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MEIO
AMBIENTE
E
CIDADANIA
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Edição 581
La Niña de volta
ATUAL EVENTO SERÁ MAIS FRACO QUE O ANTERIOR.
Os pecados de Suape
SE O PROJETO DO PORTO TIVESSE COMEÇADO AGORA, AS RESTRIÇÕES AMBIENTAIS SERIAM MAIS RIGOROSAS.
STEPHEN LEAHY*
De Uxbridge, Canadá
MARIO OSAVA
Foto: Foto: Nilson Konrad/IPS
La Niña
poderia afetar
a abundante
produção de
soja do Brasil.
Plantação em
Não-Me-Toque,
nordeste
do Estado do
Rio Grande
do Sul.
* O autor é correspondente da IPS.
O Porto de Suape pode ser
eternamente absolvido de seus
delitos ecológicos, por abrir
portas para uma prosperidade
sem precedentes no pobre Estado de Pernambuco, Nordeste
do Brasil, e por ter nascido antes de as exigências ambientais
ficarem mais rigorosas. Testemunhos apaixonados dramatizaram seus pecados capitais,
entre eles a interrupção, devido
à terraplenagem, do fluxo de
dois dos quatro rios que desembocam na baía de Suape, 40
quilômetros ao sul da cidade de
Recife, capital pernambucana.
A construção do Porto começou em 1977, mas foi lenta
devido à dificuldade em atrair
empresas para o complexo industrial que faz parte de seu
projeto. Os tubarões começaram a atacar os banhistas, especialmente os surfistas das
praias do Recife, a partir de
1992, depois que o Porto começou a receber navios com maior
frequência, entre 1989 e 1991.
Entre junho de 1992 e setembro de 2006, foram registrados
47 ataques com 17 mortos, segundo um estudo que Fabio
Hazin, diretor do Departamento de Pesca e Aquicultura da
Universidade Federal Rural de
Pernambuco, elaborou com
dois colegas pesquisadores e
que aponta possíveis causas do
fenômeno. A quantidade de
ataques é alta para um trecho
costeiro de apenas 20 quilômetros, considerando que a média
mundial não chega a uma centena por ano, a maioria na Austrália, África do Sul e Estados
Unidos. Também surpreende o
foco repentino.
No Recife não se conhecia
estes fatos antes, o que descarta explicações como maior concorrência de surfistas, presentes desde a década de 1960, ou
a topografia submarina favorável à chegada de peixes grandes, que é permanente, argumentou Hazin, presidente do
Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões. As evidências apontam o
Porto de Suape como fator desencadeante desse fenômeno, já
que os tubarões costumam seguir os navios, aumentando o
risco de ataques próximos a zonas portuárias.
Os casos na capital de Pernambuco se multiplicaram nos
meses em que o terminal recebeu mais de 30 navios, disse
Hazin. Outro possível fator foi o
Foto: Foto: Cortesia Assessoria de Comunicações de Suape
De Recife, Brasil
La Niña voltou menos de três meses após sua
última e poderosa manifestação, que ajudou a disparar os preços mundiais dos alimentos. A nova
Niña, fase fria da Oscilação do Sul, prolongará a
falta de chuvas em importantes regiões agrícolas
do Brasil e da Argentina, e no sul dos Estados
Unidos, afetando colheitas de soja e trigo. Não é
raro que La Niña se apresente em vários anos consecutivos, disse Jeffrey Masters, diretor de meteorologia e cofundador de Weather Underground,
primeiro serviço meteorológico comercial na
internet. A última vez que ocorreu foi em 1998 e
2001, “com intervalo de poucos meses de condições neutras, como este ano”, explicou.
La Niña e El Niño são, respectivamente, as fases fria e quente do El Niño Oscilações do Sul
(Enos), fenômeno climático marítimo cíclico que
afeta os padrões meteorológicos em todo o mundo. O Enos é parte do sistema que regula o calor
no trópico oriental do Oceano Pacífico e está pautado por mudanças na temperatura da superfície
oceânica e na pressão atmosférica. Porém, mal começamos a entender como o Enos se manifestará
em razão da mudança climática, advertiu Masters.
A aparição anterior do La Niña foi em junho de
2010. Na Austrália causou fortes chuvas que puseram fim a dez anos de seca, e inundaram cerca
de 850 mil quilômetros quadrados, quase a área de
França e Alemanha juntas. Também causou inundações sem precedentes no norte da América do
Sul, por exemplo, na Colômbia e norte do Brasil.
Ao mesmo tempo, o centro e o sul de Brasil e Argentina e o sul do continente sofreram secas. “As
projeções indicam que esta Niña será mais fraca”,
afirmou Masters. Contudo, seus impactos serão
amplificados porque muitas regiões ainda não se
recuperaram do La Niña anterior. América
Central, Venezuela, Colômbia e outras regiões,
que em dezembro e janeiro sofreram inundações
sem precedentes, podem esperar mais precipitações fortes nos próximos meses, segundo as previsões, acrescentou.
Devido à mudança climática, a atmosfera terrestre é, em média, 0,8 grau mais quente do que na
era pré-industrial e por isso retém 4% mais de vapor de água, disse o especialista em clima Kevin
Trenberth, do National Centre for Atmospheric
Research, com sede em Boulder, o Estado norteamericano do Colorado. “A umidade extra acompanha as temperaturas marinhas e tem impacto
em tudo. Nos lugares que estão mais quentes durante o La Niña, há mais risco de inundações”,
destacou. Os modelos climáticos computadorizados ainda não conseguem prever como a mudança
climática afetará o complexo ciclo do Enos, que
pode durar entre três e sete anos, afirmou Trenberth. Embora as inundações e as secas tenham
piorado, não há evidências claras de que a mudança climática afetou o Enos, alertou. Masters prevê
que o La Niña atual atingirá seu clímax em janeiro e se diluirá na primavera boreal.
“As secas tendem a gerar sistemas de alta pressão que atuam reforçando as condições que produzem a própria seca”, disse Masters. Este ano
caíram no Texas menos de 127 milímetros de chuva, quebrando todos os recordes e causando perdas agropecuárias de US$ 5 bilhões. Os técnicos
do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos acreditam que, continuando o La Niña, haverá
“grande probabilidade” de fracassar a colheita de
inverno de trigo e “um possível fracasso dos cultivos de verão” em 2012 nas planícies do sul do país.
O Oil World, um serviço de previsão agrícola com
sede na cidade alemã de Hamburgo, prevê que a
soja e outros cultivos estarão ameaçados por condições mais secas em boa parte da Argentina e no
sul e centro do Brasil.
“O centro do Brasil sofrerá condições de secas
incomuns desde meados de abril”, diz um informe do Oil World, divulgado dia 30 de setembro.
Em algumas zonas da Argentina choveu muito
menos do que a metade do que se considera normal. Sem chuvas, as colheitas de outubro e novembro podem ir à bancarrota, segundo o informe. Os preços mundiais dos alimentos estão 26%
mais altos do que há um ano, segundo o Índice da
FAO, publicado em setembro pela Organização
das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação. As reservas de cereais estão baixas, e a FAO estima que
os rendimentos mundiais de trigo serão 2,8% mais altos do que
em 2010, embora esta previsão
seja de junho, antes de se saber
com certeza do La Niña atual.
fechamento da desembocadura
dos rios Ipojuca e Merepe, na
baía de Suape para preparar
instalações portuárias e de numerosas indústrias. Dessa forma foi bloqueado o acesso aos
tubarões-cabeça-chata (Carcharhinus leucas), cujas fêmeas buscam água de menor salinidade
para a desova.
Em consequência, a espécie
se deslocou para o estuário do
Rio Jaboatão, mais perto do Recife e cujas águas influem nas
praias mais afetadas pelos ataques. Essa migração também foi
estimulada pela redução de
plâncton em Suape, outro impacto ambiental do Porto, que
reduziu a afluência de peixes e
crustáceos em busca de alimentos, explicou Hazin. A isso soma-se um canal submarino
profundo que se aproxima das
praias de Boa Viagem e Piedade, que concentraram “quase
80%” dos incidentes estudados, destacou o especialista.
Além disso, a contaminação
do Jaboatão, cujas águas carregam sangue e entranhas de
outros animais, pode ter contribuído para atrair especialmente
o tubarão-cabeça-chata, uma
espécie mais agressiva e a maior
protagonista dos ataques. Estes
dois últimos fatores, distantes
do Porto, são naturalmente enfatizados pelos defensores de
Suape, que tem a segunda melhor gestão ambiental dos terminais portuários brasileiros,
segundo a Agência Nacional de
Transportes Aquáticos, órgão
regulador estatal.
O Complexo Industrial Portuário de Suape Governador
Eraldo Gueiros ocupa 13.500
hectares ao redor da baía, mas
59% dessa superfície são destinados à preservação ambiental,
uma proporção que causou
“admiração entre europeus”,
disse o responsável de gestão
da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDEC) de
Pernambuco, Roberto de Abreu
e Lima. Inicialmente, previa-se
45%, “mas ampliamos a área
ambiental, além de criar corredores ecológicos para conservar
melhor a biodiversidade”, explicou o funcionário da entidade gestora do Porto. Há outros
desafios, como recompor mangues e florestas nas margens
dos rios, reconheceu.
Suape é uma palavra da língua dos indígenas caetés, dizimados no litoral de Pernambuco e obrigados a migrar para o
interior, no Século 16. Significa
“caminhos sinuosos”, e serviu
para dar nome ao estuário de
“rios e mangues de muitas curvas”, explicou Daniel Cabral,
assessor da direção da SDEC. O
Centro de Tecnologia Ambiental, criado em associação com a
Petrobras, monitorará água, ar e
solo de todo o Complexo,
acrescentou Abreu e Lima.
Suape é “um porto natural”,
de águas profundas na costa e
na baía, que por isso exigiu
pouca intervenção, à exceção
de uma brecha de 300 metros
nos arrecifes que protegem os
embarcadouros, disse o gerente
de segmentos econômicos da
SDEC, Felipe Chaves. Contudo,
as interferências humanas –
como a construção de um porto
somada ao polo industrial –
afetam os ecossistemas marinhos de uma maneira difícil de
avaliar, e os ataques de tubarões representam “a pequena
parte visível” desses impactos,
alertou Hazin.
Se Suape tivesse sido construído em anos mais recentes,
teria enfrentado fortes objeções, como acontece agora com
projetos em desenvolvimento.
O privado Porto Sul, no Estado
da Bahía, mudou de localização
este ano por protestos de am-
As áreas
verdes de
conservação
são vistas
atrás do Porto
de Suape,
fotografadas a
partir do
Oceano
Atlântico.
bientalistas porque ameaçava
florestas protegidas e mangues.
O Superporto de Açu, também
privado e concebido como gigantesco complexo industrial,
situado em São João da Barra,
litoral norte do Estado do Rio
de Janeiro, a 320 quilômetros
da sua capital, sofre constantes
protestos de agricultores desalojados, ambientalistas e moradores.
Em 1975, Suape sofreu duras
críticas de intelectuais pernambucanos que, em um manifesto
de grande repercussão, acusaram o projeto de nascer de uma
decisão “autoritária” e ameaçar
o florescente turismo de um
“patrimônio artístico” criado
pela natureza. As questões ambientais ainda não vigoravam.
Hoje, a multidão de trabalhadores que chegaram à região
afeta o turismo, ao transformar
hotéis e casas familiares em alojamentos, inclusive em praias
próximas, como a de Porto de
Galinhas, um centro turístico
internacional, situado 20 quilômetros ao sul de Suape.
O congestionamento dos
acessos desanima os turistas.
Entretanto, a maioria dos proprietários não se queixa, ganham mais com seus hotéis lotados sem baixar preços, disse
a coordenadora de recursos naturais do vizinho município
Cabo de Santo Agostinho, Rubia Melo. Porém, as cidades da
área sofrem a contaminação do
ar pelo pó, pelos milhares de
ônibus e caminhões que ocupam estradas e ruas e pelo excesso repentino de demanda
por transporte, saneamento,
saúde e moradia, acrescentou.
Rubia prevê que “se os impactos forem mitigados rapidamente, o futuro será melhor para a população local”.
* O autor é correspondente da IPS.
ECOBREVES
RIOS E CICLO DO CARBONO
O Centro de Energia Nuclear
na Agricultura, da Universidade de São Paulo (USP) vai pesquisar como os rios da bacia
amazônica participam do ciclo
do carbono. “Sabemos que a
Amazônia é um sumidouro de
dióxido de carbono, mas temos
poucas informações sobre como
sua bacia incide nesse ciclo”,
afirmou o pesquisador Alex
Krusche. Segundo estudos anteriores, os rios transportam
carbono para os oceanos na forma de carbonatos e partículas
orgânicas. No entanto, dados já
obtidos por esta nova pesquisa
indicam que o Rio Amazonas,
por exemplo, libera 13 vezes
mais carbono na atmosfera como gás, ou dióxido de carbono,
do que a quantidade transportada para o oceano em todas as
suas formas. “Além de entender
a função dos rios nesse ciclo, os
dados servirão de parâmetro de
comparação para avaliar no
futuro os impactos de ações humanas”, acrescentou Krusche.
ECONOMIA CRIATIVA
O setor da economia criativa
será mapeado pelo Observatório da Economia Criativa, uma
das ações previstas em acordo
do Sebrae com o Ministério da
Cultura. A ideia é descobrir onde estão as micro e pequenas
empresas do setor da economia
criativa, definida como toda forma de negócio que fornece serviços relacionados à preparação,
criação, preservação e conserva-
ção de produções artísticas, culturais e de comunicação.
CONSUMO CONSCIENTE
Iniciativa da Braskem e dos
Institutos Akatu e Faça Parte
leva 1.577 escolas públicas e
particulares a participarem do
projeto Um Novo Olhar sobre o
Plástico, cujo objetivo é chamar
a atenção de professores e alunos para a importância do consumo consciente. Outras escolas ainda podem se inscrever no
site do Faça Parte.
NOVAS ESPÉCIES
Levantamento conduzido
por três pesquisadores mostra
que há pelo menos 56 espécies
diferentes de peixes nas cabeceiras do Rio Tietê, a menos de
80 quilômetros da capital paulista, cinco das quais ainda não
descritas pela ciência. Vários
peixes, endêmicos da região,
estão sob ameaça de desaparecimento na avaliação do biólogo Alexandre Marceniuk, condutor do estudo.
PARQUES EÓLICOS
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
já aprovou financiamento para 70
projetos de parques eólicos no
país, no valor de R$ 4,5 bilhões e
capacidade instalada de 1.500
megawatts. As cinco unidades
mais recentes serão instaladas na
Bahia e são controladas pela Renova Energia.
Fonte: Envolverde.
Jornalismo e gestão do conhecimento em sustentabilidade
A Envolverde produz conteúdos para publicações e websites
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Editor: Adalberto Wodianer Marcondes - realizado pela IPS, sob os auspícios do Pnuma e do Pnud. No Brasil é produzido pela Agência Envolverde – Rua Simpatia, 179 – Vila Madalena – São Paulo – SP – CEP 05436-020 – Tel/Fax: (11) 3034.4887 – [email protected]
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Os pecados de Suape