Economia verde: cenário brasileiro e exemplos na Amazônia
Por Guilherme Checco [1]
São Paulo, 22 de julho de 2015
Contexto:
Este artigo tem como objetivo apresentar parte das ideias expostas durante o
segundo encontro do “Diálogos sobre a Amazônia na contemporaneidade:
ateliê de ideias e propostas”, desenvolvê-las e articulá-las com outras fontes
de informações sobre o tema.
O projeto em questão ocorre no âmbito do acordo de cooperação técnicocientífica firmado entre o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e o
Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, em novembro de 2014. Nesse
contexto, o Instituto de Estudos Avançados (IEA) integra a parceria por meio do
Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Territorialidade e Sociedade.
Encontro sobre Economia Tradicional x Economia Verde na Amazônia 11 de maio de 2015
Expositor:
Edson Vidal - professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz/USP e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Recursos
Florestais.
Artigo:
Nos debates atuais, não é raro deparar-se com o embate entre aqueles que
consideram o desenvolvimento econômico e geração de lucro como única
importância, enquanto que outros compreendem que o meio ambiente é
intocável independente das necessidades sociais frente a um mundo
capitalista. A economia verde vai reformular o modo de produção da economia
tradicional, tendo como um de seus objetivos ser uma economia de baixo
carbono. Algumas de suas características são: compreensão de que os
recursos naturais são finitos, incentivo às práticas de reutilização, reciclagem e
reuso e a busca por fontes de energia renováveis [2]. Portanto, o conceito de
economia verde é consonante com a definição de desenvolvimento
sustentável, uma vez que enxerga a possibilidade de gerar desenvolvimento
socioeconômico a partir das riquezas naturais de forma sustentável, sem se
estruturar sob práticas predatórias. “O caminho certo é viabilizar uma nova
economia, que proporcione renda e emprego, aproveitando insumos regionais,
finalidades que se harmonizam com o principio da floresta em pé”
(MARCOVITCH, 2011, p. 39).
O modelo de economia verde coloca um desafio a ser enfrentado e, para que
seu objetivo se concretize, muitos avanços devem ser planejados, desde
questões culturais até capacidades tecnocientífícas. O padrão de
desenvolvimento atual (“economia de fronteira” – BECKER, 2005),
predominante na maioria dos países e empresas, possui uma tendência
explicitada no Gráfico 1, na qual um aumento do IDH (renda per capita, saúde
e educação) normalmente é acompanhado de um aumento da pegada
ecológica[3]. Portanto, o desafio a ser enfrentado pela economia verde e pelo
desenvolvimento sustentável é quebrar essa tendência e gerar
desenvolvimento socioeconômico de maneira não predatória (visualmente no
Gráfico 1, isso representaria avançar no eixo X, sem avanços consideráveis no
eixo Y).
Gráfico 1: Pegada Ecológica X IDH
Fonte: www.footprintnetwork.org
A quebra desta tendência linear enfrenta dificuldades, sendo uma delas
referente à capacidade tecnológica e científica que dispomos atualmente. Ou
seja, a ciência tem de gerar possibilidades para que a economia verde seja
competitiva em relação às atividades predatórias. Para que o modelo de
produção sustentável seja competitivo em relação à economia tradicional, ele
deve superar o desafio de conseguir gerar renda satisfatória tanto aos
investidores quanto aos colaboradores das comunidades locais. A ciência,
portanto, tem o desafio de conseguir gerar valor sobre as imensas
potencialidades provindas da natureza, mas tendo como preocupações centrais
sua sustentabilidade, sua capacidade regenerativa e a otimização de espaços
e recursos.
Fica claro que a superação desse substancial desafio só será possível se
houver significativos investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Mais do
que somente os investimentos, é necessária uma articulação entre Estado,
setor privado e academia para que essa geração de conhecimento ganhe
escala e consiga contribuir efetivamente para que haja o avanço do modelo de
economia tradicional em direção à economia verde. Alguns importantes
avanços nesse sentido colocam-se a partir de investimentos significativos na
criação de centros de inovação regionais, remuneração atraente aos
pesquisadores e cientistas, e segurança jurídica e institucional (novos
procedimentos e normas ágeis) para que esses investimentos em inovação e
pesquisa se concretizem e prosperem. As ações nessa direção por parte dos
atores brasileiros ainda são muito escassas.
O governo da União criou, no final de 2008, mais de cem
Institutos Nacionais de Ciência & Tecnologia em todo o país,
aplicando uma verba total de R$550 milhões para pesquisas no
próximo triênio. Isso é positivo, mas insuficiente. A Amazônia
ganhou apenas nove unidades (...) (MARCOVITCH, 2001, p. 54).
Existem alguns centros de pesquisa que são considerados referências na
Amazônia, como por exemplo, o Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA), o Museu Paraense Emílio Goeldi e o Centro de
Biotecnologia da Amazônia. No entanto, estes não conseguem suprir
tamanha escala de demanda que uma região como a Amazônia gera.
Todos os atores envolvidos têm contribuições consideráveis para promover a
economia verde: o setor privado com sua capacidade de investimentos,
inovação e geração de riqueza compartilhada (lucro e benefícios sociais); a
sociedade por seus padrões de consumo capazes de influenciar as decisões
dos fabricantes e prestadores de serviços; a academia com seu ativo
intelectual capaz de gerar novos conhecimentos e técnicas; e o Estado como
principal articulador entre os diversos interesses, com poder fiscalizatório,
propulsor da responsabilidade social e gerador de políticas públicas de
incentivo ao desenvolvimento sustentável (um bom exemplo é o Pagamento
por Serviços Ambientais[4]). Nesse sentido, de aproximação e articulação entre
os atores, Marcovitch (2001) propõe a criação de um órgão capaz de criar a
arena para este desenvolvimento:
Estes acertos setoriais poderiam servir de modelo e ganhar
maior
amplitude
na
formação
de
um Conselho
de
Desenvolvimento Ambiental, que seria coordenado pelo
Ministério do Meio Ambiente (...). Sua finalidade seria buscar um
grande acordo nacional em torno de questões centrais de uma
pauta dispersa, hoje, em audiência públicas e confrontos
previsíveis
entre
ONGs, lobbies,
governo,
cientistas
e
empresários (MARCOVITCH, 2011, p. 101).
Para além da aproximação e articulação entre os atores, é imprescindível que
haja uma mudança cultural de todos. Por conseguinte, a sociedade tem de
transformar seus padrões de consumo, o setor privado tem de incorporar a
sustentabilidade como estratégia central de seu modelo de negócio e o Estado
deve prever esforços a fim de constituir um novo arranjo institucional que
contribua positivamente para os avanços dessa agenda, incentivando a
inovação, agilizando procedimentos, com mecanismos efetivos de fiscalização
e incentivo positivo as práticas sustentáveis.
Vê-se, portanto, que ainda há diversos avanços necessários para aproximar a
realidade brasileira (e mundial) de uma economia verde. No Brasil, a realidade
ainda indica que estamos distantes de uma combinação ideal entre as variáveis
até aqui expostas. Um exemplo significativo do estágio em que o país se
encontra é o fato de que, durante o período colonial, a Amazônia foi fonte de
produtos primários para exportação. Atualmente, essa condição permanece
realidade. O mercado de madeira e de mineração representam indicativos da
situação: a economia brasileira segue insistindo em exportar os produtos
primários, e não desenvolve indústrias locais que tenham como insumo essas
matérias-primas. A potencialidade é imensa, porém não é explorada de
maneira adequada.
Na Amazônia brasileira, o setor madeireiro consumiu 24,5
milhões de metros cúbicos de madeira em tora em 2004 (Lentini
et al. 2005). A região é a segunda maior produtora mundial de
madeira tropical do mundo, atrás apenas da Indonésia (FAO
2005). A exploração madeireira é um dos principais usos da terra
na Amazônia; o setor gera uma renda bruta anual de US$ 2,3
bilhões (Lentini et al. 2005). (IMAZON)[5].
Poder-se-ia investir na indústria madeireira sustentável, de maneira que não
agrida o meio ambiente de forma permanente e que gere lucros aos
investidores e riquezas às comunidades locais. Por que não investir na geração
de biocombustível a partir da queima da celulose? Existe um vasto potencial
inexplorado na Amazônia, a exemplo das possibilidades de geração de
riquezas à partir das duas mil espécies medicinais usadas pela população local
como medicamento, as 1250 espécies aromáticas produtoras de óleos
essenciais [6], sem considerar a imensidão de oportunidades ainda
desconhecidas.
Não obstante, existem algumas boas iniciativas, tais como a Zona Franca de
Manaus (ZFM), que representa um polo local de geração de valor e inovação.
Criada em 1967, a Zona Franca ainda possui diversas melhorias e adaptações
a serem feitas, mas representa uma boa tentativa de geração de
desenvolvimento socioeconômico local a partir da compreensão da natureza
como aliada nesse processo. Atualmente, o polo industrial conta com 720
indústrias [7]. “Há problemas na Zona Franca, mas hoje ela é grande produtora
não só de bens de consumo duráveis, como da indústria de duas rodas, de
telefonia e mesmo de biotecnologia” (BECKER, 2005, p. 73). Apesar de
representar uma inciativa positiva, a ZFM demonstra um dos erros ainda
cometidos: políticas públicas desenhadas para localidades muito específicas,
enquanto que não há nenhum movimento de se dissipar esse movimento de
maneira uniforme sobre todo território amazônico.
Conforme Becker (2005) explica, o arco da macrorregião da Amazônia
Ocidental (Imagem 1) representa a região mais preservada, uma vez que o
povoamento foi pontual na região de Manaus (círculo negro próximo da região
central do estado do Amazonas), enquanto que o restante da área não teve
nenhum planejamento elaborado, pouco estudado, e que portanto representa
um potencial de oportunidades ainda inexploradas.
Imagem 1: Macrorregiões da Amazônia Legal (2003)[8]
Fonte: Becker, 2005.
Para além dessa experiência provinda de uma ação do Estado, existem casos
de sucesso na iniciativa privada, que conseguem gerar valor a partir da riqueza
natural. Um destes exemplos é a Precious Woods Amazon/Mil Madeiras
Preciosas (PWA), a qual tem seu modelo de negócio baseado no manejo
florestal com impacto ambiental reduzido. Define sua atividade como “extração
racional de madeira da floresta” e tem como missão “(...): a harmonia entre a
conservação ambiental via manejo florestal na Amazônia e a melhoria de
qualidade de vida das pessoas” (PRECIOUS WOODS apud MARCOVITCH,
2001, p. 181).
O caso dessa multinacional encaixa-se em um modelo muito semelhante ao
conceito de economia verde e desenvolvimento sustentável aqui explorado, ao
gerar riqueza a partir da exploração não predatória da natureza. Esse
posicionamento acontece por meio de conhecimentos científicos muito claros a
partir do sistema Celos de manejo florestal e com instituições nacionais e
internacionais, como a Associação Vida Verde da Amazônia (Avive ), que
faz a coleta de produtos florestais não madeireiros. A partir destes, a Precious
Woods produz óleos vegetais e cosméticos naturais coma certificação
internacional FSC (Forest Stewardship Council). Ademais, a empresa
investe em projetos com a intenção de resultados a longo prazo, enfrenta as
burocracias que o arranjo institucional ainda impõe e investe em ações de
educação ambiental para conscientização do consumidor.
Portanto, vê-se que os desafios da economia verde e do desenvolvimento
sustentável são diversos e de solução complexa, mas possíveis de serem
alcançados. Discorreu-se aqui sobre alguns destes desafios, tal qual o
desenvolvimento de capacidades científicas que integrem preservação
ambiental e desenvolvimento socioeconômico, capacitação profissional para
desenvolver modelos de negócios sustentáveis, mudança cultural e
planejamento de longo prazo. A região amazônica representa um enorme
potencial nesse modelo de desenvolvimento sustentável. No entanto, essa
mudança de paradigma se construirá em um processo muito delicado e
intensivo de construção com os diversos atores. “Mas a Amazônia passou 180
anos como colônia do Brasil, após 320 anos como colônia de Portugal, e vai
precisar de mais tempo para alcançar um nível de desenvolvimento que possa
aproveitar bem as oportunidades da região” (CLEMENT apud MARCOVITCH,
2011, p. 238).
Referências
BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados 19 (53).
São Paulo, Edusp, 2005.
Global Footprint Network: www.footprintnetwork.org
Instituto
do
Homem
e
Meio
Ambiente
da
Amazônia
(Imazon): www.imazon.org.br
MARCOVITCH, Jaques. A gestão da Amazônia: ações empresarias, políticas
públicas, estudos e propostas. São Paulo: Edusp, 2011.
Ministério do Meio Ambiente: www.mma.gov.br
Precious Woods: http://www.preciouswoods.com/
Segundo encontro do projeto “Diálogos sobre
a
Amazônia
na
contemporaneidade: ateliê de ideias e propostas”, idealizado por IDS, IEE e
IEA/USP. Prof. Edson Vidal, 11 de maio de 2015. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=9isUJdM8rLI
Superintendência
da
Zona
Franca
de
Manaus
(SUFRAMA): http://www.suframa.gov.br/
World Wide Fund for Nature (WWF): www.wwf.org.br
Notas de fim
[1] Analista Junior de Conteúdo do Instituto Democracia e Sustentabilidade
(IDS).
[2] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2015/06/1637678-criseenergetica-faz-empresas-emitirem-mais-carbono-no-brasil.shtml
[3] “A Pegada Ecológica é uma metodologia de contabilidade ambiental que
avalia a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos
naturais”
(WWF: http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/pegada_ecologica/o
_que_e_pegada_ecologica/).
[4] Sobre Pagamentos por Serviços Ambientais na Amazônia Legal,
ver:http://www.mma.gov.br/estruturas/168/_publicacao/168_publicacao1706200
9123349.pdf
[5] Disponível
em: http://imazon.org.br/manejo-florestal-empresarial-naamazonia-brasileira-restricoes-e-oportunidades-relatorio-sintese/
[6] Dados retirados da apresentação feita pelo Prof. Edson Vidal durante sua
fala no “Diálogos sobre a Amazônia”, em 11 de maio de 2015.
[7] Fonte: Superintendência da Zona Franca de Manaus.
[8] As três macrorregiões são: Arco de Povoamento Adensado, Amazônia
Central e Amazônia Ocidental.
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