A Humanização da Soberania dos Estados Membros da
Organização das Nações Unidas
XI Salão de
Iniciação Científica
PUCRS
Deise Fauth Ariotti1
Patrícia Grazziotin Noschang (orientadora)2
Faculdade de Direito, Curso de Direito, Universidade de Passo Fundo
Resumo
O presente trabalho busca analisar a evolução e o desenvolvimento da
humanização da soberania dos Estados signatários da Carta da Organização das Nações
Unidas, ocorrida especialmente após as catástrofes humanitárias do último século, as quais
motivaram mudanças significativas na comunidade internacional em relação à limitação do
poder que os Estados exercem sobre seus nacionais.
Ao longo da história, a soberania estatal sofreu alterações de acordo com as
diversas formas de organização do poder, bem como em conseqüência das conquistas sociais
vivenciadas pelos povos. Juntamente com isso, evoluiu a sociedade, no sentido de adequar o
Estado absolutamente soberano à realidade contemporânea, buscando, especialmente,
concretizar os propósitos da Organização das Nações Unidas (ONU), da qual a grande
maioria faz parte, através de ações coletivas que primam pela defesa e efetivação dos direitos
mínimos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Com base no princípio da segurança coletiva mundial, o qual propõe o respeito
a parâmetros mínimos de convivência entre os Estados e de efetiva proteção aos direitos
humanos (MAZZUOLI, 2007), a ONU tem como propósitos a manutenção da paz e da
segurança internacionais, o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados e a
cooperação internacional para a solução de problemas de caráter humanitário, econômico,
ambiental, social e cultural. (DEL’OLMO, 2008). E, para concretizar esses objetivos, a
Organização baseia-se nos princípios da (a) igualdade soberana dos Estados-membros, (b)
boa-fé no cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelos Estados e (c) solução
pacífica dos conflitos internacionais. (BROWNLIE, 2003).
1
Acadêmica do IX Semestre do Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo.
Mestranda em Direito (Relações Internacionais) CPGD/UFSC, Especialista em Comércio Exterior e Negócios
Internacionais - FGV e Direito Internacional Público, Privado e da Integração - UFRGS. Professora e
pesquisadora da Universidade de Passo Fundo- UPF.
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O princípio da igualdade soberana dos Estados-membros é hoje um dos pilares
da Organização. Com efeito, a soberania e a igualdade dos Estados representam a doutrina
constitucional básica do direito das nações. Entretanto, é importante ressaltar que nem sempre
esse princípio foi assim compreendido, tendo sofrido, no decurso do tempo, significativas
mudanças.
Foi Jean Bodin que, no século XVI, com Os Seis Livros da República,
formulou o conceito de soberania, atribuindo poder absoluto e perpétuo ao Rei, o qual estava
apenas sujeito à lei natural e a mais ninguém. (FERRAJOLI, 2002). Em razão disso, a
popularização do conceito de soberania reforçou a insubordinação do Estado a qualquer outro
poder ou vontade alheia, senão a sua própria vontade independente. Entretanto, essa idéia de
soberania absoluta foi sendo alterada, especialmente em decorrência dos movimentos sociais
ocorridos no curso da história, bem como pela formação de organizações em nível regional ou
mundial, tais como a ONU.
A Carta da ONU prevê, no artigo segundo, a igualdade soberana dos seus
signatários, o que inclui hoje aspectos essenciais como a igualdade jurídica entre os Estadosmembros, o livre exercício pelos Estados dos seus direitos advindos da soberania, o respeito
pela integridade territorial e independência política de cada Estado-membro, o dever de nãointervenção, assim como o respeito às obrigações e deveres internacionais contraídos.
(CHESTERMAN; FRANCK; MALONE; 2005). Dessa forma, a criação da ONU marcou o
surgimento de uma nova ordem jurídica internacional ao instaurar um modelo de conduta nas
relações intergovernamentais, bem como padrões mínimos de proteção dos direitos humanos
fundamentais, previstos no art. 55 da Carta3, os quais ganharam importância nunca vista
anteriormente.
Com efeito, após a propagação dos horrores cometidos durante o holocausto na
Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional, por intermédio da Organização,
preocupou-se em promover e defender a dignidade humana e os direitos mínimos
fundamentais como uma de suas principais missões, haja vista não se tratarem de direitos
protegidos e assegurados unicamente pela jurisdição interna dos Estados, mas de interesse da
comunidade internacional coletivamente. Passou-se a entender, então, que os direitos
3
O art. 55 da Carta da ONU dispõe: “Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às
relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da
autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: (...) (c) o respeito universal e a efetiva observância
dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.”
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humanos só seriam efetivamente respeitados se o ‘direito a ser sujeito de direito internacional’
fosse tutelado pela comunidade internacional, sem qualquer distinção. (PIOVESAN, 2008).
Portanto, a ONU, através da sua Carta, internacionalizou os direitos humanos,
forçando os Estados-membros a respeitá-los e protegê-los, além de estabelecer um padrão
ético de conduta internacional no que diz respeito às pessoas, principalmente em respeito à
dignidade humana, “valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais”,
tornando-se um princípio basilar nos Estados Democráticos de Direito e consagrando-se como
superprincípio a orientar tanto o Direito Internacional quanto o Direito Interno das nações.
(SILVA, 2000).
Ainda, com a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, aceita atualmente como a interpretação autorizada no que diz respeito aos direitos
humanos mencionados no texto da Carta, delineou-se uma ordem jurídica internacional
fundada no respeito aos princípios da liberdade, igualdade e dignidade, 4 consagrando, assim,
valores básicos fundamentais indivisíveis, indisponíveis e inerentes à pessoa. (PIOVESAN,
2008).
Por essa razão, não mais se coaduna com o ordenamento internacional o
entendimento de que a maneira com que o Estado trata seus nacionais é de seu interesse
exclusivo em decorrência de sua soberania, autonomia e liberdade, restando evidente a
evolução da idéia de soberania absoluta data à época de Bodin. Com efeito, ao ingressarem na
ONU, os países têm reconhecido que os direitos humanos mencionados na Carta e
especificados na Declaração Universal5 são de legítima preocupação da comunidade
internacional e, portanto, não mais de sua exclusiva jurisdição interna. (BUERGENTHAL,
1988).
Portanto, pode-se dizer que a soberania estatal foi humanizada, haja vista que
ela não é apenas limitada pelos direitos humanos, mas é por eles determinada e qualificada,
possuindo valor jurídico apenas para garantir a proteção e efetivação desses direitos
mencionados pela Carta da ONU e consagrados pela Declaração Universal dos Direitos
Humanos. (PETERS, 2009). Conseqüentemente, retirou-se a importância do direito estatal
para focar o ordenamento jurídico internacional no direito das pessoas, as quais são a
principal razão de existir do próprio Estado.
4
O art. 1 da Declaração Universal dispõe: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. (...)”
5
O art. 3 da Declaração Universal dispõe: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança
pessoal”. Ainda, o art. 6 prevê: “Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual
proteção da lei”.
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Introdução
O presente trabalho tem como temática a corrente humanização da soberania estatal
dos membros da Organização das Nações Unidas, tendo como motivação geral apresentar
uma nova perspectiva acerca da relação dos Estados com os seus nacionais, diante do dever
do ente público de conhecer, respeitar e proteger os direitos humanos mínimos consagrados
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos dentro do seu território.
Metodologia
Para obter-se o objetivo almejado com o presente trabalho, optou-se por utilizar o
método dedutivo, através de leitura, fichamento e síntese de livros e artigos de juristas
nacionais e estrangeiros especializados no tema abordado, com a finalidade de analisar a
posição majoritária e suas motivações acerca da temática.
Resultados
Os resultados encontrados com o presente trabalho direcionam-se no sentido de que,
especialmente após as tragédias humanitárias ocorridas nas últimas décadas, significativas
mudanças se fizeram necessárias no tocante à percepção da soberania estatal, a qual vem
sendo relativizada. Dessa forma, se tem entendido que as pessoas são a principal razão de
existir do Estado, motivo pelo qual a soberania do ente público limita-se tão-somente a
proteger, conhecer e respeitar os princípios e direitos consagrados na Declaração Universal
dos Direitos do Homem.
Conclusão
Não obstante os avanços alcançados pela comunidade internacional para criar e
tornar efetivo um sistema jurídico que fosse comumente coercitivo, os casos de violação e
opressão cometidos dentro do território de Estados resistentes ao respeito e à proteção dos
direitos humanos, tão-somente fundamentados na alegação de soberania, tornou vítimas
milhares de pessoas inocentes. Dessa forma, não se pode aceitar um retrocesso diante das
conquistas internacionais até o momento arduamente conquistadas, considerando-se todo o
sofrimento humano que se esconde atrás do exercício absolutamente soberano do poder
estatal, motivo pelo qual se conclui que a humanização da soberania estatal será uma
constante nos anos vindouros.
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Referências
BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 6 ed. Oxford: Oxford University
Press, 2003.
BUERGENTHAL, Thomas. International Human Rights. Minnesota: West Publishing,
1988.
CARTA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945. Dsiponível em:
http://www.un.org/en/documents/charter/index.shtml. Acessado em: 20 de Maio de 2010.
CHESTERMAN, Simon; FRANCK, Thomas M.; MALONE David M.. Law and Practice of
the United Nations. Oxford: Oxford University Press, 2005.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948. Disponível em:
http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php. Acessado em 21 de Maio de
2010.
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. 3 ed. Rio de
Janeiro: Editora Forense, 2008.
FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. Trad. COCCIOLI, Carlo; LAURIA,
Fº. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2 ed. rev., atual.
e amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
PETERS, Anne. Humanity as the A and O of Sovereignty. European Journal of
International Law, 2009, Vol. 20, No. 3. Disponível em: www.ejil.org. Acessado em 22 de
Maio de 2010.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9 ed.
rev., amp. e atual.. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
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