Jornal do Brasil, 6/10/2008
Sonho de ler e escrever vira realidade para 20 mil
Projeto ABC-DF, desenvolvido na Estrutural, reduz o analfabetismo
Isabel Freitas
Aos 72 anos, Antônio da Silva resolveu voltar para a sala de aula. Mas não para fazer um curso técnico,
de especialização, graduação ou pós-graduação. Ele não sabia ler nem escrever.
– Meu pai me obrigava a trabalhar na roça desde criança e, por isso, não pude estudar. Sempre tive
vontade, mas nunca tive oportunidade – diz.
Há cinco anos, Antônio trabalhava como vigia, mas problemas de saúde o impediram de continuar no
emprego. Há um ano, ele freqüenta as aulas de alfabetização na Cidade Estrutural, onde mora, e é
considerado um dos alunos mais dedicados da Escola Classe 1. O aplicado estudante já sabe ler e
escrever.
Antônio conta que sempre foi de família humilde e, por isso, tinha que ajudar no sustento, colocando a
mão na enxada logo cedo.
– Esta é a primeira vez que tenho aula, que vou à escola e estou muito feliz. Como na época em que eu
era criança a gente tinha que obedecer os pais, era obrigado a trabalhar para ajudar a levar comida para
dentro de casa – comenta.
O morador da Estrutural diz que teve dificuldades para aprender, mas que a dedicação das
alfabetizadoras foi fundamental para o sucesso.
– Minha memória não é como a de criança, mas consegui aprender a ler e a escrever depois que comecei
a freqüentar as aulas. A minha professora era muito boa e, por isso, nunca pensei em desistir do estudo.
Antes, eu ficava nervoso para escrever meu nome, mas agora eu não fico mais assim e até consigo pegar
ônibus e ler jornais – comemora.
Antônio teve que tomar remédio para ajudar a memória, pois um enfarte o prejudicou. Mas não foi nada
que o fizesse desistir de seu sonho.
Analfabetos no DF
Assim como Antônio, existem outras 65 mil pessoas na mesma situação no Distrito Federal. Segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 3,8% da população do DF é analfabeta. A taxa é a
menor do Brasil, mas para erradicar de vez o analfabetismo, o GDF lançou, em julho de 2007, o Projeto
ABC-DF, que já atendeu mais de 20 mil alunos.
Danilo Alves Cardoso também faz parte desta estatística. Com 47 anos e dois filhos, ele voltou para a
escola na Estrutural, onde mora há dez anos, e aprendeu a decifrar o mundo das palavras.
– Eu já tinha uma idéia, pois freqüentei a escola durante pouco tempo e a necessidade me fez aprender.
Sempre tive comércio. Então, fui obrigado a saber pelo menos o mínimo. Minha esposa me ajuda muito,
mas eu tenho que me virar sozinho também – conta.
Na infância, ele morava a 12 quilômetros de distância da escola mais próxima, o que dificultava o acesso.
– Meu pai me obrigava a trabalhar com ele e logo abandonei os estudos. Meus filhos sempre estudaram.
O que eu não pude fazer por mim pude fazer por eles – complementa Danilo Cardoso.
Crescimento do projeto
Segundo Areolenes Bezerra, da gerência do projeto ABC-DF, o projeto cresce a cada ano e o grande
segredo do sucesso se deve ao amor pelo próximo.
– Só na Estrutural, atendemos mais de 2 mil alunos e já estamos na terceira etapa, com 38 turmas. Para
trazer os alunos para a sala de aula, vamos de casa em casa, contando com o apoio dos líderes
comunitários, para identificar os analfabetos. Não é uma tarefa fácil – explica.
Ela ressalta que quando reuniu as lideranças comunitárias e os prefeitos de quadra da Estrutural para
apresentar o projeto, ninguém acreditou que poderia dar certo.
– Eles chegaram a falar que só participariam do projeto se o governo pagasse para os alunos. Mas eu
pedi para que aqueles que não acreditassem no projeto se retirassem da sala e, assim, descobri o
principal responsável pelo sucesso: o Euclides – conta Areolenes.
Euclides Lourenço da Silva, coordenador do projeto na Estrutural, diz que a iniciativa foi um dos maiores
desafios que já encontrou na vida e que, por isso, resolveu abrir seu coração para desenvolver o trabalho
na cidade que ajudou a fundar.
– A escola, hoje, toma meu tempo integral, mas me sinto muito feliz em ajudar as pessoas que não têm
conhecimento, que não sabem ler ou escrever. Nosso maior desafio é combater a evasão – informa o
coordenador.
Meta de 25 mil alfabetizados
A iniciativa visa erradicar o analfabetismo entre jovens a partir de 15 anos, adultos e idosos, em todas as
regiões administrativas. Até o fim deste ano, a meta é chegar a 25 mil pessoas atendidas.
O investimento do governo é de R$ 400 por aluno e cada um recebe todo o material didático. O gerente
do programa, Sinval Lucas de Souza, explica que o projeto, além de ensinar a ler e a escrever, oferece
oportunidades de trabalho.
– Primeiro, nós divulgamos o projeto na comunidade, que nos ajuda na mobilização e captação de alunos
e até alfabetizadores. Os professores do ABC-DF precisam morar no local e todos eles recebem uma
bolsa do governo para continuar estudando – acrescenta. O valor da bolsa é de R$ 200 fixos e, a cada
aluno em sala de aula, o professor recebe R$ 8 a mais.
Sonho de ler e escrever vira realidade para 20 mil. Jornal do Brasil, 06 out. 2008. Disponível em: <
http://www.brasilquele.com.br/texto_ler.php?id=3978&secao=1http://jbonline.terra.com.br/leiajb/noticias/20
08/10/06/brasilia/sonho_de_ler_e_escrever_vira_realidade_para_mil.html >, acesso em: 10 out. 2008.
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