.
Não foi apenas essa “política de emprego” que marcou o período 2001-2004,
tivemos também o abandono inicial de vários projetos criados anteriormente, como os
voltados para o regular noturno, mais a frente analisados, e que posteriormente seriam
ressignificados. Novos princípios filosóficos da política educacional foram adotados:
Compromisso, respeito e valorização. Vejamos quais os significados que a SMECTI
dá a eles em uma publicação que faz o balanço de seus quatro anos de realizações.
Temos como compromisso construir uma política
educacional,
levando-se
em
consideração:
conhecer
a
diversidade social e cultural das Unidades Escolares da Rede
Municipal; promover, através de formação continuada, o
desenvolvimento de competências e a reflexão sobre a prática
pedagógica; perceber as mudanças ocorridas na sociedade,
através
de
ações
que
visem o
desenvolvimento
das
potencialidades dos alunos; garantir aos portadores de
necessidades educacionais especiais, as adaptações curriculares
para atender as suas especificidades e também o acesso á
escola e ao conhecimento, ampliando os saberes construídos
coletivamente dentro e fora do espaço escolar.22
22
PMAR-PREFEITURA MUNICIPAL DE ANGRA DOS REIS. Organização Curricular da Rede
Municipal de Ensino de Angra dos Reis. Angra dos Reis: Secretaria Municipal de Educação, Ciência,
Tecnologia e Inovação, 2004. p. 16
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Acredito que podemos encontrar nessa definição do princípio filosófico adotado
pela SMECTI uma das grandes diferenças em relação às gestões anteriores.
Quando é mencionado que o compromisso se resume conhecer a diversidade
social e cultural das UEs temos, ao contrário da política anterior, o descompromisso
com a intervenção na realidade social, pois anteriormente não havia só um
reconhecimento da dessa diversidade mas um uma tomada de posição com aqueles que
dentro desse quadro de desigualdade são os desfavorecidos, ou seja, uma opção por uma
concepção de Educação Popular que possibilitasse instrumentos para a transformação.
Também temos uma mudança radical em relação à diversidade cultural. A nova posição
assume apenas o reconhecimento da alteridade, quando anteriormente, os princípios
apontavam para construção de currículos construídos dialogicamente nas UEs com as
comunidades, passando por três momentos básicos, o estudo da realidade, a organização
do conhecimento e a aplicação do conhecimento; partindo sempre das culturas locais e
sempre valorizando-as.
Apontamos também como princípio o Respeito à
prática dos profissionais da educação, investindo na formação
continuada, a fim de enriquecer e problematizar a práxis
educativa e estimular a construção coletiva dessa práxis.
Entende-se que é preciso dar oportunidade para que emerjam
(sic) no processo educativo as características individuais dos
alunos,
considerando
os
aspectos
cognitivos,
afetivos,
psicomotores, sociais e a diversidade cultural.23
O veto a projetos longamente gestados, como o do regular noturno, nesse
trabalho investigado, a perseguição de professores ligados as gestões anteriores, que não
23
Ibid, p 17
{PAGE }
conseguiram nos primeiros anos da nova gestão fazer o regime de trabalho integral
(RTI), que permite uma dobra na carga horária e conseqüentemente na remuneração, e a
cobrança financeira para a participação em jornadas pedagógicas, contradizem
inteiramente o propalado respeito, como também o fim das eleições para as direções das
escolas e a indicação para os coordenadores de áreas do conhecimento, que antes
poderiam ser escolhidos pelos professores das áreas, caso o grupo assim decidisse.
Entre 2001 e 2004 a grande maioria das reuniões promovidas pela SMECTI
relacionavam-se a Matriz Curricular que serviria de parâmetro para a construção de
novos PPPs das UEs. Em todas as reuniões que participei, quando era questionada a
validade de tal matriz curricular, as resposta sempre giraram em torno do seguinte: A
Matriz é política de governo e como tal é inalterável, mas vocês podem dar sugestões.
Considerar os professores apenas como capazes de emitirem opiniões não caracteriza o
uso de respeito com os profissionais.
“Finalmente destacamos a valorização de todos os sujeitos envolvidos no
processo educativo e dos conhecimentos prévios indispensáveis na (re) construção de
conceitos que leva a aprendizagem significativa.”24
O último princípio é o mais vago. Valorizar como? Que sujeitos? Na verdade,
quando os profissionais da educação e a comunidade, objetivo dos processos
educacionais não respeitados em suas possibilidades de intervenção e deliberação, há
um investimento na tradicional hierarquização que permeiam a maior parte das redes de
ensino. Nós o poder constituído formulamos, vocês professores podem opinar e vocês
comunidade sintam-se premiados com o ensino proporcionado.
Esses princípios serviram, segundo a SMECTI, como ponto de partida aos eixos
norteadores da política educacional: a transversalidade, a valorização dos
profissionais da educação e a política de inclusão.
24
Ibid, p 18
{PAGE }
Durante os 12 anos de gestão “petista” um longo e difícil percurso, com muitas
idas e vindas foi feito tentando o trabalho interdisciplinar nas escolas. Os avanços nesse
sentido foram, inclusive, menores do que se desejaria, pois é um trabalho
essencialmente coletivo e dialógico, o que por si só já é muito difícil de ser realizado.
Pois, os novos formuladores da política pública com um arrazoado definem a mudança
no objetivo do trabalho coletivo. Supera-se a interdisciplinaridade e adota-se o
paradigma rizomático da transversalidade. Não se trata de negar tal paradigma ou
contestá-lo, mas considerar que seria mais produtivo aprofundar o trabalho que vinha
sendo feito e que tanto custou.
“(...) a valorização das relações professor-escola, professor-aluno e professorcomunidade, que possibilita a participação e o diálogo constantes no processo de
criação de um instrumental didático e de alternativas metodológicas, é fundamental
nessa política”25
A valorização dos profissionais da educação desejada fica clara, no trecho
acima exposto. Espera-se participação na criação de um instrumental didático e de
alternativas metodológicas, mas não nas políticas educacionais ou nos princípios que
orientarão essa política. Assim como não se menciona a relação professor-rede.
“O respeito à diversidade dos seres (sejam elas culturais, ideológicas, físicas,
psíquicas, cognitivas ou sócio-econômicas), à crença na possibilidade do “ser mais”,
devem ser sempre ampliados e incorporados nas práticas cotidianas.”26
Defender o respeito à diversidade sócio-econômica dos seres, como
possibilidade do “ser mais” e considerar isso como fundamental à política de inclusão
parece-me o que vem sendo feito há mais de quinhentos anos nesse país, ou seja,
apostar em uma escola reprodutora das desigualdades sociais.
25
26
Ibid, p 20
Ibid, p. 20
{PAGE }
Na publicação em que apresenta os princípios e eixos norteadores da SMECTI
para organização curricular da rede Municipal de Angra dos Reis (PMAR, 2004) há
uma didática apresentação dos seus fundamentos teóricos e metodológicos. Cita-se o
construtivismo sócio-interacionista de Vygotsky, o pensamento complexo de Morin, a
transversalidade de Silvio Galo e até algumas “pinceladas” de Paulo Freire,
devidamente descontextualizadas, além de outros.
Apresenta-se até um glossário e pequenas biografias dos autores citados. O que
nos leva a um questionamento. Fosse essa publicação, resultado de um trabalho coletivo
em que os profissionais da educação tivessem voz ativa, seriam necessários glossário e
biografias dos autores citados?
Não cabe crítica direta aos fundamentos teóricos da política educacional. Podese valorizar mais ou menos cada um deles, no entanto, o mais importante a ser
ressaltado é a forma como foram escolhidos.
Entre 2001 e 2004 foram adotados verticalmente e de forma nada democrática.
Um governo eleito tem o direito de formular sua política educacional e fazer sua opção
pela transformação ou conservação, por outro lado, deveria deixar claro o seu caráter, na
coerência entre discursos e ações.
O diferencial da rede de Angra, duramente construído em anos de discussões,
proposições e enfrentamentos políticos em direção a uma Educação Popular, e que com
todos avanços e recuos não se realizou plenamente, pelo menos aprofundou relações
democráticas entre os sujeitos envolvidos em seu processo. Esse diferencial está, nesse
momento (2005), descartado pelo poder público.
{PAGE }
CAPÍTULO 3
O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA “CACIQUE”.
3.1 A criação do Ensino Regular Noturno na Rede Municipal de Angra dos Reis.
O Ensino Regular Noturno na rede municipal de Angra dos Reis foi criado
através do decreto 1570 de 08 de Agosto de 1989 e as primeiras turmas iniciaram seus
trabalhos no começo do ano letivo de 1990. No ano seguinte, após intercâmbios com a
prefeitura de São Paulo à época administrada pelo PT na gestão de Luiza Erundina e
com Paulo Freire a frente da Secretaria de Educação, foram instaladas em parceria com
o Conselho Municipal das Associações de Moradores (COMAM) as primeiras turmas
do MOVA.
A implantação do Regular Noturno e das turmas de Mova davam uma resposta
ao artigo 208 da Constituição de 1988 que ampliava a obrigação da oferta do ensino
fundamental para àqueles que não conseguiram o acesso na idade apropriada.
O MOVA e o RN eram por definição experiências diferentes de oportunização
da Educação de Jovens e Adultos. O primeiro espelhando-se na experiência paulistana
buscava uma concretizar uma proposta de Educação Popular em que a alfabetização
fosse um instrumento político de emancipação dos trabalhadores no qual eles tivessem
um papel deflagrador e dirigente através das suas organizações sociais. Nesse sentido,
não se trataria apenas de uma campanha de alfabetização, mas a formação de um
processo de autonomia política. No entanto, ao contrário da experiência de São Paulo,
quando efetivamente o surgimento do MOVA foi uma demanda das organizações
populares, a experiência de Angra dos Reis surgiu como uma iniciativa do poder
público que procurou fomentar a participação das organizações populares como as
associações de moradores. Apesar dessa contradição os resultados foram bastante
positivos como aponta (SANTOS, 2003):
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O MOVA-Angra tinha um claro viés político, fazia parte
da intenção do governo em formar uma população até então
sem, ou com muito pouco, sentimento de pertencimento ao
município e carente, a despeito do saber acumulado nas
vivências de trabalhador, dos dispositivos para se organizar e
lutar pelos seus direitos (ler, escrever e ter consciência de
classe). Servia também para legitimar um poder que, além da
possibilidade de ser efêmero localmente, se contrapunha, em
seus pressupostos básicos, ao poder político de nível nacional.
E quanto a esses objetivos, já em seus primeiros anos, logrou
conquistas. Não foram poucas as intervenções no mundo real
vindas de discussões e conclusões originadas nas suas turmas:
questionamentos em relação à atuação de diretorias de
Associações de Moradores, formação de chapas para a disputálas, reivindicações feitas diretamente à Prefeitura. Ou seja,
engajamento e organização política de fato foram produzidos.27
Ao contrário do MOVA, o Ensino Regular Noturno iniciou-se sem uma proposta
político pedagógica definida, sem contar, é claro, com a própria opção por essa
modalidade de oferta para a EJA, ao invés do supletivo, por exemplo. Isto demonstrou a
princípio um reconhecimento de que adultos e jovens merecem uma educação de
qualidade e que esta não poderia ser ofertada de forma aligeirada, como poderia
acontecer com o ensino supletivo. A partir de 1991 como resposta às demandas dos
profissionais envolvidos com o RN, a SME realizou os primeiros encontros entre
professores, coordenadores pedagógicos e direções das escolas, que ofereciam essa
modalidade, com professores do curso de pedagogia da UFF, que ofereceram a primeira
assessoria aos profissionais que trabalhavam com o Regular Noturno. As discussões
27
SANTOS. Op. Cit. p. 50
{PAGE }
pautaram-se pela tentativa de se investigarem as especificidades dos educandos que
buscam o RN, assim como, a necessidade da construção de um currículo que atendesse
as suas necessidades. Apesar de vários pontos polêmicos e da indefinição inicial de
quais caminhos seguir, esses encontros marcaram, pela primeira vez, o consenso quanto
a necessidade da formação e manutenção de quadros profissionais voltados para o RN.
Em finais de 1992, como balanço desse primeiro ano de assessoria, foi realizado
pela SME o Seminário de Reformulação do Regular Noturno. Neste, as escolas que já
ofereciam o RN (E.M. Frei Bernardo, E. M. Raul Pompéia, E. M. Santos Dumont, E. M.
Benedito dos Santos Barbosa, E.M. Cacique Cunhãbebe e E. M. D. Pedro I)
apresentaram suas propostas apoiando-se em três elementos norteadores: conhecimento
da clientela do curso noturno e suas expectativas para a vida e para a escola, procura de
modificações metodológicas na apresentação dos conteúdos curriculares e busca de
alternativas que possam tornar a escola mais agradável para os alunos que chegam após
um dia de trabalho.
Segundo SANTOS, até a realização do I Congresso Municipal de Educação, não
estava definido pelo poder público a utilização do termo Educação de Jovens e adultos
que expressasse uma aproximação entre os dois projetos por ele ofertado, o RN e o
MOVA. Enquanto o primeiro encaminhava as primeiras discussões sobre o seu caráter e
operacionalidade, o segundo tinha claro seus objetivos e meios de execução. Ao mesmo
tempo questões práticas eram colocadas, como, por exemplo, a difícil continuidade dos
estudos dos alunos egressos do MOVA dentro das formalidades exigidas pelo caráter
regular do “noturno”. Muitos alunos, apesar do amparo legal, garantido pela SME de
darem seqüência aos estudos, após avaliações formuladas pelas UEs, não conseguiam se
adaptar ao currículo até aquele momento adotado pelo RN, baseado na realidade do
público do diurno. Em torno desta e outras questões já citadas a SME, em 1993, criou a
Coordenação do Regular Noturno. Sua criação foi um avanço no sentido de dar
{PAGE }
continuidade as discussões iniciadas com a primeira assessoria e proporcionar um
acompanhamento aos profissionais das UEs, facilitado, principalmente em relação aos
professores do primeiro segmento, que pela sua freqüência em todos dias da semana
tinham uma possibilidade maior de estarem presentes nas reuniões, assim como, de
troca mais efetiva entre eles, do que entre os profissionais do segundo segmento, que
por sua carga horária mais dispersa pela semana, tinham uma experiência mais
fragmentada e inconstante de discussões, o que levou em alguns casos até uma
resistência em delas participar.
Se por um lado a criação da Coordenação do RN representou um avanço, por
outro não conseguiu aproximar as duas ofertas para a EJA e nem mesmo evitar os
conflitos entre o MOVA e o RN. Desta forma foi pautado como tema para o I
Congresso Municipal de Educação, a Educação de Jovens e Adultos, na tentativa tanto
de aprofundar e dar continuidade as discussões iniciadas com a assessoria e com o
trabalho da Coordenação, quanto na aproximação e articulação das duas modalidades.
As deliberações do Congresso sobre a EJA concentravam-se, em sua maioria,
em questões específicas das escolas, enquanto duas apontavam para questões mais
gerais relativas a relação entre a EJA e as demandas da rede. Uma estabelecia
necessidade de aprofundamento das discussões sobre a relação capital, trabalho e
educação com a participação das entidades de classe. Como continuidade desta,
propunha-se uma maior ligação entre a educação e a formação técnica e profissional,
mantendo como norte a dimensão social do trabalho e sua interface do engajamento
político, ou seja, estabelecer bases para que os educandos pudessem vivenciar uma
relação concreta entre a formação escolar e o mundo do trabalho de forma crítica e não
fundada na ilusão do acesso no mercado de trabalho pela simples aquisição de um
certificado de conclusão do ensino fundamental.
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O período que se seguiu ao Congresso foi de certa estagnação e mesmo de recuo
em relação ao momento anterior. A operacionalização e execução das deliberações do
congresso dependiam das ações da SME e esta, segundo SANTOS, vivia um conflito
ideológico acirrado entre duas visões sobre a EJA, por um lado havia o Departamento
de Projetos e assuntos Comunitários (DEPAC), responsável pelo MOVA, que defendia
uma postura nitidamente mais politizada para a educação, como já vimos, assentada em
pressupostos da educação popular. De outro lado, o Departamento de Ensino que
veiculava um traço mais pedagógico para a EJA, e que era responsável pelo RN. Essa
contradição de certa forma engessou as ações da SME, que garantiu a existência do
espaço deliberativo no congresso, mas acabou não levando a frente suas decisões.
A situação muda radicalmente em 1996, quando assumiu o cargo de gerente da
Divisão de Educação a pedagoga Helenice de Oliveira Almeida e a professora Marília
Campos a chefia do DEPAC.
Com o quadro de dirigentes modificado, novas
concepções sobre a EJA passam a habitar o prédio da SME.
Marília e Helenice iniciam um diálogo que tenta romper com o
profundo abismo que havia se formado entre MOVA e RN e
que emperrava qualquer avanço no sentido de formulação das
políticas. Helenice encontra um documento que contém um
plano de ação da Secretaria previsto para o quadriênio 19931996 (PMAR, 1998e), na qual se destacavam:
a ampliação do ensino noturno nas escolas, oferecendo
oportunidades de educação ao aluno trabalhador;
a construção, junto com os profissionais da educação, da
proposta pedagógica da escola para a classe trabalhadora;
a criação de mecanismos necessários para a discussão política
pedagógica para o aluno trabalhador;
a consolidação e ampliação do programa de jovens e adultos –
MOVA;
a implantação de cursos técnicos de nível médio através de
convênios, em particular com o SENAI.28
28
Ibid, p 59
{PAGE }
Apesar das contradições não desaparecerem apenas como resultado de uma nova
direção da SME em busca de consenso, ela representou uma retomada na busca de
caminhos mais democráticos para EJA. Dessa forma, foi garantida a existência de uma
comissão permanente entre representantes das escolas e da SME para a discussão das
questões da EJA e a realização do I Encontro da Educação de Jovens e Adultos,
realizada em Julho de 1996, dentro da I Mostra Pedagógica.
Como já foi citado no capítulo anterior, a eleição de José Marcos Castilho, em
1996, foi a vitória de uma estratégia política em que se abandonava os pressupostos
históricos de “inversão de prioridades” do PT e tentava-se a busca de uma nova aliança
com setores ligados a elite local, que levaram a escolha de um novo secretariado,
inclusive o da educação, desligado dos quadros históricos do PT em Angra. Portanto, o
ano de 1997, exatamente o primeiro de aplicação da nova LDB, representou uma nova
descontinuidade no processo de construção de uma EJA de caráter popular e
democrático em Angra dos Reis. No entanto, por pressões internas do próprio PT,
Castilho voltou atrás e, em 1998, recolocou quadros que participaram da gestão anterior
da SME.
Uma das primeiras medidas foi o retorno da Coordenação do RN, desta feita a
cargo da Professora Edna Ferreira Coelho, com experiência na atuação do magistério
nessa modalidade em Angra. Sua contribuição foi extremamente relevante, não apenas
como elemento de ligação entre UEs e SME, mas também por levar a frente uma série
de discussões teóricas nas escolas sobre as questões relativas à EJA, assim como
garantir o espaço de trocas de experiência nas reuniões de pólo. Estas, tiveram um papel
fundamental na capacitação dos profissionais, possibilitando-os levarem adiante a
construção dos PPPs para o Regular Noturno, como o da “Cacique”. Neste sentido,
também foi importante a assessoria do professor Domingos Nobre da Ong Centro de
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Ação Comunitária (CEDAC) da cidade do Rio de Janeiro, que já vinha acompanhando o
MOVA-Angra.
Em 1999 o professor Ênio José Serra Santos, após a aprovação democrática da
comissão RN/MOVA, passou a dividir com a professora Edna a Coordenação do
Regular Noturno. Para as UEs, orientadores educacionais e coordenadores pedagógicos
específicos para o “noturno” foram nomeados, enquanto que encontros e oficinas
voltados para a EJA foram assumidos como política de formação continuada pela SME,
dando condições a que várias das discussões e experiências acumuladas fossem
concretizadas em projetos que saíram do papel e foram ao chão da escola. Nesse
momento foi apresentada a proposta da nova grade curricular, formulada pela professora
Marília Campos e que serviu como base para implementação de vários projetos para o
noturno, entre eles, o Projeto Político Pedagógico do Regular Noturno da E.M. Cacique
Cunhãbebe.
A nova grade tinha como referência a metodologia dialógica via programação
interdisciplinar, que consistia numa proposta de inspiração “freiriana” desenvolvida em
algumas escolas da rede municipal de São Paulo durante a administração de Luíza
Erundina., e que vinha sendo aplicada em algumas escolas do 1º segmento no diurno,
conhecida como projeto inter. Buscava-se a construção do currículo via tema gerador e
realizava-se cumprindo três etapas:
O estudo da realidade (ER); a organização do
conhecimento (OC); e a aplicação do conhecimento (AC). Para
viabilizar a análise de vários aspectos de dada realidade,
materializados na rede temática, a programação curricular
como um todo e a estrutura das aulas, em particular, seguiam o
modelo dos três momentos. O estudo da realidade (ER) é o
momento em que se ouve o senso comum, onde se tornam
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explícitas a(s) visão(ões) de mundo da comunidade, podendo
ser realizado através de diversas atividades pedagógicas. Na
organização do conhecimento (OC), o conhecimento universal
pertinente às dificuldades de compreensão das questões
levantadas em ER é desenvolvido através do recorte feito pelas
disciplinas escolares, sempre trabalhando na perspectiva de
promover um conflito entre o senso comum e o saber escolar
sistematizado; não se resume em sobrepor um ao outro, mas
constituindo saberes que viabilizem outros caminhos, outras
interpretações. No terceiro momento (AC), é percorrido o
caminho entre ER e OC com a intenção de abordar o
conhecimento que vem sendo incorporado pelo aluno,
reconsiderando as questões expostas no ER, propondo novas
situações que extrapolem as imediatamente vividas e
reestruturando
atitudes
tanto
do
educador
quanto
do
educando.29
A proposta deve ser entendida como tal, ou seja, foi apresentada as escolas, mas
não imposta, cabendo a elas no exercício de sua autonomia adotá-la ou não. A
“Cacique”, através de assembléia dos profissionais do noturno decidiu aceita-la.
Em sua publicação sobre a nova organização curricular da rede municipal, a
SMECTI, em 2004, resume toda a história do ensino Regular Noturno em dois
parágrafos:
Esta foi uma conquista que veio com a reflexão sobre
as especificidades da educação de jovens e adultos, superando
o que se propôs no momento de sua implementação em 1990,
quando a prática docente adotada era idêntica à do diurno,
inclusive no que tange ao planejamento e ideologia.
29
Ibid, p 94
{PAGE }
Com o tempo, a equipe técnico-pedagógica em
conjunto com os educadores, percebeu a necessidade de
encaminhamentos diferentes, que contemplassem o público
com o qual estava lidando.30
Como podemos perceber, o primeiro parágrafo faz a crítica sobre a inexistência
de um projeto específico para o RN, quando de seu início. É possível que a equipe
técnico-pedagógica da SMECTI não conceba outra forma de se propor política pública
para a educação que não seja na forma de um “pacote fechado” e entregue pronto aos
profissionais e ao seu público-alvo. Já o segundo parágrafo aponta para os
“encaminhamentos diferentes” que foram dados, sem, no entanto, em nenhum momento
apresentá-los.
3.2 O Cacique.
Em 1995 fui convocado, através de concurso público, para uma vaga de
professor de história em Angra dos Reis. Dois fatores tinham me atraído para a
prestação desse concurso em um município tão distante de minha residência, a época em
Niterói. Primeiramente, a remuneração oferecida. Em segundo lugar, a possibilidade de
trabalhar em uma rede administrada pelo PT, e que segundo notícias de amigos e
mesmo da imprensa fazia um trabalho inovador, como atestava a própria valorização
salarial do magistério.
A primeira viagem a fim de iniciar o processo de admissão pareceu bem mais
longa que a feita para a realização do concurso, e quando fui conhecer a escola na qual
trabalharia, mais assustado ainda fiquei ao perceber que ela se situava no bairro do
Frade, a 30 km do centro da cidade.
Hoje, é até interessante lembrar que eu implicava com meus primeiros alunos,
quando estes diziam que iam à “Angra”. Nesse momento eu os corrigia dizendo que eles
30
PMAR, 2004. Op. Cit. P. 83
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já estavam em Angra e deveriam dizer que iam ao centro. Dez anos depois de chegar à
cidade, quando falo para alguém que estou indo ao centro, também digo que estou indo
à “Angra”.
Outro motivo de espanto foi conhecer o nome da escola na qual trabalharia, a
Escola Municipal Cacique Cunhãbebe, ou simplesmente, a “Cacique”. De início
estranhei porque é muito difícil uma escola ter um nome indígena, segundo, porque me
senti envergonhado em ser um professor de história e não conhecê-lo. Fui investigar e
descobri um personagem histórico maravilhoso, e tão importante, que mesmo fazendo
parte dos derrotados da conquista portuguesa teve seu nome lembrado e mantido na
localidade onde se supõe que ele tenha vivido e transitado.
O cacique foi o líder da Confederação dos Tamoios, experiência muito rara de
organização intertribal contra os portugueses. A Confederação dos Tamoios foi a
reunião dos chefes índios da região do Litoral Norte paulista e sul fluminense que
ocorreu entre 1554 e 1567. O principal motivo da Confederação que reuniu diversos
caciques foi a revolta ante a ação violenta dos portugueses contra os índios Tupinambá,
causando mortes e escravidão. Na língua dos Tupinambá, "Tamuya" quer dizer "o avô,
o mais velho, o mais antigo". Por isso essa Confederação de chefes chamou-se
Confederação dos Tamuya, que os portugueses transformaram em Confederação dos
Tamoios, chefiada por Cunhãbebe. Nessa ocasião chegaram os franceses ao Rio de
Janeiro. Villegaignon, o chefe francês, aliou-se aos Tupinambás para garantir sua
permanência no Rio de Janeiro e ofereceu armas a Cunhambebe para lutar contra os
portugueses. Outra nação indígena, Temiminó, aliou-se aos portugueses contra os
Tupinambás e os franceses, acirrando as disputas. Um surto de doenças, contraído pelo
contato com o branco, dizimou centenas de índios, entre eles Cunhambebe.
As alianças fragmentaram-se e a luta contra os
invasores retornou ao antigo padrão dispersivo, que jogava
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índios contra índios em benefício dos brancos. É que os laços
de
parentesco
que
promoviam a
unidade
das
tribos
engendravam rivalidades insuperáveis, mesmo em ocasiões de
emergência, no âmbito mais amplo da cooperação intertribal.31
O nome oficial do bairro do Frade é Vila Cunhãbebe, por ter se formado em
frente a ilha do mesmo nome aonde o cacique teria vivido.
3.3 A “Cacique” e o Frade.
Até a década de 1970 o bairro do Frade era um pequeno povoado voltado para
atividades rurais ou pesqueiras, praticamente extintas com a especulação imobiliária e a
poluição do mar.
Em 1997 o professor de geografia do RN da “Cacique” Jaime Lameira Ottero
realizou, em conjunto com seus alunos, uma pesquisa no bairro do Frade sobre os fluxos
migratórios que para lá se dirigiam. Apesar dos números atuais (2005) serem
evidentemente diferentes, a pesquisa nos dá uma amostra de como a migração
estabeleceu uma marca no bairro. Em um universo de 158 pessoas pesquisadas, 33 eram
naturais de Angra, 42 de outros municípios do Rio de Janeiro e 83 de outros estados. A
maioria dos que vieram de outros estados eram provenientes do Espírito Santo,
principalmente de Ibatiba, cidade localizada em sua região central, portanto, bastante
distante de Angra no extremo sul do estado do Rio. Desta cidade ligada a produção
cafeeira, criou-se um intrigante fluxo migratório pendular iniciado, segundo alguns
depoimentos, quando do início da construção da usina nuclear. Tão antigos quanto os
capixabas estabelecidos no Frade, em busca de melhores condições de vida, são os
nordestinos, principalmente cearenses, que também vieram pelo mesmo motivo, mas
que talvez pela distância ainda maior, ou pela inexistência do caráter sazonal da colheita
31
Ab’ SABER, A. N. [et al.] História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1997. T. I V. 1 p 85.
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do café da região de Ibatiba e da impossibilidade de articulação com as férias escolares
que lotam os hotéis de Angra, não mantenham o caráter pendular que o pessoal do
Espírito Santo preserva, inclusive, com a linha “pirata” do ônibus Mutum Preto, que
toda sexta-feira parte do Frade em direção àquela cidade, retornando no domingo.
O Frade é um bairro popular. Nele reside uma população, em sua maioria, de
baixa renda que conta como alternativas de emprego o Hotel do Frade, um grande
complexo turístico composto por condomínio, porto, campos de golfe, áreas para
equitação e hotel propriamente dito, voltados para a elite nacional e internacional, a
usina nuclear ou o pequeno e diversificado comércio do bairro, cujos proprietários são
em grande parte pessoas já estabelecidas há mais tempo no bairro ou naturais da própria
região.
No levantamento realizado pelo professor Jaime foi visto que há três espaços
diferenciados no bairro, por ele assim nomeados: o baixo Frade, região entre a estrada
Rio-Santos e a praia, onde predomina a população mais estável, e com maior renda. O
médio Frade, localizado entre a estrada e os morros e o alto Frade, nos morros
(Portugal, Constância, Jaqueira, Pedreira e Sertãozinho) que apresentam um menor
número de equipamentos urbanos e aonde se localiza, majoritariamente a população
mais nova, flutuante e pauperizada. Uma relação de dominação cultural foi construída
no bairro entre os habitantes mais antigos, naturais de Angra, ou mesmo de outras
regiões do Brasil, e os migrantes capixabas. É comum que um aluno proveniente de
Ibatiba identifique-se como mineiro para escapar do preconceito. O termo capixaba
muitas vezes é usado como sinônimo de indivíduo que foge do trabalho ou não tem
competência para realizá-lo.
No Frade as opções culturais são muito poucas. Os cinemas ficam distantes, no
centro de Angra, assim como, o único teatro da cidade ou na Vila Residencial da Praia
Brava. As praças, os bares, o clube do Frade, os bailes do Boboi (boite que realiza bailes
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funk nos finais de semana) ou simplesmente as barracas de sanduíche na beira da RioSantos, são os lugares de concentração da juventude do bairro. Isto aumenta o papel da
escola, inclusive para os jovens e adultos que freqüentam RN, como espaço de
socialização no bairro.
A Escola Municipal Cacique Cunhãbebe foi criada pelo decreto nº 472 de 18 de
Julho de 1983, pelo prefeito à época Jair Toscano de Brito. Seu nome é uma
homenagem ao grande chefe Tupinambá. Inicialmente atendia a cerca de 400 alunos em
dois turnos (manhã e tarde) com os dois segmentos do ensino fundamental. A partir de
1992 iniciou o seu regular noturno, também com os dois segmentos, além de uma turma
do MOVA, e dois anos depois passou por uma série de reformas e ampliações que a
possibilitava em 2004 atender cerca de 1600 alunos. Essas reformas e ampliações
atendiam, com um certo atraso, o aumento da demanda decorrente do crescimento
populacional, assim como, uma preferência dada pelos responsáveis e próprios alunos
em relação ao Colégio Estadual Antônio Dias Lima. Este, além de funcionar com o
ensino médio também oferece os dois segmentos do ensino fundamental. Em geral essa
preferência está ligada ao histórico de falta de professores na rede estadual, o que via de
regra não se registrou nas últimas duas décadas na rede municipal, desde o primeiro
concurso público realizado em 1992.
Em 2003 foi inaugurada, no Frade, a Escola Municipal José Luis Rezek apenas
para o atendimento do pré-escolar e do primeiro segmento do ensino fundamental, sem
que tenha havido uma diminuição do quantitativo de alunos da “Cacique” o que
demonstra a forte demanda por vagas nas escolas públicas do bairro.
A “Cacique” tinha na rede municipal a “fama” de ser uma escola de
comunidade, querendo ser dito com isso que havia entre a comunidade e a escola uma
relação estreita e de participação intensa, tanto nos eventos quanto no acesso à direção e
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profissionais. Participação que vem sendo restringida nos últimos anos, inclusive com o
fim das eleições para as direções das escolas determinado em 2003.
A SMECTI manteve no cargo de diretora a Profª Maria Salvadora Carvalho
Pinto, que vinha sendo sucessivamente reeleita para essa função, e que é uma figura de
tradicional ligação com a comunidade, além de residente no bairro. Em outras escolas
da rede essa estratégia de não entrar em confronto direto com as direções mais
populares foi posta em prática, pelo menos até 2004.
3.4 O Projeto do “Noturno”.
No final do ano letivo de 1999 o grupo de educadores do Regular Noturno da E.
M. Cacique Cunhãbebe decidiu coletivamente implantar a proposta de “grade
diversificada” da SME que já vinha sendo desenvolvida em outras duas UEs da Rede: A
E.M. Frei Bernardo e E.M. Coronel João Pedro de Almeida. Essa decisão foi resultado
de um processo longo de reflexões, discussões e ensaios realizados pelas educadores da
UE
com a participação dos alunos e sob a coordenação da professora Patrícia Dal
Col, auxiliar de direção do noturno e coordenadora pedagógica, que foi o principal
elemento de ligação entre os educadores da escola e a SME.
Seus princípios norteadores da prática pedagógica, formulados em
assembléia, com a participação de professores, equipe pedagógica, direção e
funcionários da escola eram:
a) Partir da realidade local, conhecendo e respeitando o saber socialmente construído,
promovendo a associação e o confronto entre o saber popular e o científico, sem
privilégio de um sobre o outro, a fim de construir conhecimentos que aprofundassem a
visão local e global de mundo.
b) Criticidade, estimulando o desejo de participação do aluno no seu entorno social,
levando-o a uma visão crítica do mundo, a fim de que fosse capaz de intervir e
transformar essa realidade.
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c) Ética, compreendendo-a como uma relação do aluno consigo mesmo, com o próximo
e com o mundo, visando qualificar as relações humanas, tornando-as mais solidárias.
d) Interdisciplinaridade, articulando as diversas áreas do conhecimento, visando superar
a fragmentação do saber, para concretizar uma práxis globalizadora e mais humana.
e) Autonomia, garantindo a autonomia das questões administrativas e pedagógicas da
Unidade Escolar, assim como, na formação político-social do aluno.
f) Participação social, potencializando o desejo de participação do aluno no seu entorno
social, contribuindo assim para o processo de democratização da sociedade.
A nova grade se organizava a partir de uma concepção de currículo que levava
em consideração uma prática pedagógica, que em qualquer disciplina e/ou área do
conhecimento, tivesse como fios condutores a introdução à pesquisa, o uso de temas da
atualidade, a organização de grupos de estudos e a criação de um espaço alternativo
para a discussão de outras formas de conhecimento.
Todas as disciplinas e/ou áreas de conhecimento tinham o mesmo tempo na
grade, enquanto nas quartas-feiras os alunos participavam de oficinas e os professores
estariam elaborando conjuntamente o planejamento pedagógico. Em 2000 foram
realizadas oficinas de cerâmica, artesanato (em bordado, macramé, cartonagen e
crochê), capoeira, comunicação em rádio e jornal, corte e costura, dança, desenho e
pintura, edificações, inglês, música e teatro.
As oficinas eram monitoradas por professores da rede de ensino, com os
chamados Regimes de Emprego Temporário (RET), e por pessoas da comunidade, a
princípio voluntárias, que mais tarde foram contratadas com verbas próprias para
implementação do projeto. Vale ressaltar que as oficinas que aconteceram no ano de
2000 foram aprovadas pelos alunos, que pediram sua continuidade. Já o planejamento
tinha como guia a relação entre os temas considerados relevantes para os alunos.
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Estes eram levantados através de um momento inicial no ano letivo, quando
através de uma assembléia, questionários, reuniões e outros instrumentos de pesquisa,
eram coletadas as “falas significativas” dos alunos.
Consideravam-se “falas significativas” aquelas que fossem recorrentes. As
perguntas feitas à comunidade, tanto nas assembléias, quanto através de questionários
buscavam apreender suas opiniões sobre a realidade de suas vidas e de seu bairro, além
de suas expectativas quanto à escolarização que estavam buscando. Em geral as “falas”
dos alunos giravam em torno dos temas desemprego, falta de opções de lazer, migração
e a ineficiência da saúde pública.
Em um momento posterior os professores confrontavam e problematizavam as
“falas” dos alunos com suas visões e formavam a rede de relações temáticas.
A partir daí, o professor percorreria conjuntamente com os outros colegas seu
planejamento, adequando o conteúdo de sua disciplina as relações escolhidas.
Dessa forma, percebe-se a grande influência de Paulo Freire, tanto na grade
curricular implementada pela SME, quanto no PPP, ao se buscar um diálogo político e
pedagógico que levasse a uma síntese e não a uma dominação cultural.
Neste ponto, acredito, encontrava-se o grande problema para o desenvolvimento
do projeto. Como interpretar as “falas significativas” da comunidade? O que elas nos
estavam dizendo? É possível os profissionais da escola livrarem-se de suas próprias
concepções, tal como na fábula do Barão de Münchhausen, citada por (LOWY, 1994),
na qual o mítico personagem se arranca da neve ao puxar os próprios cabelos?
Acreditávamos que todos os instrumentos de pesquisa que usamos, tais como
assembléias com os alunos, seu textos e aplicações de questionários permitiria-nos ter
subsídios necessários para avaliarmos quais seriam as “falas significativas”. Um
exemplo foi bastante ilustrativo dessa situação. Quando houve a assembléia com a
participação dos alunos para a definição dos princípios norteadores, muitos deles
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apontaram para a religiosidade. Juntamente com outros professores fiz uma defesa
veemente da escola pública como necessariamente laica, “herdeira” da revolução
francesa, não podendo haver influência do aspecto religioso. Um aluno contrapôs
afirmando que religiosidade significaria amor e não a opção por qualquer denominação.
Evidentemente o domínio do discurso científico, que eu e outros colegas têm em relação
aos alunos, fez vitoriosa a exclusão do princípio da religiosidade.
Ao fazer as leituras necessárias para a redação dessa dissertação e para a
participação nos cursos do mestrado, percebi através do contato com a obra de José de
Souza Martins que poderíamos ter incorrido no que ele determinou como “crise de
interpretação”, ou seja, faltou-nos um maior investimento teórico sobre os limites e
possibilidades de penetração e entendimento da diversidade que compõe o universo das
classes populares. Como aponta (THOMPSON, 1998) a cultura popular é como uma
teoria imediata de intervenção no mundo, isto é, um conhecimento que interpreta e
explica a realidade. Não apenas um senso comum que deve ser ultrapassado com a
síntese proporcionada pelo conhecimento científico.
Da mesma forma, entendo que deveria ter sido fundamental a participação dos
alunos, ao menos em representação, com os professores nas reuniões de planejamento
semanais. Esta participação poderia, também, ter propiciado um investimento maior de
leitura e discussão sobre as especificidades do público jovem do RN. Percebíamos as
diferenças geracionais entre os nossos alunos, assim como, as diversas expectativas
manifestadas por elas, porém, apesar da indicação sobre a necessidade de
aprofundamento emanada da coordenação do noturno, não aprofundamos nossa
investigação.
A comunicação entre as visões de mundo dos alunos e dos professores era vista,
proposta e tentada como um diálogo, porém, muitas vezes, resultou em uma adição de
monólogos. Caímos, portanto, no preconceito da igualdade cultural dos interlocutores,
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criador de obstáculos grandes para essa comunicação, pois identificamos, pura e
simplesmente, o outro a nosso próprio ideal dele.
Faltou-nos, inicialmente, um aprofundamento sobre essa comunicação, que
depois com a vitória do novo grupo político em Angra, ficou fora de questão, pois
perdemos a possibilidade de interferirmos diretamente no processo de construção da
política pública para o RN.
Uma das reclamações mais recorrentes dos alunos da “Cacique”, assim como, a
de alunos das outras escolas, aonde a “grade diversificada” era a base para a construção
dos PPPs para o RN,
ouvida nas reuniões de pólo, era sobre a insistência em
determinados temas-guias para o planejamento.
Entendo, que pelo próprio caráter experimental da proposta, não conseguíamos
algumas vezes implementar, de fato, o princípio da interdisciplinaridade entre os
campos de conhecimento. Este trabalho requer tempo e reelaboração permanente, desta
forma, acredito que poderíamos ter iniciado o projeto em uma ou duas turmas para que
pudéssemos aprofundar a investigação sobre os seus pressupostos e possibilidades de
execução. No entanto, os impasses políticos do governo Castilho, assim como, a
unificação da oposição em torno da candidatura de Fernando Jordão, levaram parte dos
profissionais da escola a defenderem o acelerar da adoção do projeto em toda a escola,
com receios de que a próxima gestão o descartasse. O que de fato aconteceu a partir de
2001, quando foi negado aos educadores das escolas envolvidas com suas propostas
levarem-nas adiante.
Muitos alunos também tiveram dificuldade em aceitar a proposta, pois fugia da
tradicional experiência que tiveram com aulas montadas em função de um conteúdo que
se apresenta como o objetivo final do processo ensino-aprendizagem, ao mesmo tempo,
que estranhavam a recorrência dos temas-guias em diversas aulas. No entanto, a medida
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que o ano letivo de 2000 foi avançando as resistências diminuíram e a participação e
interesse dos alunos aumentando.
Ainda sobre a dificuldade na montagem do planejamento interdisciplinar, a
partir dos temas-guias, é importante ressaltar os problemas que os professores de
matemática e língua estrangeira tinham de se inserir no trabalho. Os primeiros
reclamavam de só conseguirem vislumbrar seus planejamentos em função da montagem
de séries estatísticas e na utilização das quatro operações em cálculos de preços. Já os
professores de língua estrangeira tinham extrema dificuldade em adaptar os seus
conteúdos aos temas-guias. Teria sido fundamental o acompanhamento mais próximo
das coordenações dessas disciplinas, inclusive, na oferta de assessorias específicas.
Se, por um lado, os avanços foram de alguma forma limitados por insuficiências
teóricas ou de questões práticas e por um certo açodamento, por outro, o ano de 2000
representou um avanço extraordinário na tentativa de estabelecer uma possibilidade de
oferta de educação para jovens e adultos fundada e fundamentada em uma experiência
de radicalização democrática. Havia a garantia de participação de todos os segmentos
em deliberações e encaminhamentos, havia a autonomia da escola para definir seu
Projeto Político Pedagógico, respeitando as diretrizes estabelecidas em congresso,
fazendo da escola não apenas um espaço de participação, mas de formação política
permanente. Isto trouxe conseqüências nítidas para a comunidade escolar.
Durante os primeiros anos de existência do RN na “Cacique” em que não havia
uma proposta clara voltada para jovens e adultos, mas apenas uma transposição de
currículo e métodos do diurno, eram recorrentes episódios de violência entre os alunos
ou entre alunos e outros membros da comunidade dentro ou fora da escola e seu
patrimônio acabava diversas vezes danificado. A partir do momento em que os
primeiros ensaios foram feitos na tentativa de construção de um projeto para o RN, os
alunos incluídos como seus partícipes, e a escola entendida e vivenciada como sendo
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deles, várias atitudes mudaram e novos parâmetros de convivência começaram a ser
estabelecidos. A “Cacique” foi palco de diversos eventos como feiras culturais oficinas
livres ou mesmo tradicionais como as festas juninas que atraíam cada vez mais pessoas
sem que se registrasse qualquer episódio violento.
Atualmente, pelo menos até o 1º semestre de 2005, parece que voltamos no
tempo e estamos revivendo a escola de anos atrás. Vários foram os episódios de
confronto e conflito entre os alunos e até entre alunos e professores. Entendo, esta
situação, como sendo o resultado inevitável do processo iniciado a partir de 2001.
Em um documento da nova instância administrativa responsável pelo RN, o
Núcleo de Ensino do Regular Noturno (NEREN), são expostos alguns argumentos para
o abandonocompulsório do projeto da escola. Inicialmente, o documento apresenta um
equívoco grave, pois, relacionam-se apenas as escolas Frei Bernardo e Coronel João
Pedro de Almeida, como as que tiveram seus projetos colocados em prática.
Desconhece-se ou faz-se questão de desconhecer a experiência da "Cacique".
Mais adiante argumenta-se que as oficinas, oferecidas aos alunos, além de
esvaziadas, não teriam verba suficiente para sua manutenção e nem para sua ampliação
a outras escolas da rede e que a diversidade estrutural entre as unidades escolares do
Regular noturno dificultava o acompanhamento pedagógico da SME. Portanto,
colocava-se em segundo plano a autonomia pedagógica das UEs e da realidade
específica de seus educandos em função de uma uniformização necessária, pois,
segundo outro argumento da secretaria, como um aluno poderia trocar de escola sem
uma continuidade de ação entre elas.
O documento indica que a SME teria aberto discussões nas UEs para que
através de comissões apresentassem suas propostas pedagógicas. Vale lembrar que logo
no início de 2001 a SME dissolveu a comissão RN/MOVA e seu contato com as escolas
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passou a se dar através das direções. Segundo os autores do documento, foi aceita
aproposta da E.M. Coronel João Pedro de Almeida que mantinha a grade diversificada,
porém mais adequada à nova realidade.
Em resumo, a grade diversificada foi mantida, no entanto, começou o seu
processo de ressignificação. Primeiro, as oficinas foram insuficiente e precariamente
oferecidas, como já vimos, com o argumento da falta de verbas, em segundo lugar, mas
não em menor importância, a pauta das reuniões de quarta-feira não seriam mais feitas
pelo grupo de profissionais da escola, mas responderiam as demandas e deliberações
advindas da secretaria de educação. Estas, no ano de 2001, giraram em torno da escola
manter a seriação ou adotar a temporalidade em ciclos.
Não se considerou que no ano anterior a escola já tinha deliberado sobre esta
questão, entendendo o seu grupo de profissionais que a construção de uma nova
proposta curricular e a possibilidade de uma estruturação do ensino mais flexível em
relação a sua temporalidade, foi uma questão presente na fala dos alunos, que
apontaram a necessidade de se repensar a organização curricular e a temporalidade do
ensino fundamental, já que a seriação agiria como uma "camisa de força" para os
diferentes estágios de produção e construção do conhecimento. Assim os profissionais
da escola estariam adotando em 2001 o sistema de ciclos para o primeiro segmento e se
preparando para adotá-lo num momento posterior ao segundo segmento, contando,
inclusive, com o apoio pedagógico da nova gestão da secretaria. Evidentemente, este
apoio não veio e tivemos que nos restringir a discutir sem nenhum poder de deliberação
sobre qual seria atemporalidade aplicada no RN.
Como já foi dito anteriormente, a manutenção de um grupo grande e constante
de professores no RN, sempre foi uma dificuldade. Mesmo nas gestões "petistas"
sempre houve muitos contratados por regime de trabalho temporário (CPD) para
ocuparem as vagas que cresciam proporcionalmente a expansão da rede. Eram eles em
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sua maioria esmagadora oriundos de fora de Angra, pois, como na cidade, havia apenas
o curso superior de Pedagogia oferecido pela UFF e os contratos eram oferecidos em
função basicamente do currículo, os escolhidos vinham em sua maioria do Grande Rio e
em menor número de Volta Redonda e Barra Mansa (realidade que se repetia no
preenchimento de vagas por concurso público, inclusive no que foi promovido em 2003
pela nova gestão.) Isto foi intensamente explorado na campanha eleitoral de 2000 e
serviu até de inspiração para o lamentável mote "Angra para os angrenses".
Pode-se questionar a falta de iniciativa das gestões "petistas" em tentar atrair
mais universidades públicas para o município, aumentando a oferta de cursos. Por outro
lado, mais questionável ainda foi a estratégia adotada a partir de 2001. O currículo foi
substituído pela indicação de políticos e elementos influentes na administração
municipal. O resultado foi o inchaço de professores nas escolas escolhidos por
indicação, que podiam inclusive retornar após seis meses do fim do contrato inicial e
isso de forma indefinida. Em 2002 a "Cacique" contava com cerca de 80% dos seus
profissionais sob o regime de CPD. A prefeitura, inclusive, realizou um convênio com a
Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) fornecendo o transporte para que os
moradores de Angra interessados em freqüentar os cursos daquela instituição pudessem
assistir às aulas aos sábados e depois de dois anos conseguir o diploma e a habilitação
para o magistério.
De certa forma, é possível que se aceite essa prática como uma iniciativa
emergencial para que se possibilite àqueles que não tiveram oportunidades,
freqüentarem um curso superior. Por outro lado, entendo o profissional que se dedica a
educação pública, como alguém que precise ter como pré-requisito uma formação
bastante sólida, o que acredito ser complicado de se conseguir em apenas dois anos e
com a freqüência restrita aos sábados.
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A partir de 2001, quando se buscavam ações coletivas dos profissionais da
escola, passou-se a se gastar um tempo imenso até que o novo grupo de contratados
pudesse ficar interado do histórico da escola e de seu projeto. Isso, ao decorrer do ano,
cumpriu um papel extremamente desmobilizador entre aqueles que de mais longe
vinham se envolvendo nas questões político pedagógicas da escola. Coube ao grupo dos
"antigos" o resgate e a tentativa de mobilização de todo o grupo no envolvimento destas
questões, muitas vezes infrutíferos. Pois, mesmo considerando que muitos dos CPDs
tivessem o interesse da participação(é importante lembrar que também muito dos
"antigos" pouco ou quase nada se envolveram nas questões da escola em tempo algum)
e tentassem (re) construir práticas coletivas havia ainda o bloqueio à autonomia político
pedagógica das escolas e o receio de estarem indo contra os interesses dos que os
possibilitaram a assinatura do contrato, ao assumirem uma postura crítica as ordens da
secretaria de educação.
Em 2002, após um ano em que os profissionais da escola ficaram presos à
discussão sobre a temporalidade, a SME bateu o martelo e adotou a seriação e o retorno
da grade curricular tradicional. Se já vivíamos o refluxo do movimento em busca da
construção e execução de nosso projeto, essa medida foi quase uma pá de cal nesse
movimento. Vários profissionais se licenciaram ou simplesmente pediram demissão,
outros, dentre os quais me incluo, "se fecharam em suas salas de aula" e por um período
não tentaram mais a formulação e execução de práticas coletivas. Se é relativamente
fácil
compreender a reação dos profissionais, depois de derrotas e perseguições
seguidas, como entender o silêncio e a aceitação dos alunos, quanto ao abandono do
projeto, e a volta da grade tradicional. Entendo que não podemos desvincular os alunos
de seu contexto social. A continuidade da migração no município, em especial no Frade,
que vinha aumentando imensamente a população, em um quadro de desemprego
{PAGE }
extremo, resultante da política econômica neoliberal, certamente contribuiu para suas
expectativas enquanto alunos do RN.
Ao mesmo tempo que são alunos, também são trabalhadores, empregados ou
não, jovens ou adultos com pouquíssimas perspectivas de inserção qualificada no
mercado de trabalho, para quem a eleição de Fernando Jordão representou uma
promessa de mudança de vida. Junto a isso é importante ressaltar que não foi dado ao
projeto o tempo necessário ao seu aprofundamento. Logo foi descartado pela SME, sem
que pudesse consolidar sua posição em relação aos alunos.
Sem conseguir construir uma proposta própria para o RN, a SME delibera, para
2003, o retorno da grade curricular criada na gestão anterior, no entanto,
descontextualizada da proposta e dos fundamentos político pedagógicos que lhe deram
base.
A parte diversificada a ser oferecida no dia de reunião dos professores passou a
ser ocupada com novas disciplinas, Leiturização, Turismo e Novas Tecnologias. É
interessante lembrar que em sua matriz curricular a SMECTI faz a defesa de uma
atitude transversal, possibilitadora de que “as diferentes áreas do saber passem a se
articular, buscando a reintegração do conhecimento que foi sendo difratado pelo
tratamento disciplinar, típico do pensamento cartesiano”32
Contraditoriamente à
aludida “atitude transversal” a SMECTI criou para o RN novas disciplinas. Segundo a
SME eram seus objetivos:
Leiturização-Utilização
da
linguagem
nas
diversas
situações
comunicativas
percebendo-se como atuante no mundo e interagindo em diferentes contextos.
Novas Tecnologias-Inserir o educando a construir uma postura de investigação e
curiosidade; estimular a reflexão, o pensar, utilizando a indução, dedução, analogia e
32
PMAR, 2004. Op. Cit. p.40
{PAGE }
estimativa; fazer as conexões entre a prática cotidiana com conceitos construídos em
matemática e suas tecnologias, bem como trabalhar tais conceitos ao longo de todo o
ensino fundamental, evitando concentrá-los em momentos pontuais.
Turismo-Conscientizar e valorizar o potencial turístico que a cidade possui.
Como podemos perceber, não há traço de visão crítica nos objetivos formulados
para essas novas disciplinas. Em leiturização só se vislumbra o uso da linguagem na
dimensão da interação. Em novas tecnologias, a construção de uma postura
investigativa, curiosa, e obviamente não contestadora. Em turismo a conscientização e a
valorização de um modelo de turismo, gestado no regime militar, no qual os seus
usuários muitas vezes vão direto aos condomínios, hotéis e ilhas sem sequer pisarem na
cidade e, portanto, pouco ou quase nada contribuindo para o seu desenvolvimento.
Cria-se, ao mesmo tempo, a falsa ilusão do desenvolvimento de habilidades e
competências que possibilitariam a inserção no mercado de trabalho e o reforço de que
o fracasso nessa inserção é de responsabilidade individual, já que não se apresenta uma
visão crítica e mobilizadora sobre a realidade desse mercado de trabalho.
Reforça-se, com essa perspectiva de que a freqüência em disciplinas
“pragmáticas” como novas tecnologias, leiturização e turismo, o habitus dos alunos de
classes populares de que o fracasso no mercado de trabalho é resultado de sua
incompetência e inabilidade.
Quando essas disciplinas foram colocadas em prática na "Cacique" era comum
ouvirmos dos professores que as ministravam, comentários sobre o fato de não terem
feito nenhuma capacitação ou formação para com elas trabalharem, cada um buscando
improvisadamente desenvolver suas aulas. Isto provocou tal reação negativa entre os
alunos que a equipe do NEREN teve que ir a escola explicar quais eram os seus
objetivos em criá-las.
{PAGE }
Enquanto isso as reuniões de quarta-feira passaram a ser ocupadas com o grande
projeto de consulta para a montagem da matriz curricular, é importante lembrar que já
estávamos em 2003 e a única proposta era dessa consulta. Pretendiam seus autores que
ela fosse a garantia da "unidade na diversidade" entre as diversas UEs da rede. Na
verdade o que tivemos foi a reprodução de uma prática comum a várias redes
municipais de ensino. A formulação de diretrizes curriculares sobre as quais os
educadores não tem nenhuma possibilidade de intervenção, apenas de opinar
pontualmente, tendo a consciência que as "cabeças iluminadas" que ocupam os cargos
diretivos, têm toda a competência de formulá-las.
Em 2003, instada pelo ministério público, a prefeitura teve que realizar concurso
público para diversos cargos, inclusive para os de profissionais da educação. No ano
seguinte esses profissionais começaram a chegar às escolas, e acredito que este fato
esteja dando um fôlego novo àqueles que buscam colocar em prática propostas mais
democráticas para a EJA.
Em 2004 os professores da "Cacique" que tinham participado da formulação e
execução de nosso "mutilado" PPP para o RN optaram por tentar, através de projetos
menores, refazer o caminho do trabalho coletivo e da prática interdisciplinar. Assim, por
exemplo, alguns se integraram ao projeto "Poeta somos todos nós", que partiu dos
professores de língua portuguesa do diurno e tenta através da utilização da obra de um
poeta por ano realizar um trabalho em intersdisciplinar.
Entendo, que não cabe mais trazer de volta o nosso projeto, que tanto custou
para ser formulado e executado, mas recuperar algumas das trilhas por ele aberta. Nesse
momento, com a desvantagem de estarmos remando contra a maré dominante do poder
público, mas com a vantagem de possuirmos uma história construída coletivamente que
não se apaga com uma canetada.
{PAGE }
Epílogo:
A experiência vivida na construção de um projeto político pedagógico,
efetivamente coletivo e democrático, é algo que vale em si mesmo como abertura de
visão sobre os processos que envolvem as políticas públicas de educação.
O projeto da “Cacique”, assim como outros, que foram extintos ou
ressignificados, a partir de 2001 sofreram esse tipo de ação, não porque desenvolvessem
um potencial revolucionário entre os alunos, ou coisa que o valha, mas porque
ajudavam o desenvolvimento de cidadãos realmente críticos. Aliás, o comentário
corrente entre alguns professores mais conservadores sobre a educação entre 1989 e
2000 é que ela formava alunos que não dominavam conteúdos, mas que eram críticos.
A caminhada percorrida para a construção do PPP do ensino Regular Noturno da
"Cacique" pode, ao mesmo tempo, demonstrar duas situações, que considero
extremamente relevantes. Em primeiro lugar, independente dos equívocos, investigados
ou não nesse trabalho, em quase todos os seus momentos, as gestões "petistas" da
educação pública em Angra dos Reis optaram por uma educação voltada para as
camadas populares, e esta opção se quiser ser efetiva e não apenas se resumir à menção
de trechos do pensamento de Paulo Freire, aleatoriamente, usados em documentos
oficiais, deve radicalizar as práticas democráticas, para além do contorno que a
concepção liberal lhe dá. Ou seja, envolver toda a comunidade não apenas de forma
consultiva, mas antes de tudo participativa e deliberativa.
Este, sem dúvida é um caminho longo e difícil, mas é condição fundamental para
que se comece a pagar a dívida social gigantesca desse país. Em segundo lugar, este
trabalho me traz a convicção de que é possível uma Educação de Jovens e Adultos, de
qualidade ofertada pelo poder público, inclusive na modalidade de Ensino Regular
Noturno, e que além das práticas radicalmente democráticas, a opção por uma
{PAGE }
concepção de Educação Popular requer um investimento material e teórico para que ela,
de fato, se concretize.
{PAGE }
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{PAGE }
ANEXO 1.
PROJETO POLÍTICO PEDAGÒGICO DA E.M. CACIQUE CUNHÃBEBE
{PAGE }
E. M. Cacique Cunhãbebe
PROJETO PARA O REGULAR NOTURNO DA E. M.
CACIQUE CUNHÃBEBE
2000
{PAGE }
1 - Introdução
Investir em educação significa assumi-la em movimento, em
processo, em projeto.
No sentido etimológico, o termo Projeto vem do latim projecto,
que significa "lançar para diante. Nessa perspectiva, o Projeto PolíticoPedagógico vai além de um simples agrupamento de planos de ensino e
atividades diversas. É algo que é construído e vivenciado por todos os
envolvidos no processo educativo da escola.
Entendendo o PPP como uma busca por novos caminhos, que
não se dá como num "passe de mágica", sendo necessária a participação
efetiva de toda a comunidade escolar (professores, funcionários, alunos,
família, comunidade local), esta unidade de ensino realizou reuniões
pedagógicas com todos os profissionais da escola e encontros de pais,
professores e alunos, a fim de envolvê-los no processo educativo e
transformá-los em co-autores da construção do Projeto Político
Pedagógico. E foi no confronto de idéias e na troca de saberes e fazeres que
a Escola Municipal Cacique Cunhãbebe apontou seus Princípios e
Objetivos para nortear sua prática e delinear sua identidade. Nesse processo
de construção, a pluralidade, que deve ser respeitada, tanto faz parte da
história da educação, quanto do caminhar da escola, e é assegurada na LDB
9394/96, conforme observamos nos seguintes artigos:
Art. 3 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas,
(...)
Art. 15 - Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares
públicas de educação básica, que os integram, progressivos graus de
autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira,
observando as normas gerais de direito financeiro público.
{PAGE }
Nesta unidade de ensino, o Regular Noturno tem como base os
princípios e objetivos traçados para toda escola, tendo implementado, no
ano passado, uma nova metodologia de ensino. O ensino Regular Diurno
mantém as discussões no sentido de recriar sua prática pedagógica dentro
de sua realidade e possibilidades.
É importante frisar que o parâmetro utilizado até então para a
organização da escola noturna vem do ensino diurno que, na maioria das
vezes, também não tem conseguido se constituir numa educação com
qualidade social. Era necessário repensar globalmente a escola noturna: a
formação de seus profissionais, a autoria curricular pelo grupo-escola
(projeto pedagógico), as condições de trabalho etc. Educadores, junto com
usuários, precisam criar uma alternativa para a escola regular noturna,
tentando produzir uma nova organização curricular que consiga contemplar
a relação dos educandos com o mundo do trabalho e o mundo da vida,
incorporando suas vivências cotidianas ao espaço escolar e oportunizandolhes um processo de alfabetização como forma de desenvolvimento das
competências básicas para a cidadania ativa.33
33 33
Tomamos como base o documento elaborado e aprovado na V Conferência Internacional sobre
Educação de Adultos, realizada em Hamburgo (14 – 18 de julho de 1997)
{PAGE }
2 - Princípios norteadores da prática pedagógica da
Escola Municipal Cacique Cunhãbebe
Partir da realidade local
OBJETIVO: Conhecer e respeitar o saber socialmente construído,
promovendo a associação e o confronto entre o saber popular e o científico,
sem privilégio de um sobre o outro, a fim de construir conhecimentos que
aprofundem a visão local e global do mundo.
Criticidade
OBJETIVO: Estimular o desejo de participação do aluno no seu entorno
social, levando-o a uma visão crítica do mundo, a fim de que seja capaz de
intervir e transformar essa realidade.
Ética
OBJETIVO: Compreender a ética como uma relação do aluno consigo
mesmo, com o próximo e com o mundo, visando qualificar as relações
humanas, tornando-as mais solidárias.
Interdisciplinaridade
OBJETIVO: Articular as diversas áreas do conhecimento, visando superar a
fragmentação do saber, para concretização de uma práxis globalizadora e
mais humana.
Autonomia
OBJETIVO: Garantir a autonomia das questões administrativas e
pedagógicas da Unidade Escolar, assim como na formação político-social
do aluno.
Participação Social
OBJETIVO: Potencializar o desejo de participação do aluno no seu entorno
social, contribuindo assim para o processo de democratização da sociedade.
.
{PAGE }
3 - Justificativa
A Educação para Jovens e Adultos precisa ser uma Educação
para a vida, mais dinâmica, significativa; se apropriar da realidade para
questioná-la criticamente, humanizá-la e transformá-la; propiciar um clima
de liberdade, lúdico, criativo e participativo, que garanta a autonomia para
a discussão e problematização das questões existentes em prol da
(re)significação e resgate da identidade pessoal e coletiva.
Acreditando nisso, o Regular Noturno da Escola Municipal
Cacique Cunhãbebe, após um longo tempo de discussão sobre o seu saberfazer pedagógico, optou por abraçar as diretrizes do "projeto" (CF. anexo
2) que algumas escolas da Rede Municipal de Ensino de Angra dos Reis,
com Regular Noturno, implementaram, após um longo processo de
discussão coletiva quanto a reformulação do currículo do Regular Noturno.
Dessa forma, enquanto as discussões se desenrolavam, o nível de
evasão cresceu e o número de pré-matrícula diminuiu. Por isso, no final de
1998, a Comissão Regular Noturno? MOVA apreciou a proposta de uma
nova grade e de um novo currículo que viabilizassem novas condições de
escolarização, garantindo uma maior permanência dos jovens e adultos na
escola, uma maior produtividade das relações de ensino-aprendizagem e
que pudessem se constituir numa contribuição concreta da escola para suas
vidas, pois a LDB, através do Título III "Do Direito à Educação e do Dever
de Educar", artigo 3º, assegura:
VI - Oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do
educando
VII - Oferta de educação escolar regular para Jovens e Adultos, com
características e modalidade adequadas às suas necessidades e
disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as
condições de acesso e permanência na escola.
{PAGE }
Tal decisão que implicou na implementação do Projeto, adaptado
à nossa realidade escolar, nasceu da necessidade de minimizar a evasão
escolar e resgatar aluno/as desistentes. Havia também um desejo de
mudança na prática pedagógica, por parte de alguns professores, que
almejavam um trabalho coletivo e participativo, em busca de uma ação
interdisciplinar, a partir da realidade local, o que a nova proposta para o
Regular Noturno oferecia. Afinal, para os envolvidos nesse processo do
Regular Noturno, transformá-lo significava rever a sua qualidade, aquela
que só se faz com e para as pessoas.
Fazer com que e para as pessoas requer conviver com as
diferenças de pensamentos, saberes e fazeres, numa relação dialética, que,
marcada pelas contradições individuais e sociais, faz-se necessária ao
desenvolvimento do processo coletivo em prol da reflexão-ação
transformadora. Isto porque como dizem ESTEBAN e ZACCUR:
"Um trabalho individualizado dificulta a crítica, pois a
ausência do outro impede o confronto e a recriação de
idéias. Coletivamente, no entanto, fica garantida a
pluralidade de idéias e caminhos, estimulando um olhar
mais crítico para a realidade. Este movimento dá condições
para que cada um se fortaleça como sujeito e, no coletivo,
tornem-se mais competentes para formular alternativas
viáveis de transformação do real."
Dentro desse processo, o Projeto do Regular Noturno vem
possibilitando a reescrita do Projeto Político Pedagógico da Escola
Municipal Cacique Cunhãbebe, que pode ser traduzido como a própria
organização do trabalho pedagógico da escola, porque parte dos princípios
da qualidade, igualdade, liberdade e valorização do magistério, do sersaber-fazer-avaliar-transformar.
Por isso, o projeto, reconstruído a partir de um ideal, vem se
operacionalizando no compromisso com a Qualidade da Escola Pública,
{PAGE }
através de um trabalho coletivo e participativo, centrado no diálogo, em
busca da transformação da Escola Municipal Cacique Cunhãbebe.
{PAGE }
4 - Referencial Teórico
Hoje a Educação é um desafio para todos nós, pois em um país
como o nosso, marcado por profundas desigualdades sociais, é sempre
complicado e muito complexo refletir sobre a ação educativa, as finalidades
e os objetivos que norteiam a nossa Escola, especialmente o Ensino
Noturno.
"Pela Constituição de 1988, a educação é um direito de
todos, dever do Estado e da família. Ela visa o pleno
desenvolvimento da pessoa, ao seu preparo para o exercício
da cidadania e à qualificação para o trabalho. (...) O ensino
deve ser ministrado levando em conta a igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola, a
liberdade de aprender, o pluralismo de idéias, a gratuidade
do ensino público, a valorização dos profissionais do
ensino, a gestão democrática e o padrão de qualidade."
(GADOTTI, 1991)
Mas será que esta Constituição tem sido respeitada?!...
Precisamos fazer valer as nossas leis, os nossos direitos e deveres de
cidadão e, nesse patamar, refazer a Escola, reinventá-la; repensar o seu
papel, avaliá-la, discuti-la, descobrindo caminhos para transformá-la;
buscar a sua qualidade... torná-la das crianças e também dos jovens e
adultos, dos trabalhadores, do povo.
Trabalhar com essas e todas as questões que abarcam a Escola,
significa
desenvolver
a
articulação
sócio-política-cultural-histórica-
econômica; e envolver-se com a prática educacional.
Segundo Paulo FREIRE, a Escola não existe enquanto categoria
abstrata, instituição em si, portadora de uma natureza imutável da qual se
diga é boa, é má. Nesse sentido, para ele, não é a Escola que se encontra
em crise, com astuta ou ingenuamente se insiste em apregoar. Afinal, a
forma que a Escola assume em cada momento é sempre o resultado
{PAGE }
precário e provisório de um movimento de permanente transformação,
continuamente impulsionado por tensões, conflitos, esperanças e tentativas
alternativas. Para entendê-la, então, não se pode partir dela. A escola não
pode ser "(...) decifrada sem a inteligência de como o saber, nesta ou
naquela sociedade, se vem construindo, a serviço de quem e desservindo a
quem, em favor de que e contra que". (FREIRE and HARPPER et all,
1996, p. 7)
A Escola é parte integrante e inseparável do conjunto dos
fenômenos que compõem a totalidade social. Ela, bem como a sociedade
que a inclui, não é algo já dado e acabado, mas o produto das relações
sociais, produto da prática social de grupo e de classes. A Escola não é
estática e intocável, mas dinâmica, não existe em sim, em abstrato, e sim
inserida num contexto de relações sócio-culturais-política-econômicahistórica.
"Para muitos, a 'crise' escolar acabou se transformado num
álibi para o imobilismo. A mistificação da escola (a escola
que tudo pode) também é imobilista: cria ilusões que se
desfazem na realidade. Por outro lado, o ativismo e o
imediatismo também são formas de mistificação do
presente. (...) A superação dialética desses modos extremos
de encerrar a crise escolar certamente deve levar em conta
o cotidiano numa perspectiva histórica mais ampla:
responder às necessidades reais e concretas de hoje, numa
educação voltada para o futuro."
(GADOTTI, 1991)
Nessa perspectiva, a Escola tende a defender uma proposta
pedagógica que vise o desenvolvimento da consciência cidadã, com a
finalidade de atuar na realidade num sentido de transformação social.
Acreditamos, por isso, que a função social da Escola é prepara o
educando para a vida, informando-o (trans) formando-o, para que,
reconhecendo as suas limitações, as suas ansiedades, os seus objetivos,
{PAGE }
torne-se um cidadão atuante, criativo, autônomo, responsável, pesquisador,
comprometido com o seu saber-fazer, solidário e feliz
Procurando desenvolver esse aluno transformador, no Ensino
Noturno, em busca de uma Escola Pública Democrática e de Qualidade,
aquela capaz de seduzir e estimular o ser-saber-fazer, fomos ao encontro do
"Projeto Regular Noturno - Nova Grade", construído por profissionais da
Educação comprometidos com a educação noturna que procura respeitar as
especificidades sócio-culturais e as condições concretas de vida do seu
público (em sua maioria de jovens e adultos).
Os teóricos que fundamentam os eixos de reflexão deste
PROJETO, readaptado a realidade de nossa Escola (a Escola Municipal
Cacique Cunhãbebe) são, além de Paulo FREIRE: Moacir GADOTTI,
Devanil A. TOZZI, Dalila Andrade OLIVEIRA, Ilma VEIGA, Tomaz
Tadeu da SILVA, Antônio Flávio MOREIRA, Philippe PERRENOUD,
Nilda ALVES, Heloísa LUCK, sem desconsiderar outras contribuições
significativas à práxis educativa.
Isso significa ratificar que a ação política-pedagógica deste
PROJETO busca promover o exercício da prática coletiva, dialética,
dinâmica, participativa e crítica, centrada na pesquisa-ação e na práxis - a
ação de ir além, problematizando, agindo, avaliando e transformando
sempre, pois como dizem ALVES e GARCIA (1985) "é através da práxis
que o homem se relaciona com o mundo como totalidade e se cria a
possibilidade da linguagem e da poesia, da pesquisa e do saber."
O diálogo nesse processo é fundamental porque enfatiza a ação
integrada, delineando uma série de movimentos que permitem uma maior
aproximação dos envolvidos no cotidiano escolar, com vistas a uma
reflexão coletiva e, portanto, participativa.
{PAGE }
Participar implica encontrar o outro e sentir prazer no fazer junto.
Isto possibilita uma produção mais eficaz e eficiente e significa afirmar
que a coletividade é essencial na conquista e criação de saberes e fazeres
visto que, só construindo junto, num exercício dialógico, tece-se o dar-se as
mãos e permuta-se o ensinar e o aprender, o que reafirma a idéia de Paulo
FREIRE de que "ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém educa
a si mesmo: os homens se educam em comunhão". Sinal de que não há
Educação sem relações, sem diálogo, pois como diria o mestre Paulo
FREIRE: "(...) só através do diálogo, refletindo junto sobre o que sabemos
e não sabemos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transformar a
realidade."
Para transformar a realidade faz-se necessário operacionalizar um
Currículo comprometido com o ser-saber-fazer, portanto, desenvolvido no
contexto das múltiplas linguagens, numa prática interdisciplinar.
A
interdisciplinaridade
possibilita
o
diálogo
entre
as
disciplinas, eliminando as barreiras artificialmente postas entre os
conhecimentos produzidos, a interação entre as áreas de conhecimento
científico e a realidade concreta, uma vez que propicia ao educando uma
visão global de mundo, possibilitando-lhe interferir em sua realidade e
superar o paradigma da fragmentação historicamente presente no ensino
tradicional.
A visão complexa da vida, do ser que surge no século XX, com
as inovações científicas nas áreas do conhecimento, traz à escola o desejo
de ir além do enfoque disciplinar, sempre buscando mais e recolocando a
vida, a totalidade, no centro das preocupações do ser humano. Isto quer
dizer que a educação, como processo dinâmico, vem caminhando para
enfrentar o desafio de ir além do diálogo entre as próprias disciplinas e
viver a transdiciplinaridade, uma nova forma de conhecer, explicar, saber,
{PAGE }
fazer, conceituar, transcendendo métodos e lógicas pela integração da
capacidade racional e intuitiva.
Tal movimento vem de encontro à Educação Libertadora ou
Problematizadora de Paulo FREIRE, concebida como:
"(...) aquela pedagogia comprometida com a transformação
social, que é, principalmente, 'tomada de consciência' da
'situação existente' e, imediatamente, práxis (ação mais
reflexão) social, engajamento e autocrítica."
(FREIRE, apud GADOTTI, 1991, p.28)
Essa pedagogia, que fundamenta o projeto que abraçamos e
vimos construindo de acordo com a nossa realidade, vem estimulando o
desenvolvimento contínuo do ser cidadão, através das diversas linguagens,
num saber-fazer dinâmico, que parte do princípio de que é na interação
sujeito-objeto que se constrói e reconstrói o conhecimento.
O currículo, portanto, quer refere-se à reorganização deste
cotidiano escolar, sempre em movimento, em processo, em projeto, tem
como objetivo central a identidade social, que é produzida histórica e
socialmente no contexto de processos pedagógicos, além do interior da
Escola.
Sinal de que a proposta curricular e o saber-fazer nela
corporificado, especialmente no Ensino Noturno da Escola Municipal
Cacique Cunhãbebe, vem se reconstruindo visando o ensinar e o aprender
como troca, experimentação, comunhão, conscientização, exercícios de
crítica e autocrítica das relações interpessoais (professor-aluno-direçãosecretaria-coordenação-pessoal
de
apoio-família-comunidade)
e
do
binômio: o que sabemos x o que precisamos saber, resignificando, assim, o
espaço escolar como lugar também de prazer.
A própria LDB 9.394, de dezembro de 1996, sinaliza que o
processo de construção do aprender e a compreensão do mundo físico,
social e cultural, tal como prevê os artigos 32, 33 e 34 para o Ensino
{PAGE }
Fundamental, do qual o Ensino Médio (artigos 35 e 36) é a consolidação e
o aprofundamento, num desvelar de uma Educação Básica que desperte o
desejo de conhecer e transcender o saber-fazer.
A "Educação de Jovens e Adultos" (EJA) não fica de fora deste
encaminhamento da nova LDB, conforme assinalam os seus artigos 37 e
38, que enfatizam, sobretudo, o respeito às características, interesses e
condições de vida e de trabalho do alunado da noite.
O currículo determina então o plano político de ensono da escola,
a sua própria perspectiva de tratar o ensino, planejá-lo, se posicionar, agir,
interagir e avaliar o seu processo, centrado no ensino-aprendizagem.
Decreta, assim, o jeito de ser do trabalho particular de uma Escola. Afinal,
como costuma dizer Ilma VEIGA:
"(...) Planejar currículo implica tomar decisões
educacionais, implica compreender as concepções
curriculares existentes que envolvem uma visão de
sociedade, de educação e do homem que se pretende
formar. (...) decisões básicas do Currículo abrangem
questões 'ao que', 'para que' e o 'como ensinar' articuladas
ao 'para quem' (...)"
O que leva o Currículo para além de uma lista de conteúdos,
objetivos, metodologias, estratégias, já que a Escola é uma instituição
social. Por conseguinte, o Currículo envolve questões ideológicas (políticosociais-econômicas), culturais (regionais e relações de poder) - todas
definidoras de uma prática de ensino.
Tal consideração afirma a idéia contemporânea de Currículo
explicitada pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (apud SILVA, I., 1996, p. 132):
"(...) o Currículo não é constituído de átomos de fatos,
informações, conceitos e princípios que são 'passados' para
os/as alunos/as, mas que o Currículo é aquilo que
estudantes e professores/as produzem em sua interação com
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uma diversidade de materiais. Nesse sentido, o que constitui
o Currículo não são parcelas pré-existentes de
conhecimentos, mas o conhecimento que é produzido na
interação educacional."
Portanto, Currículo não é algo pronto, escrito definitivamente, é
algo que se constrói e, mediante a ação-reflexão, se reconstrói; é um ato
dinâmico e amplo, à medida que compreende todas as impressões e
atividades da unidade escolar. Sendo assim, o Currículo abriga todos os
projetos da Escola que, contruídos com ações, sempre estarão sujeitos a
reconstrução.
A partir do momento que temos toda essa consciência, enquanto
profissionais da Educação que precisa superar a sua identidade, entendendo
que para "ser mais" precisamos do outro, aprendemos que, apesar de difícil,
é possível mudar a Escola, transformando o seu poder, a sua gestão, ao
conquistar pares que, junto a outros pares, multiplicam-se com suas
diferenças, tornando-se um coletivo dialógico. No DIÁLOGO faz-se
democracia e, no exercício da mesma, conquista-se a autonomia da escola
que tanto queremos: Pública e de Qualidade, construída no "quefazer" com
e para as pessoas.
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5 – PROPOSTA DE GRADE PARA O RN
Horário do Regular Noturno
T
n
í
c
i
o
érmin
o da
horaaula
d
a
h
o
r
a
a
u
l
a
B
18h 45 min
19h 25min
19h 25 min
20h 05 min
20h 05 min
20h 35 min *
LOC
O1
Recreio (20 min)
20h 55 min *
21h 25 min
21h 25 min
22h 05 min
22h 05 min
22h 45 min
BLOCO 2
Exemplo de grade para o 2º Segmento
Série
5ª Série
2ª Feira
3ª Feira
4ª Feira
5ª Feira
6ª Feira
Ed. Artística
Ed. Artística
Ed. Artística
Ingl.
Ingl.
Ingl.
Reunião
Pedagógica
Ciên.
Ciên.
Ciên.
Mat.
Mat.
Mat.
Recreio
Recreio
Recreio
Recreio
Port.
Port.
Ling. Corporais
Ling. Corporais
Geo.
Geo.
Hist.
Hist.
Atividades
Culturais
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6ª Série
7ª Série
8ª Série
Port.
Ling. Corporais
Port.
Port.
Port.
Ling. Corporais
Ling. Corporais
Ling. Corporais
Recreio
Recreio
Ed. Artística
Ed. Artística
Ed. Artística
Ingl.
Ingl.
Ingl.
Ingl.
Ingl.
Ingl.
Ed. Artística
Ed. Artística
Ed. Artística
Recreio
Recreio
Ling. Corporais
Ling. Corporais
Ling. Corporais
Port.
Port.
Port.
Ling. Corporais
Ling. Corporais
Ling. Corporais
Port.
Port.
Port.
Recreio
Recreio
Ingl.
Ingl.
Ingl.
Ed. Artística
Ed. Artística
Ed. Artística
Geo.
Hist.
Geo.
Geo.
Geo.
Hist.
Hist.
Hist.
Recreio
Recreio
Atividades
Culturais
Ciên.
Ciên.
Ciên.
Mat.
Mat.
Mat.
Reunião
Pedagógica
Mat.
Mat.
Mat.
Ciên.
Ciên.
Ciên.
Recreio
Recreio
Atividades
Culturais
Hist.
Hist.
Hist.
Geo.
Geo.
Geo.
Reunião
Pedagógica
Hist.
Hist.
Hist.
Geo.
Geo.
Geo.
Recreio
Recreio
Mat.
Mat.
Mat.
Ciên.
Ciên.
Ciên.
Reunião
Pedagógica
Atividades
Culturais
Na Segunda-feira podem ser realizadas diversas ações que levem
à constituição de uma grade enriquecida. Como consideramos o espaço
escolar como um espaço de produção (e não reprodução) cultural – sendo o
equipamento-escola, muitas vezes, em nossos bairros de periferia o único a
oferecer alternativas culturais para os moradores -, podem ser
desenvolvidos diversos projetos específicos pelos alunos: rádio da escola
ou rádio comunitária, publicações (livros artesanais, boletins etc), teatro,
dança, produção de murais, organização do Grêmio Estudantil, articulação
com a Associação de Moradores local, oficinas etc.
É importante lembrar que muitas escolas já desenvolvem estas
atividades. Esta nova grade facilitará, portanto, uma melhor acomodação
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dessas ações, à medida em que as incorpora formalmente como ações
curriculares/formadoras.
As diferentes disciplinas têm como norte de seu trabalho
pedagógico desenvolver nos alunos a autonomia quanto à:
* Trabalho de Pesquisa – desenvolver a investigação, a pesquisa e a constituição de um aluno auto-didata, capaz de manipular
àqueles instrumentos teóricos/intelectuais essenciais à compreensão da realidade.
* Estudos de Temas da Atualidade – desenvolver uma programação curricular que parta dos elementos vividos pelos alunos no
mundo contemporâneo, tais como: desemprego, violência, exclusão social etc., investigando as suas causas. Os temas serão
escolhidos pelo próprio grupo-escola a partir de levantamento diagnóstico realizado junto aos educandos jovens e adultos.
* Organização de Grupos de Estudo – podem se constituir em atividades orientadas em torno de determinado tema que os alunos
desejem estudar ou podem se constituir em espaço-tempo do currículo para realização de atividades de recuperação paralela.
A nova grade, para o 1º segmento, fica assim constituída:
abarca 3 grandes áreas de conhecimento: Linguagens; Ciências Exatas e Biológicas e Ciências Sócio-Históricas.
todas as 3 áreas possuem carga horária idêntica (4 horas/aulas semanais), sendo a jornada de trabalho do professor (MG-4) de 22h
30 min/semanais (com 16h de atividades em sala de aula 4h de coordenação coletiva e 2h 30 min de organização individual do
trabalho).
A nova grade, para o 2º segmento, fica assim constituída:
Abarca 3 grandes áreas de conhecimento:
Área das Linguagens – constituída pelas disciplinas de Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Linguagem Artística e Linguagens
Corporais.
Área das Ciências Exatas e Biológicas – constituída pelas disciplinas de Matemática, Física, Biologia, Química e Programas de
Saúde.
Área Sócio-Históricas – constituída pelas disciplinas de História e Geografia.
Área das Ciências Físico-Biológicas – constituída pela disciplina de Ciências (que abarca Biologia, Física, Química e Programa
de Saúde).
Todas as disciplinas possuem carga horária idêntica: 3h/aulas semanais por turma. O professor possui um contrato de trabalho de
16h/semanais, totalizando 120h/ano por turma.
Tanto no caso do 1º segmento quanto no 2º segmento, dar-se-ia
um total de 820h/ano (sem desconto dos feriados).
O objetivo principal é trabalhar as áreas partindo dos princípios
que regem a construção curricular em nossa escola: Partir da realidade
local,
Criticidade,
Ética,
Interdisciplinaridade,
Autonomia,
Participação Social.
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A interdisciplinaridade e o trabalho coletivo, partindo dos
elementos apresentados pela realidade local e pelo repertório sócio-cultural
dos educandos desdobram-se, no Regular Noturno, buscando desenvolver:
1.
A construção de uma cidadania ativa, de uma autonomia ética que leve o educando a buscar a transformação de sua realidade.
2.
A construção de competências básicas para compreensão, por parte dos educandos, de seu papel social e de sua inserção num
mundo globalizado, marcado pelas novas tecnologias que, em geral, se constituem em mecanismos de reprodução ampliada
da exclusão dos segmentos sociais populares. Esse processo desenvolve-se a partir da alfabetização desenvolvida no espaço
escolar, sendo a alfabetização aqui compreendida enquanto processo que perpassa todo o Ensino Fundamental e que se realiza
não apenas enquanto domínio dos instrumentais básicos da leitura e da escrita, mas enquanto leitura de mundo.
A fim de dar conta da realidade local, propõem-se fazer uma
investigação da temática significativa dos alunos, através da organização de
um questionário diagnóstico, que seria analisado pelos professores, direção,
orientação e coordenação, na busca de temas básicos orientadores da
prática do professor. Em seguida, elabora-se uma rede temática,
estabelecendo as relações dos vários eixos, a ser utilizada como síntese da
comunidade escolar e ponto de partida para a ação pedagógica.
Nesta proposta, o currículo deve estar de acordo com a
compreensão que se faz do mundo, de suas formas de agir e como pode
atuar neste mundo. Neste sentido, os professores estariam planejando suas
atividades no coletivo, através de um exercício que visa integrar todas as
áreas do conhecimento.
A ELABORAÇÃO DO CURRÍCULO
A dinâmica efetivada para a construção do currículo inicia-se
com o Levantamento Preliminar da Realidade Local, Fase Diagnóstica.
Este levantamento pressupõe elaborar os dados frios da Comunidade
Escolar, considerando:
a) Localização da Unidade Escolar/Acesso;
b) Caracterização do Prédio Escolar (dependências);
c) Caracterização Administrativa e Pedagógica:
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Tipos de ensino;
Quadro de funcionários;
Total de alunos;
Atuação ou não do Conselho de Escola;
Relação com a Comunidade.
No
que
se
refere
à
Comunidade
Local,
busca-se
o
aprofundamento de alguns aspectos da localidade perceber a disposição do
espaço social no qual está inserido a escola, além do que é possível ver,
buscar informações em documentos, pesquisa, estatísticas, etc., que
enriqueçam a leitura da comunidade local. Busca-se conhecer a Visão da
Comunidade Local a respeito da Escola:
Como a Comunidade vê a Escola?
Como se relaciona com ela?
Conhecem o processo de implantação da Escola?
(Tentar buscar opiniões diversas por faixa etária e segmentos sociais)
Um outro momento refere-se à sistematização das Impressões da
Equipe que faz a Pesquisa e Problematização.
Neste momento, expressamos a não neutralidade da educação,
bem como demonstramos a observação constante do contexto: O que a
equipe aprendeu após os levantamentos feitos?
A partir daí temos a Construção do Currículo: parte inicial do
Projeto Pedagógico da Escola; documento que tem organizado todas as
fases anteriores e que vai mostrar o início da construção do Programa de
Ensino.
Os critérios para a Escolha das Situações Significativas, nas
quais se basearão a construção curricular, são:
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1) Situações que representem o cotidiano da comunidade
pesquisada;
2) Situações que representem contradições:
Na própria comunidade - falas antagônicas, discurso x prática, etc.
Em relação à estrutura social mais ampla
3) Situações que possibilitem explicações pelas diversas áreas
do conhecimento (natureza interdisciplinar);
4) Freqüência com que os dados aparecem;
5) Não freqüência como indicador de contradições;
6) Situações que sejam ricas em associações na fala da
comunidade local.
A partir dos dados, do perfil no questionário, busca-se construir o
Objetivo Geral da Relação, Objetivo Específico da Área, os
Conteúdos, as Estratégias/Ferramentas, e os Instrumentos de
Avaliação, conforme explicitado a seguir:
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{PAGE }
ESCOLA MUNICIPAL CACIQUE CUNHÃBEBE
Professor(a):
Disciplina:
Relação:
Falas:
OBJETIVO GERAL
DA RELAÇÃO
Norteadores de todo
o planejamento, que
visa integrar as
areas do
conhecimento.
São estruturados a
partir do eixo
temático ou tema
gerador.
OBJETIVO
ESPECÍFICO DA
ÁREA
Norteadores do
planejamento da
área ou disciplina,
que orienta a ação e
o trabalho com os
conteúdos.
Turma(s):
CONTEÚDOS
Relação de matérias
da disciplina,
conhecimento
universal produzido
pela área e
acumulado pela
sociedade.
ESTRATÉGIAS/FERR
AMENTAS
INSTRUMENTO DE
AVALIAÇÃO
Meios utilizados
pelos professores no
desenvolvimento do
planejamento
Quais instrumentos e
como será feita, que
é de forma contínua,
valorizando toda
produção dos
alunos.
{PAGE }
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6 - Avaliação
"Mudar a avaliação é mudar a
Escola. Não mexam com a minha
avaliação! É o grito que damos
assim que nos apercebemos que
basta puxar pela ponta da
avaliação para que o novelo
desfie."
A avaliação tece os fios e desafios do cotidiano escolar,
reorientando a rede de seus saberes e fazeres, porque, explicitamente ou
não, ela anuncia:
O que...
Quando...
Como...
Para que...
Para quem...
...ensinar-aprender?!...
Quando a Escola responde a essas questões, define a sua proposta
político-pedagógica, criticizando o seu Projeto de Educação
A avaliação, por fazer parte da vida, deve ser contínua na escola,
portanto "formativa", como sugere PERRENOUD, para que possa analisar,
decidir, reavaliar, libertar, romper, optar e replanejar a circularidade dos
saberes-fazeres do cotidiano escolar. Ela deve suscitar a práxis.
Avaliar "para formar" significa, assim, saber-fazer / agir-refletir
em prol da transformação de toda gente que faz escola, especialmente do/a
aluno/a, que no exercício da ação dialógica, num trabalho coletivo e
participativo, torna-se mais humano, um cidadão crítico, reflexivo, criativo,
justo e... solidário.
Por isso, a avaliação numa perspectiva dialógica, baseada nos
ideais de Paulo FREIRE, nos faz refletir sobre a forma de tratar o ato de
avaliar, pois, segundo ele, só "(...) o diálogo autêntico - reconhecimento do
{PAGE }
outro e reconhecimento de si no outro - é decisão e compromisso de
colaborar na construção do mundo comum(...)". Isto significa ratificar que,
na verdade, é a avaliação que redimensiona a prática pedagógica e desvela
a identidade da escola e dos seus projetos.
Desta forma, no Projeto Regular Noturno, o processo de
avaliação é o mesmo prescrito no Regimento das Escolas Municipais de
Angra dos Reis, aprovado pelo Parecer n.º 277/96 do CEE (artigo 58 ao
63), caracterizando-se enquanto um processo diagnóstico, que leva o
educador a replanejar o seu trabalho pedagógico e não a classificar e a
punir os educandos.
De acordo com o Regimento, o processo da avaliação se dá
através do alcance (ou não) de objetivos propostos, sendo representado
pelos conceitos “S” (objetivos satisfatoriamente atingidos), “P”(objetivos
parcialmente atingidos) e “N” (objetivos não atingidos). Esta avaliação
global, processual e diagnóstica encontra-se também amparada pela LDB
9394/96 (art. 24, inciso V, alínea b).
Dentro desta proposta, também é avaliada toda a estrutura das
atividades desenvolvidas.
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estudantes em angra, mão-de-obra dos reis