ARTIGO EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE O LIVRO DE IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM RECURSO FAVORÁVEL PARA DESPERTAR O DESEJO PARA A LEITURA Glaucia Feitosa Cunha1 Jonas Alves da Silva Junior2 Resumo O presente artigo pretende salientar a importância do livro de imagem na educação infantil por meio de um estudo qualitativo, no qual se procurou investigar quais as relações que a criança estabelece entre a literatura clássica e o livro de imagem, cujo texto é única ou predominantemente visual. Para tanto, realizou-se uma análise crítica acerca da literatura clássica, livro de imagem e das concepções de leitura fundamentadas à luz de vários autores importantes nesse panorama literário infantil. Palavras-chave: livro de imagem, leitura, educação infantil. Abstract The present article intended to point out the importance of the of image in the book of early childhood education through a qualitative study in which we sought to investigate the relations which the child establishes between classic literature and picture book whose text is only or predominantly visual. To this end we carried out a critical analysis of classic literature, picture books and reading concepts grounded in the light of several important authors in literary landscape in children. Keywords: the book image, reading, children s education. 123 os autores Glaucia Feitosa Cunha 1 Pedagoga formada pela Universidade Federal do Maranhão e estudante de Letras da Universidade Estadual do Maranhão. É professora de Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental da Rede Pública de Ensino – ([email protected]). Jonas Alves da Silva Junior 2 Formado em Letras e Pedagogia, é doutor em Educação pela Universidade São Paulo (USP) e docente do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Maranhão – ([email protected]). 1. INTRODUÇÃO Desde o seu nascimento, a criança se encontra inserida em um mundo letrado. As experiências que vai adquirindo e os estímulos visuais que encontra ao seu redor a impulsionam a adquirir conhecimentos, estabelecendo relações com aquilo que ouve, com o que deseja falar e sobretudo com o que vê. Por meio deste artigo, pretende-se enfatizar a importância de se trabalhar a leitura dos livros de imagem na educação infantil, pois esta é uma atividade significativa que motivará os alunos de forma prazerosa a uma leitura que começa antes do texto escrito e vai além da última página do livro. Para isso, em busca de realizar este trabalho, que tem como objetivo geral perceber até que ponto a leitura do livro de imagem favorece o desenvolvimento da criança em relação à leitura, buscou-se compreender a analogia que as crianças fazem entre os textos “Patinho Feio”, de Hans Christian Andersen e “Pê: o pato diferente”, de Regina Coeli Rennó, bem como analisar com qual dos textos as crianças mais se identificaram e perceber que aspectos do aprendizado dessas crianças são mais significativos. O LIVRO DE IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL... Os livros de imagem podem desempenhar um papel muito importante num processo que vai do desejo ao prazer, tendo em vista não só uma familiaridade com o universo infantil como também por apresentar narrativas elaboradas com introdução, desenvolvimento e desfecho. Nesse sentido, o livro de imagem é visto como pretexto para construir histórias (BOM-FIM, 2009). A escolha da temática partiu das inquietações ao se trabalhar com uma turma de segundo período numa escola pública do munícipio de Imperatriz, onde, ao elaborar leitura em pequenos grupos com as crianças, percebemos que elas se coadunavam com essa prática. Desta forma, posteriormente foram oferecidos à turma livros da literatura infantil, tais como o clássico “Patinho feio” e, em seguida, o livro de imagem “Pê: o pato diferente”. Nesse contexto, a opção metodológica foi pela realização de uma pesquisa qualitativa, pois se estava interessado em desenvolver um estudo sobre a leitura que um determinado grupo de alu- Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.123-135 • janeiro/julho • 2012 125 UM AMBIENTE SOCIAL INSTIGANTE E SIGNIFICATIVO BENEFICIA A nos da educação infantil faria do clássico “Patinho Feio” e posteriormente do livro de imagem “Pê: o pato diferente”, utilizando como técnica de coleta de dados a entrevista semiestruturada, apreendendo desta forma o verbalizar desses leitores mirins e incursionando-os na fruição à leitura. APRENDIZAGEM E O DESENVOLVIMENTO GLAUCIA FEITOSA CUNHA,JONAS ALVES DA SILVA JUNIOR DAS CRIANÇAS 2. LEITURA NA INFÂNCIA Nos primeiros contatos com o mundo, percebemos o calor e o aconchego de um berço, que é diferente da sensação dos braços carinhosos que nos enlaçam, assim como uma canção de ninar que embala o sono, o toque nas mãos, o cheiro do peito e a pulsação de quem nos amamenta nos provocam sensação. Começamos, assim, a compreender o sentido de tudo que nos cerca. Esses também são os primeiros passos para aprender a ler. Acreditar que mesmo crianças ainda bem pequenas têm o que dizer deriva de algumas ideias que vêm sendo construídas nas últimas décadas. Entre elas, tem destaque o reconhecimento de que, desde a mais tenra infância, nas suas interações sociais, as crianças vão somando impressões, gostos, antipatias, desejos, medos etc, desenvolvendo sentimentos e percepções cada vez mais diversificados e definidos, atribuindo significados, construindo a sua identidade (VIEIRA, 2008, p.18). Na infância, as crianças possuem uma natureza singular que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhes são próximas e com o meio que as circunda, elas revelam o seu esforço para compreender o mundo em que vivem por meio dos seus anseios e desejos. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p.21) deixa claro que a criança, como todo ser humano, é um sujeito histórico e faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também o marca. A criança tem na família, biológica ou não, um ponto de referência fundamental, apesar da multiplicidade de interações sociais que estabelece com outras instituições sociais. 126 EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE A infância é o tempo de maior disponibilidade a influências. É a etapa em que as crianças gostam de “imitar” atos de leitura, em que a família e os educadores são excelentes modelos de leitores competentes. Assim, as instituições de educação infantil devem tornar acessíveis a todas as crianças elementos que enriqueçam o seu desenvolvimento e inserção social, ao propiciar o desenvolvimento da identidade das crianças por meio de atividades diversificadas de leituras realizadas em situações de interação. Com base nisto, a criança deve ser considerada sujeito ativo na sociedade, que possui uma história e que constrói e reconstrói sua própria história. Para tanto, o ambiente social deve ser instigante e significativo, em benefício da aprendizagem e desenvolvimento da autonomia do ser humano. Desde a história mais remota conhecida, a imagem marca sua presença de forma inegável e, através dela, o ser humano se expressa desde muito tempo antes da palavra escrita. Sua cultura se fortaleceu através da significação que essas imagens estabeleceram durante o percurso nas mais diversas épocas. E, atualmente, o mundo nos cerca de imagens durante todo o tempo, mensagens visuais que estão sendo estudadas e investigadas por diversas disciplinas de pesquisa, conforme Francastel (1982, p. 35): Os homens comunicam-se entre si pelo olhar. O conhecimento das imagens, O LIVRO DE IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL... 2.1 Algumas reflexões acerca da leitura do livro de imagem de sua origem, suas leis, é uma das chaves do nosso tempo. Para compreendermos a nós mesmos e para nos expressarmos é necessário que conheçamos a fundo o mecanismo dos signos aos quais recorremos. Sabe-se hoje que a criança, quando chega à escola, já é uma entusiasta e experiente leitora do mundo. Ela começa desde cedo a observar, atribuir significados aos seres e situações do mundo à sua volta. Para compreender e interpretar o mundo, essa busca de significados empreendida pela criança deve ser entendida pelo professor como instrumento que, incorporado ao cotidiano pedagógico, pode gerar o desenvolvimento da criança. A leitura do livro de imagem é entendida como um processo contínuo e permanente, que começa no momento em a criança é capaz de perceber sinais e atribuir-lhes significados, e vai acompanhá-la por toda a vida. Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.123-135 • janeiro/julho • 2012 127 Este raciocínio se complementa com as palavras de Benjamim (1984, p.55), quando afiança que “frente ao livro ilustrado a criança (...) vence a parede ilusória da superfície e, esgueirandose entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o conto de fadas vive”. Assim, compreende-se que, por meio da leitura do livro de imagem, a criança transcende através dos seus devaneios, adentrando na mais significativa experiência que inicia bem antes da leitura do texto escrito. GLAUCIA FEITOSA CUNHA,JONAS ALVES DA SILVA JUNIOR Considera-se o livro de imagem um texto significativo que permite ao leitor incursionar por sua bagagem de vida pessoal, histórica e cultural, possibilitando novas experiências e reelaborações nas quais a exploração do fantástico, do lúdico, da fantasia, que são metas de interação participativa do/a aluno/a com a obra, possa levá-lo/a a “experimentar o sabor literário”. Nesse sentido, os livros de imagem são aqueles em que a história é contada por meio de imagem. Eles são um instrumento de educação ativa, capaz de tocar diretamente a imaginação e a inteligência da criança. A imagem, por si só, é portadora de uma mensagem decifrável pela criança. Cada imagem representa uma unidade de ação e de leitura, o que permite ao leitor a compreensão e a utilização de um vocábulo adaptado às situações propostas. É relevante ressaltar que as gravuras favorecem, sobretudo, às crianças pequenas, permitindo que elas observem os detalhes que contribuem para a organização de seu pensamento. Isso lhes facilitará, mais tarde, a identificação da ideia central, os fatos principais e os fatos secundários. Assim, os livros de imagem nos trazem importantes contribuições para compreender e refletir a perspectiva da leitura da imagem como peça fundamental para despertar o ato de ler, encontrando ricas oportunidades de interagir e recriar de forma particular, através da sensibilidade, para discorrer sobre esse universo imagético e enriquecedor. A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato de “ler” o mundo particular em que me movia – e até onde não sou traído pela memória – me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e re-vivo, no texto que escrevo a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. Vejo-me então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem 128 EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE gente, tal a intimidade entre nós – a sua sombra brincava e em seus ga- LIVROS DE lhos mais dóceis a minha altura eu me experimentava em riscos menores IMAGEM SÃO UM que me preparavam para riscos e aventuras maiores (FREIRE, 2006, p. 12). Freire, ao relembrar o seu passado, deixa claro que, mesmo a criança não tendo a apropriação do código escrito, ela consegue expressar-se categoricamente através das suas experiências de vida e da leitura que faz do mundo. Sob esse prisma, o livro de imagem é um recurso que favorece que a criança desperte o desejo da leitura, uma vez que, enquanto pequeno/a leitor/a, é capaz de discorrer belissimamente sobre as sequências ilustradas a seu modo de ver e interpretar a realidade a sua volta. INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO ATIVA, CAPAZ DE TOCAR A IMAGINAÇÃO E A INTELIGÊNCIA DA CRIANÇA Corroborando essa reflexão, consideram-se iluminadores os argumentos de Weisz (2003, p. 106): diversidade cultural, social e também individual. Considera-se que as formas de aprender diferem, que os tempos de aprendizagem também, e que não tem sentido sonhar com todos os alunos caminhando igualmente em seu processo de construção de conhecimento. Para esta autora, é importante o educador não dar respostas prontas, mas fazer o aluno pensar, valorizando cada criança como um ser único de infinitas possibilidades de aprender e expressar-se por meio de sua sensibilidade. Nessa perspectiva, deve haver uma valorização do indivíduo como ser ativo, singular e social. Portanto, é imprescindível que reconheçamos a importância desse recurso na inserção do leitor iniciante nesse universo que ultrapassa a palavra escrita e que não tem fim, uma vez que cada releitura incita uma série de novas descobertas por parte do leitor. 2. REFLEXÕES O LIVRO DE IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL... A escola que propomos e buscamos é uma escola aberta à diversidade - a SOBRE A LEITURA DAS CRIANÇAS ACERCA DO LIVRO DE IMAGEM Contar e ouvir histórias permite a entrada da criança em um mundo encantador, cheio surpresas que divertem e ao mesmo tempo ensinam. Desta forma, é na relação lúdica e prazerosa da criança com a obra literária que se tem uma das possibilidades de se formar o leitor-mirim, bem como a exploração da fantasia e da imaginação, estimulando a criatividade e o fortalecimento da interação do leitor com as narrativas visuais. Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.123-135 • janeiro/julho • 2012 129 Partindo desse assentimento e de uma reflexão crítica acerca desse universo literário que possibilita que a criança se expresse através de suas experiências e valores, tal afirmação se apoia em um despertar por uma leitura que antecede a leitura da palavra escrita. Desta forma, a criança lerá através dos elementos simbólicos, tendo a oportunidade de desenvolver todo o seu potencial criativo e ampliar os seus horizontes desde a infância. Ler uma narrativa literária é um fenômeno de outra espécie. Muito mais sutil e delicioso. Vai muito além de juntar, formar sílabas, compor palavras e frases, decifrar seu significado de acordo com o dicionário. É um transporte para outro universo, onde o leitor se transforma em parte integrante da vida de um outro, GLAUCIA FEITOSA CUNHA,JONAS ALVES DA SILVA JUNIOR e passa a ser alguém que ele não é no mundo cotidiano (SMOLKA, 2009, p. 77). A partir do exposto acima, considera-se oportuno enfatizar que uma história traz consigo inúmeras possibilidades de aprendizagem. Assim, parte-se para a primeira etapa da pesquisa, em que se trabalhou a narrativa oral do clássico da literatura infantil “Patinho feio”, de Hans Christian Andersen. Foram entrevistadas 15 crianças. Elas responderam às questões tendo o auxílio da pesquisadora acadêmica, visto que as crianças ainda não leem o código escrito. Os dados foram organizados sob a forma de descrição dos aspectos fundamentais para uma análise, expondo com fidelidade as falas das crianças e a norma coloquial por elas empregada no desenvolvimento da coleta de dados. Algumas das questões que emergiram nessa primeira etapa da pesquisa foram as seguintes: Iniciamos perguntando às crianças: “Quem era o patinho feio?” LC: “Aquele que todo mundo brigou com ele, coitadinho”... “Vou convidar ele pra morar lá em casa”. MC: “Era aquele que cresceu... Cresceu e ficou bonito”. CA: “O que ficou bonito titia”. Pesquisadores: “Como ele foi tratado pelos animais?” MA: “O gato pegou ele... Aí... Ele correu, correu!”. LU: “O gato beliscou ele”. “Sabia que ele tava era com ciúmes do patinho”. DA: “Os animais bateu!”. 130 EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE Pesquisadores: “O que você entendeu do final dessa história?” LC: “Que ele foi muito feliz! Tinha um montão de patos brancos”. LU: “Ele viveu feliz com os amigos dele”. DA: “Porque os patos era muito bonitos e ele foi enfeitiçado e ficou bonito”. Desta forma, as crianças demonstraram com criticidade que, apesar de o patinho ser incompreendido pelos animais da floresta em relação a sua aparência física, este tem grande valor pela essência do ser, atraindo assim os pequenos leitores com base em uma situação simbólica que traz grandes lições de vida na sociedade, já que no seio social ainda existe uma forte reação do meio ao diferente. Outro aspecto significativo na aprendizagem do pequeno leitor foi o toque imaginativo dado à narrativa que já perpassa séculos na sociedade e a criança a cada leitura tem a capacidade de dar novos sentidos ao enredo da obra. Nesse caminho, parte-se para o segundo momento da coleta de dados, quando propusemos investigar os discursos produzidos pelas crianças com base nas narrativas visuais. Para isso, foi trabalhado o livro de imagem “Pê: o pato diferente” através de uma segunda entrevista semiestruturada realizada com os/as alunos/as. O LIVRO DE IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL... Sabe-se que os clássicos são tesouros para quem os lê e são mais valiosos ainda para quem consegue apreciá-los com prazer e profundidade. Interessante para nossa análise foi constatar que a obra literária exerceu grande influência nas crianças, provocando um brilho no olhar, um sorriso iluminado no rosto e o sentimento de desafeto pelos indivíduos que maltratavam o patinho denominado de feio na história. Nesse momento inicial, procuramos nos abster excessivamente de explanar ou dar qualquer tipo de instrução sobre como proceder na leitura do livro de imagem. Além disso, não fizemos nenhuma observação às crianças sobre o fato de o livro “Pê: o pato diferente” ser concebido exclusivamente por imagens. Nada revelamos sobre o enredo ou temas referentes ao livro. Assim, foi dada uma autonomia à criança para manusear e discorrer sobre a temática do livro de imagem. Alguns resultados que emergiram nessa segunda etapa da pesquisa foram os seguintes: Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.123-135 • janeiro/julho • 2012 131 A LITERATURA DEVE Pesquisadores: “Quem é Pê, o pato diferente nessa história?” SER APRESENTADA LC: “Esse patinho que tá ouvindo música.” À CRIANÇAS ANTES VI: “É o patinho amarelinho.” MESMO QUE ELAS CA: “Esse pato legal aqui da figura.” APRENDAM A LER Nessa pergunta inicial, a criança já consegue se apropriar, com base no livro de imagem, de quem é o personagem principal da história. Constatou-se que a leitura é um processo ininterrupto e permanente, que começa no momento em que a criança é capaz de perceber sinais e atribuirlhes significados que irão acompanhá-la por toda a vida. FORMALMENTE Pesquisadores: “Por que ele é considerado diferente nessa história?” MA: “Porque ele queria cantar e tocar e ser feliz” LU: “Porque ele queria tocar na banda e os seus irmãozinhos não queria toGLAUCIA FEITOSA CUNHA,JONAS ALVES DA SILVA JUNIOR car... Só ficava fazendo mesa com o papai.” DA: “Ele quer tocar música... Vou levar ele pra minha igreja.” Nas falas coletadas, observou-se que as crianças conseguiam acompanhar o enredo da história unicamente pelas ilustrações. É interessante ressaltar a fala da criança (DA): “Ele quer tocar música... Vou levar ele pra minha igreja”. Esta sentiu a necessidade de acolher o personagem principal da história, levando-o, por meio do imaginário infantil, para determinadas ações do seu dia a dia. Pesquisadores: “Qual era o sonho de Pê?” MC: “Era cantar e fazer banda.” CA: “Tocar o violão dele. Sem o pai dele atrapalhar né. Tia eu vou mandar prender o pai dele... para ele não atrapalhar o Pê." DA: “Tocar violão na igreja. Junto com meu primo.” Nesse prisma, as crianças enumeraram o real sonho do patinho Pê, desvelando múltiplos olhares apreciados durante a leitura do livro de imagem. É interessante a fala de (CA): “Tocar o violão dele. Sem o pai dele atrapalhar né. Tia eu vou mandar prender o pai dele... para ele não atrapalhar o Pê.”, reportando-se às autoridades que têm o encargo de proteger a sociedade em geral. Assim, a criança trouxe para a narrativa esses representantes com a finalidade de proteger o patinho Pê, de tal modo que pudesse realizar o seu sonho sem as relutâncias impostas pelo pai no enredo da história. 132 EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE Pesquisadores: “E o seu sonho, qual é?” MC: “De tocar bateria e violão igual o Pê.” CA: “Ser grande e ficar famosa cantando.” MA: “Meu pai comprar um violão. Mais ele não tem dinheiro pra comprar agora.” 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A literatura infantil foi representada nesta pesquisa em uma abordagem de interpretação imagética, carregada de significados, que foram apresentados a partir do contexto social, cultural do leitor-mirim. Deste modo, a leitura do livro de imagem foi considerada como o ponto de partida para um processo de desenvolvimento e reflexão pela criança. Apoiando-se nesse instrumento, os leitores iniciantes puderam concretizar uma leitura fruindo como embasamento sua própria visão de mundo, tendo em vista que a criança é um ser social, ativo e pleno de descobertas, sobretudo nas relações adquiridas com o outro. O LIVRO DE IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL... Vindas de universos culturais diferentes, as crianças proferem valores distintos. Assim, os discursos suscitados desvelam experiências do seu cotidiano, bem como seus anseios para o futuro. Deste modo, destacamos a fala de (MC): “De tocar bateria e violão igual o Pê”, em que há uma identificação com a escolha profissional do personagem principal da narrativa visual. Assim, a partir da leitura do livro de imagem, oportunizou-se ao pequeno leitor fazer uma leitura de mundo muito significativa no florescer das suas habilidades ao longo do tempo. Nesse cenário rico em aprendizagens, é salutar o excelente desenvolvimento das crianças em relação à leitura, pois, firmados numa leitura que antecede a leitura da palavra escrita, viu-se, ao longo desse itinerário, que cada criança é um ser especial capaz de abrilhantar o livro de imagem com suas contribuições tão singelas, transparentes, impregnadas de fantasias e desejos que foram ao longo do caminho realizados através da leitura que cada leitor produziu da narrativa visual “Pê: o pato diferente”. Logo, é crucial mencionar que as leituras diversas produzidas por cada criança através de um único livro de imagem deixam claro que este recurso é repleto de novos significados imbuídos a cada Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.123-135 • janeiro/julho • 2012 133 nova leitura desempenhada pelas crianças. É fundamental valorizarmos cada leitura em sua plenitude, uma vez que as crianças conseguiram discorrer sobre a narrativa visual tão sutilmente. GLAUCIA FEITOSA CUNHA,JONAS ALVES DA SILVA JUNIOR A sociedade exige profundas mudanças e lança-nos importantes desafios diariamente. Nesse caminho, a escola e a família também têm de evoluir para uma educação mais significativa. Para tanto, é imprescindível que comecem a transmitir o ensino da literatura infantil prazerosamente às crianças, de tal modo que, quando crescidas, possam enfrentar e transformar a sua realidade. A nosso ver, o grande valor dado à literatura infantil permitirá à criança acreditar em si mesma e construir, por meio do imaginário, o seu lugar no mundo. A literatura infantil é um instrumento que abre portas para a criatividade, pois a criança, desde muito pequena, já tem uma bagagem rica em aprendizagens que facilita a expressão frente ao clássico literário e às narrativas visuais. Dessa forma, é possível reconhecer o grande valor tanto da utilização do clássico literário “Patinho Feio” quanto do livro de imagem “Pê: o pato diferente”. Sanches (2009 apud BOM-FIM, 2009, p.6) prestigia a importância de “cultivar” esse recurso tão admirável que é o livro de imagem: Entre a colheita de significados pelas imagens e a colheita de significados pelas letras, o ser humano continua em sua roça cotidiana, fazendo leituras e joeirando os muitos sentidos que são dados para ou que ele descobre em sua própria vida. Nessa trajetória, a leitura do livro de imagem proporcionou aos seus leitores a oportunidade de partilhar e reconstruir criativamente o imaginário e a sua potencialidade idealizadora. Presentemente, as crianças continuarão em sua “roça cotidiana”, mas com uma nova semente para ser “colhida”, vivenciada, transformada a cada nova leitura incitada pelo livro de imagem. 134 EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE REFERÊNCIAS ANDERSEN, Hans Christian. O patinho feio 10ª ed. São Paulo: Ática, 1999. BENJAMIM, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984. BOM-FIM, Tereza. O livro de imagem: um (pré) texto para contar histórias. 3ª ed. Imperatriz, MA: Alma de Artista, 2009. ________. O livro de imagem: um (pré) texto para contar histórias. Caderno de atividades. Imperatriz, MA: Alma de Artista, 2009. RENNÓ, Regina Coeli. Pê: O pato diferente São Paulo: FTD, 1993 (Coleção Roda Pião). SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. 12ª ed. Campinas, SP: Cortez, 2009. VIEIRA, Silvia Helena. A criança fala: a escrita de crianças em pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008. WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2003. O LIVRO DE IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL... FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1982. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2006. Revista UNI • Imperatriz (MA) • ano 2 • n.2 • p.123-135 • janeiro/julho • 2012 135