MASCULINIDADE E FEMINILIDADE, UNIVERSOS EM RELAÇÃO
Conferência Paul Boyesen (Psicoterapeuta, Fundador da Análise Psico-Orgânica, e Diretor da
Escola Francesa de Análise Psico-Orgânica), realizada em novembro de 2000, no Rio de
Janeiro.
Tradução de Silvana Sacharny (Psicóloga e Psicoterapeuta formada pela Escola Francesa de
Análise Psico-Orgânica e Coordenadora do CEBRAFAPO)
Transcrição de Maria Roggia
Eu já estou reparando que não tem muitos homens aqui na platéia, e isso já é um ponto de
reflexão - a gente também vai trabalhar em torno desse tema, e talvez vocês encontrem
alguns conflitos quando voltarem para casa em relação ao tema que eu vou evocar essa noite.
É muito interessante porque o homem se sente bastante tocado em relação ao funcionamento
do mundo, como as coisas funcionam; e o homem está atrasado em relação às mulheres, em
relação ao movimento interno, como as coisas funcionam internamente. Então, isso já é uma
reflexão.
Eu, enquanto homem, vou falar também em relação à mulher. É interessante porque a gente
não pode saber o que é uma mulher; e se o homem soubesse, também seria muito chato mas eu vou sempre tentar compreender um pouco. E para uma mulher compreender um
homem também não é nada evidente, porque ela procura ser simples para simplificar um
mundo complexo; e a mulher tem a tendência de trazer um mundo ainda mais complexo.
Agora, se a gente pegar uma imagem bastante simples, na linguagem social a gente pode
pensar que a mulher é redonda, não forçosamente muito redonda, mas um pouco redonda, e o
homem é reto. A mulher seria mais oval, ela acolhe, e o homem é mais reto no sentido
horizontal. Então a gente tem aí duas imagens que por si só já falam bastante; e como essas
duas espécies podem se encontrar. Em inglês a gente fala em termos de gênero, em X e Y. X é
a mulher e Y é o homem. X a gente nunca sabe o que é, e Y é why ( por que?) E então eu
realmente me pergunto: por que? Por que?
Vocês souberam, (depois da introdução da Silvana), que eu sou psicoterapeuta, trabalho muito
com casais. É extremamente interessante, porque muitas pessoas vêm de muito longe para
ver-me e freqüentemente em momentos de crise; o que eu quero dizer é que todos os casais
têm crises, ou, diversas crises. A questão é se a gente pode entender a crise enquanto uma
busca de evolução. Uma crise pode não ser uma tendência de ruptura mas sim de querer
mudar
alguma
coisa.
Infelizmente,
com
freqüência
as
crises
vão
criar
catástrofes,
recalcamentos, silêncios, e mesmo violências e ruptura.
Então, isso é um enorme tema e eu penso que num futuro bastante próximo haverá muita
demanda em termos de clarear a relação amorosa, e menos demanda em relação à separação;
ou seja, é melhor procurar um terapeuta para esclarecer, do que ver um advogado para se
separar.
O que é apaixonante nesse trabalho é poder trabalhar com os contratos que estão presentes,
ou seja, o não dito, o que é dito de forma distorcida, os contratos que estão na base da
relação, no início, que modificaram ou se desenvolveram e que agora está sendo uma crise.
Existem três grandes temas a serem considerados. O primeiro tema é a questão da identidade
e da auto-estima; é um tema fundamental a identidade - ser você mesmo, ser diferente do
outro, e ter uma auto-estima . Eu vou voltar sobre isso.
O segundo grande tema é a felicidade, a alegria, o estar contente. Não é êxtase; é esse outro
termo - a alegria. Mas o que quer dizer para cada um o poder ser feliz? Eu também vou voltar
sobre isso.
E o terceiro tema é a questão dos valores e do sentido; ou seja, quais são os valores numa
relação, numa pessoa, e qual é o sentido para pessoa na relação.
A gente pode pegar três outras reflexões que podem ser problemas. A primeira é a questão da
fusão/identidade. O que quer dizer fusão? A fusão implica em duas pessoas que se fundem e
se transformam como se fosse uma só. É um sentimento de abandono; e estar com o outro é
se transformar em "nós". Em alguns momentos é muito bom mas em outros, você perde o seu
eu. E, de que forma você vai retomar o seu eu? Será que você vai rejeitar o outro? Ou você
vai sair muito bruscamente dessa fusão? Isso seria outra forma de violência, de choque. Nessa
categoria de ficção a gente também pode encontrar as feridas e todos os mecanismos que se
encontram nesses conflitos.
O terceiro contraponto desses três grandes temas, do sentido dos problemas, é a questão do
engajamento.
O que significa o compromisso, o engajamento? Para as mulheres, ou algumas mulheres, não
é a mesma coisa do que para os homens, ou alguns homens. O que significa esse
compromisso? Depois eu vou abrir espaço para as questões; talvez vocês possam ao longo ter
algumas imagens, algumas reflexões. Se vocês saírem dessa conferência com uma, ou duas
idéias importantes, eu, enquanto homem, vou ficar muito feliz.
Uma neurose clássica para o homem, (e eu lamento pelos homens), vocês não sabem o que o
homem faz, cronicamente, para satisfazer a mulher. É terrível! Mesmo quando ele não está
presente ele faz tanta coisa para ela, e como ela nunca está realmente satisfeita - e se ela fica
satisfeita não dura muito tempo, ele continua, continua, continua...; é terrível. Pode durar 55,
60 anos essa história.
O homem é belo! (risos). Ele procura, ele busca isso, e talvez seja importante tentar amá-lo
para ver como ele tenta, como ele busca; porque ele também fracassa muitas vezes, mas ele
vai tentar sempre. Vocês compreenderam bem? Ele é muito belo!
Bom, a neurose crônica da mulher é que ela pede cronicamente ao homem para que
reconheça essa pessoa que ela esconde atrás dela, sob a aparência de mulher. E ela faz tantas
e tantas coisas para mostrar a mulher, esperando que ele enxergue que no fundo ela é uma
pessoa. E isso pode também durar uns 50 anos. E ela faz todo esse jogo de sedução, ela pode
dizer "eu te compreendo", enfim, mas o que ela realmente deseja é que ele a reconheça
enquanto pessoa, que ainda mais é inteligente. Mas ela vai representar que ela não é mais
inteligente que ele, porque se ela se mostrar mais inteligente que ele, aí o tema da castração
vai emergir: esse pobre homem não está à altura. Terrível! E se ela for sedutora, bela, e que
trouxer sensações fortes e ainda for mais inteligente, aí então vai ser a catástrofe local.
Vamos voltar sobre o tema identidade. Existem muitas formas de viver a identidade. Com toda
a evidência, no início, a criança está em fusão com a mãe, mas num determinado momento o
bebê, que é uma pessoa, vai se manifestar diferente da mãe. Evidentemente o olhar do pai é
fundamental. Quando eu falo pai/mãe, falo da função paternal e da função maternal. Não é
forçosamente o pai e a mãe real; é aquele que ocupa essa função. Esse olhar do pai - a função
paternal, vai dizer à criança que ela existe diferentemente da mãe. Já aí existe um corte, uma
separação. Mas muitos outros pequenos detalhes vão passar para a criança: o fato da criança
não se movimentar como a mãe ou como a mãe gostaria, e que a criança tem necessidades
diferentes das que a mãe gostaria, ou se satisfaria. A gente pode ver bastante precocemente
essa forma de identidade que está se criando.
Algumas referências sobre isso: por exemplo, o período em que a criança começa a dizer não.
Isso significa a identidade através da negação do outro. É isso que a gente vai encontrar muito
no adulto. Esse não, pode ser contra o outro, pode ser uma oposição, mas no fundo, esse não
ao outro é um sim para si mesmo. Isso é bastante profundo, porque freqüentemente quando a
gente diz não a gente tem sentimento de culpa ou de mal estar. A gente perdeu para quê eu
digo sim quando eu digo não. Essa é a questão. Por que eu deveria me sentir mal quando eu
digo não. Quando eu digo não para alguém ou para alguma coisa, na base eu estou dizendo
sim para alguma coisa que é justa. E procurem ver como esse pequeno detalhe na nossa vida
atual pode ser um elemento muito forte na forma com que eu me separo do outro dizendo
não, eu não quero.
Eu estou falando do prazer nesse não em relação àquele sim. Vocês já podem começar a testar
essa noite mesmo, ou amanhã. Como vocês podem dizer não, e como o outro vai receber esse
não. Experimentem.
A outra forma de se separar é manter os lugares secretos. E aí a gente pode ter uma
identidade sob forma de isolamento, uma proteção, uma forma de refúgio. Todo mundo tem
um jardim secreto. E esse mundo, esse jardim secreto é muito precioso, e a gente não deseja
perdê-lo para o outro. O que é esse jardim secreto para a gente? Será que esse jardim secreto
vai ser um refúgio onde eu vou ficar bloqueado, sozinho, contraído, isolado, defendido, ou esse
mundo pode ser um lugar de fonte, um jardim secreto que vai me alimentar, que me estimula,
que me ajuda a ficar próximo de mim, diferente do outro, e a partir do qual eu posso me
aproximar do outro com algumas qualidades, que eu posso viver com o outro. Isso também
vocês podem experimentar essa noite ainda, ou amanhã. Onde esse jardim se tornou tão
secreto para você mesmo que você nem sabe mais onde ele está? Todo mundo tem "um outro
lugar", "para além". E esse "outro lugar", será que faz com que no fundo eu viva nesse "outro
lugar?" Ou eu utilizo esse espaço para colocar em construção onde eu estou. Em muitas
relações amorosas esse "outro lugar" vai embora, vai muito longe. E vai estar sempre me
tocando, me mobilizando muito. É o meu mundo. É um lugar de muita identidade. E será que
eu posso trazer algumas qualidades desse lugar na direção do outro? É para mais tarde, essa
noite ou amanhã.
Outra forma de ver a identidade, é a identidade crônica. São as pessoas que sempre no início
já dizem não. Não que eles não estejam de acordo, mas eles precisam fazer uma oposição,
recusar o outro para se assegurar de que eles não vão fusionar. Então já desde a primeira
frase é não: - "não, eu não estou de acordo"; ou, talvez, sim, mas antes de tudo, não. E isso
não é muito confortável. É muito difícil fusionar com pessoas desse padrão. Então eles
procuram uma identidade contra o outro, para não ser o outro. Talvez vocês conheçam
algumas pessoas não muito longe, que são experts nisso.
A outra forma de identidade é "como se eu fosse alguém". A gente pode ver no sentido: eu
sou como se eu fosse alguém ou alguma coisa, ou seja, eu crio uma imagem como se eu fosse
alguém outro, aquele que você deveria ver. E isso é uma estruturação para satisfazer alguém,
talvez na minha história, e eu utilizo muita energia para criar essa imagem. Por exemplo,
muitos homens se criam como se fossem fortes. Vocês conhecem homens assim? Existem
alguns homens assim na região; como se eles pudessem fazer tudo, como se eles
compreendessem tudo. E vocês podem continuar a história.
Mas também certamente como se eu fosse ruim, como se eu fosse bobo. Por exemplo o
depressivo - existem muitas candidatas mulheres para essa categoria, alguns homens também
-, como se eu fosse nada; eu sou um nada, de toda forma eu não compreendo nada. E isso é
uma falsa identidade, mas é uma identidade que funciona, porque, se eu sou como se eu fosse
nada, você é alguém. Finalmente aquele que me diz que eu sou um nada, ou um bobo, essa
pessoa cria o outro, o outro vai ser alguém. E aí, já na relação amorosa vocês podem ver que
funciona muito bem. Se vocês encontrarem neuroses na relação amorosa que vocês vivem
hoje, não é razão para fazer um divórcio, porque o amor também se manifesta na neurose.
Vocês compreenderam bem? Pelo menos os dois estão contentes de estarem juntos, mesmo
sendo neuróticos.
Em relação à questão da fusão e da diferenciação, parece que existem muitas diferenças entre
os homens e as mulheres, e existem muitos detalhes que vocês conhecem tão bem quanto eu.
Mas parece que, na base, a relação entre o homem e a mulher talvez não seja unicamente
uma questão de reprodução. Não é muito genial enquanto frase, mas é importante ultrapassar
essa questão da reprodução. Claro que há desejo entre o homem e a mulher, e existe o
contexto da criação, da família, existe também a socialização que o casal constrói, mas a
gente não pode evitar que exista o amor para uma outra pessoa.
Sobre a questão do amor, isso vai nos colocar uma questão do sentido espiritual e como
coexistir. Se a gente pega simplesmente a questão da existência, isso supõe que um homem e
uma mulher não podem existir sem o outro, e precisamente no amor existe a noção da
coexistência, o outro. Então, nessa questão da identidade vai se tratar de ser si mesmo não
num sistema fechado, mas diante do outro. Eu vou trazer uma hipótese.
Para mim, enquanto homem, eu sou homem diante da mulher, e a mulher se transforma em
mulher diante de um homem. Isso que dizer que é na relação que vai emergir essa identidade
homem/mulher. Isso não é unicamente real, porque o real, sendo o encontro com o outro
diante de você, também traz esse encontro simbólico e o imaginário. Ou seja, na nossa
experiência enquanto homem e mulher, existe também uma história diante dos homens e das
mulheres. Então, não é unicamente apenas diante do outro hoje; é também internamente.
Como é que a gente pode se posicionar enquanto homem e enquanto mulher diante de um
homem e diante de uma mulher? Essa questão da identidade vai acontecer a partir e através
de sensações fortes que são em grande parte estimuladas na relação com o outro. E de que
forma a vivência dessa estimulação pode se transformar na minha experiência, na minha
própria, e não na experiência da tua experiência de mim. Um exemplo bastante simples: - o
meu amor por você pertence a quem?
Em princípio é o meu amor, mas muitas pessoas vivem esse amor no outro. Se o outro vai
embora, será que ele leva o meu amor? E freqüentemente é o que se passa na experiência.
Quando o outro parte, ele vai embora com o meu amor; e aí eu fico enlouquecido, porque eu
quero que o meu amor volte. Mas na base, o meu amor por você é o meu. E aí a gente vê
mais uma vez como uma pessoa se perde no outro. Isso é importante para refletir. Todos nós,
mas para quem já viveu relações amorosas com pessoas com quem não está mais atualmente,
será que essa pessoa mantém uma parte do seu amor? Onde está o seu amor? Será que há 30
anos, há 15 ou 2 anos, será que ficou lá com alguém, ou você tem o teu amor em você? Será
que você pôde retomar esse amor para você?
Aqui a gente está falando da identidade e da auto-estima. Supõe essa reflexão sobre autoestima, ou seja, de ter, de sentir o valor enquanto pessoa, porque a falsa identidade é eu viver
"que eu sou como você me percebe". Se você me olha, me percebe como bom, como mau,
então eu sou bom ou eu sou mau. Isso para ele significa falsa identidade. A verdadeira, a
autêntica identidade é o prazer orgânico de mim mesmo. Quando eu sinto que estou justo, eu
sou justo, eu sou eu, mesmo que isso não seja justo para você. Talvez isso seja fácil de dizer
aqui, mas é muito mais difícil na vida real. Mas isso se trata de uma identidade de si mesmo
diante do outro. Essa noção de auto-estima é fundamental. Muitas pessoas pedem ao outro
para dizer quem ela é. E aí é um grande problema.
Então agora eu vou falar sobre o segundo tema que é a alegria, estar contente. Coitado do
homem que sofre..., que está sempre procurando satisfazer a mulher...; coitadinho. E a
mulher no entanto sabe também disso. Esse "estar contente" é uma noção muito difícil porque
todos nós temos filosofias pessoais. Por exemplo, "a vida não é para brincar; a vida é séria,
grave; é necessário funcionar, o importante é ter sucesso". Tem alguns períodos que a gente
pode fazer o carnaval só para dançar, a gente pode fazer bobeiras por prazer, e entre isso, a
gente trabalha; isso também é muito cultural. Em muitas sociedades européias, e na América
também, a gente trabalha duramente durante o dia - e de noite, "a loucura". Ou a gente vai se
contentar com a televisão para encontrar uma forma de relaxamento. Aqui no Rio tem a
possibilidade da praia, da caminhada; cada cultura tem suas formas. A questão desse
sentimento é fundamental; ele não está falando do êxtase, porque até o momento ele ainda
não falou sobre a sexualidade, mas ele não vai evitar.
Esse "estar contente" - eu vou movimentar a caneta, do ponto A ao B; ou seja, eu vou dizer
uma frase ou eu vou fazer alguma coisa. Se eu movimentar a caneta do ponto A ao B,
normalmente eu deveria me sentir contente, se era isso o que eu queria fazer. Mas talvez eu
tenha outros contratos internos, que B não seja suficiente, então eu vou precisar movimentar
mais um pouquinho. E aí eu vou precisar escrever, e depois vou colocá-la em outro ponto, e
depois no bolso, e mais outra coisa para escrever, e finalmente eu estou continuando, estou
sempre fazendo, fazendo, e não tem nenhum momento de sensação de estar feliz ou
satisfeito. E está no final do dia, finalmente, e eu repouso..., e eu durmo. Eu vou tentar
contentá-la...(risos); eu estou tentando...; e se ela não ficar contente? Então, durante o dia eu
vou funcionar; essa caneta fez um tour assim como muita gente faz durante o dia, os homens
e as mulheres, e sentem pouca satisfação. Prazer então nem se fala.
E freqüentemente também é assim na relação amorosa. A gente decide sair para um
restaurante, a gente vai buscar o carro, precisa ver quem vai ficar com as crianças, aí pega
um trânsito congestionado, espera horas na fila para entrar no restaurante, e aí tem uma
"super noite". A gente acaba com uma dor de barriga, mas pelo menos a gente estava junto.
Agora, o contentamento, cadê ele? Então o que é esse contentamento para uma pessoa, com
tudo o que é próximo dessa pessoa? E o que é o contentamento na relação com o outro? E o
que é o contentamento para o homem, e seus valores? E para a mulher? Não é forçosamente a
mesma coisa. Eu vou colocar a situação pior ainda. Assim como a caneta devia passar do
ponto A ao B, e no B eu deveria estar contente, só que aí eu preciso passar a C, D, E, F; e o
que é bastante freqüente para o homem, e algumas vezes para a mulher também, (ele fala
enquanto homem), é que a caneta não chega no ponto B. Ela vai cair em algum ponto entre A
e B. É terrível porque eu queria chegar nesse ponto B. Eu não sei mais como chamar esse
ponto. Será que é A+200? Eu fiz bastante, fiz muitas coisas, mas parei antes do B, parei no
A200. Se eu chamar esse ponto de A500 eu vou me sentir um pouco melhor porque é mais
próximo do B, mas eu ainda não estou contente, e no entanto foi aí que a caneta parou; e aí a
vida ficou assim. O que vocês pensam? É isso a minha vida. Eu queria muito ir até B, eu fiz
muita coisa, me esforcei muito, tudo o que eu fiz para a caneta chegar lá, e agora? Nada
interessante esse resultado, nem um pouco ideal como deveria ser; e agora eu preciso viver
com isso. E a mulher que fala: "bom, ele fracassou.. .conseguiu fracassar... foi o que ele
conseguiu". - Será que você pode amá-lo nesse fracasso? Ele é formidável; ele tentou. E
depois ele gostaria de fazer amor. Ele tentou muito..., ele só chegou no A200...!
"Bom... vamos tentar ajudar um pouco". A mulher vai tentar comprar uma nova camisa..., não
mudou muita coisa. Foi nisso que ele se transformou! Não é o êxtase. Contentamento. Será
que podemos nos contentar com o que nós temos?
Agora vamos para o terceiro tema que é o engajamento. A gente fica em torno desse A200
durante muito tempo, anos... Ele era formidável antes de me movimentar. No A ele era
sublime, tinha muito potencial, muita capacidade. A gente pode explicar que o mundo não
entendeu bem o que ele quis dizer; a vida não foi justa. Será que ele mereço o teu amor pelo
sucesso das suas tentativas? Ele é um bom homem; ela também. Ele tentou bastante. Mas se
a mulher chegar para ele e disser que só chegou no A200, ele vai ficar muito furioso e pode
mesmo ficar violento. Talvez porque ele não possa expressar o seu sofrimento, como se ele
fosse muito forte e devesse estar mais longe. Isso é uma história para a gente realmente
refletir.
Agora vamos tentar pegar questões profundas que se referem ao homem e a mulher. Eu acha
que a gente pode falar de duas formas de nascimento. A existência do homem com um grande
H, que nasceu, que existe no mundo, onde ele é pequenininho, e nesse mundo ele está
profundamente inseguro. Eu falo do homem enquanto humanidade.
A questão da insegurança ontológica, ou seja, que um ser, uma pessoa, precisa ser contida,
sentir uma segurança para poder existir e poder se desenvolver. Sentir que pode chegar; que
chegou. Essa noção de chegada é fundamental. É impossível sentir esse contentamento se a
gente não pode sentir essa chegada, essa sensação de estar, de presença. Essa noção de
presença, de existência é desde o nascimento. A experiência que a criança teve é
freqüentemente na insegurança, onde ela busca o corpo da mãe para encontrar uma
segurança.
Essa busca de segurança a gente também pode encontrar na relação amorosa, ou seja, uma
relação se baseia na estabilidade com o outro. Se você está presente, com o outro, o mundo
pode se movimentar; e você se mantém. Mas, se a tua relação se movimenta o tempo todo,
na insegurança, você vai se movimentar o tempo todo, em todos os pontos; e você não sabe
mais onde você se encontra.
Então é fundamental na relação amorosa do homem e da mulher - eu não excluo
homem/homem, e mulher/mulher; (talvez eu seja um pouquinho à moda antiga, mas ele
deixa isso em aberto), o básico, o fundamental é reencontrar essa segurança ontológica. É
uma enorme reflexão a se colocar na relação: será que existe essa segurança? Ou é muito
freqüente a relação estar se colocando em questão? Quando tem um desacordo, será que isso
movimenta a ponto de se questionar a integridade dessa relação? Se a gente entra em
desacordo, será que eu vou levantar e vou embora? Ou a gente pode coexistir enquanto
diferente, na segurança ontológica?
Esse tema sobre nascimento é fundamental. O nascimento real que todo mundo viveu, e essa
questão de segurança ontológica. Um exemplo bem claro: um bebê quando está dormindo não
deve ser incomodado abruptamente. Quando você está relaxando, será que você encontra
essa segurança de poder relaxar? E dizer ao outro "eu não estou de acordo", será que você
tem a segurança de poder dizer isso? Ou o tempo todo você tem que fazer um papel "como se
estivesse de acordo?" Mas eu não sou eu se tiver que desempenhar um papel. Algumas
pessoas que a gente vê em terapia e o que muitas pessoas vivem atualmente é transpor, na
relação amorosa, essa insegurança ontológica antiga; e muitas vezes buscam compensar
aquela insegurança antiga. - "Você está aí verdadeiramente para mim"? Ah, estou sim. - "Mas
você tem certeza"? A pessoa arrisca de ficar o tempo todo testando isso; e buscado as falhas o
tempo todo, para viver o que ela conheceu na insegurança, lá atrás. O aspecto da segurança a
gente pode ver em relação às transações: "eu te dou/você me dá", "eu te empresto/você me
empresta", em várias maneiras na relação amorosa.
Eu quero transpor essa questão da segurança e insegurança ontológica, em relação à
segurança e insegurança cósmica. Será que enquanto adultos hoje em dia vocês vivem numa
insegurança cósmica, ou seja, o sentido da tua vida, da tua existência em relação ao cosmos;
em relação a questões existenciais como a vida e a morte? Quando vocês estão andando na
praia, nas florestas ou nas montanhas, será que vocês sentem uma segurança existencial
cósmica, que a vida em algum lugar é aqui dentro; ou talvez vocês estejam numa relação de
insegurança, "eu tenho que conseguir fazer isso, ou aquilo...; e quando eu faço isto, aí eu sinto
que finalmente eu cheguei. E pode ser bastante penoso; muitos casais sofrem nesse lugar. Eu
tenho de fazer isso, ou aquilo, e muitos homens vão buscar esse sucesso, e quando eles
conseguem podem dizer "eu cheguei" - e não vão chegar nunca, ou podem dizer "eu cheguei"
mesmo que tenha chegado no "A200" .
Algumas ligações que podem ser interessantes: existem duas formas de nascimento para ele.
Uma é o nascimento real; no entanto quando ele está falando no nascimento real, a cada
momento onde a minha existência está ameaçada e eu atravesso/ultrapasso, eu faço um outro
nascimento. Por exemplo, quando eu atravesso uma doença, ou um acidente, é também como
um nascimento. Certamente isso vai tocar o teu primeiro nascimento. Essa questão de
nascimento é fundamental simplesmente para lembrarem que entre homem e mulher, os
conflitos e as brigas muitas vezes se transformam em questões existenciais, violentas: "eu
quero te matar". Em francês "TU ES" significa "você é" , e aí "eu não sou" . Todo mundo
conhece esses momentos violentos quando alguém diz "eu não te amo mais". Quando a gente
recebe isso é quase como se eu não existisse mais, esse é um lugar realmente existencial.
Certamente aquele que diz "eu não te amo mais" provavelmente está bastante ferido. Mais
uma vez muitos homens têm dificuldade de dizer "você me machuca"; muitas vezes eles
podem dizer "eu não te amo mais", ou mesmo "eu te detesto", porque "você não me ama
mais". Isso é a defasagem entre um sinal e um movimento, entre o que a pessoa diz e o que
ela sente profundamente, verdadeiramente e que ela não pode dizer. Algumas vezes a pessoa
pode dizer "eu te detesto" ao invés de dizer "você está me ferindo".
Outra forma de nascimento é o reconhecimento. Em francês é muito interessante essa junção
de palavras, porque, tem o nascimento - naissance, e re-co-naissance - de reconhecimento,
tem (re - mais uma vez), e tem nascimento nessa palavra). Então, o reconhecimento é
fundamental enquanto adulto. "Eu quero que você me reconheça". Mas reconhecer o que? Que eu sou? Eu não preciso que você me reconheça que eu sou. O depressivo sim, porque o
depressivo vai procurar sempre fazer com que você diga que ele existe. O homem rígido,
muito funcional, ele deseja ser o herói local, ou regional se possível, ou seja, aquele capaz de
fazer tudo: "olha mamãe como eu fiz bem". E ele vai falar isso para sua mulher também: "olha
tudo o que eu sei fazer". E se ela fala que não é nada, aí vai ser impossível; ele vai confundir
reconhecimento com nascimento, com existência.. E ele vai poder voltar a isso todos os dias,
essa confusão entre reconhecimento e nascimento. Se você não reconhece o que eu digo, o
que eu faço, o que eu penso é como se eu não existisse. - "Eu penso". - "Mas não é isso". "Mas como não é isso"? E aí são enormes discussões.
A gente está num grande tema da relação amorosa. Essa forma de contrato que tem sempre
uma questão de certo/errado. "Eu digo isso..." - "não, você não disse isso". Então tem toda a
discussão de quem tem razão e quem está errado. Isso pode durar anos, porque existe uma
grande dificuldade de se diferenciar e poder ver que o outro existe, que você existe, mesmo no
desacordo. Para refletir.
Vamos passar agora a um tema mais excitante: se não existisse desejo entre um homem e
uma mulher talvez não existissem tantas crianças. É uma reflexão leve da minha parte.
Aparentemente há uma atração bastante forte entre homem/mulher. Essa atração se passa
através de sensações fortes, e quando a gente tem essas sensações fortes a gente não vai
fazer estudos sobre o sentido dessa sensação, e no entanto é o meu trabalho. Mas quando se
está tendo as sensações não são colocadas tantas questões. A gente vai se colocar mais em
termos dos tabus. A gente chama essa atração de sexualidade. Felizmente a diferença entre o
homem e a mulher é que o homem reage rapidamente e a mulher lentamente. O homem
passa pela mulher, se inflama todo, e talvez três ruas depois a mulher comece a sentir.
Felizmente é bem feito. Mas tem problemas aí. E esse é o meu trabalho.
Existem enormes diferenças entre os seres humanos e os animais em relação à sexualidade.
Pode ser complexo entre os homens e as mulheres; para os animais é mais simples porque
existe do período do cio onde a fêmea está disponível e o macho vai somente disputar. Então o
macho sabe quando a fêmea está no cio. Eu não sei se os homens aqui sabem quando a
mulher está no cio - eu nem sempre sei. O homem pode movimentar-se, fazer várias
tentativas, e a mulher pode não estar com vontade. É muito complexa essa história. Depois
ele fala: - "mas ela queria e agora ela não quer mais" . O homem que não estava muito
sensível não percebeu. De repente o homem pode se sentir excitado muito rapidamente, dois
segundos. Isso é uma grande complexidade.
Existe uma pesquisa feita na França, bastante interessante, que foi publicada nessa primavera.
Eles fizeram testes em relação às atividades cerebrais para as pessoas que tinham dificuldades
com as questões sexuais, que diziam não ter desejo sexual. Eles fizeram uma pesquisa com as
pessoas que diziam não ter, e com as pessoas que diziam ter desejo sexual. Existem duas
partes do cérebro que estão ligadas com isso: uma parte que registra as impressões do
exterior colocando imagens e verificando se tem uma atração ou uma repulsão, e outra parte
que vai fazer o julgamento "eu vou" ou "eu não vou". Eles encontraram então, que as pessoas
que diziam "não ter" desejo sexual tinham tanta atividade no cérebro quanto as que diziam
"ter" desejo sexual. Eles tinham a mesma atividade. Mas o que é muito interessante é que
aqueles que diziam "não ter" desejo sexual tinham ainda mais atividade do que aqueles que
diziam "ter" desejo sexual. O problema não é uma questão do desejo. A questão é: eu vou, eu
me permito ou não, eu posso ou eu não posso? Esse trabalho a mais nessa parte do cérebro é
o de dizer não ter desejo. Isso justifica muita psicoterapia, que vai trabalhar precisamente
sobre a questão de colocar em ato ou não. Vamos pensar nos "nossos vizinhos" que vão se
colocar a questão, eu vou ou não vou? Ou, naqueles que dizem não ter nenhum desejo. A
refletir... eu vou ou eu não vou?
Na última conferência eu falei nas cinco fases da relação amorosa, eu vou retomar um pouco,
só enquanto referência.
A primeira fase é quando tudo é maravilhoso: ela é linda! Ele é maravilhoso, lindo! Ele é o rei,
o herói! Não é o príncipe encantado das histórias; agora ele é o herói! É por exemplo quando
num restaurante um homem vê uma mulher; ela é formidável! Ela não falou nada, mas ela é
formidável! Sobretudo ela não falou nada. "Fique quietinha e seja linda". Rapidamente no
enredo, como ele fez cinco anos de terapia e pagou muito caro, ele ousa se colocar ao lado
dela. Então, é o resultado desse investimento de cinco anos. Ele começa a falar mas é ela que
continua; ele fica absolutamente encantado pela beleza e com o que se passa por debaixo da
mesa. Então ele está escutando tudo muito bem. E ela vive: "enfim um homem que me
compreende, que me escuta..."
Essa é a primeira fase; é como um sonho! Ele compreende tudo tão bem porque ele não falou
nada contrário; e ele a acha tão linda...; eles começam a viver juntos. Essa primeira fase da
relação amorosa pode durar entre dez minutos ou alguns dias.
A gente passa rapidamente à segunda fase - a decepção. A história é muito simples. Ela vai
falar: - "você me entendeu bem?" - "Eu entendi bem sim, eu entendi tudo." - "Você tem
certeza que você entendeu direito?" Ela vai colocar algumas questões e ele realiza que ele não
entendeu nada, que ele nem escutou o que ela estava falando. Então ela vai ficar muito
chateada; e para ele também ela não vai ser tão linda como ela era antes. E essa fase de
decepção pode durar em torno de uma hora a dez anos de briga. Então, é a decepção; - "você
não me entende nunca". E ele vai falar: - "você era muito melhor antes". - "Você não entende
nada... você é como todos os homens, igual ao meu pai". - "Ei, você não vai falar igual a
minha mãe heim... não enche".
Agora a terceira fase - é a situação congelada. Eles não vão falar mais da paixão. Ele tem uma
hipoteca a pagar, o carro, as crianças, e a família toda em torno; eles precisam se acalmar. É
um mundo funcional. Isso pode durar trinta, quarenta anos, até começarem a dizer: "isso é
normal, está tudo normal. A gente queria chegar no B, mas aqui a gente está só no A50. Não é
muita coisa, mas a gente vai ficar quietinho". É uma vida funcional; mas pelo menos eles
estão juntos. Por isso que ele está falando "contentamento" e não de êxtase. Que tipo de
contentamento? A gente pode parar nessa terceira fase, mas alguma coisa arrisca acontecer. E
aí pode ser a catástrofe. É a quarta fase. É possível que eles retomem a segunda fase, alguns
conflitos..., e depois voltem para a fase funcional.
Na quarta fase, ela está andando na rua..., e o seu olhar cruza o olhar de um homem muito
lindo! E ela vai acordar, vai despertar. E ela volta para a sala e vê esse "senhor", ¾ grisalho,
metade morto; e a comparação é terrível. Mas o que ela não sabia é que ele também teve um
sonho essa noite. Ele sonhou com uma mulher maravilhosa e teve muitas sensações; e ele
também desperta; alguma coisa também despertou nele a partir desse sonho. E aí o desejo
pode acordar entre eles, ou vão regredir para a segunda fase, no conflito. Alguma coisa vai se
movimentar. Ou ele vai pensar em ter uma amante (só pensar). Mas pelo menos essa
possibilidade liberou um pouco e abriu a sua sexualidade. E quando ele faz amor naquela noite
ele não sabe bem "com quem" ele faz; mas pelo menos agora está se movimentando. Mas o
que é trágico e freqüente nesta quarta fase, é quando uma pessoa do casal desperta e a outra
não, e isso é que chateia; quando uma só pessoa acorda, uma que não pode suportar essa
vida congelada. Às vezes você vê um filme que te toca muito, você lê um livro, ou você
encontra alguém, alguma coisa te desperta; você não pode mais aceitar essa relação
congelada entre você e o outro. Muita coisa está plena em torno, mas não entre os dois. Nesse
momento uma das duas pessoas começa a confrontar o outro. Então vai ter o conflito e a
briga. Será que eles vão poder sobreviver e passar para a quinta fase onde cada um pode
encontrar os seus próprios desejos, o seu mundo secreto, sagrado, um outro lugar em si
mesmo, sua identidade e se confrontar num verdadeiro diálogo enquanto duas pessoas que
são diferentes?
Numa terapia relacional de casal eu trabalho muito com as demandas. O homem tem uma
tendência de não escutar a demanda da mulher; eu vou escutar a demanda enquanto uma
queixa. Eu escuto a queixa, não a demanda. Então ela vai pedir mais e mais, se transformando
numa queixa, num lamento. O homem que queria satisfazer a mulher, ele tem agora uma
mulher que se lamenta o tempo todo, exatamente o que ele não queria. Ele não vai mais
escutar a demanda, e ainda mais com o contrato que ele tinha de satisfazê-la. Ela vai pedir
"me reconheça", "me escute" . É um grande problema.
Para podermos refletir: onde está "o início do conflito," o que gera o conflito, quais os
contratos que estão no início e como se pode modificar isso. É muito difícil mudar no momento
do conflito, mas depois, será que a gente pode voltar para ver o que aconteceu e trabalhar
sobre outras formas de contrato?
Espaço para questões:
Paul - Será que existe alguma noção de contentamento, um pouquinho só?
Questão - Será que em noventa anos a gente consegue chegar lá, se entender?
Paul - Nesse momento a gente já transcendeu, e até o fracasso a gente vai poder
compreender.
Questão - Parece que o conflito é necessário para cada um crescer; o casal é o acaso.
Paul - Isso é muito interessante, qual a atitude que se tem diante dos conflitos. Será que o
conflito vai ser logo um drama? O que acontece quando uma pessoa fala "não está bom". "Ah, se não está bom então eu vou embora". Será que a gente pode falar do que não está
bem? Porque conflito não é forçosamente catástrofe. Um pneu furado não é uma catástrofe,
mas a gente não pode mais se locomover; e como a gente vai tratar o problema? Muitos
homens têm dificuldade de ver que tem o problema porque eles se sentem logo culpados. Um
exemplo de problema sexual muito importante entre o homem e a mulher: um casal, com
problemas sexuais, viajou de Zurich para Paris para um tratamento com o Paul; eles fizeram
três sessões, cada uma com duas horas de duração. Primeiro ele não queria falar, mas
precisava ser falado, porque finalmente ele estava se tornando impotente. Ele vem para a
sessão e consegue falar sobre o problema; foi muito importante ele ter conseguido falar.
Na segunda sessão eles chegam silenciosos. Estão sentados um diante do outro, eles não se
falam. Paul pergunta o que está acontecendo - eles chegaram atrasados em dez minutos. Ela
então fala: - "eu estou muito chateada com ele, porque ele estava andando muito rápido". Ele
fala: - "mas é sempre a mesma coisa com você. A gente tem um compromisso e é necessário
que a gente esteja lá, na hora. Então eu andei mais rápido para conseguir estar aqui, na
hora". - "Eu estava andando, eu queria estar com você; eu sei que tínhamos um compromisso
de estar aqui, mas eu queria olhar as vitrines". - "Mas a gente tinha uma sessão sobre
sexualidade". - "Mas eu queria passear com você nas ruas de Paris, ter um pouco de prazer..."
- "Mas eu queria a hora da sessão". E gradualmente eles realizaram que da forma como eles
chegaram na sessão, era exatamente dessa forma que eles faziam amor. Ela queria ter mais
tempo, queria mais prazer com ele; e ele queria chegar logo, na hora. Ele não podia faltar,
com a hora.
Questão inaudível.
Paul - O homem se referencia muito em como as coisas funcionam, mas não como ele
funciona. A gente está apenas iniciando essa época, mas a gente ainda não está lá. Em algum
lugar ele dá isso à mulher - é muito complicada essa história, e ele precisa fazer as coisas
funcionais. Talvez tenha um outro tema, o Édipo. Ele gostaria de satisfazer a mulher em casa,
mas não em outro território; não num território onde ele não seja o senhor que controla tudo.
Mas isso vai mudar, está mudando.
Muitas mulheres obrigam o homem a se confrontar; as mulheres que trabalham sobre si
mesmas e que também fazem um trabalho humanitário, e que voltam para casa. A imagem do
homem está mudando; antes era funcional, o dinheiro, o provedor da casa; agora ele está
buscando outros valores. Muitas vezes o homem se sente quebrado no real, ele não tem
sucesso; é como se ele ficasse impotente na realidade. Então ele volta para casa e deseja
compensar com a onipotência em relação à mulher. Na visão sociológica, aqueles que
trabalham com pessoas pobres, desfavorecidas, onde o homem é alcoólatra, não tem trabalho,
é completamente impotente, ele volta para casa e vai ser dominador, violento, agressivo. É
um outro tema muito importante socialmente: impotência e onipotência. O homem perde um
pouco a onipotência com a mulher quando ele começa a compartilhar. Nem a impotência nem
a onipotência, mas a potência, para ambos.
Questão - Ele falou da insegurança ontológica. A única forma de superar, de transcender essa
insegurança ontológica seria na relação amorosa ou estaria exatamente na aceitação que
nesta vida nada é plenamente seguro?
Paul - É ainda um grande, grande tema. Como a relação entre a mãe e a criança é uma
relação dual - duas pessoas, a experiência da criança com a mãe é, na base, dentro de uma
segurança ontológica - vai se transformar também num micro cosmo, igual a uma segurança
ou insegurança cósmica. Enquanto adulto, será que o homem e a mulher vão procurar através
da relação dual, "através de você" eu vou encontrar o universo? Então é uma experiência
cósmica, mas "através de você". É arriscado porque "sem você eu não tenho". E isso se passa
em muitas relações. Através de você eu me enraízo, eu encontro o cosmo. Mas isso não é
muito saudável, porque o outro não sou eu. Será que a gente pode encontrar na nossa vida
uma segurança cósmica? E se for o caso, será que eu posso encarnar ou eu desencarno? Eu
vou me isolar num universo fechado, unário, não dual, ou seja, eu me isolo no encontro com o
outro, ou eu posso ter uma certa experiência cósmica, existencial e me encarnar "na relação
com o outro?" Uma grande questão.
Questão - Quando a mulher acorda para a vida e faz o homem se confrontar, ele quer ir atrás
mas não consegue, ele está perdido, ele acha que não vai conseguir evoluir como a mulher. O
que se poderia sugerir para ele? (Descontração geral).
Paul - É continuar. Porque o homem pode continuar dormindo e pode pensar, no conflito
edípico, que ele vai perder a mulher; e ele pode renunciar, pode ir com outra. Mas ficando
perto dele, acordando essa parte, ele vai acordar. No ponto de vista dele é uma questão do
conflito edípico; se ele pensa que não está à altura, que você deveria estar com outro homem,
ele vai se sentir mal e vai adormecer. Mas se você fica perto dele, a base é você encontrar a
tua energia e encarnar com ele. Tem uma pequena questão, um detalhe: existe o perigo para
algumas mulheres, de se transformar em homem. Ela pode ser uma mulher forte em termos
de anima, mas pode colocar um animus que pode castrar o homem. Como ser uma mulher
acolhedora e estimulante deixando para o homem o lugar dele? Não se transformando num
homem, de forma que ele não fique num lugar passivo, porque senão ele vai se esconder. É a
mesma coisa para o homem. Para estimular a mulher ele precisa se colocar no lugar do
homem. O homem que abre a porta para a mulher, cria a mulher.
Aplausos!
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Paul Boyesen