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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO
CURSO DE LETRAS
LIA MACHADO DOS SANTOS
A MODERNIDADE NA LÍRICA DE AUGUSTO DOS ANJOS
Ijuí - RS
2013
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LIA MACHADO DOS SANTOS
A MODERNIDADE NA LÍRICA DE AUGUSTO DOS ANJOS
Monografia apresentada ao curso de Letras –
Língua Portuguesa e suas Respectivas
Literaturas da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –
UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do
título de Licenciada em Letras.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo do Amaral
Ijuí - RS
2013
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O que é que, embora livre por
essência, busca sempre libertar-se? (Marcelin Pleynet)
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RESUMO
A partir de uma concepção teórica sobre a lírica moderna, esta monografia visa estudar a
lírica de Augusto dos Anjos, analisando cinco poemas de sua obra quanto a sua formalidade e
modernidade. O suporte teórico vem da teoria de Hugo Friedrich sobre a estrutura da lírica
moderna, em especial a lírica intelectualizada. O poeta brasileiro Augusto dos Anjos recebe
uma breve leitura sobre a possível intertextualidade entre o seu poema “O Morcego” e o
poema de Edgar Allan Poe, “O Corvo”. O eixo principal da monografia é a análise do
conteúdo moderno de suas poesias em uma época que seu aparecimento data entre as últimas
produções do Parnasianismo e Simbolismo.
Palavras-chave: Lírica moderna. Augusto dos Anjos. Edgar Allan Poe.
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ABSTRACT
From a lyrical modern theorizing about, this monograph aims to study the lyric Augusto dos
Anjos, analyzing five poems of his work as a formality and modernity. The theoretical
support comes from Hugo Friedrich theory about the structure of modern lyricism, especially
the lyrical intellectualized. The Brazilian poet Augusto dos Anjos gets a short lecture on the
possible intertextuality between his poem "The Bat" and Edgar Allan Poe's poem "The
Raven." The main axis of the thesis is the analysis of the modern content of their poetry at a
time when its onset between the date of the last productions Parnassianism and Symbolism.
Keywords: Modern Lyric. Augusto dos Anjos. Edgar Allan Poe.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO……………………………………………………................................. 06
1 ASPECTOS DA LÍRICA MODERNA......................................................................... 09
1.1 A POESIA LÍRICA MODERNA..................................................................................09
2 A FORMALIDADE E A MODERNIDADE NA LÍRICA DE AUGUSTO DOS
ANJOS................................................................................................................................ 19
2.1 A FORMALIDADE E A LINGUAGEM POÉTICA.................................................... 19
2.2 A MODERNIDADE NA LÍRICA DE AUGUSTO DOS ANJOS............................... 30
3
EDGAR
ALLAN
POE
E
AUGUSTO
DOS
ANJOS:
RELAÇÕES
INTERTEXTUAIS............................................................................................................ 45
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 55
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................... 58
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INTRODUÇÃO
De maneira geral, o que existe na lírica moderna é expresso de forma dissonante:
o indeterminado, por meio de palavras determinadas; o complicado, por meio de frases
simples; o inconexo, por meio de conexões; o espaço ou a ausência de tempo; o arbitrário, no
conteúdo por meio de formas rigorosas, etc. Por vezes, a poesia moderna parece não ser
destinada a compreensão, mas, ainda assim, é linguagem e a magia desta linguagem age
profundamente, mesmo que a compreensão permaneça desorientada.
Para Friedrich, foi a situação histórica do espírito moderno e sua liberdade
aprisionada que fez do excessivo, em sua poesia, o ímpeto, a liberdade, e ainda compara:
A lírica moderna é como um grande conto de fadas, ainda nunca ouvido, solitário;
em seu jardim há flores, mas também pedras e cores químicas, frutos, e também
drogas perigosas; é fatigante viver em suas noites e em suas temperaturas extremas.
Quem é capaz de ouvir percebe nesta lírica um amor duro, que quer permanecer
intacto e, assim, fala mais a confusão, ou ainda ao vazio, que a nós. (FRIEDRICH,
1978, p. 211).
A incompreensibilidade e a fascinação que encontro na lírica do poeta brasileiro
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos é a mesma tensão dissonante da lírica moderna e
contemporânea.
Mais conhecido na história da literatura brasileira pelo nome de Augusto dos
Anjos (1884-1914), o “filho do carbono e do amoníaco”, nascido no Engenho de Paud’arco,
na Paraíba, poeta inovador e dono de uma poética própria, rompeu com a tradição literária
lançando mão de temáticas transgressoras (a morte, o horror, a putrefação) e o fazendo através
de uma elegância linguística que o legitimaram como grande poeta.
Sua classificação na literatura traz até hoje muitas discussões. Alguns o
consideram parnasiano; outros, simbolistas, e alguns estudiosos o classificam como um prémodernista. Para Ferreira Gullar (2011), a leitura cronológica da poesia brasileira das últimas
décadas do século passado até a primeira deste século permite constatar, quando se chega ao
EU, um salto de qualidade.
Nesta perspectiva, o presente trabalho tem por objetivo investigar, analisar e
identificar a modernidade na lírica de Augusto dos Anjos em sua obra EU e outras poesias,
publicada em 1899. Esta análise irá nortear-se, especificamente, pela teoria de Hugo Friedrich
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(1978) em seu estudo Estrutura da lírica moderna com auxílio de outros autores, como Salete
de Almeida Cara, Salvatore D’Onofrio e Ferreira Gullar.
O presente trabalho está dividido em três capítulos: no primeiro capítulo trato do
conceito da lírica moderna através de autores como Salete de Almeida Cara e Salvatore
D’Onofrio. Também serão citadas e analisadas as seis características mais comuns
encontradas em alguns poetas modernos e que identificam a lírica moderna como uma
unidade estilística, segundo os estudos de Hugo Friedrich, Estrutura da lírica moderna:
problemas atuais e suas fontes.
No segundo capítulo, analiso a lírica de Augusto dos Anjos. No primeiro texto,
apresento o poeta ao leitor. Cinco sonetos são citados para que, através deles, possamos
analisar a formalidade em sua lírica, a estrutura interna e externa que o identificam como um
poeta formal influenciado pelo parnasianismo e simbolismo.
O segundo texto A modernidade na lírica de Augusto dos Anjos, trata-se de uma
análise interpretativa da poética de Augusto dos Anjos. Utilizo os mesmos poemas analisados
anteriormente para identificar os elementos da lírica moderna – os mesmos elementos
utilizados por poetas modernos como Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud e Poe - dialogando com
a teoria de Hugo Friedrich, principalmente, da lírica intelectualizada.
No terceiro e último capítulo mostro alguns aspectos da intertextualidade presente
na poesia “O Morcego”, de Augusto dos Anjos e “O Corvo”, de Edgar Allan Poe (18091849), mesmo que não plenamente desenvolvidos, já que isto se abre para outro trabalho que
possivelmente será desenvolvido em outro trabalho posterior.
Nas considerações finais, apresento uma análise crítica acerca de todo o trabalho
de pesquisa realizado na tentativa de identificar elementos modernos na lírica do poeta
brasileiro e, também, possíveis caminhos acerca de um trabalho que não considero como
acabado. Seguimos, então, para o primeiro capítulo de nossa pesquisa, que tratará de situar o
leitor sobre o que é a lírica moderna, além de prepará-lo para os capítulos seguintes.
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1 ASPECTOS DA LÍRICA MODERNA
1.1 A POESIA LÍRICA MODERNA
A tensão dissonante existente na lírica moderna é objeto de estudos que
compreendem a lírica moderna, não mais como uma intimidade comunicativa entre poesia e
leitor, mas como uma experiência desconcertante.
Salete de Almeida Cara, professora Doutora do Ensino Superior em São Paulo e
crítica literária, em sua obra intitulada A poesia lírica (1985), recupera o percurso histórico do
lirismo e faz uma importante reflexão crítica sobre seus momentos fundamentais, inclusive a
Modernidade.
Almeida Cara (1985, p.41) destaca que, como no nascimento da lírica, na Grécia
Antiga, cidade regida pelos critérios do utilitarismo e pelo avanço da ciência, da indústria e da
tecnologia, conduziu o poeta a uma nova visão da sociedade e, consequentemente, a maneira
como ele se relaciona com o mundo objetivo. A onipotência de um sujeito heróico não cabe
mais a cidade das multidões e é substituída pela subjetividade do sujeito lírico.
Na Grécia Antiga, a vida da “pólis”, a vida em comunidade era marcada pela
coesão de ideias e crenças, e esta unidade foi expressa, pela primeira vez, na forma da poesia
épica. Homero (século VI a.C.) foi seu principal representante, encarnando todos os valores
do homem grego e da vida comunitária.
Quanto mais a vida na cidade ficava submetida às leis da pólis, mais crescia a
necessidade de uma expressão individual; e assim nasceu a poesia lírica. A necessidade de
expressão e de ruptura com a cidade mecanizada fez surgir, por sua vez, a lírica moderna.
É o novo papel do sujeito lírico, que diante da cidade moderna aperfeiçoa sua
importância na sociedade tecnológica caracterizada pelo seu “novo olhar” insubstituível e, ao
mesmo tempo, impotente no sentido de dar significado definitivo sobre o que fala ou mesmo
em dominar o próprio instrumento que usa.
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A poesia, como “expressão do eu”, acreditada pelo poeta romântico, dá lugar a um
poeta que se vê projetado no mundo exterior; um poeta moderno que tem a consciência de que
qualquer recorte do mundo será apenas linguagem, uma tradução parcial.
Conforme Cara (1985, p.47), o sujeito lírico moderno explicitado e conhecido
como “eu” não se refere à pessoa que escreve o poema ou outra pessoa qualquer e não ilude a
nenhum conjunto de emoções reais. Para a autora, é neste sentido que Fernando Pessoa
escreve o que segue tematizando sobre a nova função da poesia:
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me...
(Fernando Pessoa)
É também nesse sentido que Mallarmé dizia que a voz que fala na lírica moderna
“oculta tanto o poeta quanto o leitor” (MALLARMÉ, 1978, apud FRIEDRICH, p.47). Já não
existe a possibilidade de procurar no poeta dados que permitam uma explicação para o texto
como era permitido nos românticos e até mesmo em Baudelaire. O poema “Isto”, do poeta
português Fernando Pessoa, já seria um exemplo desse sentido:
Isto
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é. Sentir?
Sinta quem lê!
Fernando Pessoa
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Passa a ser evidente, na lírica moderna, que o sujeito lírico não pode ser
confundido com o poeta em carne e osso. Ele existe através das escolhas sensíveis de
linguagem que o poema apresenta: o ritmo, o som, a tonalidade, a sintaxe. Ele é o elemento
que une todas estas escolhas de linguagem e transforma o poeta real em sujeito lírico. Ele é a
própria poesia.
Mesmo em textos de poetas como Augusto dos Anjos, em que a biografia do autor
pode ajudar para a compreensão de sua obra, nem no espaço do “eu” que se fala no poema - a
subjetividade - não se detém apenas ao poeta que escreve. Para Salete de Almeida Cara
(1985) é nesse cenário que o sujeito lírico moderno “a partir do Simbolismo, toma consciência
de que o espaço da poesia não é nem o espaço da realidade (a objetividade será impossível),
portanto, nem o espaço do “eu” (a dita subjetividade será encarada também como ilusória)”
(p.48).
Salvatore D’Onofrio, escritor e professor italiano, Doutor em Letras pela
Universidade de São Paulo, também estudioso da lírica contemporânea e modernista,
identifica a lírica como elementos de uma unidade estilística que tem raízes na lírica
simbolista. São considerados precursores do lirismo vanguardista poetas como o préromântico Novalis, o norte-americano Edgar Allan Poe, o romântico Baudelaire e os quatro
maiores poetas do simbolismo francês, Mallarmé, Verlaine, Rimbaud e Valéry.
Em Literatura Ocidental: autores e obras fundamentais (1990), D’Onofrio, utiliza
como pressuposto a teoria de Hugo Friedrich, em sua obra Estrutura da Lírica Moderna
problemas atuais e suas fontes (1978), para distinguir as duas polaridades no complexo
poético do século XX. Para Friedrich, esta polaridade se expressa através de duas unidades
estilísticas, a lírica intelectualizada e a lírica formalmente livre.
A lírica intelectualizada é caracterizada pelo seu rigor formal, iniciada por
Mallarmé e continuada por Valéry, pela qual a poesia deve ser a festa do intelecto. Já a lírica
formalmente livre e alógica, iniciada por Rimbaud, é elevada às últimas consequências pelo
poeta surrealista Andre Breton, pela qual a poesia deve ser a ruína do intelecto.
O autor ressalta ainda que essa polaridade de forças cerebrais e forças arcaicas não
devem ser entendidas no sentido exclusivista, de contraste, mas como indicação apenas de
predominância de uma tendência sobre a outra num determinado poeta.
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Antes de fazer um estudo individual de alguns poetas, Salvatore D’Onofrio
estabelece em seu estudo características comuns, princípios estéticos e ideológicos
semelhantes que permitam, sem prejuízo das individualidades poéticas que caracterizam
certos poetas do século, a percepção de linhas similares especificadoras do lirismo modernista
e contemporâneo, nas quais o autor permite concordar com a tese de Friedrich sobre a
existência de uma estrutura estilística no hodierno lirismo.
O autor cita seis das características comuns em alguns poetas modernos e que
identificam a lírica moderna como uma unidade estilística. São elas: o Antipassadismo, a
Sugestão, a Despersonalização, a Fragmentação, o Figurativismo e o Grotesco.
O Antipassadismo talvez seja a característica mais comum a todos os artistas da
Vanguarda. Foram as duas Guerras Mundiais, de 1915-1918 e de 1939-1944, que, além de ter
abalado o Ocidente, levaram os intelectuais a questionar a validade da cultura: “Por que a
civilização traz em seu bojo o ódio, a injustiça, a opressão, o genocídio?” (p.450) Essa crise
da humanidade provocada pelos horrores do entre – guerras ocasionaram a ruptura da tradição
cultural, da poesia romântica e, com isso, o desejo de criar uma nova estética.
A insurreição contra tudo que é passado e a repulsa da herança cristã e romântica,
degradaram mitos gregos e bíblicos. Os símbolos coletivos foram substituídos por símbolos
individuais de cada artista, sem a pretensão de ser interpretada. Qualquer alusão da tradição
cultural era feita ao acaso, sem nenhuma perspectiva histórica, destruindo seus limites
espaciais e temporais.
O que Friedrich chama de sugestão tem origem na função poética da linguagem
humana que desde sempre procurou romper os automatismos linguísticos para dar novos
sentidos às palavras, e chega ao ponto máximo na lírica modernista da não-comunicação. A
sugestão deve ser provocada no leitor através das próprias possibilidades internas da
linguagem-ritmo, sonoridade, imagens e associações criativas - sem nenhuma pretensão de
comunicar, de ser compreendida.
A imagem poética passa a ser dinâmica e tem o objetivo de agredir o leitor com
seus versos indizíveis do prazer de não ser compreendido e, até mesmo, desagradar. Já
Baudelaire escreveu: “Existe certa glória em não ser compreendido”. (BAUDELAIRE, 1978,
apud FRIEDRICH, p.16).
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A poesia para D’Onofrio (1990), deixa de ser aquela que transmite, ao leitor,
sentimentos idealizados da natureza cósmica e humana, pois se alimenta do sentido de um
mundo de cultura e abandona de vez as angústias do isolamento espiritual do poeta romântico.
A “sugestão mágica” vem para este autor como resposta da arte para a sociedade pragmática
que se transforma cada vez mais tecnicamente e que cientificamente tem a pretensão de
desvendar o mistério do universo. (p.451).
O hermetismo e o caráter alógico da moderna concepção de arte também partem
deste pressuposto. O poeta trabalha com símbolos autárquicos, explorando conteúdos
sonambúlicos e alucinantes, indiferentes ao código ideológico. (p.451).
Segundo Friedrich, foi a sociedade automatizada que reduziu o ser humano a
meros números, sendo o homem uma estatística das multidões; e a crise do conceito de
personalidade não demorou a atingir o mundo das artes.
A despersonalização vem opor-se diretamente à poesia romântica, totalmente
centrada sobre o sentimento individual. Na lírica modernista a experiência é vivida por um
“ego” que chega a uma neutralidade acima do pessoal. A fantasia intelectualiza-se pela ficção
científica. O herói passa a ser dirigido através da computação, da estatística, da cibernética, da
automatização. Tal despersonalização chega à desumanização: “o sofrimento de um homem
não é para nós mais interessante que o sofrimento de uma lâmpada atingida pelo curtocircuito”. (MARINETTI, 1909, apud D’ONOFRIO)
A desvalorização da forma orgânica, que em uma inversão hierárquica desloca o
homem para o degrau mais baixo fazendo-o parecer menos possível com um homem e a
anulação do sentido humano, possibilita novos olhares e outra dimensão ao significado de um
objeto artístico. Seu valor lírico se encontra no próprio objeto, enquanto desfigurado da
realidade.
Também é um dos intuitos da arte moderna apresentar pedaços, fragmentos da
vida e não a sua totalidade. Para Cara (1985, p.49) a linguagem alegórica e fragmentada é o
modo que o poeta encontra para dialogar com a tradição.
Já dizia Rimbaud sobre a arte pictória:
Temos de arrancar a pintura seu hábito antigo de copiar, para fazê-la soberana. Em
vez de reproduzir os objetos, ela deve forçar excitações mediante as linhas, as cores
e os contornos colhidos no mundo exterior, porém, simplificados e dominados: uma
verdadeira magia. (RIMBAUD, 1990, apud D’ONOFRIO, p.452).
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Assim também é na poesia. O leitor não deve prematuramente concluir sua
interpretação através de intuitos decifráveis, mas, sim, alcançar ele mesmo o enigmático
através das linhas, imagens, metáforas, ritmo, “das escolhas de linguagem que o poeta
apresenta”. (CARA, 1985, p.48)
Segundo o autor, outro termo semelhante à fragmentação já usado antes por
Baudelaire foi a “decomposição” do real, onde a fantasia teria a função de deformar os
objetos, juntar pedaços heterogêneos como, por exemplo, o mar nas montanhas, superando o
que pode ser facilmente apreendido pelos sentidos.
Curiosamente, enquanto a pintura moderna, ao longo de uma extensa caminhada
tenta passar pelo Cubismo e Surrealismo, uma idéia de abolição da figura, delegando a função
de representação à arte fotográfica e a poesia, inversamente penetra no campo do desenho
artístico para aproximar-se da configuração. A partir daqui, o estrato gráfico e óptico do
poema passa a ter mais relevância. Palavras, sílabas e grafemas só adquirem sentido num
contexto topográfico.
A poesia, segundo a tendência da Vanguarda, tem outra aparência. Nela não
encontramos mais seu significado na frase ou no verso, mas nas sílabas cruzadas, nos
anagramas, nas letras maiúsculas em contraste com as minúsculas onde até mesmo o espaço
em branco pode ser indicador de sentido, tanto com relação a sua forma, como relação ao
espaço que, artisticamente, possam estar dispostos numa página, de forma a serem lidos de
ângulos e formas diferentes. É a concepção de poesia apenas como “forma”, criada pelo
prazer estático, da arte pela arte, que chega a seu limite extremo.
A estética do feio também tem importante papel na constituição da poesia
modernista e contemporânea, já proposta pelo Romantismo. Ela vem contestar a função
opositiva do desarmônico oferecendo novos materiais altamente estimulantes à criação
artística literária:
Belo e feio, já não são valores opostos, mas digressões de estímulos. Sua diferença
objetiva é eliminada como a diferença entre verdadeiro e falso. A estreita
aproximação do belo e do feio produz aquela dinâmica de contraste, que é o que
importa. (FRIEDRICH, 1978, P. 77)
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Não faz mais sentido procurar manifestações de sentimentos tradicionalmente
opostos na lírica moderna, tendo em vista que elas oscilam entre si e têm valor autônomo
diante da poesia, constituindo novos padrões estéticos.
A concepção clássica da beleza é questionada, “a atrofia do espírito” e a opressão
do real fazem o poeta procurar no absurdo existencial elementos poéticos para que, servindose do humor negro, o poeta moderno conjugue o sofrimento com riso, o amor com a morte, o
idílico com o repugnante. (D’ONOFRIO, 1990, p.453).
Além dos princípios estéticos e das características mais comuns que evidenciam
uma unidade estilística na lírica modernista e contemporânea, Salvatore D’Onofrio, expondo a
teoria de Hugo Friedrich (1978), em História da Literatura Ocidental (1990), também elenca
uma série de artifícios encontrados na poética vanguardista e que são usados no plano da
expressão.
“A metáfora absoluta”: o tropo estabelece, entre dois termos não apenas uma relação
de comparação, mas de identidade; “imagens incoerentes”. O poema não apresenta
momentos ideológicos sequenciais, podendo-se inverter versos ou estrofes inteiras
predominando a arbitrariedade; “a técnica da fusão” o sentido de uma palavra se
funde com o significado de uma palavra próxima [...] o uso do “acaso” para captar
pedaços de uma conversação desconexa; “as formas oximóricas”: aproximação do
mesmo sintagma de objetos semanticamente opostos; a alteração das funções
normais das categorias gramaticais e sintáticas: substantivos sem artigos, artigo
definido em lugar de indefinido, adjetivação paradoxal, inversões, etc.
(D’ONOFRIO,1990, p.453, grifo do autor)
D’Onofrio ainda faz um breve estudo sobre os poetas mais importantes da
modernidade, tendo para ele como o precursor Thomas Stearns Eliot (1882-1965), o maior de
todos. Poeta controvertido, Eliot foi marcado pelo saudosismo e pela inovação da poética
contemporânea, lhe cunhou o termo “eliotizar” para indicar assimilação de culturas diferentes.
Sua obra literária, além de dois dramas é composta exclusivamente de poemas. Cara (1985)
cita poetas como Edgar Allan Poe, Baudelaire, Stéphane Mallarmé e Válery como
importantes poetas para o estudo do lirismo moderno e do sujeito lírico moderno.
No Brasil, a tendência estética vanguardista herdou muitos poetas no movimento
da renovação cultural, tais como: Cassiano Ricardo, Raul Bopp, Menotti Del Picchia e Sérgio
Milliet. Porém, os dois pesquisadores, tanto D’onofrio, como Cara, salientam a importância
de dois grandes poetas líricos: Mário de Andrade e Manuel Bandeira, cuja fama ultrapassou
os limites do tempo e do espaço.
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Para D’Onofrio (1990, p.458-460), a maior contribuição de Mário de Andrade
(1909-1945) à poesia modernista brasileira foram suas pesquisas sobre folclore e música. Já
Manuel Bandeira (1886-1968) foi destacado pelo poema “Vou-me embora pra Pasárgada”,
nome extraído da Ciropédia, do historiador grego Xenofonte, para materializar um espaço
utópico onde o poeta pudesse realizar os desejos mais ocultos de sua alma:
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
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Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do reiTerei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Passárgada.
O poema de Manuel Bandeira, exemplo da temática do desconcerto da vida
prosaica, traz uma subversão dos valores éticos impostos pelas normas do viver social. É um
poema de libertinagem que traz a poética aos prostíbulos e prazeres carnais, uma postura
ideológica marcadamente contestatória.
Houve também uma segunda geração de poetas brasileiros modernistas, datada de
1945 à 1960. São eles: Murilo Mendes, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schimdt, Vinícius
de Moraes, Cecília Meireles, João Cabral de Mello Neto, Ferreira Gullar e Mário Faustino.
Alguns destes produzem até hoje, mas o “poeta maior”, conforme o autor, comparado até
mesmo a Machado de Assis foi Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e sua produção
do gênero literário passa por diferentes linhas poéticas. Primeiramente, a poesia saudosista da
família e da terra natal; a poesia intimista, em que sua fina inteligência leva-o a uma
percepção da realidade mais subjetiva, afastando-se da opinião geral; a poesia política de
participação social, que se encontra especialmente na coletânea Rosa do povo; a poesia
metafísica, de reflexão, que inclina o autor a um existencialismo niilista e, em sua última fase,
dos poemas escritos entre 1959 e 1962; o poema-objeto, onde o estilo sintético reduz a
linguagem poética a um puro nominalismo com a intenção de representar, através da poesia, a
coisificação do ser humano. Tomo a exemplo a primeira estrofe do poema “Isso é
aquilo”.(p.454).
Isso é aquilo
O FÁCIL, o fóssil
o míssil, o físsil
a arte, o enfarte
o ocre, o canopo
a urna, o farniente
a Lex, o judex
o maiô, o avô
o só, o sambaqui
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No poema à moda do futurista Marinetti, os substantivos estão privados de
qualquer adjetivação, justapostos, sem nenhum nexo sintático ou semântico e a relação é
estabelecida apenas por elementos fônicos.
A renovação na poesia moderna registrada, tanto nos estudos de Salvatore
D’Onofrio, quanto em Salete de Almeida Cara, ecoam, sem sombra de dúvidas, numa
concepção de poesia como transgressão da lógica. Quanto ao sujeito lírico é mais claramente
do que as anteriores, “continente de todas as dispersões possíveis do “eu” e da “alma”, em
direção ao mundo do desejo e da utopia”. (CARA, 1985, p. 49, grifo do autor) Seguramente é
nesse sentido que a poesia pode ser vista como espaço de liberdade e até mesmo de loucura.
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2 A FORMALIDADE E A MODERNIDADE NA LÍRICA DE AUGUSTO
DOS ANJOS
2.1 A FORMALIDADE E A LINGUAGEM POÉTICA
Como introdução ao estudo de Augusto dos Anjos é oportuno analisar, antes de
qualquer coisa, a formalidade desta lírica. Cinco poemas de sua obra literária serão analisados
quanto à estrutura interna, externa e linguagem poética.
O poema a seguir foi publicado originalmente na coluna de O Comércio foi
retirada do livro Poesia e Vida, de Augusto dos Anjos (1978), de Raimundo Magalhães Junior.
Poema I:
Vozes de um túmulo
1. Morri! E a Terra - a mãe comum - o brilho
2. Destes meus olhos apagou!... Assim
3. Tântalo, aos reais convivas, num festim,
4. Serviu as carnes do seu próprio filho!
5. Por que para este cemitério vim?!
6. Por quê?! Antes da vida o alegre trilho
7. Palmilhasse, do que este que palmilho
8. E que me assombra, porque não tem fim!
9. Na arquitetura do meu sonho ardente
10.Construí de orgulho um pedestal ingente!...
11. Hoje, porém, que se desmoronou
12 .A pirâmide real do meu orgulho,
13 .Hoje que apenas sou matéria e entulho
14 .Tenho consciência de que nada sou!
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Em sua obra Magalhães apresenta algumas influências de Cruz e Sousa na poesia
de Augusto:
Nos tercetos de um soneto de Cruz e Sousa, intitulado “Piedade”, Augusto dos
Anjos encontrou no plural uma das rimas que usou, no singular, em seu soneto:
“Sim! Que não ter um coração profundo/ e os olhos fechar a dor do mundo/ficar
inútil nos amargos trilhos [...]. Ao se valer dessa rima, Augusto dos Anjos adjetivou
o “trilho” com uma palavra oposta à que Cruz e Sousa escolhera: “alegre”, em vez
de “amargos”. Tal oposição parece evidenciar o desejo de afastar-se do modelo
[...]Mas verificando, mais tarde, haver contradição entre a palavra escolhida e o
espírito do soneto, trocou o adjetivo para “augusto”, como se lê no EU. (JÚNIOR;
MAGALHÃES,1978, p. 113)
Trata-se de um soneto, portanto, composto por quatorze versos, dois quartetos e
dois tercetos. Os versos, quanto à rima, são consoantes e perfeitas quanto aos fonemas, no
final dos versos 1, 4, 6, 7 [brilho\filho\ trilho\palmilho]; nos versos 2, 3, 5 e 8 o fonema
“im”[assim\festim\vim\fim]; nos dois tercetos, as rimas também são consoantes perfeitas, no
final dos versos 9 e 10, as rimas [ardente\ ingente], versos 12 e 13 [orgulho\entulho], e nos
versos 11 e 14 [desmoronou\sou].
Nos dois quartetos o esquema de rimas é entrelaçado ABBA. Nos dois tercetos,
segue o esquema CCD e EED.
Na estrutura interna do poema, nos dois quartetos, há aliteração dos fonemas “m”e
“s” e nos tercetos dos fonemas “t” e “r”. Em todo o poema existe a assonância da letra “e’
produzindo um efeito de rima nos versos finais com os fonemas vocálicos “o” “e”.
O título “Vozes de um túmulo” traz a personificação de um objeto inanimado
dando voz a um túmulo; ele não reproduz uma fantasia artística, e, sim, forma a própria
realidade, ex: um sujeito, já no primeiro verso, que está morto, “Morri! E a Terra a mãe
comum". Não se sabe quem é este sujeito que fala depois de morto porque existe uma
separação entre o sujeito poético e o eu empírico.
A terra, grafada em letra maiúscula, no primeiro verso, surge como mãe comum,
uma unidade superior ao ser humano. O pronome “destes” também grafado com inicial
maiúscula, no segundo verso, dá ênfase aos olhos que tiveram o brilho apagado pela própria
mãe, seguidos de reticências, sugerindo, aí, um período de lamento e de luto. Um luto não
somente às carnes que foram servidas como banquete, mas da própria condição humana de ser
devorada pela natureza, a mãe comum.
20
Este sujeito é desumanizado, aparecendo no poema como estrangeiro, colocando
distintas partes do corpo em desproporção com a imaginação tradicional. Elas são descritas
com expressões anatômicas que as deixam materializadas.
O início do primeiro verso, causa, inicialmente, uma sensação de melancolia e
escuridão; uma ação a morte, “Morri!”, após uma pausa, no final do verso, ele traz o “brilho”,
talvez uma esperança, uma iluminação que logo no segundo verso ligeiramente é apagada!
Então, no terceiro verso, ele usa palavras que lembram a luz, o brilho: “tântalo, aos reais
convivas, num festim”. O tântalo, um metal pesado de transição extremamente resistente e
brilhoso, reais convivas num festim, remetendo a uma refeição lauta e festiva. O brilho da
festa que logo se apaga com a indignação de ser servido pela própria mãe porque refere-se
Augusto, à Terra como mãe comum, a mãe que seria capaz de servir seu próprio filho num
banquete? Versos repletos de contrariedade.
O eu lírico demonstra toda sua ira a mãe que lhe gerou e que no fim lhe serviu as
próprias carnes. “É o processo interminável da natureza a gerar e destruir o que gerou. Essa
madrasta que avara esconde o sentido da existência e tudo reduz a “uma teleologia sem
princípios”. (GULLAR, 2011, p.18, grifo do autor).
A repetição do “Por que”, no sexto verso, isolado, traz consigo, além do
inconformismo da morte, um lamento sobre sua eternidade. A repetição e a recorrência de
iniciais maiúsculas trazem, ao poema, uma explosão de fúria e musicalidade.
Nos dois tercetos pode-se notar que o sujeito do lado de fora do espaço,
relembrando seus sonhos,construiu uma pirâmide, uma imagem ilusória de superioridade do
ser humano. A metáfora dessa construção que tem como ápice um pedestal de grande
proporção a simbologia do conhecimento, se defronta com a metáfora da destruição, da
consciência do real de ser matéria e ser nada que desmorona e vira apenas entulho.
A grande angústia da morte e da vida é indagada, bem como o caminho que
perpassa esse corpo. As imagens são construídas com luminosidade e positivismo, e, logo,
desconstruídas rapidamente e negativamente: “Hoje que, apenas sou matéria e entulho, tenho
consciência de que nada sou”. O tudo é nada.
O poema que analiso a seguir, Eterna Mágoa é um dos poucos poemas datados de
toda a produção poética de Augusto dos Anjos.
21
Poema II
Eterna Mágoa
1.
2.
3.
4.
O homem por quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
5.
6.
7.
8.
Não crê em nada, pois nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.
9. Sabe que sofre, mas o que não sabe
10. É que essa mágoa infinda assim, não cabe
11. Na sua vida, é que essa mágoa infinda
12. Transpõe a vida do seu corpo inerme
13. E quando esse homem se transforma em verme
14. É essa mágoa que o acompanha ainda!
Pau d’Arco-1904.
O soneto “Eterna Mágoa” retirado do livro EU e outras poesias, é composto por
rimas perfeitas nos finais dos versos 1, 4, 5 e 8, com os fonemas [praga\apaga\ traga\chaga];
nos versos 2, 3, 6 e 7 [triste\existe\assiste\resiste]; nos versos 9 e 10 [sabe\ cabe]; versos 11 e
14 [infinda\ainda] e nos versos 12 e 13 com os fonemas [inerme\verme].
Nos dois quartetos, o esquema de rimas é entrelaçado ABBA. Nos dois tercetos,
segue o esquema CCD e EED.
No primeiro quarteto há aliteração de “t” e “p”; no segundo quarteto há aliteração
nasal que acontece também nos dois tercetos. No primeiro terceto encontra-se também
assonância de “a” e “e”, também a repetição de pronomes que acompanham os versos é
evidente: “É que essa mágoa infinda assim, não cabe/ Na sua vida, é que essa mágoa infinda/
Transpõe a vida do seu corpo inerme/ e quando esse homem se transforma em verme/É essa
mágoa que o acompanha ainda”.
Há duas coisas a serem analisadas quanto à estrutura interna do poema. A
percepção do eco, por meio à repetição de palavras e a ligação do título “eterna mágoa”, com
22
o corpo do poema. É clara a construção do poema pela reiteração de palavras em todos os
versos, muitas vezes, de palavras iguais [homem\homem, nada\nada, sabe\sabe, vida\vida],
outras de palavras derivadas [triste\tristeza, resistir\resiste, transpõe\transforma] e, até mesmo,
de orações inteiras [é que esta mágoa infinda\ é que esta mágoa infinda]. Esse ritmo assim
como toda a sonoridade do poema, é contido e sereno, apesar do conteúdo bastante penoso.
Também é evidente a relação do título “eterna mágoa”, que traz a acepção de ser
permanente com o próprio sentido da palavra mágoa, que se repete no poema em todas as
estrofes, remoendo o sentimento de uma mágoa. Deixa então de ser efêmera, passando a ser
permanente. Uma mágoa eterna, que nos aprisiona em versos, construindo labirintos ainda
mais dolorosos porque recuam e ecoam com a ajuda dos pronomes, constantemente,
expressando à visão de mundo do poema que é a da circularidade.
Deve-se perceber, ainda, que o tempo representado pelos “séculos”, no terceiro
verso e de todos os verbos que indicam uma ação, fazem existir uma quase ausência de
progressão do tempo, dado o efeito da circularidade oferecido ao próprio leitor, numa
sensação de aprisionamento e agonia, fazendo, de fato, a contundência que já o título do
poema sugere.
O primeiro quarteto nos apresenta o homem, que por sobre uma praga sente toda a
tristeza do Mundo, grafado no poema com letra maiúscula. Aumenta ainda mais a dimensão
desta tristeza que de tão grande perdura todos os séculos “e nunca mais o seu pesar se
apaga”, aprofundando mais a permanência deste pesar, que não se compara ao fogo, que se
apaga por ser efêmero, nem apaga da lembrança por ser destituída com a morte.
No segundo quarteto este homem é mencionado trazendo a tentativa da resistência
logo abatida pela força da descrença, tamanha a descrença comparada à rapidez com que os
vermes comem esta ferida da dor e a fazem crescer.
Nos dois tercetos a mágoa vem de forma profunda remoer o sentido da eternidade
por não caber dentro de uma vida e muito menos dentro de um corpo. Ela o acompanha, até
mesmo nos vermes que seu corpo irá se alimentar. De tal forma, percebemos a ligação dos
versos e o sentimento do pesar em todas as estrofes. Um homem descrente do tamanho de sua
dor; ele crê apenas na condição humana de ser verme que não transcende em sua condição
existencial.
23
Esses versos sugerem que o eu lírico cultua esta dor com certa volúpia, sendo
inerente ao ser humano, aos prazeres efêmeros. Essa dor não passa e quanto mais tenta fugir,
mais se aproxima e aumenta esta chaga.
O poema a seguir é um dos sonetos mais conhecidos da obra de Augusto dos
Anjos, tornou-se famoso pela sua atmosfera grotesca e sobrenatural.
Poema III
O Morcego
1.
2.
3.
4.
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo escaldante molho.
5.
6.
7.
8.
“Vou mandar levantar outra parede...”
-Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
9. Pego de um pau. Esforços faço. Chego
10. A tocá-lo. Minh’alma se concentra
11. Que ventre produziu tão feio parto?!
12. A Consciência Humana é este morcego!
13. Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
14. Imperceptivelmente em nosso quarto!
O soneto “O Morcego”, também retirado do livro EU e Outras Poesias é
composto por rimas perfeitas nos finais dos versos 1, 4, 6 e 7 com os fonemas
[repolho\molho\ ferrolho\olho]; nos versos 2, 3, 5 e 8 [vede\sede\parede\rede]; nos versos 9 e
12 [chego\morcego]; versos 10 e 13 [concentra\entra] e nos versos 11 e 14 com os fonemas
[parto\quarto].
Com cinco rimas, inverte as abraçadas no segundo quarteto (ABBA BAAB); nos
tercetos, segue o esquema CDE.
No primeiro quarteto há aliteração de “m” e “r’; no segundo quarteto de “r” que se
repete nos dois tercetos, e assonância de “e” e “o”. Também há consonâncias internas de “s” e
“c” nos versos 2 e 10, e consonâncias de “c” e “f” nos versos 6 e 9.
24
O poema acontece dentro de um ambiente, o quarto, e sequencia os fatos de forma
linear. As exclamações e assonâncias expressam constante aflição e desespero, ao mesmo
tempo em que o eu lírico não se movimenta do espaço físico “quarto” gerando certa
aproximação com a sonoridade do poema, que apesar de obscuro e tenso, se mantém estático.
A grande metáfora do poema compara o morcego, um ser de aparência
amedrontadora, que habita lugares úmidos e escuros, com a consciência humana. O morcego
é capaz de transmitir ao homem a raiva através de sua mordida, ao mesmo tempo em que a
consciência pode transmitir ao homem sentimentos negativos.
Tal fato acontece já no primeiro quarteto, quando o sujeito encontra-se em
repouso no seu quarto, à meia-noite, quando é surpreendido por um morcego que lhe morde a
garganta, ou, a consciência que lhe atinge o pensamento. No segundo verso, com uma
exclamação indicando o susto, ele clama “Deus!” como se algo sobrenatural pudesse o salvar
daquela situação “e, agora vede:”, como se esse Deus onipotente pudesse impedir o ataque
desse vampiro.
Num momento de consciência, pensa: “vou mandar levantar outra parede...”. As
reticências indicam um tempo que passa e este homem mordido, perde sangue e enfraquece,
completando: “ergo-me a tremer”, fecha o ferrolho da porta para proteger-se, mas, ao olhar no
teto, o bicho continuava ali, circulando na rede de descanso.
No primeiro terceto, já enfraquecido, esse homem pega um pau na tentativa de
matá-lo; é tamanho o esforço que chega a tocá-lo, então, surge a dúvida, a origem deste
monstro parido de um ventre.
Este ventre é desvendado e aterroriza o homem a descobrir a feiúra da própria
consciência. O ceticismo presente ao generalizar esta consciência comparando a obscuridade
deste monstro raivoso com toda “a Consciência Humana” revela novamente a impossibilidade
de fugir do próprio pensamento, onde, ao fugir do morcego, constrói-se outra parede. É seu
destino traçado na inevitável necessidade de repouso de um ser finito. Esta ideia de
aprisionamento e circularidade se confirma com a repetição do substantivo “quarto”, local
onde toda a trama do eu lírico se passa e repete-se duas vezes, no primeiro e no último verso.
O morcego, apesar de não ser citado em todas as estrofes no discurso direto como
nos versos dois “E este morcego!” e doze “A Consciência humana é este morcego!” ele é
acusado como sujeito nos versos sete “E vejo-o ainda.” e dez “Chego a tocá-lo.” É a
25
consciência negra e feroz presente em todo o poema, causando o desespero do homem que
encontra, na morte, a transcendência desta dor que o acompanha, inevitavelmente, por toda a
vida.
O poema é carregado de estímulos que nos levam o mais próximo da essência da
experiência vivida pelo eu lírico e ele o faz com tal precisão que não se ocupa em diluir a
emoção verdadeira em um sentimentalismo.
O quarto poema, Apóstrofe à carne, foi publicado após a morte do autor e incluído
no livro Eu e outras poesias.
Poema IV
Apóstrofe à carne
1.
2.
3.
4.
Quando eu pego nas carnes do meu rosto,
Pressinto o fim da orgânica batalha:
Olhos que o húmus necrófago estraçalha,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto...
5.
6.
7.
8.
E o Homem - negro e heteróclito composto,
Onde a alva flama psíquica trabalha,
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!
9. Carne, feixe de mônadas bastardas,
10. Conquanto em flâmeofogo efêmero ardas,
11. A dardejar relampejantes brilhos,
12. Dói-me ver, muito embora a alma te acenda,
13. Em tua podridão a herança horrenda,
14. Que eu tenho de deixar para os meus filhos!
O soneto “Apóstrofe à carne”, publicado postumamente à obra EU, é composto
por
rimas
perfeitas
nos
finais
dos
versos
1,
4,
5
e
8
com
os
fonemas
[rosto\posto\composto\gosto]; nos versos 2, 3, 6 e 7 [batalha\estraçalha\trabalha\mortalha];
nos versos 9 e 10 [bastarda\ardas]; versos 12 e 13 [acenda\horrenda] e nos versos 11 e 14,
com os fonemas [brilhos\filhos].
Com cinco rimas, o poema decassílabo é constituído por rimas interpoladas
(ABBA ABBA, CCD EED). Em todo o poema há assonância de “o”, com as paroxítonas bem
demarcadas no ritmo. Nos versos 4, 7, 11, 12 e 14 há aliteração de “d”; no início de alguns
26
versos, nos dois quartetos e no primeiro terceto, há aliteração da fricativa /f/ e a presença de
fonemas nasais /m/n/ em todo o poema. Todas elas jogando na sonoridade efeitos musicais.
Na primeira estrofe a sequência de imagens trata o corpo como objeto de
decomposição. Um terror que se concretiza quando o eu lírico age: “...pego nas carnes de meu
rosto” prenunciando o destino da matéria. A enunciação verbal no presente “eu pego”, no
primeiro verso, sugere um eu lírico já em estado de decomposição, confundindo-se com a
própria carne, como aparece no uso dos verbos “estraçalha” no presente do indicativo e
“decompondo-se” gerúndio.
Na segunda estrofe a primeira pessoa do singular “eu pego” passa a ser terceira
pessoa “o Homem”. A dimensão individual passa a ser unidade coletiva. A antítese pela qual
é formado o homem é concretizada no poema pelo termo “heteróclito”. A construção mais
improvável através da sua parte obscura com sua parte alva e a desconstrução feita pela
“mortalha”, usada no verso sete como uma metáfora para o corpo que deixa todos os sentidos
(o tato, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto). Percebe-se, no final do segundo quarteto, a
sequência assindética que traz para esta estrofe o homem não mais anatômico como na
primeira estrofe (carnes, rosto, olhos, diafragma), mas abstrata a capacidade sensorial desses
órgãos.
Nos tercetos a apóstrofe à carne é realizada, como diz o título. Faz chamamento
no nono verso, com lampejos de sensualidade no décimo verso com a aliteração das fricativas
/f/ e a simbologia dos fonemas “flâmeo fogo efêmero”.
A antítese do poema, entre
carne/podridão, se completa na última estrofe em que esta carne exaltada e voluptuosa
aparece apodrecida e nos é dada como herança um fado para o homem que tanto deseja o
prazer e a conservação da carne e não da alma. Tem ela deteriorada pelos vermes.
Em uma experiência única, o homem é mostrado na poesia em forma de podridão.
O corpo, a carne de forma escandalosa torna-se apenas olhos que o húmus estraçalha,
diafragmas decompondo-se, feixe de mônadas bastardas, podridão, herança horrenda; a
descoberta dolorosa desta batalha que já tem os vermes como vencedores. De forma
complexa, o poeta discorre sobre o mistério de nossa existência, descuidando de mistificar o
sofrimento, exibindo o eu lírico não como um sujeito, mas partes deste sujeito em pedaços de
carne fadados à decomposição, e, mesmo assim, não ser vulgar.
O poema a seguir foi incluído no livro Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do
Século, organizado por Ítalo Moriconi, para a Editora Objetiva.
27
Poema V
Versos íntimos
1.
2.
3.
4.
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
5.
6.
7.
8.
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
9. Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
10. O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
11. A mão que afaga é a mesma que apedreja.
12. Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
13. Apedreja essa mão vil que te afaga,
14. Escarra nessa boca que te beija!
Pau d’Arco- 1901.
O poema de cinco rimas, mantém o deca camoniano, mas inverte as abraçadas no
segundo quarteto (ABBA BAAB); nos tercetos segue o esquema CCD e EED.
As rimas perfeitas nos finais dos versos 1,4,6 e 7 com os fonemas
[formidável\inseparável\miserável\inevitável]; nos versos 2,3,5 e 8 com os fonemas
[quimera\pantera\espera\fera]; nos versos 9 e 10 [cigarro\escarro]; versos 12 e 13
[chaga\afaga] e nos versos 11 e 14 com os fonemas [apedreja\beija]. A assonância em todo o
poema de fonemas nasais /m/n/ no início de alguns versos de /s/ e aliteração dos fonemas /a/ e
/e/ dando sonoridade ao poema bem como as letras maiúsculas em substantivos comuns
“Ingratidão, Homem” palavras chaves no poema.
O poema começa iniciando uma conversa “vês?!” em uma abordagem na segunda
pessoa. Esta ação discursiva não deixa claro de quem é o enterro citado no segundo verso.
Este alguém pode ser ele mesmo, o eu lírico, de modo a constituir uma locução. Este locutor
revoltado, ao ver o cemitério vazio, reflete a natureza da ingratidão comparada no terceiro
verso com uma pantera.
28
Com os verbos conjugados no modo imperativo, o pessimismo torna-se fatal.
Julga que o homem se transforma por causa do meio. “O Homem, que nesta terra miserável
mora entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera.” E ainda completa:
“Acostuma-te à lama que te espera!” para que o homem se acostume a essa fatalidade e não
crie perspectivas quanto a sua condição, pois nada se espera do outro que não seja a
ingratidão, a escravidão e a mentira. Sob este pensamento negativo nota-se uma importante
relação poética entre as palavras “pantera”, no verso três e “fera”, no verso oito. Com as
palavras “Ingratidão” e “Homem”, nos versos três e seis, grafadas em letra maiúscula,
metáforas exprimem a ideia de ferocidade social, causadas pelo próprio sistema que
transforma o homem em um perigo para ele mesmo e a seu semelhante.
Em tom de ironia e sadismo, propõe-se, na terceira estrofe, um brinde a realidade,
um brinde, como de costume, feito com uma bebida. Aqui é feita com um cigarro. Nos versos
seguintes, o apedrejamento e o escarro podem ser interpretados como a ingratidão de alguém
que recebe um carinho e devolve com agressão. No último terceto entende-se que a pessoa
que recebeu esta agressão deve ser ingrata, também, e devolver com o mesmo tapa. Uma
filosofia cínica e vingativa, oposta ao perdão das ofensas. Trata-se de um poema de profundo
desgosto e incredulidade à natureza humana: “A poesia de Augusto dos Anjos é fruto da
descoberta dolorosa do mundo real, do encontro com uma realidade que a literatura, a
filosofia e a religião já não podiam ocultar.” (GULLAR, FERREIRA, 2011, p.30).
Nos poemas analisados, assim como em toda a obra de Augusto dos Anjos,
podemos observar algumas características estilísticas que se repetem: versos carregados de
contrariedades, imagens que se iniciam de forma positiva com altivez e que logo são
desconstruídas pelo negativismo e pela morte da matéria; a rigorosidade de suas rimas; verso
conciso; construção sintética objetiva e ritmo tenso; a tendência ao prosaico e a termos
filosofantes; palavras símbolos marcadas pela letra maiúscula, recurso da aliteração, valores
fonéticos, melódicos e perfeição da forma.
Todas as características indicam preocupação comum à expressão poética do
Parnasianismo e do Simbolismo, principalmente a frequência da forma soneto como
indicativa dessas influências. Inclusive Ferreira Gullar (2011,p.59) cita Orris Soares, em sua
obra Elogio de Augusto dos Anjos, e informa que o poeta “não raro começava os sonetos pelo
último terceto”do mesmo modo que procediam aos parnasianos e simbolistas, tem sua
elaboração restringida para preencher a forma. “No entanto, ninguém obrigou Augusto dos
29
Anjos a escrever, em tantos casos sonetos em lugar de poemas livres [...] o que indica o
quanto estava condicionado por ela, à qual recorria quando desejava se exprimir”.
(FERREIRA GULAR, 2011,p.60).
Porém, na simples leitura de seus versos, podemos observar que o determinante
em seus poemas é o conteúdo e que raramente nos defrontamos com um poema que se possa
considerar perfeito no ponto de vista do acabamento formal e mesmo a perfeição não aparece
como preocupação do trabalho final, mas, sim, como reflexo de um estado sensível de
formulação poética plena.
É de fácil percepção a diferença radical existente entre a visão de mundo de um
ambiente decadente de doença entre o luto em que viveu Augusto dos Anjos, da visão de
mundo dos parnasianos e simbolistas. Ele “elabora uma linguagem poética que assimila e
supera aquelas influências”. (GULLAR, 2011, p.21).
2.2 A MODERNIDADE NA LÍRICA DE AUGUSTO DOS ANJOS
Podemos identificar, na obra de Augusto dos Anjos, como elementos
característicos de sua lírica, alguns sintomas da lírica moderna e contemporânea,
principalmente da lírica intelectualizada, apresentada por Hugo Friedrich (1966) em
Problemas atuais e suas fontes, Estrutura da lírica moderna.
Friedrich distingue o complexo poético do século XX na polaridade expressa
como lírica formalmente livre e lírica intelectualizada que foram iniciadas por Rimbaud e
Mallarmé. A primeira, trata-se de uma lírica de forma livre e alógica e, a segunda, de uma
lírica da intelectualidade e da severidade das formas.
Formuladas de forma pragmática, em 1929, diferentemente da lírica hodierna,
eram contrastantes e não permitiam qualquer aproximação. A primeira, formulada por Valéry,
deveria ser a “festa do intelecto” (p.143). A outra, nascida como protesto pelo autor surrealista
A. Breton, se afirmava como “a derrocada do intelecto” (p.143).
Atualmente essa é a polaridade geral de toda a poesia moderna; a tensão existente
em quase todo lírico entre forças cerebrais e forças arcaicas que, juntas,formam uma unidade
estrutural acima das frações a que elas mesmas pertencem.
30
Toda a obra poética de Augusto dos Anjos publicada se insere entre os anos de
1900 e 1914. Encontro, ao longo desta produção, elementos que o prendem ao estilo literário
de sua época como, por exemplo, a formalidade em sua poesia e, ao mesmo tempo, elementos
inovadores que o põem adiante de seu tempo.
Ao lançar o seu livro de poesias intitulado EU, a comunicação esperada entre
leitor e autor não aconteceu como de costume em outras obras literárias da época. Em 1912,
enquanto alguns críticos literários falavam de Augusto como artista incomparável, Nazareth
Meneses publicava no dia 14 de junho, na Gazeta de Notícias, uma das muitas críticas que
circulavam na época: “Nota-se em todas as páginas deste volume a preocupação constante da
tecnologia. Os versos do Sr. Augusto dos Anjos perdem, por isso, grande parte do encanto
que a forma lhes empresta” (NAZARETH, 1978, apud MAGALHÃES, p.256), e concluía:
“Ora, isso, possivelmente, é um amontoado de palavras difíceis e nada mais”
(MAGALHÃES, 1978, p.256).
Em 13 de junho, Euricles de Matos, em A Tribuna, já adivinhara uma das muitas
interpretações a que estava exposta o EU:
Estou a ver já certo dos nossos faiseurs da crítica, condenando o poeta,
simplesmente porque este em vez de babar-se ordinariamente por todo seu livro num
pieguismo irritante de amor escreveu sabiamente, entre outros, o ‘Deus Verme’ e
‘Mater originalis. (MAGALHÃES, 1978, p. 256).
Lendo as críticas da época, é possível ter a dimensão de como a leitura do Eu não
foi de fácil compreensão para os leitores e até mesmo para alguns críticos literários que viam
a beleza dos versos somente na forma e não no conteúdo, ou nos temas. Aliás, na lírica
moderna, a única ponte entre leitor e texto acontece no efeito sugestivo da poesia, ou seja,
“uma união com o leitor não mais se realiza. A sugestão não oferece a um possível leitor nada
mais que uma possibilidade de experimentar junto uma vibração qualquer”. (FRIEDRICH;
1978, p.122).
Mallarmé levou essa questão a uma forma mais aguçada. Ele escreve para não ser
compreendido. Devemos aqui entender, em sua lírica, o conceito usual de compreensão como
infinita possibilidade de sugestão, excitando o leitor a continuar o ato que está inconcluido na
poesia.
Não excluo o fato de que o leitor reconheça, nos versos do EU, os temas
fundamentais que são, à primeira vista, decifráveis e que possa segui-los até que se percam no
31
que não pode ser interpretável; mas, o que fica claro, é que esta cognição não acontece mais
de maneira forçada ou mesmo previsível.
Muitas críticas taxaram a poesia de Augusto como hermética, não na forma
italiana da poésie purê, mas na qualidade do que é difícil de entender e interpretar e que se
tornou, na lírica moderna, um traço essencial de sua lírica, também aceita pela crítica.
De fato, se ignorar o cotidiano em sua indagação poética e sem uma leitura atenta
veremos na obra do EU uma complicada retórica:
Um verbalismo de um adolescente doentio que leu demais Schopenhauer, Spencer e
Haeckel e perde-se precisamente o que define a poesia de Augusto como a mais
patética indagação já feita na poesia brasileira acerca da existência do mundo e do
sentido da vida humana. (GULLAR, 2011, p.47).
Este aspecto negativo que a crítica impõe à terminologia científica e filosófica
deve ser vista mais detidamente, já que é fator constitutivo em sua poesia e instrumento de
suas inquietações e perplexidades que se explicam no contexto de sua linguagem poética
como a realidade terrível que a Ciência põe diante dos olhos do poeta:
“Pressinto o fim da orgânica batalha:”
“Olhos que o húmus necrófago estraçalha”
“Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto...”
“Carne, feixe de mônadas bastardas,
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas”
“Na bruta ardência orgânica da sede”.
Também a terminologia filosófica deixa de ser um elemento meramente negativo
da poesia para tornar-se expressão profunda de sua problemática, como se pode observar nos
poemas analisados:
A pirâmide real do meu orgulho
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciência de que nada sou.
(Vozes de um túmulo)
Transpõe a vida do seu corpo inerme,
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!
32
(Eterna Mágoa)
A Consciência humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
(O morcego)
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
(Versos íntimos)
Essas estrofes não fazem parte apenas de uma alegoria grotesca e negativa. Nessas
estrofes estão as mais profundas questões da existência humana. Não importa aqui concordar
ou não com a visão filosófica do autor, e sim, “verificar que nele esses problemas não são
meros pretextos literários para cometer sonetos e poemas - são problemas vitais - e que a
necessidade de resolvê-los conduziu-o a viver uma experiência poética de densidade rara em
nossa literatura”. (GULLAR, 2011, p. 47).
A sugestão em sua poesia parte, geralmente, em face da realidade, embora não
mantém uma linearidade. Não se elaboram abstratamente. Os elementos objetivos e subjetivos
se misturam no desenvolvimento do processo poético e na transformação dos conceitos, como
os poemas, que, em sua maioria, começam calmos, para depois de uma situação concreta,
desenvolver suas tensões e indagações. O poema “Eterna mágoa” inicia assim:
O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do mundo, o homem que é triste.
“O morcego” assim:
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Às vezes é a ação concreta que serve como ponto de partida como em “Vozes de
um túmulo”:
Morri! E a Terra- a mãe comum- o brilho.
E também em “Apóstrofe a carne”:
Quando eu pego nas carnes do meu rosto.
Como Manuel Bandeira já tinha observado, a maioria dos poemas iniciam calmos
e depois “endoidam”. O que acontece depois é um desenvolvimento dialético marcado por
sucessivos retornos ao ponto de partida, à realidade objetiva. (Gullar, 2011, p.61) E a cada
33
retorno ao ponto de partida o conceito já não é mais o mesmo ou é intensificado como o efeito
labirinto produzido em Eterna mágoa.
A relação que a lírica mantém com a realidade objetiva, no século XX, apresenta
múltiplos aspectos, porém, o resultado é sempre o mesmo; a desvalorização do mundo real, e
isso se dá através de fenômenos isolados, que são colocados em lugar de um todo, quando há
referência de uma idealidade qualquer. Assim aparecem designações de total indeterminação
ou símbolos de puro mistério. Para Friedrich (1978, p.196):
A objetividade se busca, de preferência, no banal e no inferior, pois seu peso atua
aqui de forma ainda mais oprimente, tornando o homem ainda mais isolado [...] O
tom estático suave, o ecoar da transcendência indeterminada, o lusco-fusco do
significado e tudo agora no condensamento de imagens da fealdade que é algo
completamente diverso de um oposto ao belo: nestas características se reconhece o
lírico moderno.
Esta objetividade se apresenta em Augusto dos Anjos quando, rompendo com as
conveniências verbais e sociais da poesia, ele trás como poético toda a putrefação dos
cemitérios e as vulgaridades possíveis, complementando com o uso de um vocabulário
científico que juntos “formam uma conjunção de fatores que o obrigam a romper com a
linguagem (com a visão) poética em voga”. (GULLAR, 2011)
Nos poemas analisados, encontramos expressões que formam o conhecido poetar
obscuro de Augusto dos Anjos e que pode ser observado em quase toda extensão de sua obra:
Morte/ cemitério/ assombração/ entulho/ praga/ tristeza/ pesar/ chaga/ verme/
inerme/ morcego/ feio/ parto/ húmus/ necrófago/ diafragma/ podridão/ mágoa/ horrenda/
quimera/ lama/ miserável/ escarro/ cuspe.
Essa quantidade de palavras aqui representada e de uso decorrente em sua obra,
até então, permitidas só nos gêneros literários inferiores conforme definições simplistas e
errôneas seriam facilmente indicadas como sinônimos de algo feio ou obscuro; porém, para
que possamos compreender essa lírica, não podemos tratar mais estes conceitos como o
oposto do belo, mas de um valor e uma experiência em si, em cada palavra.
A morte, em sua obra, além de ser vista como um fato concreto passa a ter caráter
comercial e habitual; e o habitual passa a ter o caráter fúnebre da morte. Tomemos, a
exemplo, o segundo terceto do poema Apóstrofe à carne:
Dói-me ver, muito embora a alma te acenda,
Em tua podridão a herança horrenda,
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Que eu tenho de deixar para os meus filhos!
Além da morte ser apresentada como condição intransponível do homem,
observo, nos versos acima, os carinhos maternos ou paternos que deixam definitivamente o
caráter abstrato e de sentimentalismo e se objetivam em um fato real, que é a herança da
morte.
Assim como em Baudelaire, a beleza em sua poesia não suporta mais o seu
conceito antigo e dá lugar à beleza de um encanto agressivo. Em Augusto dos Anjos, diria,
ainda repugnante:
Mais veemente do que até então, a anormalidade anuncia-se como premissa do poetar
moderno, e também como uma de suas razões de ser: irritação contra o banal e o tradicional que, aos
olhos de Baudelaire, está contido também na beleza do estilo antigo. A nova “beleza” que pode
coincidir com o feio, adquire sua inquietude mediante a absorção do banal em simultânea deformação
em bizarro, e mediante a “união do espantoso com o doido” [...]. (FRIEDRICH, 1978, p. 44, GRIFOS
DO AUTOR).
Na poesia de Augusto dos Anjos os sentimentos humanos e tudo que pode ser
considerado abstrato são exprimidos através dos atos e coisas banais em que eles se
objetivam, assim como a putrefação pode ser caracterizada como a expressão de amor, em
Apóstrofe a carne, e nos versos a seguir:
Amo meu Pai na atômica desordem
Entre bocas necrófagas que o mordem
E a terra infecta que lhe cobre os rins!
Para Ferreira Gullar (2011), Augusto faz de todos os objetos repugnantes - a
putrefação da carne, a morte, os vermes - e tudo que há de horroroso nos versos, a expressão
de um sentimento sublime. Ele não nega estes sentimentos em nome da delicadeza poética
como muitos poetas o faziam na época, e completa: “É assim, me parece, que se deve
entender a temática macabra de Augusto dos Anjos: como uma descida ao inferno a uma
dimensão terrível da existência humana que o poeta, sem poder ignorar, tenta redimir pela
poesia.” (p.50).
Em uma época onde o ambiente literário brasileiro imperava a futilidade dos
temas, o EU imperava os cheiros, ou diria ainda, pelo fedor, fedor de podre, de úlceras, de
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escarros, de lama, de putrefação, de vômito. E foi ele mesmo que fez a seguinte afirmação:
“Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques” (ANJOS, 2011, apud GULLAR, p.22).
É certo que não desciam a essa futilidade poetas como Olavo Bilac, Alberto de
Oliveira ou Vicente de Carvalho, mas, como observou Francisco de Assis Barbosa, o EU
aparece num período em que “predominava” a literatura chamada “sorriso da sociedade”.
(GULLAR, 2011, p. 23, grifos do autor)
É o feio em sua poesia que provoca o sentimento natural da beleza e que, como na
lírica moderna, provoca um choque entre texto e leitor. Em todos os poemas analisados, o
feio, ainda que moderado em tempo, espaço e afeto, se comparado a alguns poetas modernos,
existe em toda sua sensibilidade. As cenas e ações desenvolvem-se em uma sucessão de fatos,
principalmente, em O morcego. Há referências de tempo em Eterna mágoa e o eu lírico
responde com ações precisas: morri, me assombra, afunda, pego... Neste complexo a morte
contorna seu caráter de cotidianeidade, pois, apesar da aparência obscura refere-se sempre a
uma figura conhecida e provoca excitações humanas.
E é esta a função da lírica moderna: impor a tarefa paradoxal de expressar e
esconder um significado. A linguagem, como comunicação, deu espaço ao princípio estético
dominante no hodierno poético, onde a obscuridade se mantém em um espaço que mais afasta
e/ou sugere do que aproxima.
Sem dúvida, a lírica moderna é produto de uma nova época e de uma nova
situação social do homem. E o traço mais marcante desta unidade estilística no plano
ideológico é a desmistificação ou despersonalização da realidade e consequentemente do
homem, como produto de um desenvolvimento capitalista e científico da sociedade.
Na obra Eu, com exceção dos poemas dedicados ao filho nascido morto e ao pai,
Augusto dos Anjos não data suas produções, não sendo possível buscar compreender sua
lírica através de dados bibliográficos. Neste sentido, a palavra lírica já não nasce da unidade
de poesia e pessoa empírica e de maneira alguma pode ser entendida como expressão
bibliográfica, pois já não se move dentro do círculo do que é familiar.
E é Baudelaire quem inicia a despersonalização da lírica moderna. O
sentimentalismo pessoal dá lugar à capacidade de sentir da fantasia uma elaboração guiada
pelo intelecto, de forma a abranger tarefas mais difíceis e que de forma mais intensa é capaz
de chegar à neutralização.
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Mallarmé, certa vez, aludindo sobre o caminho que conduz o sujeito poético a
uma neutralidade suprapessoal, fala que a lírica é algo consideravelmente distinto de
entusiasmo e de delírio e é uma elaboração precisa das palavras que se torna a “voz que oculte
tanto o poeta quanto o leitor”. (FRIEDRICH, 1956)
Assim como Baudelaire, em muitas de suas poesias, Augusto escreveu a partir do
eu; entretanto, este homem, voltado para si, quando compõe poesia, não fala de seu eu
empírico, mas de um sujeito lírico na medida em que se sabe vítima da modernidade.
E antes do sujeito lírico se ver vítima da modernidade, é o poeta que passa por um
longo processo de reflexão sobre o lugar que o homem ocupa na multidão. No livro de
Raimundo Magalhães Junior, Poesia e vida de Augusto dos Anjos, observa-se que Augusto
descrevia, em cartas, os poderosos de sua terra como “enormes ídolos” de pernas obesas e
“conscientes absolutos da grande massa física”. Para ele, o homem de bem “é hoje um idiota,
uma figura de manicômio, coberta de achincalhos públicos, muito burlesca, fedendo a
sepultura maltratada de cemitério aldeão”. E fazia forte carga contra o regime federativo:
“Somos uma agremiação sinistra de membros inutilizados, uma sociedade doente de
paralíticos balançando os dedos frios para sempre, com a vitalidade comprometida e os
múltiplos aparelhos de sinergia moral onimodamente destruídos.” (MAGALHÂES, 1978,
p.154).
E terminava seu artigo com estas tiradas veementes que marcam claramente a
visão crítica com que o poeta via a sociedade.
O povo exausto, com a iniciativa morta, sem esperança de um almo renascimento
superior, é equiparável àquelas vítimas brancas que os sacerdotes de Hércules
imolavam outrora [...] Comeram-lhe os intestinos, em massa; cortaram-lhe
brutalmente os cabelos da testa, mas, as entranhas, ficaram aí, à mostra,
decompondo-se aos poucos, lambidas pelos cachorros, ao sabor furibundo da
primeira língua adventícia que apetecer deflorá-las. ( Idem, ibidem, p.154)
O novo olhar com que o poeta vê a complexa trama da realidade objetiva, implica,
naturalmente, na desmistificação da linguagem, no rebaixamento temático, e, principalmente,
no que se refere à comunicação autor/texto/leitor.
Quando o homem aparece na poesia de Augusto dos Anjos, ele aparece como
estrangeiro ou como caricaturas. Partes do corpo em desproporção com a figura geral são
iluminadas de forma excessiva:
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“Assim/tântalo, aos reais convivas, num festim
Serviu as carnes de seu próprio filho!”
(ANJOS, Augusto dos. Eu e outros poemas. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2007,
p.113) Todas as demais citações são referentes a esta edição.
“E o homem- negro e heteróclito composto,
Onde a alva flama psíquica trabalha”
“Carne, feixe de mônadas bastardas,
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos”
O homem - que até então era imaginado nas poesias - cedeu lugar a uma
expressão. Sem ele, muitas vezes, apenas expressões anatômicas e técnicas objetivam uma
materialização. Tais quais encontramos em seus poemas:[olhos/ carnes/ corpo/ goela/ ventre/
mão/ boca/ rosto/ diafragma/ tato/ vista/ ouvido/ olfato/ podridão]
O homem, o sujeito, existe na lírica moderna e subsiste de um modo distinto,
como linguagem criativa e fantasia.
Nenhuma das poesias de Augusto dos Anjos analisadas anteriormente, mesmo que
por razões de curiosidade ou comodidade, poderiam ser interpretadas biograficamente. Nem
poderíamos dizer que compreendemos totalmente o pesar que tanto se fala em sua poesia
porque temos este sentimento dentro de si.
Para Friedrich (1978, p.172) essa desumanização transforma objetos e homens em
categorias abstratas. Oeu lírico vê de forma impessoal as figuras puras do espaço e da luz. Sua
felicidade intelectual não consegue aplacar uma dissonância assentada ao fundo. Não faz
sentido perguntar à lírica moderna onde se manifesta dor e onde se manifesta alegria. Estes
conteúdos sem dúvida existem; muitos oscilam, elevando-se ou retrocedendo, numa zona
onde a alma fica mais longe, mais fria, mas, também, mais ousada que o homem sensível.
A desumanização acontece em diversas variantes e intensidade, mas a ela pertence
uma lírica que só tem objetos como conteúdo. Em um contexto literário em que o objeto já
está posto, copiado, reproduzido, sem que inclusive tenham aparecido na consciência, a lírica
moderna tenta e recupera, por meio da expressão poética, a percepção da experiência viva
deste objeto.
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Quanto mais fútil for o objeto, maior será o significado. Ela reconhece o que ainda
pode ser poesia. Encontramos na lírica de Augusto alguns objetos: [pedestal/ pirâmide/
fósforo / cigarro/ parede/ ferrolho/ rede/ pau]
Para que esta experiência se concretize, se deflagre com o objeto, Augusto dos
Anjos se utiliza de alguns recursos que caracterizam essa linguagem como: a ruptura do ritmo
espontâneo da linguagem, choque de palavras, montagem de palavras e de imagens, mistura
de formas verbais, coloquiais e eruditas e de palavras vulgares com palavras poéticas.
Tomemos a exemplo, versos do poema O Morcego, em que a alusão dos objetos
não é meramente descritiva, ela é existencial, concreta:
“Vou mandar levantar a outra parede...”
Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau, esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minha alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
Para Friedrich, estes objetos podem ser acolhidos com tal objetividade que:
O eu que os acolhe é fictício, é mero suporte da linguagem. Esta, sem dúvida, está
muito longe de ser realística. A rigor, não deforma os objetos, mas o faz enriquecer
tanto ou infunde aos objetos, rígidos por natureza, uma vida tão singular, que cria
uma irrealidade sobrenatural.(FRIEDRICH, 1978, p.172).
O homem abate física e moralmente sua naturalidade; exila-se do mundo para
satisfazer sua liberdade que só aqui é permitida. Para Friedrich, este é o “paradoxo singular da
desumanização”.
O grande esforço da desumanização consiste em transformar a linguagem
superficial em uma linguagem concreta, tendo como condutor um poeta que desenvolveu sua
linguagem literária a condição prosaica. Esta mudança acontecerá justamente pela
transformação do prosaico em poético, e pela habilidade em conseguir expressar, em última
instância, a contradição entre sujeito e mundo.
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A poesia de Augusto dos Anjos se realiza na irrealidade, diante de um mundo que
é cientificamente decifrado, e para tal criação exige, justamente do poeta, a mesma exatidão e
inteligência do que se quer realizar. Esse processo de transformação da linguagem passa pela
fantasia elaborada e guiada pelo intelecto.
Porém, muitos acabam percebendo Augusto como um poeta afastado do
cotidiano. Passam a vê-lo apenas como um simbolista ou “cientificista” sem, por meio de uma
leitura atenta, observar nos objetos, utensílios, fenômenos e atos da vida de todos os dias, a
revelação da experiência com o concreto.
Todos os elementos que fazem parte constituinte da lírica moderna–sugestão,
despersonalização, grotesco, antipassadismo- nos fazem perceber o quanto ela está distante de
ser um quadro idealizante esperado e ressonante pela sociedade.
É em oposição à sociedade preocupada com a segurança e desenvolvimento
econômico que a poesia moderna se encontra. Tornou-se o lamento pela decifração científica
do universo, derivando uma violenta ruptura com a tradição, e, talvez, uma
incomunicabilidade com o público, como já observamos, revestido de categorias negativas e
um hermetismo visto até como pedante.
Entretanto, o eu lírico, na poesia do autor do Eu, foi sendo construído por meio de
uma nova visão de mundo e, consequentemente, uma nova concepção de poesia. A repulsa a
tudo que é passado e o contínuo aniquilamento da consciência de continuidade da tradição
fizeram do antipassadismo uma das características permanentes da lírica e da arte moderna.
A análise de toda a obra poética de Augusto dos Anjos, unida ao conhecimento de
sua biografia, revela um comportamento que concerne à modernidade, embora de intensidades
diferentes, mas parecido com o presente em Rimbaud e Baudelaire:
“Aversão à modernidade, enquanto progresso material e racionalismo científico;
apego à modernidade, enquanto conduz a novas experiências, cuja dureza e obscuridade
exigem uma poesia dura e negra”. (FRIEDRICH, 1978, p.66)
Uma das primeiras notícias sobre o aparecimento do Eu, em 1912, foi a que saiu
em n’O País, Nove de junho, uma breve apreciação assinada por Oscar Lopes. Começa o
crítico literário por dizer:
O Sr. Augusto dos Anjos, autor de um livro de versos intitulado Eu, fez barulho
logo à chegada. A muita gente ele parecerá apenas um desequilibrado. O título escolhido para
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suas poesias é de uma ousadia rara. Algumas composições são perfeitamente estranhas e
caracterizadas por um evidente descaso por tudo quanto constitui a moeda corrente das letras
de nossa terra. (MAGALHÃES JUNIOR, 1978, p. 254).
A severidade com que o poeta paraibano trata de seu mundo espiritual, a
persistência de seus temas (morte, dor, ingratidão, putrefação) permite observar, na análise
formal das poesias, a antítese de muitas imagens que se constroem e desconstroem em quase
toda a poesia.
Atrás deste grupo de palavras, não posso conceber Augusto dos Anjos sem
estigmas cristãos, mesmo que em ruínas; o grau supremo do mal vem em sua lírica, e é
constante; o mal engendrado pela inteligência e pelo homem como podemos observar em
Versos íntimos. Mas, apesar da consciência de seu destino, da morte da matéria, por vezes,
faz-se sentir certa “volúpia do aborrecimento” e por certo, um gozar desta condenação:
“Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígnea e escaldante molho.”
(Anjos, 2007, p.16)
Ou sensualizar a putrefação da própria carne:
“Carne, feixe de mônadas bastardas,
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos”
(idem, ibidem, p.113)
A partir do Cristianismo em ruínas, compreende-se outra singularidade na lírica
moderna, fortemente usada em Baudelaire, na qual encontro, também, em Augusto dos Anjos,
A Idealidade Vazia. Nas poesias analisadas, a morte é sempre esperada, o destino do eu lírico,
quando aparece, é traçado e lógico.
“- Morri! [...]”
“Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda”
“Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto...”
“ Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.”
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Todas as tentativas de evasão terminam com a morte, mas o que vem depois dela
não se sabe, não se fala em Deus, tampouco em transcendência. “A meta da ascensão não só
está distante, como vazia, uma idealidade sem conteúdo”. (FRIEDRICH, 1978, p.48).
A fuga do mundo acontece em sua lírica com a morte, mas não vai além dela; não
passa de um pólo de tensão, uma excitação dissonante. O outro ‘indefinido’ pode se converter
em nada, assim como o mistério que gira em torno de si.
A idealidade e a realidade banal na poesia de Augusto dos Anjos, em uma época
em que predominava a literatura das dimensões oníricas de uma sociedade idealizada
potencializaram a ruptura com a tradição. Ferreira Gullar (2011, p.25) em sua obra Toda
poesia de Augusto dos Anjos: Estudos críticos, evidencia a diferença da poesia de Augusto,
quanto à forma e complexidade, comparando-a a outros poetas da mesma época. Para iniciar a
comparação, Gullar, toma de exemplo, um quarteto do soneto. “O ninho”, de Alberto de
Oliveira:
O musgo sedoso, a úsnea mais leve
Trouxe de longe o alegre passarinho.
E um dia inteiro ao sol paciente esteve
Com o destro bico a arquitetar o ninho.
E em seguida, sobre o mesmo tema, toma como exemplo a estrofe “Gemidos da
arte”, de Augusto dos Anjos:
Um pássaro alvo artífice da teia
De um ninho, salta, no árdego trabalho
De árvore em árvore e de galho em galho
Com a rapidez duma semicolcheia.
Analisando os exemplos, Ferreira Gullar, aponta que é possível observar a
disparidade em relação à transmissão da experiência viva do real, entre os dois poemas.
Alberto de Oliveira transmite apenas uma noção, um conhecimento prosaico e amortecido do
fato, enquanto em Augusto dos Anjos encontramos estímulos da experiência que injetam vida
a linguagem.
Alberto de Oliveira cita um “passarinho alegre” de “destro bico”. Augusto, vê no
pássaro um “alvo artífice da teia, que trabalha com “a rapidez de uma semicolcheia”, saltando
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de um ponto a outro. As árvores e galhos transformam-se em pauta musical. Para Gullar
(2011, p. 26):
Exemplos como esse revelam não apenas o nível de complexidade a que Augusto
conduz a expressão verbal, como também o rompimento com a concepção literária
acadêmica, o que situa como precursor, a meu juízo, da poesia que se fará no Brasil
depois do movimento de 22.
Muitos poetas da época, assim como Raimundo Correia, ao tentar expressar
sensações em sua poesia acabam recorrendo à mitologização, literalizando a experiência,
traduzindo-a nos símbolos de uma linguagem acadêmica. Esse é um dos aspectos que diferem
a antiga da nova formulação poética que busca impedir este processo “natural” de
abstratização da linguagem.
A dissonância fundamental da poesia moderna que surgiu no século XIX, é
encontrada, de certa forma, em Augusto dos Anjos através da forma fechada do poema,
entrando em dissonância com os conteúdos inquietos; aqui, o poeta separa-se do coração e
também a forma separa-se do conteúdo.
As formas na lírica moderna não podem ser entendidas apenas como antiga
consciência romântica da forma, mas, também, como instrumentos que, além de marcar a
linguagem pela rima e construção das estrofes pelo número de sílabas, excitam reações, as
quais o simples conteúdo desta poesia, sozinho, não teria chegado. Baudelaire assume:
“beleza é produto de razão e cálculo” (BAUDELAIRE apud FRIEDRICH, 1978).
Também podemos observar, em Augusto, a analogia com a música em sua obra,
que não se faz somente no ritmo de suas poesias, mas nas graduações de intensidade, na
construção de imagens com movimentos absolutos de ascensão e descida. Segundo Friedrich
(1978), de Novalis a Poe e a Baudelaire, haviam meditado sobre o procedimento de fazer
surgir o texto lírico, não só de temas e motivos, mas também – ou exclusivamente - das
possibilidades de combinações das sonoridades da língua e das oscilações associativas dos
significados das palavras.
Até aqui todas as descrições da lírica moderna utilizam-se, quase sempre de
conceitos negativos e, assim, também é como a poesia de Augusto dos Anjos (grotesca,
hermética, despersonalização do sujeito, antipassadismo); porém, não seguem uma ordem,
sequência ou progressão. Elas surgem uma da outra ao mesmo tempo em que se completam.
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Existe, entre elas, a coerência íntima da fuga da realidade e da anormalidade, reconhecendo,
assim, a estrutura desta lírica e legitimando a autencidade do poeta lírico e de sua poesia.
Mesmo que o leitor romântico não consiga ver na poesia de Augusto uma
evidência artística em suas imagens e ideias, ela existe, e está nas curvas da linguagem e na
tensão do conteúdo. Mesmo que de início sua poesia possa dar impressão de algo usual e
calmo um “tapa” ou um “escarro”, nos é dado na cara, na primeira introdução de qualquer
palavra brutal ou vulgar. A sua vontade poética parece ser muito mais romper algo do que
concluir, e isso, por si só, já opera na poesia uma revolução.
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3 EDGAR ALLAN POE E AUGUSTO DOS ANJOS: RELAÇÃOES
INTERTEXTUAIS
Em Poesia e Vida de Augusto dos Anjos, de Raimundo Magalhães Júnior (1978),
o autor publica um questionário elaborado pelo Dr. Licínio Santos, na qual ele entrevista
várias figuras do mundo intelectual para se valer na construção do livro intitulado A loucura
dos Intelectuais (1914), de Augusto dos Anjos, que figura nas páginas 201 a 203, do referido
livro. Augusto afirma que os autores que mais o impressionaram foram Shakespeare e Edgar
Allan Poe.
Obviamente, não posso afirmar que Augusto dos Anjos, de fato, teria lido toda a
obra de Poe, mas é impossível deixar de notar os ecos de O Corvo de Poe, no poema O
Morcego de Augusto. Mesmo que, a primeira vista, sejam diametralmente diferentes na
questão da forma, tratando-se de um poema de 108 versos de forma livre e de um soneto,
evidenciarei, a partir daqui, sem nos determos na interpretação dos poemas, a
intertextualidade possível e a relação do imaginário desses dois grandes poemas que serão
transcritos a seguir. Primeiramente “The Raven”, de Edgar Allan Poe, publicado em 1845,
seguido da tradução de Gondim da Fonseca. Depois “O Morcego”, de Augusto dos Anjos.
The Raven (Edgar Allan Poe)
Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of someone gently rapping, rapping at my chamber door.
" 'Tis some visitor," I muttered, "tapping at my chamber door;
Only this, and nothing more."
Ah, distinctly I remember, it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow, sorrow for the lost Lenore,
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore,
Name less here forever more.
And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me---filled me with fantastic terrors never felt before;
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So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating,
" 'Tis some visitor entreating entrance at my chamber door,
Some late visitor entreating entrance at my chamber door.
This it is, and nothing more."
Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
"Sir," said I, "or madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is, I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you." Here I opened wide the door;--Darkness there, and nothing more.
Deep into the darkness peering, long I stood there, wondering, fearing
Doubting, dreaming dreams no mortals ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the stillness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word,
Lenore?, This I whispered, and an echo murmured back the word,
"Lenore!" Merely this, and nothing more.
Back into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon again I heard a tapping, something louder than before,
"Surely," said I, "surely, that is something at my window lattice.
Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore.
Let my heart be still a moment, and this mystery explore.
" 'Tis the wind, and nothing more."
Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven, of the saintly days of yore.
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he,
But with mien of lord or lady, perched above my chamber door.
Perched upon a bust of Pallas, just above my chamber door,
Perched, and sat, and nothing more.
Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore,
"Though thy crest be shorn and shaven thou," I said, "art sure no craven,
Ghastly, grim, and ancient raven, wandering from the nightly shore.
Tell me what the lordly name is on the Night's Plutonian shore."
Quoth the raven, "Nevermore".
Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning, little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no living human being
Ever yet was blessed with seeing bird above his chamber door,
Bird or beast upon the sculptured bust above his chamber door,
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With such name as "Nevermore".
But the raven, sitting lonely on that placid bust, spoke only
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing further then he uttered; not a feather then he fluttered;
Till I scarcely more than muttered,"Other friends have flown before;
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before."
Then the bird said,"Nevermore".
Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
"Doubtless," said I, "what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master, whom unmerciful disaster
Followed fast and followed faster, till his songs one burden bore,Till the dirges of his hope that melancholy burden bore
Of "Never---nevermore".
But the raven still beguiling all my fancy into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird and bust and door;,
Then, upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore,
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt, and ominous bird of yore
Meant in croaking, "Nevermore".
Thus I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl, whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet lining that the lamplight gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamplight gloating o'er
She shall press, ah, nevermore!
Then, methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by seraphim whose footfalls tinkled on the tufted floor.
"Wretch," I cried, "thy God hath lent thee -- by these angels he hath
Sent thee respite---respite and nepenthe from thy memories of Lenore!
Quaff, O quaff this kind nepenthe, and forget this lost Lenore!"
Quoth the raven, "Nevermore!"
"Prophet!" said I, "thing of evil!--prophet still, if bird or devil!
Whether tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate, yet all undaunted, on this desert land enchanted—
On this home by horror haunted--tell me truly, I implore:
Is there--is there balm in Gilead?--tell me--tell me I implore!"
Quoth the raven, "Nevermore¨.
"Prophet!" said I, "thing of evil--prophet still, if bird or devil!
By that heaven that bends above us--by that God we both adore—
Tell this soul with sorrow laden, if, within the distant Aidenn,
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It shall clasp a sainted maiden, whom the angels name Lenore--Clasp a rare and radiant maiden, whom the angels name Lenore?
Quoth the raven, "Nevermore".
"Be that word our sign of parting, bird or fiend!" I shrieked, upstarting—
"Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul spoken!
Leave my loneliness unbroken! -- quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!"
Quoth the raven, "Nevermore".
And the raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming.
And the lamplight o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shallbelifted--- nevermore!
O Corvo (tradução Gondim da Fonseca)
Certa vez, quando, à meia- noite eu lia, débil, extenuado,
um livro antigo e singular, sobre doutrinas do passado,
meio dormindo - cabeceando - ouvi uns sons trêmulos, tais
como se leve, bem de leve, alguém batesse à minha porta.
É um visitante", murmurei, "que bate leve à minha porta.
Apenas isso, e nada mais."
Bem me recordo! Era em dezembro. Um frio atroz, ventos cortantes...
Morria a chama no fogão, pondo no chão sombras errantes.
Eu nos meus livros procurava - ansiando as horas matinais um meio (em vão) de amortecer fundas saudades de Lenora,
- bela adorada, a quem, no céu, os querubins chamam Lenora,
e aqui, ninguém chamará mais.
E das cortinas cor de sangue, um arfar soturno, e brando, e vago
causou-me horror nunca sentido, - horror fantástico e pressago.
Então, fiquei (para acalmar o coração de sustos tais)
a repetir: "É alguém que bate, alguém que bate à minha porta;
Algum noturno visitante, aqui batendo à minha porta;
é isso! é isso e nada mais!"
Fortalecido já por fim, brado, já perdendo a hesitação:
"Senhor! Senhora! quem sejais! Se demorei peço perdão!
Eu dormitava, fatigado, e tão baixinho me chamais,
bateis tão manso, mansamente, assim de noite à minha porta;
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que não é fácil escutar. Porém só vejo, abrindo a porta,
a escuridão, e nada mais.
Perquiro a treva longamente, estarrecido, amedrontado,
sonhando sonhos que, talvez, nenhum mortal haja sonhado.
Silêncio fúnebre! Ninguém. De visitante nem sinais.
Uma palavra apenas corta a noite plácida: - "Lenora!".
Digo-a em segredo, e num murmúrio, o eco repete-me - "Lenora!"
Isto, somente - e nada mais.
Para o meu quarto eu volto enfim, sentindo n'alma estranho ardor,
e novamente ouço bater, bater com mais vigor.
"Vem da janela", presumi, "estes rumores anormais.
Mas eu depressa vou saber donde procede tal mistério.
Fica tranqüilo, coração! Perscruta, calmo, este mistério.
É o vento, o vento e nada mais!"
Eis, de repente, abro a janela, e esvoaça então, vindo de fora,
um Corvo grande, ave ancestral, dos tempos bíblicos, - d'outrora!
Sem cortesias, sem parar, batendo as asas noturnais,
ele, com ar de grão-senhor, foi, sobre a porta do meu quarto,
pousar num busto de Minerva, - e sobre a porta do meu quarto
quedou, sombrio, e nada mais.
Eu estava triste, mas sorri, vendo o meu hóspede noturno
tão gravemente repousado, hirto, solene e taciturno.
"Sem crista, embora" - ponderei -, "embora ancião dos teus iguais,
não és medroso, ó Corvo hediondo, ó filho errante de Plutão!
Que nobre nome é acaso o teu, no escuro império de Plutão?"
E o Corvo disse: "Nunca mais!"
Fiquei surpreso - pois que nunca imaginei fosse possível
ouvir de um Corvo tal resposta, embora incerta, incompreensível,
e creio bem, em tempo algum, em noite alguma, entes mortais
viram um pássaro adejar, voando por cima de uma porta,
e declarar (do alto de um busto, erguido acima de uma porta)
que se chamava "Nunca mais".
Porém o Corvo, solitário, essas palavras só murmura,
como que nelas refletindo uma alma cheia de amargura.
Depois concentra-se e nem move - inerte sobre os meus umbrais uma só pena. Exclamo então: "Muitos amigos me fugiram...
Tu fugiras pela manhã, como os meus sonhos me fugiram..."
Responde o Corvo: "Oh! Nunca mais!"
Pasmo, ao varar o atroz silêncio uma resposta assim tão justa,
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e digo: "Certo, ele só sabe essa expressão com que me assusta.
Ouviu-a, acaso, de algum dono, a quem desgraças infernais
hajam seguido, e perseguido, até cair nesse estribilho,
até chorar as ilusões com esse lúgubre estribilho
de - "nunca mais! oh! nunca mais!".
De novo, foram-se mudando as minhas mágoas num sorriso...
Então, rodei uma poltrona, olhei o Corvo, de improviso,
e nos estofos mergulhei, formando hipóteses mentais
sobre as secretas intenções que essa medonha ave agoureira
- rude, sinistra, repulsiva e macilenta ave agoureira, tinha, grasnando "Nunca mais".
Mil coisas vagas pressupus... Não lhe falava, mas sentia
que me abrasava o coração o duro olhar da ave sombria.
... E assim fiquei, num devaneio, em deduções conjeturais,
minha cabeça reclinando - à luz da lâmpada fulgente
nessa almofada de veludo, em que ela, agora, - à luz fulgente -,
não mais descansa - ah! nunca mais.
Súbitamente o ar se adensou, qual se em meu quarto solitário,
anjos pousassem, balançando um invisível incensário.
"Ente infeliz" - eu exclamei. - "Deus apiedou-se dos teus ais!
Calma-te! calma-te e domina essas saudades de Lenora!
Bebe o nepente benfazejo! Olvida a imagem de Lenora!
E o Corvo disse: "Nunca mais".
"Profeta!" - brado. "Anjo do mal, Ave ou demônio irreverente
que a tempestade, ou Satanás, aqui lançou tragicamente,
e que te vês, soberbo, nestes desertos areais,
nesta mansão de eterno horror! Fala! responde ao certo! Fala!
Existe bálsamo em Galaad? Existe? Fala, ó Corvo! Fala!"
E o Corvo disse: "Nunca mais".
"Profeta!" - brado. "Anjo do mal, Ave ou demonio irreverente,
dize, por Deus, que está nos céus, dize! eu to peço humildemente,
dize a esta pobre alma sem luz, se lá nos páramos astrais,
poderá ver, um dia, ainda, a bela e cândida Lenora,
amada minha, a quem, no céu, os querubins chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais".
"Seja essa frase o nosso adeus" - grito, de pé, com aflição.
"Vai-te! Regressa à tempestade, à noite escura de Plutão!
Não deixes pluma que recorde essas palavras funerais!
Mentiste! Sai! Deixa-me só! Sai desse busto junto à porta!
Não rasgues mais meu coração! Piedade! Sai de sobre a porta!"
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E o Corvo disse: "Nunca mais".
E não saiu! e não saiu! ainda agora se conserva
pousado, trágico e fatal, no busto branco de Minerva.
Negro demônio sonhador, seus olhos são como punhais!
Por cima, a luz, jorrando, espalha a sombra dele, que flutua...
E a alma infeliz, que me tombou dentro da sombra que flutua,
não há de erguer-se, "Nunca mais".
O Morcego (Augusto dos Anjos)
Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços, faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
Analisando o vocabulário e as imagens dos dois poemas, posso chegar a pontos
comuns. Nos dois poemas animais configuram os títulos “o Corvo” e “o Morcego”. A
consciência metaforizada na figura de dois animais caracterizados pela cor negra e pela feiúra,
frequentemente usados em histórias que têm como marcas o caráter funesto e horripilante.
Esta natureza horripilante do animal está impressa em todo poema de Poe com expressões
como “Anjo do mal”, “Negro demônio sonhador”, “filho errante de Plutão” e em Augusto, na
dupla metonímia encontrada no primeiro terceto onde o poeta se utiliza dos termos
ventre/parto no lugar de corpo/feto, dando a consciência humana o caráter de monstro.
Tanto no poema de Augusto dos Anjos, como no poema de Edgar Allan Poe, a
atmosfera sobrenatural e obscura constitui toda a narrativa. A experiência do eu lírico é
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composta por início, meio e fim, e diferentemente da sugestão tratada na lírica modernista,
todos os elementos dados pela poesia permitem o leitor imaginar a história do início ao fim.
Os dois poemas tratam de uma situação banal: uma ave/ um mamífero entra no
quarto de alguém. No poema de Poe, sugere-se um homem que perturba o seu repouso e este
eu lírico tenta afugentá-lo sem sucesso. Esta situação é transformada pelo poeta em um conto
horripilante somente pelo efeito causado no leitor, valendo-se principalmente do ritmo, rima e
musicalidade, presente nos dois poemas, e que acentuam a dramaticidade.
O início dos poemas: “Certa vez, quando, à meia- noite eu lia, débil, extenuado”
(Poe) e “Meia-noite. Ao meu quarto me recolho”, (AA) nos remete a um conto, que além de
confirmar o caráter narrativo do poema, informa o leitor a existência do predomínio da
imaginação; o uso do termo “meia-noite” indica a ambientação noturna, na qual o termo é
tradicionalmente utilizado em contos de horror.
A aparição do animal para o eu lírico nos dois poemas é marcado pela
exclamação: “Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede” (AA), “Eis, de repente, abro a
janela, e esvoaça estão, vindo de fora/ um corvo grande (...) d’outrora!” (Poe), a exclamação
que está presente em quase todo o poema de Poe instaura o dramatismo que se mantém em
toda a composição dos poemas.
Outro fato importante é que os dois poemas ocorrem no mesmo espaço, no quarto
do eu lírico. Espaço melancólico da solidão desses dois sujeitos e o espaço material na
construção das imagens do poema que é representado pelos objetos. Os objetos,
principalmente, em Poe, são frequentemente citados:
Livro/porta/fogão/cortinas/janela/poltrona/lâmpada/almofada.
Em AA os objetos também são partes constituintes de seu poema:
Parede/ferrolho/teto/rede/pau.
Para Friedrich (1956), o objeto na lírica moderna está longe de ser mera descrição.
Rígidos por natureza, a poesia dá a eles uma vida tão singular que cria uma irrealidade, até
mesmo sobrenatural.
Os objetos estão em constante diálogo com o poema, na tentativa de vencer o
medo. Em Poe, o eu lírico abre a porta para tentar estabelecer contato com o corvo. “Porém,
só vejo abrindo a porta/a escuridão, e nada mais”. Em AA o eu lírico tranca a porta fechando
o ferrolho e, para atacar o morcego, usa de um pau “- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o
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Ferrolho (...) Pego de um pau. Esforços faço.” Ao adentrar o quarto, o corvo pousa sobre o
busto de Minerva, enquanto o morcego circula sobre a rede; uma estátua e uma rede onde os
animais mantêm-se no ambiente sobre objetos. Além disso, uma analogia é possível em Poe.
O corvo se coloca sobre o busto de Minerva (Deusa da sabedoria= saber); no de Augusto,
define o morcego como “consciência humana” (consciência=conhecimento=saber).
Analisando o vocabulário dos poemas, identificamos palavras ou construções
semelhantes que circulam nos dois. Já no primeiro verso dos poemas encontramos o
indicativo de tempo “meia-noite”. Em Poe, o eu lírico abre a porta para o corvo entrar em seu
quarto; porém, em AA, o eu lírico tranca a porta na tentativa de se proteger do morcego. A
forma reduzida da frase “na alma” é encontrada em Poe na sexta estrofe e, em Augusto, a
forma reduzida de “minha alma”, na terceira estrofe. Nas duas construções a alma recebe
caráter de ser humana; na primeira construção, a alma sente “estranho ardor” (Poe) e, na
segunda construção, a alma “se concentra” (AA).
Existe intertextualidade também nas duas últimas estrofes dos poemas. Na
penúltima estrofe o eu lírico tenta afugentar o animal de diferentes formas. Em Poe, o sujeito
expulsa o corvo de seu quarto aos gritos e, em Augusto, o eu lírico usa de um pau para
expulsar o morcego que chega quase a tocá-lo.
Em O Morcego ainda se comunica uma tentativa de apartar-se de pensamentos
indesejáveis e do próprio morcego, imaginando levantar outra parede. Estes pensamentos
indesejáveis, tanto em AA como em Poe, pode ser a morte, principalmente em O Corvo, com
a lembrança de Lenora, ou até mesmo a inexorabilidade da morte e seu impacto sobre o eu
lírico.
No desfecho dos poemas, o eu lírico descobre a austeridade de afastar-se do
animal. O Corvo que “flutua”, sobre o eu lírico, traz a consciência da ausência eterna de sua
amada e o Morcego, que sempre “entra imperceptivelmente”, traz a impossibilidade do
esquecimento, inclusive os últimos versos de Augusto dão a impressão de que a consciência
humana “paira”, não somente sobre a vida, mas também no espaço e tempo, tornando uma
presença constante e íntima com o Corvo de Poe.
A inclinação para o grotesco nas abordagens de suas temáticas é um ponto comum
no imaginário dos dois poetas, o grotesco como estética do excesso, a rebelião do imaginativo
contra a racionalidade, pode-se inferir ao grotesco as imagens do corvo e do morcego, e à
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racionalidade, a imagem de Minerva e da consciência. E nos dois casos, os poetas recorrem
sua criação através do caos.
Ainda sobre a teoria do grotesco, Friedrich (1978, p.33), revela que o grotesco
deve aliviar-nos da beleza e, com sua “voz estridente”, afastar sua monotonia. Reflete a
dissonância entre os estratos animais e os estratos superiores do homem. Reduzindo os
fenômenos a fragmentos, manifesta que o grande todo é perceptível e apensa como fragmento,
visto que o todo não concorda com o homem.
Os níveis de “influência”, se a aceitarmos aqui nesta relação poética, vão além da
interseção do imaginário, que já fora citada acima. No caso destes dois poemas, encontro em
AA a escrita de um estilo muito utilizado em Poe, embora, esse aspecto seja apenas uma
particularidade estilística em AA para alcançar os efeitos desejados de forma crítica no leitor.
A aproximação desses dois poetas vai além de suas poesias, sendo que muitas
análises de suas obras poéticas foram feitas a partir de sua vida privada e, de certo modo,
reducionista, já que a tragicidade em suas vidas parece ser um caminho na tentativa de
compreender sua obra poética. Além disso, Edgar Allan Poe é situado, por vezes, como
fundador da modernidade a partir de seus aspectos góticos e grotescos que, ao mesmo tempo,
reinventam a linguagem e a refletem criticamente. Aspectos que talvez, em diferente
profundidade, situamos Augusto dos Anjos.
54
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o término deste trabalho, algumas considerações finais são importantes. O
objetivo principal deste estudo foi identificar, na lírica de Augusto dos Anjos, elementos da
lírica moderna que surgiu no Brasil, sobretudo no movimento de 22, após sua produção
poética publicada que data entre 1900 e 1914.
Observo, na pesquisa bibliográfica, que a tendência mais comum da crítica
literária a respeito do poeta Augusto dos Anjos é superficial, na maioria das vezes, laudatória.
Em outras, procura-se celebrar suas virtudes para justificar sua linguagem cientificista e seu
aparente “mau gosto” pelas coisas banais, sem levar em conta que esta linguagem é parte
constituinte de sua poesia e não apenas algo a parte que possa ser justificada.
Acredito que este tipo aparente de leitura da obra poética do EU não traz alguma
significação ou avanço como formulação poética na pesquisa do processo literário brasileiro.
Por isto, acredito que nossa pesquisa seja importante, no sentido que considera todos os
aspectos desta lírica, inclusive os excluídos por alguns críticos e que se justificam no decorrer
do estudo através da lírica moderna, exposta nos estudos de Hugo Friedrich e de outros
estudiosos.
Augusto dos Anjos tramava os instrumentos de sua expressão poética em uma
época que o parnasianismo e o simbolismo eram duas tendências atuantes na poesia brasileira.
Os dois influenciaram na sua formação, como evidenciei no primeiro texto do capítulo II, A
formalidade na lírica de Augusto dos Anjos; porém, nem tudo se explica nesta formalidade,
sendo isto de fácil compreensão se observarmos e compararmos a sua visão de mundo com a
dos parnasianos e simbolistas.
Enquanto os poetas de sua época expressavam sua visão de mundo de forma
acadêmica e literária, como um trabalho objetivo e exterior ao homem, A.A expressava sua
visão de mundo pela linguagem (GULLAR, 2011, p.22), que poderia ser confundida com o
próprio aparelho da fala:
Chega em seguida às cordas da laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica...
Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da língua paralítica!
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Para Gullar (2011, p.30) a poesia de Augusto dos Anjos é fruto da descoberta
dolorosa do mundo real, do encontro com uma realidade que a literatura, a filosofia e a
religião já não podiam ocultar. Nasce de seu gênio poético, do seu temperamento especial,
mas, também, de fatores sociais e culturais que a determinam.
Quando cito a comparação feita por Gullar, de trechos do poeta parnasiano
Alberto de Oliveira e de Augusto dos Anjos, fica claro que o primeiro poeta, ao tentar
exprimir sua experiência preso a concepção da forma literária, na qual foi formado a
“literalização” da experiência, traduz e reduz tudo a uma linguagem acadêmica. Já em
Augusto, a ruptura com esta linguagem é visível e provocativa.
Referente à análise dos cinco poemas no texto A modernidade na lírica de
Augusto dos Anjos, onde identifiquei neles elementos da lírica moderna através da teoria de
Hugo Friedrich, principalmente, a lírica intelectualizada; poderia ter ampliado a pesquisa para
toda obra de Augusto, inclusive nos poemas longos que se distinguem bastante das
composições parnasianas e simbolistas, pela sua liberdade de expressão nas formas.
Friso aqui que esta pesquisa tinha como intuito mostrar que Augusto dos Anjos
foi um dos pioneiros da lírica moderna no Brasil, porém, tal objetivo pressupõe uma pesquisa
mais avançada não somente de toda sua obra poética, mas também um estudo comparativo
com o poeta Sousândrade (1832-1902), também conhecido pela crítica por suas composições
modernas.
Embora o tipo de relação poética feita no terceiro capítulo entre Augusto dos
Anjos e Edgar Allan Poe não tenha sido o foco principal desse estudo, é importante destacar
esses níveis talvez “inconscientes” de influência que tratei no texto como intertextualidade,
pois percebo elementos comuns entre os dois poemas e que poderiam ser estendidos para
outros poemas que mantém uma forte semelhança como em “O Deus-Verme e solitário” de
AA e “The ConquerorWorm e Alone”, de Poe.
O capítulo último apenas apontou a possibilidade de um estudo intertextual de
Literatura Comparada entre as obras dos dois autores por julgar importante registrar a
possibilidade, ainda que não plenamente desenvolvida, já que a intertextualidade é um aspecto
importante da construção moderna da poesia de Augusto dos Anjos, apesar de entender que
isto renderia outro trabalho. Enfim, deixei no trabalho por ter chegado a este ponto, mesmo
não tendo tempo de desenvolver plenamente.
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Poderia ainda ter incluído no trabalho a aproximação quase unânime dos críticos
literários entre Baudelaire e Augusto, porém, em função do formato da pesquisa, nem tudo
pode ser explorado e por isso não se encontra finalizada.
De fato, é necessário que se percorra um longo caminho para se reconhecer e
compreender a lírica moderna e o poeta moderno. Precisa na realidade daqueles “óculos
cerebrais” de que Maurice Barres falava ironicamente quando criticava Mallarmé, pois, tal
lírica, nada mais tem a ver com a poesia romântica. Ela se comunica estranhamente, num jogo
abstrato de sensações e tensões.
Concluo, até este ponto, que não é somente no abandono das formas fixas ou na
mudança temática que fazem a poesia, ou um poeta moderno, mas fundamentalmente “o
trabalho objetivo do poeta sobre a linguagem visando exprimir a complexidade desse mundo
concreto e dinâmico” (GULLAR, 2001).
É desta forma que identifico Augusto dos Anjos; de forma contraditória. Esse
poeta, tão incompreensível em seu tempo, ganha a cada dia novos leitores, admiradores e
estudiosos e sua obra perpassa sua época e transcende o tempo que viveu na terra.
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