D r. Pe n a d o s Re is ( Pre s id e n te d o Sin d icato d e Magis trad o s d o
Ministério Público)
Muito obrigado, muito bom dia a todos.
Não vou fazer um a intervenção de análise jurídica das propostas, até porque só
as conheci hoje. Vou fazer algum as observações sem pre na perspectiva da
m inha experiência, um a experiência de jurista prático. O com entário sofre
tam bém das lim itações dessa experiência e gostaria que esse factor fosse
tomado em consideração.
Queria dizer antes de m ais o seguinte: - tenho sem pre propensão a resistir a que
as questões jurídicas sejam empurradas para dentro do jurídico.
A questão em análise é um a questão jurídica, m as ela é evidentem ente tam bém
uma questão política. Ela só é jurídica porque é política e qualquer possibilidade
de análise dela com o sendo desligada da utilidade do jurídico e do papel que ele
desempenha a nível social deve considerar-se irrelevante.
Coloca-se a questão de saber se o aparelho de cobrança, o aparelho de execução
de sentenças deve funcionar num a certa direcção ou noutra, se devem ser
prejudicados alguns e beneficiados outros. Para que é que serve esse aparelho ?
Na abordagem dessa questão vam os sem pre ser conduzidos à análise dos
pressupostos gerais. Não é uma questão estritamente técnica.
Os m agistrados são hoje considerados na opinião pública, no âmbito do debate
político e jurídico público, como sendo um a espécie de instância de resolução
definitiva dos problem as sociais. Essa perspectiva é negativa porque além do
m ais está a exercer sobre os tribunais um a pressão totalmente
desproporcionada. Os tribunais nunca poderão corresponder ao grau de
exigência social hoje colocado publicam ente e para o qual a resposta só pode ser
política.
Os tribunais agem a juzante do conflito, quando o conflito já ocorreu; as
instâncias políticas agem a m ontante do conflito. As causas, as razões objectivas
que determ inam o conflito, as razões de natureza social, económ ica, cultural,
política, que determ inam a existência de conflitos está a m ontante. Esperar que
os tribunais possam ter um papel determinante para acabar com esses factores é
um absurdo.
Um outro comentário que pretendo fazer é o seguinte: - tenho medo do discurso
sobre a m orosidade da justiça quando colocado num quadro m eram ente
técnico, com o se fosse possível quantificar o desejável com referência a um a
m áquina perfeita, bem oleada, a funcionar num a abstracção, num m undo de
ideias, num mundo ideal e totalmente desligado da realidade concreta.
Aquilo que os tribunais produzem , para utilizar as m etáforas de um a linguagem
hoje dom inante, não são m ercadorias. O que os tribunais " produzem " são
regulações de conflitos e não bens ou produtos para o com ércio. O papel dos
tribunais é outro, é um papel de m ediador, de regulação concreta e em últim a
análise de aplicação do direito onde há controvérsia prática sobre ele. Olhá-los
como empresas de serviços é um contra-senso.
A morosidade na justiça tem um significado contraditório.
Se os tribunais de trabalho estão atrasados, quem perde?
Perdem os trabalhadores, ganham os patrões, porque a m aior parte das acções
de contrato de trabalho são acções entre trabalhadores e o patronato e são
geralmente propostas pelo trabalhador contra a entidade empregadora.
Se os tribunais administrativos não funcionam rapidamente quem perde?
Perderá geralmente o cidadão afectado por actos administrativos do Estado.
Se nos tribunais penais a acção penal funciona em relação ao sector pobre e
desprotegido da sociedade e funciona de um a m aneira eficaz e directa, isso
significa que esse sector está a suportar os efeitos da ordem jurídica a nível
penal na sua plenitude.
Mas se não funciona em relação aos sectores poderosos, que têm poder e
riqueza para em perrar os instrum entos de investigação ou processuais e sabem
servir-se de toda a série de expedientes para poderem escapar à acção punitiva
do Estado, isso significa que esses sectores beneficiam com a m orosidade dos
tribunais. Mas pode ainda significar que a ordem jurídica de toda a sociedade,
os pincipios dem ocráticos e de direito do Estado, defrontam insuficientemente
ameaças que podem fazer perigar a consolidação desses princípios.
Hoje a ideia m ágica sobre os problem as cham a-se m orosidade, m orosidade,
morosidade.
Se esta ideia fôr deixada só, se for desligada da análise sociológica e desligada da
compreensão do que é a função dos tribunais é um a ideia perigosa, que se pode
virar contra a utilidade e o papel social dos tribunais.
Mas aparentem ente toda a gente está convencida de que os tribunais são
morosos e isso parece por vezes motivo de infelicidade geral nacional.
Foi feito pelo relator do relatório o reconhecim ento de um desconhecim ento
essencial para se poder ter ideias precisas sobre o que deve ser a reform a da
acção executiva. Não se sabe quem são os executados.
Não foram recolhidos elem entos que perm itam dizer quem são os executados,
em bora se saiba que são na m aior parte gente com dívidas inferiores a duzentos
e cinquenta mil escudos e que não as querem pagar ou não as podem pagar.
Em segundo lugar sabem os que um a elevada percentagem deles são pessoas
com dívidas ao Estado originadas por custas. Um a outra larga fatia são pessoas
com dívidas às empresas.
Independentem ente de qualquer outra consideração, o aum ento na rapidez e
eficácia do sistem a da acção executiva im plica que quem vai ser im ediatamente
penalizado são os que estão nas situações descritas.
Quem vai ganhar por outro lado ?
É de prever que vão ganhar as em presas que têm créditos incobrados, tantas
vezes com origem em concessão de regim es de crédito pelo m enos pouco
cautelosos.
O Estado, por outro lado ganhará, porque obterá cobranças m ais rápidas de
custas. Mas deverá fazê-lo ?
É indiscutível que a actual m orosidade e ineficácia da acção executiva geraram
um a situação objectivam ente relevante e que não deve ser escam oteada. Em
m atéria de efectiva cobrança das dívidas os tribunais estão a funcionar com o
am ortecedor, com o m ecanism o de am ortecim ento, em que o devedor ganha
tempo.
Seria bom sabermos rigorosamente quem são os que devem, o que distingue uns
de outros, pois são certamente diversas as situações.
O tem po pode ser um factor de realização da justiça. Ganhar tem po negociando
e perder tem po negociando podem ser elem entos de afirm ação concreta do
direito e de correcção do que causa a injustiça.
Questões desta natureza não devem ser retiradas do debate político e jurídico.
Quanto à necessidade de um a reform a não pretendo ser cínico. Acredito no
funcionam ento das instituições e penso que elas devem ser m elhoradas.
Concebo a m elhoria da vida social com o m elhoria da orgânica social no seu
conjunto e tam bém do Estado, m as tenho dúvidas sobre se a ilusão de resolução
de alguns problemas não nos está a impedir de olhar um horizonte mais vasto.
Muitas vezes deparei com situações, sobretudo em direito laboral, em que
direitos judicialm ente reconhecidos se tornavam inexequíveis na prática por
serem frequentes e labirìnticos os m ecanism os de ocultação de bens perm itidos
pelo nosso sistema legal.
Para esse tipo de situações as medidas em estudo trazem algo de novo?
Não posso ir muito mais longe nos meus comentários.
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Dr. Pena dos Reis (Presidente do Sindicato de Magistrados