Agália. Revista de Estudos na Cultura
Pedro Caldeira RODRIGUES. O Teatro de Revista e a I República. Ernesto
Rodrigues e A Parceria (1912-1926). Lisboa: Fundação Mário Soares,
2011, 173 páginas, ISBN: 9789728885267.
O livro O Teatro de Revista e a I República. Ernesto Rodrigues e A Parceria
(1912-1926), publicado pela Fundação Mário Soares em Julho de 2011, foi
pré-lançado na República Checa no decurso dos Dias de Cultura dos Países
da Expressão Portuguesa organizados pela Faculdade de Letras da Universidade de Masaryk na cidade de Brno, República Checa.
O seu autor, Pedro Caldeira Rodrigues, jornalista, mestre em História e
bisneto do protagonista da obra, concretizou com a publicação da sua obra uma
promessa pessoal que certamente agradaria ao protagonista da obra, o seu bisavô, Ernesto Rodrigues (1875-1926), que se afirmou como um dos mais importantes comediógrafos da I República. A sua estreia nos palcos, que ocorreu
em 1899, deu início a uma intensa produção teatral, com pelo menos 54 obras
originais, a sós ou em colaboração, e cerca de 30 traduções e adaptações.
O livro publicado é resultado de uma tese de mestrado defendida em
Abril de 2008 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e propõe-se
oferecer ao leitor uma incursão pioneira no mundo do teatro de revista da I
República em Portugal (1910-1926), em especial através do estudo do papel
fulcral desempenhado por A Parceria, liderada por Ernesto Rodrigues e que
integrava também Félix Bermudes (1874-1960) e João Bastos (1883-1957).
As suas obras, traduzidas ou adaptadas, que perfazem cerca de 90 peças, na grande maioria escritas em colaboração e levadas à cena no curto espaço de um quarto de século (1899-1926), são fortemente articuladas com os
factos sociais, políticos e literários que, dentro e fora do país, criaram a sua fisionomia particular. O autor transmite-nos, através da obra deste “triunvirato
dos palcos”, com óbvio pendor republicano, os principais acontecimentos da
época com os diversos aspetos da situação política e social que criaram a fisionomia da mentalidade portuguesa e que marcaram significativamente o quotidiano da cidade de Lisboa e da sua população.
Ao mesmo tempo, transmite-nos as recordações e as memórias do meio
teatral, colocando uma questão que desperta no leitor um particular interesse:
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Recensões
seria A Parceria um simples reprodutor dos valores da “nova ordem” republicana, com as suas deslumbrantes e alegóricas produções revisteiras, ou também arrijava questionar o novo poder, retratando de forma incisiva a situação
do país e funcionando como um fator acrescido de “consciencialização política” para os milhares de espectadores que então afluíam às salas dos teatros.
Parece que este momento é de especial importância na obra.
Para além do trabalho de investigação — que descreve o mundo do teatro na época, as publicações específicas e as polémicas teóricas em torno dos
diversos géneros teatrais —, fazem parte indispensável do livro os depoimentos de investigadores do “mundo do teatro” que o autor recolheu e registou.
São depoimentos de antigos atores, reproduções de coplas, fotografias e caricaturas de Ernesto Rodrigues e colaboradores, folhas de música ou cartazes de
revistas. Suportes decisivos para tentar entender quem eram Ernesto Rodrigues e A Parceria, espectadores privilegiados de um prolongado e turbulento
período da história de Portugal no século XX.
O livro assume importância considerável enquanto riquíssima fonte
histórica de informações sobre as atitudes mentais da sociedade portuguesa
não só da época da I República como também da Primeira Guerra Mundial que vai produzir um profundo impacto no país. O Teatro de Revista, fenómeno de popularidade e entretenimento, não deixou escapar as
vicissitudes de um conflito que ensanguentava a Europa, e enquanto convocava para os palcos um novo género musical temático, o “fado de guerra”. As salas enchiam-se nos sete dias da semana, também em nome do
“soldadinho português”. Neste período conturbado, a “Revista à Portuguesa” reafirmou a sua capacidade única de atualização permanente do repertório, que variava ao sabor da turbulenta evolução da I República, e da
situação internacional.
Na obra está descrita a construção do Teatro de Revista e os números e
quadros isolados ligados através do ‘compère’ e/ou ‘commère’, que comentavam
as cenas e estabeleciam um fio condutor ao longo de toda a peça. O autor
descreve as diferentes etapas da estruturação de uma Revista, desde o momento da abertura instrumental da obra teatral executada por uma orquestra,
passando pelas “comédias faladas”, “canções”, “danças”, “quadros de variedades” e “quadros de rua”, alusivos à realidade lisboeta.
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Tudo acompanhado por um contínuo recurso ao humor e ironia, e
com referências originais à mentalidade portuguesa, mentalidade frágil, provinciana, inserida num país rural e periférico mas orgulhoso do seu império
que o fez envolver na Grande Guerra Europeia. À época, descreve-se um país
de invejas, de mediocridade, de equívocos, de insinuações e de gestos solidários. País de disparidades, de gente simples, pobre, analfabeta. Tudo factos que
se tornaram o tema fulcral das sátiras e paródias, caricaturas e grotescos que
deram origem a uma série de ‘clichés’ de sucesso.
Destaca-se no livro também o primordial papel da música cujos diferentes géneros iam invadindo o Teatro de Revista, desde a música popular,
baseada em repertórios originais, e o fado, que começou a ser introduzido nas
peças revisteiras, operetas e comédias musicais desde finais de 1880, passando
por ritmos afro-brasileiros, espanhóis, latino-americanos, como fandango,
‘passo doble’, samba, rumba’, até chegar ao ‘charleston’, ‘foxtrot’ ou‘one-step’,
que foram também assimilados por este género teatral entre as duas guerras
mundiais.
O autor aponta para o facto de que, excluindo os intervalos históricos
da República Nova sidonista (entre finais de 1917 e finais de 1918) ou o contexto da Primeira Guerra Mundial, o Teatro de Revista viveu o período mais
prolífico da sua existência, com cerca de 300 espetáculos entre 1910 e 1926,
mais de 50 por cento da oferta colocada nos espaços dedicados ao teatro
(principais e secundários) de Lisboa e Porto.
Em conclusão, o livro pode ser recomendado não só aos leitores que se
interessam pela cultura ou pela história de Portugal, mas também desperta
um enorme interesse e atenção para quem se aperceba, durante a sua leitura,
da permanente existência de meios que podem atenuar as dificuldades e os
obstáculos que surgem na vida de uma sociedade, encontrando no livro uma
série de inspirações hiperbólicas, de alusões aos mais diversos aspetos da vida
em Portugal, e que afinal constituem parte indispensável do conhecimento da
idiossincrasia, mentalidade e, enfim, da identidade do povo português.
IVA SVOBODOVA
Universidade de Masaryk, República Checa
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