DEZ ANOS DEPOIS: COMO VAI VOCÊ, RIO DE JANEIRO? - ano 3 - nº 5 - março 2003
Rio: Um Novo Ciclo Ascendente
César Maia
Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro
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O Rio viveu, desde que deixou de ser uma Cidade-Estado até o início dos anos 90, um
longo ciclo de perda de substância e de identidade. Não que fatos positivos não tivessem ocorrido
neste processo, como o encontro cidadanização das favelas durante os anos 80. Mas, no conjunto,
o vetor resultante foi a perda de centralidades que o caracterizavam, como a política e a cultura.
A partir do início dos anos 90, inicia-se um ciclo de reversão deste quadro, que claramente
pode ser identificado com a escolha do Rio como sede da ECO-92. Esta decisão trouxe de volta
a sua vocação de cidade global, sua identidade internacional e sua auto-estima. Pouco tempo
antes, com a reforma tributária produzida pela Constituição de 1988, que beneficiou
inquestionavelmente as capitais, e com as medidas de recuperação das receitas adotadas após a
grave crise no final do governo Saturnino, a cidade recuperou a sua capacidade de financiar seus
projetos com recursos próprios e de alavancar capital de empréstimo junto às agências
internacionais de crédito. A partir de 1993, com uma gestão financeira técnica, esta capacidade
de alavancar recursos foi multiplicada e a cidade conquistou seu nível básico de operação: ter de
recursos próprios pelo menos 10% das receitas dos impostos próprios e transferidos. Com isso,
pode iniciar um ciclo de renovação urbana e de qualificação dos serviços sociais, especialmente
Educação e Saúde, que até 1992 viveram crises sistemáticas.
Este novo ciclo, cuja base está nas reformas constitucional e interna de suas receitas, e
que se coloca de pé com a Rio-92, impõe-se, intensifica-se e multiplica-se a partir de 1994.
Este foi um momento particularmente relevante devido à aposta que a Prefeitura fez no Plano
Real, num momento de inflexão dos fundamentos macroeconômicos. Esta gestão, arriscada e
finalmente muito bem sucedida, transformou a gestão da dívida de criadora de despesas em
criadora de receitas. Com isso, se demonstrou ao BID a capacidade interna da Prefeitura para
alavancar suas finanças e se abriu caminho, a partir de 1994, à introdução do Favela-Bairro, à
reestruturação das secretarias de Educação e Saúde, à reforma urbana por bairro, ao Rio-Cidade,
e às grandes obras de infra-estrutura viária, tendo a Linha Amarela como estrela de um elenco
que se espalhou por toda a cidade.
Com uma conjuntura extremamente favorável no período após o Plano Real, quando a
economia brasileira voltou a crescer, e com ela o emprego, as ações de ordem urbana acopladas
INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRABALHO E SOCIEDADE
às alternativas criadas de trabalho e habitação se cristalizaram. Entre 1994 e 1996, a ordem
urbana voltou aos principais corredores da cidade e o processo de favelização, mais que ser
detido, foi em várias áreas revertido com redução de habitações precárias entre 1995 e
1996. Este ciclo teve impulso e se estendeu até fins de 1998, quando há uma reversão de
conjuntura econômica nacional e política estadual. A partir daí, a política de ordem urbana
perdeu fôlego e a imprevisão para este novo ciclo econômico terminou retirando da Prefeitura
a capacidade financeira de investir com recursos próprios. Desta forma, se viveu um
contraciclo fiscal onde os investimentos e salários dos servidores foram muito maiores no
primeiro ano e muito menores no último ano de governo.
Esta conjuntura nacional recessiva começa no último trimestre de 1998, com a crise
asiática, e se estende até hoje em longos 4 anos e 4 meses, devendo se impor até pelo menos o
final de 2003. Desta forma, retorna sobre os grandes centros a pressão de migração combinada
com desemprego, o que afeta a capacidade de resposta de grandes cidades como São Paulo, Rio
e Belo Horizonte, que passam a viver uma conjuntura de problemas crescentes.
Iniciando um novo período a partir de 2001, o governo municipal voltou a aplicar a
mesma fórmula: apostar numa conjuntura futura e se jogar inteiro nesta previsão. A projeção
foi de mudança do perfil político do governo federal, com instabilidade dos parâmetros
macroeconômicos. A Prefeitura se posicionou a futuro em relação ao câmbio e aos juros e, com
isso, obteve em sua gestão financeira um espetacular ganho de, pelo menos, 1 bilhão de reais,
que continuarão, pelo menos em 2003, a abastecer os cofres do Tesouro Municipal. Como estes
ganhos são financeiros e conjunturais, portanto se dão por uma vez, obrigatoriamente devem
ser investidos, sobretudo, em ações que tenham baixo valor de manutenção por vários anos.
Este novo quadro permitiu repor as perdas dos servidores, adotar um padrão anual de
reajuste que há quatro anos não ocorria, voltar aos programas de recuperação e ampliação da
rede e qualificação dos serviços de Educação e Saúde, e retomar os projetos de renovação urbana,
mesmo numa conjuntura insistentemente recessiva e de inflação crescente e volátil.
Além disso tudo, criou mais. E, desta vez, uma novidade: os recursos acumulados
anteriormente e disponíveis numa conjuntura de juros altos e inflação crescente abriram as
portas para o Rio entrar num ciclo de renovação de equipamentos emblemáticos e atração de
eventos internacionais. Os últimos grandes equipamentos, os ícones da cidade, tinham sido
construídos há várias décadas. O Maracanã, há 53 anos atrás; o Cristo Redentor, há 72 anos.
Este é um fato grave, porque as centralidades – cultural, esportiva e de entretenimento dependem destes ícones.
Atualmente, a cidade do Rio de Janeiro se encontra num contrapé conjuntural: os governos
federal, estaduais e a maior parte dos municipais estão imobilizados pela conjuntura, enquanto
a Prefeitura do Rio está em pleno programa de macroinvestimentos de renovação urbana e de
construção de novos equipamentos – ícones – urbanos, que convergem com a identidade de
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cidade global e recuperam suas funções matrizes, como são os casos do Museu Guggenheim, da
Cidade da Música, da Cidade do Samba, do Pavilhão de Tradições Nordestinas e dos
equipamentos esportivos com vistas ao PAN-2007 e, quem sabe, às Olimpíadas de 2012.
Com recursos abundantes, a Prefeitura alavancou um novo empréstimo, agora do BIRD,
num programa de 100 milhões de dólares para Educação Infantil e se prepara para conseguir
autorização para um outro, do JBIC, fundo japonês de meio ambiente, de 18 bilhões de yenes
destinados à recuperação da bacia hidrográfica da Baixada de Jacarepaguá-Barra. A conquista
do PAN-2007 se deveu a esta vitalidade financeira. Como se não bastasse, propõe-se a
municipalizar serviços e equipamentos hoje estaduais, de forma a fazê-los funcionar no padrão
da Prefeitura.
Não há dúvida de que, no Rio, já estamos no início de um novo ciclo ascendente, que
ganhará um impulso notável, tornando-se liderança entre as grandes cidades brasileiras, tão
logo a economia nacional volte a crescer. Se me perguntassem quais entraves o Rio enfrenta,
diria sem hesitar que há dois: a violência/criminalidade por um lado e o saneamento por outro,
já que ele está nas regiões de expansão da cidade. O primeiro é mais complexo e não terá solução
de curto prazo. Mas o segundo depende exclusivamente de vontade política, dado o infinito
volume de recursos, nacional e internacionalmente disponível, desde que sob regime de concessão.
Se o primeiro nó for equacionado, e o segundo resolvido, com a base de multiplicação existente
hoje, o Rio poderá viver, nas próximas décadas, um ciclo longo e sustentado de progresso e
recuperação de suas centralidades.
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