Por José Eduardo Telles
A astrofísica extragaláctica é a ciência que estuda as galáxias distantes no
universo, além de nossa própria Galáxia,
a Via Láctea, onde reside nosso modesto
Sol, uma estrela entre outras cem bilhões
de estrelas.
Apenas no início do século XX começamos a identificar as nebulosas observadas
como outros conglomerados de estrelas,
bem além das dimensões de nossa Galáxia,
estendendo o universo a dimensões literalmente extragalácticas. Isso foi possível
com a descoberta de técnicas de determinação de distâncias que permitiram, cada
vez mais, o acesso ao universo distante,
nos libertando do nosso conceito, até o
século XIX, de um universo constituído de
nosso sistema solar envolto por uma esfera
celeste projetada sobre nós.
Edwin Hubble, astrônomo americano,
que dá seu nome ao telescópio espacial, foi
o primeiro a verificar o caráter extragaláctico das nebulosas (que hoje sabemos serem
galáxias externas), e também a determinar
que a distância à galáxia Andrômeda era
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bem maior que o tamanho de nossa própria
Galáxia, aumentando a escala de tamanho
do universo até então conhecida. Andrômeda é a única galáxia de porte (tamanho
e massa) parecida com a nossa Via Láctea
no grupo local de galáxias constituído de
poucas dezenas de outras galáxias menores que nos rodeiam. Andrômeda (Figura 1
— acima) se encontra a apenas dois milhões
de anos-luz, enquanto hoje encontramos
galáxias distantes a alguns bilhões de
anos-luz da Terra. Estimamos que existam
centenas de bilhões de outras galáxias no
universo.
O telescópio espacial Hubble, lançado
em 1990, tem dado grandes contribuições
ao conhecimento astronômico em várias
áreas, mas particularmente na nossa visão do universo distante. Um dos marcos
importantes foi a imagem profunda do
Hubble em meados da década de 1990, e
posteriormente em 2004, a imagem ultraprofunda do Hubble (Figura 2). Esta imagem
obtida, representa um momento onde a
luz da maioria das galáxias que vemos foi
emitida quando o universo tinha aproximadamente metade de sua idade atual de
13,7 bilhões de anos. Como a luz tem uma
velocidade finita (300.000 km/s), leva-se o
tempo proporcional a distância do objeto
emissor para que chegue até nós. Desta
forma, ao olharmos para o universo vemos
sucessivamente momentos mais anteriores
quanto maior a distância. Portanto, o campo profundo do Hubble é uma fotografia do
universo passado, enquanto que imagens
de galáxias mais próximas correspondem a
momentos do universo mais atual. Do universo distante ao universo mais próximo
temos um filme da evolução das galáxias
no universo, e do próprio universo. Como evoluem as galáxias e como evolui o
universo como um todo é tema da Cosmologia Observacional Moderna.
Um dos pilares do nosso conhecimento cosmológico atual vem também
de Edwin Hubble com sua descoberta de
um indicador de distâncias cosmológicas
poderoso, a chamada Lei de Hubble. A Lei
de Hubble diz que quanto maior a veloci-
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tura de 2.7K, e já havia sido prevista em teoria anteriormente por
George Gamov, Ralph Alpher e Robert Herman, em 1948. Em
2006, John Mather e George Smoot também foram aureolados pelo
Prêmio Nobel, pela construção e lançamento do satélite da NASA
Cosmic Background Explorer (COBE) e pelas suas contribuições
para o esclarecimento da natureza e das anisotropias da radiação
cósmica de fundo (Figura 3). Essas anisotropias correspondem a
flutuações de densidade de matéria no universo primordial que
deram origem às estruturas em larga escala que observamos no
universo, desde seus primórdios até o universo próximo e presente. São as sementes das galáxias e aglomerados de galáxias que
observamos. O estudo da evolução dessas estruturas desde que
nasceram até chegarem ao estado atual permite acompanharmos a
evolução do próprio universo, pois a distribuição, número e massa
dessas estruturas, galáxias e aglomerados de galáxias, delineiam a
estrutura do universo que dependem de suas propriedades integradas, como sua geometria, conteúdo de matéria e energia. Aqui
reside nossa ignorância atual.
Figure 2. Campo Ultra-Profundo do Hubble (HUDF do inglês) é uma imagem
observada pelo telescópio Hubble com a nova câmera avançada para buscas
(ACS) com uma exposição de um milhão de segundos. A imagem revela as
primeiras galáxias se formando no Universo distante e jovem.
dade em que as galáxias se afastam, maior é a distância entre as
galáxias. Já se conhecia do trabalho anterior de Vesto Slipher, no
começo do século XX, que as nebulosas observadas estavam todas
se afastando de nós, ou seja, tinham velocidades de recessão em
relação a nós. Tudo se afasta, e as velocidades em que se afastam é
proporcional às suas distâncias. O universo está se expandindo. Se
retrocedermos esse filme, então, a Lei de Hubble tem uma consequência inevitável: o universo teve um início. Esta constatação levou ao modelo, atualmente aceito, sobre a origem do nosso universo, apelidado de Big Bang. Esse apelido foi cravado involuntariamente pelo famoso astrofísico Fred Hoyle, árduo opositor da
ideia, como também o era Albert Einstein. Quando verificou que o
universo realmente estaria se expandindo, Einstein lamentou haver incluído em suas equações da relatividade geral uma constante
cosmológica para que o universo fosse estático, como acreditava,
afirmando que este havia sido seu maior erro. Mal sabia ele, que
sua constante seria ressuscitada nos tempos modernos, com nova
roupagem, e por outros motivos que discutirei brevemente abaixo.
A figura moderna sobre a origem do universo teve uma contribuição importante com a descoberta acidental da Radiação
Cósmica de Fundo por Arno Penzias e Robert Wilson em 1965, que
lhe conferiram o Prêmio Nobel em Física, em 1978. Essa radiação
eletromagnética corresponde a um corpo negro com a tempera-
Figura 3. Esta imagem de todo o céu do Universo recém-nascido feita pelo satélite Wilkinson (WMAP) mostra a radiação cósmica de fundo em microondas.
A imagem revela as flutuações de temperatura (diferenças de cores) que correspondem às sementes de matéria que crescem para tornarem-se em galáxias.
Essas flutuações são da ordem de 100.000 vezes menores que a temperatura
integrada de 2,7K (1K = -273,15°C).
Sabemos o quanto não sabemos
Em 2011, novamente a astronomia foi reverenciada com o
Prêmio Nobel de Física para os americanos Saul Perlmutter, Brian P.
Schmidt e Adam G. Riess por seus trabalhos sobre a expansão acelerada do universo através da observação de estrelas supernovas
distantes. Esses são eventos estelares explosivos que permitem
a determinação de distâncias cosmológicas. Até então, entendiase que o universo expandia desaceleradamente por efeito de sua
autogravidade. Todo o conteúdo do universo o impedia de manter sua velocidade de expansão. No entanto, os estudos recentes
mostram que as supernovas aparecem mais distantes que pode-
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riam estar num universo em expansão desacelerada, indicando
então que o universo, ao contrário, está acelerando! Isso implica
na inevitável conclusão de que além de toda matéria do universo
há uma contribuição adicional à expansão, de uma energia contrária à gravitação fazendo que ele acelere. Essa energia tem origem
desconhecida, mas é responsável por 70% de toda energia contida
dentro do universo. Por não conhecermos sua origem, a denominamos de Energia Escura. Na teoria, essa energia se comporta de
forma similar ao efeito da constante cosmológica que Einstein havia abandonado, daí minha menção à sua ressurreição, já que ela é
agora necessária para descrever o universo com uma componente
de energia escura.
O desconhecimento da origem da energia escura vem se juntar a outro incômodo do conhecimento cosmológico já existente a
quase um século: um tipo de matéria que, também, não sabemos
sua origem. Desta forma, essa componente do universo também
foi apelidado como Matéria Escura. Essa matéria é somente detectada através de efeitos gravitacionais indiretos, como as altas
velocidades das galáxias em aglomerados de galáxias, indicando
que o aglomerado possui mais massa do que a das próprias galáxias. No entanto, essa massa não emite luz de nenhuma espécie.
Essa matéria escura de origem desconhecida é responsável por
cerca de 26% de toda energia contida dentro do universo. Por
outro lado, o tipo de matéria que conhecemos e que constituem
as estrelas, as galáxias, gás, poeira, eu e você, chamada Matéria
Bariônica, consiste o restante de apenas 4% (Figura 4).
Matter and Energy in the Universe:
A Strange Recipe
Figura 4. Matéria e Energia no Universo: uma receita estranha. Este gráfico
mostra que a matéria que conhecemos (Bárions) constitui apenas 4% de toda
densidade de energia do Universo. Outras componentes desconhecidas dominam o conteúdo de todo Universo, a energia escura e a matéria escura com
aproximadamente 67% e 29%, respectivamente.
Como surgem as galáxias
No contexto cosmológico da teoria do Big Bang, o universo
evolui de forma hierárquica, ou seja, cresce das pequenas estruturas
às estruturas maiores. Esse crescimento se dá a partir das flutuações de densidade de matérias primordiais que são observadas na
radiação cósmica de fundo, que dão origem a halos de matéria escura, dentro dos quais se condensa a matéria que conhecemos de
gás e poeira para formar as estrelas e galáxias. A evolução do universo e crescimento das estruturas em larga escala são dominadas
pela gravitação e pela expansão acelerada. Pequenos halos de matéria escura são os berçários das primeiras estrelas, que colapsam
gravitacionalmente, e posteriormente se fundem sucessivamente,
através de colisões, para formarem as maiores estruturas como
galáxias e aglomerados de galáxias, que vemos no universo local
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(Figura 5). Neste modelo, quando olhamos para o universo distante, esperamos ver galáxias menores, e em processo de fusão. Essa
previsão é confirmada através das observações modernas.
Figura 5. Representação artística dos momentos evolutivos do Universo, desde
seu início o Big Bang até as galáxias observadas no Universo local e presente.
Quantitativamente, essas previsões provêm de modelos
computacionais que a partir das sementes da evolução de estruturas, e com prescrições da física da gravitação, produzem um
modelo de evolução de estruturas em larga escala. Esses modelos
são bastante complexos, pois praticamente, criam um universo
no computador e fazem com que ele evolua dentro das regras da
gravitação, e dos efeitos dos outros constituintes do universo, como matéria bariônica (que conhecemos como gás e poeira), e os
efeitos de troca de energia das estrelas durante suas vidas ou nas
suas mortes. Mais recentemente, os efeitos energéticos de grandes
buracos negros supermassivos que surgem em núcleos de galáxias, também parecem ter grande importância para o crescimento
e destino das estruturas neste universo em expansão.
Em resumo, o universo surgiu de um momento inicial, onde
todo espaço e tempo foi criado há 13,7 bilhões de anos. Desde então ele continua em expansão. Recentemente descobriu-se tratar
de uma expansão acelerada devido à presença de uma componente
misteriosa de energia que não conhecemos a origem ou natureza, a energia escura. As galáxias, suas estrelas e aglomerados de
galáxias surgem do crescimento de halos de matéria escura, que
também não conhecemos sua origem ou natureza. O crescimento
se dá do colapso gravitacional dos halos escuros, em competição
com o crescimento do espaço devido à expansão do universo, e
fusões de halos escuros pequenos formando estruturas cada vez
maiores.
O destino deste universo em expansão acelerada e suas
estruturas dependerá das propriedades destes componentes desconhecidos que compoem o universo, a energia escura e a matéria
escura. Desta forma, estudarmos as propriedades das galáxias em
cada época do universo, e associarmos ao que observamos hoje
no universo local, nos permite restringirmos os modelos cosmológicos, tornando-os cada vez mais precisos, e consequentemente
permitindo que nosso conhecimento avance. Essa é uma das principais razões para o estudo em Astronomia Extragaláctica.
José Eduardo Telles, Pesquisador Titular do Observatório Nacional – Rio
de Janeiro. PhD em Astrofisica pela University of Cambridge (Inglaterra).
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