EDUCAÇÃO BÁSICA E SUPERIOR: UMA CONVERSA SOBRE
ESTAS DIFERENTES REALIDADES NA BUSCA DE NOVOS
CAMINHOS E PRÁTICAS EDUCAÇÃO
Celso Ilgo Hens 1
Francine de Bem Rossi 2
Ane Carine Meurer 3
Fabiane A. T. Costas4
Clóvis R. J. Guterres5
Hugo A. Fontana6
Resumo:
O Projeto Relações Dialógicas e Interativas entre professores da Educação Básica e Superior
tem por objetivo estabelecer uma relação, uma comunicação e uma interação entre
professores da Educação Básica e Superior, promovendo um contínuo contato dos saberes e
experiências do contexto educacional nos seus diferentes níveis e/ou espaços-tempos. Para
isso, participaram três escolas estaduais de Santa Maria. Após, investigarmos o pensar dos
professores da educação básica em relação à interação universidade-escola, que para eles é
praticamente inexistente, delimitamos três temáticas guias para serem refletidas e debatidas
no desenrolar do projeto, que foram: Interdisciplinaridade, Avaliação e Auto-estima,
instigando assim, uma construção coletiva sobre o que fazer, como fazer, quando fazer não e
muito simples, reservando para todos momentos de conflitos, angústias e inquietações.
Através de encontros quinzenais baseados em reflexões de textos direcionados, reportagens,
documentários e/ou as próprias vivências dos professores envolvidos, estes puderam
expressar muitas de seus pensares e inquietações, pois experiências e vivências, tanto da
educação básica, quanto da educação superior se entrelaçaram fazendo com que, ao mesmo
tempo realidades próximas e distantes se chocassem e, mutuamente, chegassem a uma
colaboração, levando a uma prática educativa melhor e mais justa, sem atropelos, receitas,
manipulações e/ou "palestras". Os “resultados” para nós pareceram um pouco difícil, pois
muitas vezes o que parece ser um resultado ou um ponto de culminância passa a funcionar
como o começo de um novo processo. Ainda assim, registramos a riqueza que significou para
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Prof. Dr./ ADE/CE – UFSM/ Coordenador do Projeto;
Acadêmica do Curso de Pedagogía / UFSM;
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Profª Dra. FUE/CE-UFSM/ Paticipante do Projeto;
4
Profª Dra.FUE/CE-UFSM/ Participante do Projeto;
5
Prof. Dr. ADE/CE-UFSM/ Participante do Projeto;
6
Prof. Dr. ADE/CE-UFSM/ Participante do Projeto
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os participantes individualmente e para as instituições envolvidas, pois as reflexões eram
embasadas na realidade das mesmas e se dirigiam para repensar, modificar e/ou melhorar a
caminhada educacional e humana das mesmas. Com essa vivência, pensamos então que hoje
em dia a preocupação maior de professores das universidades não deva ser em levar
conhecimento aos nossos colegas da educação básica, resultando em falas muito distantes da
realidade, mas sim trocar idéias e perceber que ainda há muita coisa significativa
acontecendo em algumas escolas e de que esta relação só tem a beneficiar ambas as partes.
Palavras-chave: Interação. Níveis de educação. Reflexão.
Apresentação
O projeto de pesquisa e extensão Relações Dialógicas e Interativas entre
Professores da Educação Básica e Superior objetivou, através da interação e comunicação,
aproximar de uma forma significativa universidade – escola, ou seja, professores da
Educação Superior e professores da Educação Básica.
Este projeto teve início no ano de 2004 e término ao final de 2005. Como primeiro
passo da pesquisa, tendo como participantes as escolas Estaduais Edna May Cardoso, Irmão
José Otão e Érico Veríssimo, de Santa Maria/RS.
Definidas as escolas, foi elaborado um questionário para ter a noção de qual a visão
dos professores da educação básica em relação à interação entre os níveis de educação, para
que a partir disto dar forma ao andamento do projeto. Após este contato e a constatação de
que essa comunicação é quase inexistente, deu-se início a reuniões quinzenais, onde os
professores da Educação Básica e Educação Superior encontravam-se e discutiam sobre
questões de aproximação entre os níveis de educação e sobre as práticas escolares cotidianas.
Contudo, a intenção não era trazer fórmulas, mas através de uma metodologia de pesquisaação, ir construindo reflexões, análises e perspectivas de ação, sempre através do diálogoproblematizador, tudo sendo decidido, planejado e executado coletivamente.
Como conseqüência das reflexões, decidiu-se trabalhar de uma forma mais
aprofundada três temáticas-guias: Auto-estima, Interdisciplinaridade e Avaliação. A partir
destes temas e de leituras, filmes e documentários direcionados, foram possíveis grandes
discussões voltadas ao cotidiano escolar e às variadas angústias e inquietações que os
professores carregam e que, muitas vezes, não conseguem resolver de uma melhor forma.
Experiências foram partilhadas, reflexões forma sendo discutidas, textos e autores sendo
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discutidos, para, a partir destas diferentes instâncias, juntos ir construindo novas perspectivas
e horizontes.
Nesse sentido, muitas dúvidas e interrogações foram esclarecidas através da
participação de todos e através das diferentes visões de educação que existiam. Mesclou-se
de uma forma decisiva então, a teoria e a prática escolar e também as diferentes visões de
professores da universidade e professores da educação básica.
Com isso e além das significativas mudanças de “como fazer dentro da sala de aula”,
os professores participantes tiveram a oportunidade de virem até o Centro de Educação e
presenciar palestras e diálogos com os demais professores da instituição e de ministrar
palestrar sobre os projetos da suas escolas e sobre a suas práticas educativas, principalmente
sobre construção do projeto político-pedagógico, avaliação e interdisciplinaridade. Por fim,
em sub-grupos, foram elaborados textos sobre as três temáticas-guias, com a intenção de
socializar os mesmos através da publicação de um livro que narre o andamento do projeto e
as riquíssimas reflexões que houve durantes todos os encontros deste projeto.
A interação dos diferentes níveis de educação: um novo pensar sobre a auto-estima,
interdisciplinaridade e avaliação
Atualmente, de uma forma mais amena, mas ainda significante, percebemos o quanto
o método tradicional ainda está presente nas escolas e no cotidiano das salas de aula. Alunos
com aprendizagens precárias e desmotivados com a escola, professores que desistem e não
inovam suas práticas são freqüentes na realidade escolar. Outras escolas procuram mudar,
mas sentem-se inseguras. Nestes momentos, recorrer a quem? Poder ter um diálogo com a
universidade e com seus professores, bem como reflexões dialógicas entre os próprios
professores da educação básica, pode ser de grande importância. Pensar numa aproximação e
numa troca de idéias onde ambas as angústias podem ser sanadas contribui muito para a
educação em nosso cotidiano, tanto na educação básica como no ensino superior.
Nessa perspectiva, e com a pretensão de repensar e corroborar com as práticas
pedagógicas, optou-se por articular os encontros em torno de três temas, para, através de
processos dialógico-reflexivos, repensá-los, visando modificar e positivar o processo de
ensino-aprendizagem em sala de aula.
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Auto-estima
Inicialmente pensamos no fator auto-estima que precisa estar presente em todo ser
humano e que afeta a realidade escolar de forma decisiva. Esta refere-se ao valor que
atribuímos a nós mesmos, ao conceito que temos sobre nossas limitações e potencialidades.
A baixa auto-estima é um dos principais problemas médicos, posto que se insinua como o
mais importante fator no desenvolvimento de patologias psicológicas, e é, sem dúvida, um
dos maiores problemas nos processos de ensino-aprendizagem. Como problema educacional,
a auto-estima pode ser vista de dois ângulos: a do professor e a do aluno. Professores e
alunos com essa síndrome são pessoas infelizes, incapazes de considerarem a si mesmas
como membros aceitáveis, criaturas significativas; inconscientemente, negam a própria
crença em si mesmas e também nos outros.
Em relação à auto-estima do aluno, é importante considerar que a criança vai
construindo a imagem que faz de si com base no que vê e no que ouve dos adultos que a
rodeiam. Se essas pessoas não a valorizam, sua auto-estima fica comprometida. Em principal
colocação fica a valorização do professor em relação ao aluno. Para isso, é bom ter sempre
em mente que ninguém é bom em tudo. Cada um faz alguma coisa melhor que os demais.
Cabe ao professor descobrir e valorizar essas outras competências, que não só as
normalmente cobradas no contexto educacional. Assim, nota-se que a melhor maneira de
manter a auto-estima da classe em alta é garantir o sucesso na aprendizagem do aluno e
valorizar estes, independente de suas dificuldades e/ou particularidades. Acreditar que todos
podem aprender.
Contudo, existe o outro lado da moeda. Não apenas o aluno tem baixa auto-estima,
mas o professor também. Vários são os motivos da baixa auto-estima do professor, como
falta de apoio e recursos nas escolas, salário não condizente com o tempo e empenho no
trabalho, o sentimento de impotência, gerado pela ideologia decorrente de um sistema sócioeconômico baseado no desejo (ganância?) do lucro fácil e rápido, em detrimento da
qualidade e dos objetivos a que se propõe a educação; a falta de condições instrumentais do
professor, que lhe garantam a capacitação adequada para o exercício profissional.
Em busca de soluções que levem modificações ao ensino, ressaltamos a importância
daquelas que possibilitem a valorização e o aperfeiçoamento do professor, devido ao seu
papel direcionador na relação pedagógica, de inegável relevância política e social. Dentro
desse contexto, torna-se imprescindível o papel interlocutor das universidades, criando novas
metodologias, levantando e discutindo propostas para a melhoria da qualidade da educação,
cabendo à sociedade a decisão quanto à efetivação das mudanças. Os valores e a realidade da
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educação variam conforme as tendências sócio-históricas que a envolvem, podendo
transformar a função de educar em um simples ato mecânico, rotina de sala de aula.
Conseqüentemente, o professor deve manter-se atento à sua maneira de ser e agir enquanto
profissional.
O reconhecimento da importância do professor no desempenho de seu papel de
educador não depende exclusivamente dele, mas principalmente da escola como instituição
social, o que somente se efetiva em decorrência dos valores determinados pela sociedade.
Com isso, baseamo-nos em Luckesi (1996), quando nos alerta que a prática pedagógica vira
uma rotina, onde baseia-se em escolher um conteúdo, preparar uma aula expositiva, sem
dinâmica e sem inspiração para o aluno querer aprender e, por fim, aplicá-la, tornando-se
uma rotina, sem reflexões, aprendizagens e continua formação para uma prática cada vez
melhor. Ou seja, uma maneira de total desvalorização da docência, onde o processo de
ensino-aprendizagem é considerado como algo simples de se realizar, sem complexidade
alguma, sem interação, sem estimulação e desejo.
Por estas razões, sempre é importante pensar nos dois ângulos da auto-estima, o que é
relevante não só nos processos de ensino-aprendizagem, mas também para o exercício da
cidadania, para a qualificação profissional, enfim, para o pleno desenvolvimento das pessoas
humanas. Professores e alunos têm suas particularidades e todas devem ser levadas em conta
no momento em que professores e alunos ensinam e aprendem.
A interdisciplinaridade
Outro tema desafiante na realidade escolar é a interdisciplinaridade, onde a vida, a
natureza são uma só e a partir desta perspectiva global, de totalidade, que a educação ganha
sentido, buscando interligação entre as várias disciplinas entre si e destas com os fatos, as
necessidades e as diferentes realidades. Contudo sabemos que esta não é uma realidade
presente, pois na maioria das vezes os conteúdos são explanados dissociadamente, de forma
dicotomizada e focalista, como se as áreas curriculares não se interligassem e não se
completassem e nada tivessem a ver com o mundo, a vida, a natureza e a sociedade que estão
em constante e dinâmica evolução. Ao sistematizar o ensino do conhecimento, os currículos
escolares ainda se estruturam fragmentadamente, fazendo com que muitas vezes seus
conteúdos sejam de pouca relevância para os alunos, que não vêem neles um sentido.
Para tanto, é importante deixar claro que a prática docente, ao adotar a
interdisplinaridade como metodologia no desenvolvimento do currículo escolar, não significa
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o abandono das disciplinas nem supõe para o professor uma “pluri-especialização” bem
difícil de se imaginar, com o risco do sincretismo e da superficialidade. Para maior
consciência da realidade, para que os fenômenos complexos sejam observados, vistos,
entendidos e descritos torna-se cada vez mais importante a confrontação e o entrelaçamento
de olhares plurais na realização de situações de ensino-aprendizagem. Daí a necessidade de
um trabalho de equipe realmente interdisciplinar, que dialoga com as diferentes pessoas e
área de conhecimento, sempre de forma contextualizada sócio-histórico-culturalmente.
A contextualização, outro princípio pedagógico que rege a articulação das disciplinas
escolares, não deve ser entendida como uma proposta de esvaziamento, como uma proposta
redutora dos processos ensino-aprendizagem, mas como uma circunscrita ao que está no
entorno imediato do aluno, suas experiências e vivências, o mundo e a sociedade em que
vive. Um trabalho contextualizado parte do saber dos alunos para desenvolver competências
que venham a ampliar este saber inicial. Um saber que situe os alunos num campo mais
amplo de conhecimentos, de modo que possam efetivamente se integrar na sociedade,
atuando, interagindo e interferindo sobre ela. Com isso, norteamo-nos por Japiassu (1976)
quando ilumina-nos com o pensamento de que a atitude interdisciplinar nos faz viver o drama
da incerteza, da insegurança, onde nos libertamos das amarras de porto-seguro, fazendo com
que, por mais difícil que seja, enxergamos nossos limites do pensamento. Ainda através de
Japiassú (1976), mas muito além da insegurança, presenciamos a interdisciplinaridade
caracterizada pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real
das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa, enriquecendo assim, de forma
significativa, tanto a prática educativa quanto a formação continua destes profissionais.
Consequentemente, percebemos a integração das áreas do conhecimento
importante não só para ao aprendizes, mas também para professores, tanto em formação
como atuantes.
A Avaliação
Como último tema articulador, pensamos a Avaliação. As propostas curriculares
atuais, bem como a legislação vigente, primam por conceder uma grande importância à
avaliação, reiterando que ela deve ser contínua, formativa e personalizada, concebendo-a
como mais um elemento do processo de ensino aprendizagem, o qual nos permite conhecer o
resultado de nossas ações didáticas e, por conseguinte, melhorá-las. Analisando-se as
propostas pedagógicas das escolas, os planos escolares, os regimentos escolares, todos eles
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pertencentes ao plano das ordenações legais, pode-se afirmar que esse conceito de processo
de avaliação encontra-se presente na maioria deles.
Essas idéias, presentes no papel e no discurso formal de muitos docentes, precisam,
porém, concretizarem-se e desenvolverem-se para modificar as práticas cotidianas (as quais
infelizmente divergem do discurso e dos papéis) para uma direção inovadora que traga um
aumento da qualidade do ensino, inserindo a avaliação como um momento do ensinoaprendizagem na perspectiva dialógica, diagnóstica, emancipadora e recondutora dos
caminhos seguidos e com pouco êxito. Para Perrenoud (1999) “o sistema tradicional de
avaliação oferece uma direção, um parapeito, um fio condutor; estrutura o tempo escolar,
mede o ano, dá pontos de referência, permite saber se há um avanço na tarefa, portanto, se há
cumprimento do seu papel” (p.156).
Ainda outros autores serviram como ponto de partida para as reflexões e
reconstruções sobre a avaliação. Partindo de Luckesi, Hoffman e Freire, muitas escolas já
vêm superando a cultura da nota e da reprovação, voltando-se para o processo de construção
que os alunos conseguem ir realizando no ensino-aprendizagem; em muitos casos é preciso
uma acompanhamento mais individualizado, em turnos paralelos e com estratégias
diferentes, momentos em que a auto-estima e a interdisciplinaridade tornam-se componentes
fundamentais.
Por fim, pode dizer-se que é possível, e vale à pena, fazer algo diferente na busca de
novos horizontes para a educação e para formação inicial e continuada de professores e o
maior sentido e êxito das relações e processos de ensino-aprendizagem. E, mais ainda, é
possível fazer isto nas instituições públicas, com professores dos sistemas públicos, tanto da
educação básica como do ensino superior. Assim, os professores vão resgatando a sua razão
de ser, a sua auto-estima, mas o ganho maior acaba sendo paras o educandos e para a
sociedade em geral.
Referências bibliográficas
JAPIASSU, H. (1976). Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e preposições. São
Paulo: Cortez, 1996
PAULO, Freire. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2000.
_____. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a pratica educativa. São Paulo. Paz e
Terra, 2003
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____. Quer fazer: teoria e prática em educação popular. Petropolis. Vozes, 1989
PERRENOUD, PHILIPPE. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos
professores e do desafio da avaliação. Porto Alegre. Artmed, 2002.
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