O Ministro Raphael de Barros Monteiro guarda, entre outras, uma singularidade
muito para admirar: era de tradicional família de juízes. Seu pai o foi; um de
seus irmãos – o Professor Washington de Barros Monteiro – também o foi,
tendo-se aposentado como desembargador do Tribunal de Justiça de São
Paulo; dois de seus filhos, e nisso orgulho-me de haver sido colega de ambos,
foram juízes de direito e desembargadores do mesmo Tribunal, tendo um
deles, Rafael de Barros Monteiro Filho, integrado o Superior Tribunal de
Justiça, do qual foi Presidente. Sua biografia, pode dizer-se, quase se identifica
com a carreira de magistrado.
Nascido em Areias, no Estado de São Paulo, em 26 de outubro de 1908, foi
aluno exemplar da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde se
formou, em 1930, como aluno laureado da turma. Ainda estudante, ingressou,
mediante concurso, no Departamento dos Correios e Telégrafos do Estado,
tendo depois entrado a advogar nos auditórios da comarca da Capital.
Ingressou na magistratura estadual, por brilhante concurso, em 1935. Serviu
em várias comarcas do interior, até ser nomeado, em 14 de novembro de 1949,
desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
A partir de 7 de fevereiro de 1956, ocupou, como professor contratado, a
terceira cadeira de Direito Judiciário Civil da Faculdade Paulista de Direito, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Eleito para o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo em 1958, como
juiz efetivo, na classe de desembargador, assumiu, em 15 de setembro
daquele
ano,
as
funções
de
Corregedor-Geral
da
Justiça
Eleitoral.
Reconduzido para o segundo biênio em 15 de fevereiro de 1961, foi eleito VicePresidente daquela Corte e, finalmente, Presidente, função que desempenhou
de 14 de agosto de 1961 a 2 de fevereiro de 1963.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, foi eleito 2º Vice-Presidente em 3 de maio
de 1961. A 18 de dezembro de 1963, foi eleito 1º Vice-Presidente para o biênio
de 1964-1965. Em 22 de dezembro de 1965, foi eleito presidente do Tribunal
de Justiça de São Paulo, para o biênio 1966-1967.
Em 1962, foi, ainda, eleito presidente da Associação Paulista de Magistrados.
Nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, por Decreto de 23 de junho
de 1967, do Presidente Costa e Silva, para a vaga decorrente da aposentadoria
de outro notável juiz oriundo do mesmo Tribunal de Justiça, o Ministro Pedro
Rodovalho Marcondes Chaves, tomou posse no dia 7 de julho seguinte.
Não posso, quanto a esses eventos, deixar de mencionar a marcante
circunstância de ter S. Exª., estritamente por seus méritos, logrado todos esses
honrosos cargos como desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo,
então integrado pelas magistrais e saudosas figuras dos maiores juízes que já
teve magistratura paulista e aquela Corte, na sua já longa e gloriosa história,
como – só para citar alguns dos seus contemporâneos – Joaquim de Sylos
Cintra, Cantidiano Garcia de Almeida, Euler Bueno, Oswaldo Aranha Bandeira
de Mello, Acácio Rebouças, Dimas Rodrigues de Almeida e Laffayette Salles
Júnior, todos os quais, por suas reconhecidas qualidades de magistrados
extraordinários, decerto também teriam honrado e engrandecido este Supremo
Tribunal Federal. Ter sido, dentre tão ilustres pares, escolhido para Ministro
desta Corte, dá, pois, a exata dimensão da sua proeminência como juiz
exemplar, dotado daquela austeridade e compostura, sem as quais ninguém
que envergue a toga pode aspirar ao respeito que se deve aos magistrados,
nem justificar a reverência que merece a magistratura.
Indicado juiz substituto do Tribunal Superior Eleitoral, ali tomou posse em 25 de
fevereiro de 1969, passando-lhe a membro efetivo a partir de 5 de novembro
do mesmo ano. Exerceu as funções de Vice-Presidente, de 11 de fevereiro de
1971 até 12 de fevereiro de 1973, quando assumiu a Presidência daquela
Corte Eleitoral, onde permaneceu até 12 de novembro do mesmo ano.
O Ministro Raphael de Barros Monteiro faleceu na Capital do Estado de São
Paulo em 3 de maio de 1974.
Casado com d. Marina Vieira de Morais de Barros Monteiro, deixou por
descendentes quatro filhos, dos quais o mais velho é o Ministro Raphael de
Barros Monteiro Filho, de quem lhe nasceram as netas Anna Luísa de Barros
Monteiro e Flávia Marina de Barros Monteiro, hoje mãe da bisneta Lia de
Barros Monteiro Amato;
Depois, ao desembargador Ralpho Waldo de Barros Monteiro, e seus três
filhos: Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho, Marina Stella de Barros
Monteiro e Mariana de Barros Monteiro
Em seguida, aos advogados Ronaldo de Barros Monteiro e Ruy Carlos de
Barros Monteiro, que teve dois filhos: Raphael de Barros Monteiro Neto e Maria
Luísa de Barros Monteiro.
A Prefeitura da capital paulista reverenciou-lhe a memória, atribuindo seu nome
a uma rua, e, no Município de Santo André, o Fórum local foi denominado
Ministro Barros Monteiro.
De sua recatada vida pessoal, sabe-se que adorava cinema, filatelia, leitura de
obras famosas, e tinha hábito de anotar pensamentos de autores ilustres e
acontecimentos do cotidiano.
Em elogio fúnebre, o Des. Humberto José da Nova tornou público que nosso
homenageado “tinha em seu poder apenas cinco processos ao ensejo de seu
último afastamento do cargo.”
O não menos ilustre Ministro Rodrigues Alckimin recordou: “A consciência
nítida desta vocação (magistratura) ele próprio a afirmou, em mais de uma
oportunidade. Ao despedir-se do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a
fim de assumir o cargo de Ministro deste Supremo Tribunal, reiterou a
afirmativa, ao declarar:
“Jean-Paul Sartre, numa frase amarga, disse que não se escolhe a
vocação: acerta-se ou malogra-se, eis tudo.
Não é verdade. Posso assegurar a V. Exª, Sr. Presidente, bem como a
todos os meus ilustres colegas da magistratura de São Paulo, que fui, sou e
serei juiz por vocação. Só esta me fez permanecer na função judicante até hoje
e somente ela far-me-á nela permanecer até que a Providência ainda me dê
forças para tanto.”
(...)
Se a dedicação à judicatura foi o tema de existência do Ministro Barros
Monteiro, múltiplos foram os traços de sua personalidade de escol.
A dois deles me referirei. Não vou mencionar as suas altas qualidades do
espírito, de leitor sempre ávido pelo sábio e belo; nem às qualidades de
magistrado imparcial e culto. Refiro-me à profunda e tranqüila bondade, ditada
pela simplicidade e pela modéstia.
Disse um ilustre advogado de São Paulo, ao saudá-lo no Tribunal Regional
Eleitoral, a que presidia, como desembargador:
“O Desembargador Raphael de Barros Monteiro é a expressão rigorosa da
modéstia. Sua docilidade de trato encanta aos que dele se cercam. A todos
ouve com franciscana paciência. Seu tom de voz é sempre o mesmo. Jamais
procura impor o prestígio de sua autoridade.
Tem o culto do respeito às opiniões alheias. Não ordena: solicita. Vai ao
encontro dos desejos: não espera que lhe roguem.
A sua alegria é a de todos os companheiros.
Sente-se feliz ao vê-los contentes. Perscruta as tristezas alheias, à procura da
razão, para tentar aliviá-las. Nobreza de sentimentos igual é difícil de
encontrar”.
O Poder Judiciário e as funções judicantes mereciam-lhe as atenções de todos
os momentos. Demonstram-no dois fatos, que relembro.
Ao presidir a instalação do ano judiciário de 1967, no Tribunal de Justiça de
São Paulo, repetiu palavras de Pedro Chaves, dando-lhes especial realce, a
fim de explicar os motivos determinantes daquela solenidade. Disse naquela
oportunidade:
“Já é tempo de divulgar nos setores populares que o nosso Governo é tripartido
e que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário estão no mesmo plano
constitucional, cada um na sua esfera de ação, desempenhando suas
atribuições peculiares, todos três delegados em exercício da soberania do povo
paulista.
Não são revolucionárias, nem novas, estas concepções decorrentes de
preceitos constitucionais, mas é preciso repetir os fatos e dar-lhes o merecido
destaque, para que não desapareçam no mais completo olvido”.
Pesava-lhe que a silenciosa atividade do Judiciário o tornasse quase
desconhecido como um dos poderes do Estado. Queria vê-lo considerado em
sua eminente posição constitucional.
Relembro o segundo fato: a declaração de seu amor pela judicatura. Barros
Monteiro o frisou, ao tomar posse neste Supremo Tribunal Federal.
Recordou a fina comparação que o Ministro Luiz Gallotti, então Presidente,
fizera, a propósito de sua permanência em Brasília, com Fabrício, da
Chartreuse de Parme, que, preso mas enamorado da filha do Diretor da prisão,
temia a hora da liberdade.
E acrescentou o Ministro Barros Monteiro: “Nós ambos, Senhor Presidente,
enamorados de Clélia, a nossa querida Judicatura, continuamos presos, mas
sempre temendo a soltura, por algum inesperado golpe do destino”.”
Penso que não terá sido mais precisa a síntese de sua vida de magistrado do
que a traçada por um dos símbolos da grandeza da magistratura e das letras
jurídicas nacionais, o desembargador e professor José Frederico Marques,
que, em artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, de 5 de outubro de
1975, deixou gravadas as palavras que podem agora subscritas por esta Corte,
como termo desta homenagem:
“Por fim, um preito à memória do ilustre juiz paulista arrebatado pela morte,
também em 1974 – o Ministro Raphael de Barros Monteiro. Quando ingressou
no Supremo Tribunal, ele levava consigo um passado fulgurante, na
magistratura de carreira de nosso Estado, cujos degraus palmilhou um a um,
desde comarcas sertanejas do ‘hinterland’ paulista, até a presidência do
Tribunal de Justiça. Com essa larga experiência, a que se juntava sua viva
inteligência e cultura jurídica, logo de destacou no Supremo Tribunal, como juiz
de grande capacidade de trabalho, rapidez e descortino na tarefa de julgar.
Infelizmente, a morte cortou a trajetória dessa carreira judiciária tão
brilhantemente iniciada e exercida, pelo que só nos resta, agora, perpetuar sua
memória na saudade e no coração, em perene homenagem ao que ele foi e
produziu”.
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O Ministro Raphael de Barros Monteiro guarda, entre outras, uma