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INTERAÇÃO VIRTUAL: UM ESTUDO SOBRE O JOGO ONLINE “CLUB
PENGUIN”1
Gabriela Zorzal2
Maria Nazareth Bis Pirola3
Universidade de Vila Velha
Resumo: Analisa os jogos online direcionados ao público infanto-juvenil, com destaque para
o “Club Penguin”, um produto da empresa Disney. Aborda na fundamentação teórica a
constituição da infância a partir do uso de novas tecnologias. Desenvolve estudo descritivo do
ambiente virtual, incluindo a análise de conversas entre os usuários do jogo. Leva em conta as
apropriações feitas pelos próprios jogadores, discute o cruzamento entre segurança e consumo
de modo a interferir no processo interacional. Conclui que este é um espaço aberto para
construções culturais de um público capaz de interferir no processo ativamente.
Palavras-chave: Interação; Jogos virtuais; Club Penguin.
1 INTRODUÇÃO
Lidar com uma infância e adolescência conectada é um desafio. As condições sociais do
mundo contemporâneo, com destaque para a presença da tecnologia digital, têm dado novas
delimitações para a infância e a adolescência, imergindo essas fases do desenvolvimento
humano em um contexto que muitos pesquisadores definem como de crise.
É neste contexto, marcado pela presença imponente da mídia tecnológica, que nossas
possibilidades de interações sociais sofrem mudanças, construções e reconstruções diante dos
conteúdos midiáticos, em especial àqueles ligados ao entretenimento. São, portanto, os meios
de comunicação notórios difusores de informação e de imagens do nosso cotidiano.
Esta é a realidade de parte da infância e da adolescência atual, concebidas em um mundo
tecnológico e imersas em muitas opções de interação e entretenimento que transformam o
cotidiano em um lugar repleto de desafios. Dentro deste universo se destacam os jogos online
voltados para o público infanto-juvenil, uma ferramenta de entretenimento que divide
opiniões quanto aos usos e apropriações por parte do usuário.
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Artigo científico apresentado como exigência parcial para a conclusão do curso de pós-graduação em
Comunicação Integrada e Novas Mídias da Universidade de Vila Velha.
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Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes); pós-graduanda em Comunicação Integrada e Novas Mídias da Universidade de Vila Velha. E-mail:
[email protected]
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Professora e coordenadora do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Vila Velha – UVV.
Graduada em Publicidade e Propaganda. Mestre em Educação. Doutoranda em Educação, linha de pesquisa
Linguagens e Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes, e-mail: [email protected]
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O presente estudo parte, portanto, de um campo delimitado de pesquisa, que são os jogos
virtuais criados especificamente para este público, e analisa, dentro deste universo, as formas
de interação oferecidas pelo jogo online “Club Penguin”, um ambiente digital da empresa
Disney, voltado para um público entre seis e quatorze anos, que tem como marca a interação
entre os usuários a partir do uso de avatares.
Defendemos este tema por acreditar que ele abrange uma realidade que faz parte da vida de
milhares de famílias, estando em consonância com o contexto social em que vivemos.
Ressaltamos ainda que o assunto ganha relevância e pertinência por tratar de fases peculiares
do desenvolvimento humano.
Para esse estudo, foram consultadas diferentes referências teóricas sobre o assunto. Entre os
diversos autores consultados estão Manuel Castells (2008), em sua obra “Sociedade em
Rede”; Nicholas A. Christakis e James H. Fowler (2010), em “O Poder das Conexões”; as
autoras Gilka Girardello e Monica Fantin (2008), organizadoras do livro “Liga, roda, clica –
estudos em mídia, cultura e infância”; e a pesquisadora Lúcia Santaella (2007), em
Línguagens Líquidas na Era da Mobilidade.
Embora cada autor tenha seu foco de estudo delimitado, as obras consultadas discutem como
a tecnologia mudou a perspectiva da sociedade, trazendo mudanças para a infância e
juventude, sobretudo a partir das novas possibilidades de interação e entretenimento.
A partir da revisão bibliográfica, a proposta é estudar os formatos de interação oferecidos pelo
jogo “Club Penguin”, buscando descrever as ferramentas interativas disponíveis para os
jogadores, detectar as mais utilizadas pelos participantes e analisar as estratégias de interação
e entretenimento construídas pelos produtores do game.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Interação
Tem lugar destacado entre as mais importantes transformações ocorridas nas últimas décadas
do século XX, a aceleração intensa do fluxo de informação e a transmissão de formas
simbólicas de conteúdos cognitivos e emocionais. Atualmente precisamos estar cada vez mais
preparados para lidar com uma imensa gama de informações que invadem nosso cotidiano e
que eram impensáveis em gerações anteriores. Seguindo essa lógica, podemos afirmar que é
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marca notória da sociedade contemporânea a presença imponente de uma mídia tecnológica
que permeia nossas relações.
Cabe esclarecer previamente o conceito de interação e o de interatividade. A distinção entre as
duas palavras é pontuada por vários autores, embora muitas vezes os termos sejam utilizados
como sinônimos. Registramos a conceituação desenvolvida por Almeida (2003) que afirma
que a interação diz respeito a uma ação recíproca entre dois agentes, enquanto interatividade é
a capacidade de proporcionar a interação. Podemos dizer, portanto, que as mídias online
possuem um grande potencial de interatividade na medida em que proporcionam diferentes
maneiras de interação, ou seja, a troca de informações, quaisquer que sejam, entre os
participantes.
Com essa realidade de interações tecnológicas, a sociedade se depara com diversas mudanças,
transformando-se no que Rivoltella (2008) chama de sociedade multitela, realidade na qual as
mídias caminham no sentido de se tornar cada vez mais elemento de civilização e o ser
humano precisa entrar em sintonia com essa força cultural.
Nesse mesmo contexto, Castells (2008) explica que essas mudanças tecnológicas implicam
em mudanças sociais. A Internet, por exemplo, cria novas formas e canais de comunicação
que interferem diretamente em nossas vidas, moldando-as e, ao mesmo tempo, sendo
moldadas por elas. Ele caracteriza a rede mundial de computadores como uma mudança de
dimensões históricas similar a criação do alfabeto. Para o autor, estamos vivendo a cultura da
virtualidade real, com a consequente integração da comunicação, o fim da audiência de massa
e o surgimento das redes interativas.
Outra mudança, segundo Castells (2008), está no conceito tradicional de mídia de massa,
alterado com a crescente utilização da mídia digital em nossas vidas. A internet, enquanto
nova mídia, suprime o conceito tradicional de mídia de massa, segmentando o público. A
lógica é que quanto maior a multiplicidade das mensagens, mais seletiva torna-se a audiência,
e o modo de se comunicar e interagir também se adéqua a essa realidade.
Nesse sentido, a Internet pode contribuir para a expansão dos vínculos sociais numa
sociedade que parece estar passando por uma rápida individualização e uma ruptura
cívica. Parece que as comunidades virtuais são mais fortes do que os observadores
em geral acreditam. (...) De fato, a comunicação on-line incentiva discussões
desinibidas, permitindo assim a sinceridade. O preço, porém, é o alto índice de
mortalidade das amizades on-line, pois um palpite infeliz pode ser sancionado pelo
clique na desconexão – eterna (CASTELLS, 2008, p. 445).
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O ciberespaço trouxe, portanto, uma ampliação das possibilidades de comunicação, antes
centradas na interação face a face. Braga (2008) ressalta que, na interação face a face, as
pessoas agem tentando causar ou sustentar uma determinada impressão no outro. Esse aspecto
sofre alteração na comunicação mediada pelo computador. Mesmo que não aja uma regra
definida, existem regulações tácitas responsáveis por criar expectativas na prática de
sociabilidade dos indivíduos. Nesse caso, a novidade que a tecnologia eletrônica traz
“demanda dos participantes certa improvisação diante de situações ainda não vivenciadas”
(BRAGA, 2008, p.194).
Em seus estudos, Christakis e Fowler (2010) afirmam que compreender interconexões e
interações entre as pessoas em aspectos novos da experiência humana, como no caso da
Internet, é uma maneira de tentar entender nós mesmos e o mundo em que vivemos. Os
autores ressaltam ainda que tendemos a achar nossos mundos virtuais melhores que o real não
somente por aquilo que o ambiente virtual pode nos oferecer enquanto ferramenta de
interação, mas pela maneira como nós, enquanto usuários, nos comportamos nessa realidade
virtual.
De acordo com os pesquisadores, é possível destacar quatro fatores que representam
modificações radicais nas nossas interações com o advento da Internet. A primeira delas é um
aumento em grandes proporções de nossa rede interativa, denominada “Enormidade”. A
segunda é a “Vizinhança social”, caracterizada como a expansão do compartilhamento de
nossas informações. O terceiro fator é a “Especificidade”, um aumento nos laços sociais
firmado entre os usuários e, por último, está a “Virtualidade”, ou seja, a capacidade de
assumir identidades virtuais. (CHRISTAKIS E FOWLER, 2010, p. 238).
Antes de imergir na realidade digital voltada para o público infanto-juvenil, cabe definir o
conceito de cibercultura. Lévy (1999) o define como o aumento das redes sociais virtuais,
ferramentas que possibilitam processos de interação que não são mais caracterizados pela
relação face a face. Dessa maneira, a cibercultura permite a construção de laços sociais
diferenciados. Tais laços não são fundados em links territoriais ou nas relações institucionais,
mas em torno de interesses comuns.
É dentro deste ambiente, carregado de conteúdos dos mais diversos tipos, que estamos
inseridos. Crianças e adolescentes passam cada vez mais tempo em frente a uma mídia
tecnológica, seja ela o computador ou a televisão. Em muitos casos, em virtude da integração
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entre os dispositivos, eles são consumidos simultaneamente. O conteúdo televisivo muitas
vezes se transforma em conteúdo online de maneira imediata, algo potencializado com o
advento das redes sociais.
A reflexão sobre o público infanto-juvenil e os meios de comunicação não é nova. Pesquisas e
estudos acadêmicos desenvolvem há algum tempo essa problemática. Os efeitos perniciosos
ou benéficos da televisão, por exemplo, foram exaustivamente abordados e com diferentes
conclusões. Desde o filósofo Walter Benjamin, no início do século passado, diversos
pesquisadores buscaram entender de que maneira a tecnologia pode ser fonte de profundas
mudanças subjetivas, interferindo na construção do sujeito e nas novas gerações.
Girardello (2008) destaca os estudos culturais na abordagem do tema. A tradição teórica
assinalava “a emergência de um novo tipo de subjetividade nas novas gerações, como
resultado de um complexo de múltiplos fatores, entre eles, o laço entre a cultura juvenil e a
mídia globalizada” (GIRARDELLO, 2008, p. 133). A autora também ressalta a importância
da cautela ao se estudar o tema de maneira a não criminalizar os meios de comunicação. É
preciso levar em conta, portanto, que as mídias não são o único fator no processo de formação
do indivíduo e, embora ela esteja presente no processo de constituição do sujeito, outras
instâncias não podem ser esquecidas, como os grupos sociais (família e escola, por exemplo).
No caso específico da criança, o desafio é concebê-la enquanto um sujeito ativo diante das
mídias. Segundo Fantin (2008) estamos acostumados a perceber a criança como um sujeito
que recebe ou não cultura. De acordo com a autora, o desafio é pensar essa fase como um
momento de grande produção cultural e isso implica admitir que a criança sempre pode
interferir no processo cultural.
É evidente que a televisão, os meios eletrônicos, o computador e toda a cultura
digital transformam a vida e a cultura das crianças. Mas se pensarmos que a
reinterpretação das crianças é ativa e que a cultura é algo vivo, o movimento
dialético entre permanência-mudança e reprodução-criação também permite sua
problematização, com rejeição, negação e transformação da herança próxima ou
distante (FANTIN, 2008, 150).
Para a autora, é preciso considerar que os meios eletrônicos oferecem uma referência comum
que faz parte do universo infantil, possibilitando diferentes interações e que, essas mesmas
mídias, também podem desencadear um processo de individualização e certa pseudosocialização. Ela exemplifica com a possibilidade que a Internet promove de conversar com
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um amigo virtual do outro lado de planeta, mas que, paradoxalmente, a mesma criança que
faz uso desta ferramenta não conversa com o vizinho que mora na frente do seu apartamento.
2.2 Jogos Virtuais
Nessa discussão, os jogos virtuais se destacam cada vez mais como ferramenta de interação e
entretenimento, especialmente para crianças e jovens. De fato, esses games ganharam espaço
aos poucos como efetiva ferramenta de lazer, especialmente a partir do crescimento dos
recursos da Internet, fato que tornou os jogos eletrônicos uma indústria lucrativa.
Esse tipo de plataforma cresceu e conquistou os usuários da grande rede, tornando-se um local
no qual os jogadores passam a ser autores do seu próprio texto e construtores de novos “eus”,
especialmente a partir do uso do anonimato. Desse modo, neste ambiente virtual, as interações
se baseiam em aparências superficiais, especialmente com jogos em que se faz uso de avatar,
ou seja, um personagem corporificado que representa o usuário no mundo virtual. Essa
“persona” construída no ciberespaço é, aparentemente, mais fluida do que aquelas que
assumimos em outras situações de nossas vidas “pelo fato de podermos, até certo ponto
conscientemente, construir essa persona no ambiente simulado” (SANTAELLA, 2007, p.96).
Não é à toa que esses espaços conquistam cada vez mais o público infantil e jovem. Podemos
destacar, entre as principais características dos jogos online, a dupla interação (com a máquina
e com outros usuários), a colaboração (costumam ser ambientes que incentivam o
compartilhamento de informações) e a apropriação (os usuários tonam-se parte daquele
ambiente).
Nesse contexto, o ciberespaço carrega a lógica da brincadeira. Lima (2009) explica que as
brincadeiras de rua, incluindo o encontro corpo-a-corpo e a apropriação do espaço público,
estão cada vez mais perdendo espaço para os jogos eletrônicos. Nessa realidade, crianças e
jovens do mundo inteiro utilizam o ambiente digital em jogos com as mais diversas
finalidades, como criar estratégias de ação, competir e cooperar.
O Ciberespaço pode tornar crianças e jovens produtores, realizadores e personagens
das próprias ficções, ajudando-os a ser autores de si próprios. Nos jogos virtuais, as
crianças podem escolher cenários, produzi-los, criar sons, fotografias, gráficos,
discutir estratégias de ação, tendo o prazer de „conduzir-se‟, tornando-se produtores
dos próprios produtos culturais, em vez de ser apenas consumidores passivos dos
próprios produtos culturais (LIMA, 2009, p. 102).
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Em seu estudo, o autor não nega a existência de consequências positivas neste hábito
contemporâneo, como a melhora na percepção visual e espacial, bem como no raciocínio
lógico e estratégico, mas também ressalta a diluição dos limites que separam infância e
adolescência no ciberespaço. Ele argumenta que o ocultamento da idade no ambiente virtual
promove certa indiferenciação entre essas fases.
Lima (2009) pondera ainda que o importante não é ser a favor ou contra os jogos eletrônicos,
mas conhecer as mudanças proporcionadas em nossas vidas social e cultural a partir das
inúmeras possibilidades de interação oferecidas por essa ferramenta de entretenimento. Para
ele, a tecnologia se constitui como um recurso para explorar a fantasia, permitindo a
realização de desejos distantes do nosso alcance na vida real.
Ao discutirem jogos online como ferramentas de interação, Christakis e Fowler (2010) citam
pesquisas que apontam que as interações no mundo virtual podem ter reflexos no mundo real,
também com destaque para os jogos online que fazem uso de avatar. Nesse contexto, o avatar
representa um papel que é manipulável. Essa capacidade de transformar a própria aparência é
um dos destaques que diferencia o mundo real do virtual.
O fato é que cada vez mais o mundo digital e o real se misturam e, nesse contexto, “nossas
interações, estimuladas e suportadas por novas, mas existentes até sem essas tecnologias,
criam novos fenômenos sociais que transcendem a experiência individual” (CHRISTAKIS E
FOWLER, 2010, p. 247).
É nesse cenário que o entretenimento ganha força e a juventude conectada se transforma em
um efetivo público-alvo. Para conquistá-lo, essa cibercultura possui, entre diversas outras
ferramentas, um universo de possibilidades de jogos online.
Os jogos eletrônicos voltados para a infância e juventude, de acordo com Recuero (2010),
trabalham no sentido de transportar o jogador para um ambiente online que privilegia a
conexão. Assim, esses jogos misturam entretenimento e sociabilidade numa plataforma de
lazer que facilita o estabelecimento de laços sociais. Esses espaços coletivos e massivos para a
interação online numa lógica de lazer são classificados por Recuero (2010) como MMOs ou
MMOGs (massively multiplayer online games). A principal característica dessas plataformas
é permitir uma interação coletiva entre milhares de jogadores em uma narrativa geralmente
relacionada à fantasia.
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3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para analisar o jogo “Club Penguin” escolhemos como tipo de pesquisa a descritiva, por esta
ser voltada para a descrição das características do fenômeno estudado. Com esse tipo de
pesquisa, experimentamos todos os ambientes do jogo online e utilizamos as propostas de
interação oferecidas para entender a dinâmica do game. Consideramos que os dados
analisados são de natureza qualitativa, já que buscamos explorar um assunto a partir de
informações, percepções e experiências, sendo a quantidade irrelevante para este estudo.
Nossa principal fonte de pesquisa foi o jogo “Club Penguin”, onde conhecemos os espaços
virtuais e encontramos participantes para interagir, além de poder observar a interação entre
os jogadores. Vale ressaltar que também buscamos, nas mais diversas páginas eletrônicas
especializadas no jogo, material para estudo e análise. Essas fontes nos mostraram temas
relacionados ao jogo que são discutidos pelos usuários fora da comunidade, bem como
apropriações feitas pelos usuários que fogem à proposta oficial do clube.
Como método de estudo, listamos o uso integrado de duas ferramentas metodológicas: a
pesquisa descritiva e a observação participante. Assim, com a pesquisa descritiva, buscamos
compor uma imagem estruturada do jogo analisado. Já a observação participante, que
“consiste na inserção do pesquisador no ambiente natural de ocorrência do fenômeno e de sua
interação com a situação investigada” (PERUZZO, 2006, p.125), nos permitiu a experiência
de convivência virtual com os participantes do jogo por meio do avatar4.
Vale esclarecer que não fez parte deste trabalho entrar em contato com os jogadores no
ambiente real, já que o foco de nosso estudo não é o jogador enquanto sujeito, mas seu
desempenho e suas apropriações enquanto parte do ambiente online. Ou seja, nosso objeto de
estudo, além de ser o jogo como um todo, está centrado no avatar. Vale reforçar que o avatar é
representação gráfica do usuário dentro de um ambiente virtual. No caso de jogo aqui
analisado, o centro do estudo está nos “pinguins” coloridos que povoam a ilha online.
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Para a observação participante no contexto da Internet, alguns autores utilizam a nomenclatura Netnografia. De
acordo com Braga (2008), a netnografia parte de uma técnica antropológica chamada etnografia, na qual o
investigador mapeia campos, transcreve momentos e vivências relacionados a determinado fenômeno. Desse
modo, a netnografia se baseia na técnica imersiva com a observação da comunidade pesquisada. O pesquisador
deve, portanto, ser reconhecido como membro desta comunidade para experimentar as peculiaridades do
ambiente online.
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Dessa forma, criamos um avatar dentro da comunidade para conhecer todos os espaços
gráficos disponibilizados pelo jogo, bem como as políticas de privacidade e os termos de uso,
incluindo as regras de convivência do clube.
Durante os meses de setembro e outubro de 2012, visitamos o ambiente virtual em diferentes
dias da semana e em diferentes horários e experimentamos as formas de interação e de
entretenimento, não apenas observando os avatares a conversarem e se divertirem, mas
entrando em contato com os demais participantes para compreender a sistemática
comunicativa do jogo.
Entendendo o funcionamento da rede, foi possível analisar a interação entre os participantes,
já que a principal ferramenta comunicativa – o diálogo entre os avatares – é aberta para todos
os jogadores.
4 APRESENTANDO O “CLUB PENGUIN”
O jogo virtual “Club Penguin” se encaixa na definição de Recuero (2010) de MMOs ou
MMOGs (massively multiplayer online games) já que forma uma rede social de interação e
entretenimento, com uma narrativa que prioriza o desafio e o mistério.
O “Club Penguin”, da empresa Disney, é um espaço de entretenimento e interação para
crianças e adolescentes com idades entre seis e quatorze anos. O jogo permite que relações
reais possam ser exploradas dentro do ambiente virtual e possibilita, facilmente, o contato
com pessoas desconhecidas, embora este não seja o foco oficial do produto.
Embora o princípio conceitual do jogo seja o entretenimento, podemos considerar o “Club
Penguin” uma espécie de rede social na medida em que permite a conexão entre os usuários
em uma estrutura pré-determinada. Para usar a ferramenta, os usuários assumem avatares em
forma de pinguins coloridos - personagens que se diferenciam pela cor e pelo uso de diversos
acessórios corporais, como roupas, chapéus, colares e sapatos - e interagem em uma ilha
virtual de diferentes maneiras.
De acordo com as informações divulgadas no próprio site do jogo 5, o “Club Penguin” foi
fundado em março de 2005, por dois pesquisadores, com o objetivo de criar um mundo virtual
no qual crianças pudessem se divertir e interagir sem anúncios publicitários. O jogo surgiu
5
http://www.clubpenguin.com/pt/, acesso em 20 de setembro de 2012.
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efetivamente em outubro do mesmo ano, em um famoso site de jogos online. Somente em
2007 a marca se uniu a Walt Disney Company.
No Brasil, o sucesso do game foi tanto, que, em 2008, a ilha virtual foi toda adaptada para a
língua portuguesa. Esta foi a primeira versão do mundo virtual em outro idioma além do
inglês. A sede administrativa do “Club Penguin” está localizada no Canadá, mas, além do
Brasil, existem escritórios em diversos países, como Inglaterra, Austrália e Argentina.
Um dos aspectos defendido pelo game institucionalmente é a chamada “Cidadania Global”.
Em seu portal principal, o “Club Penguin” explica a expressão: “significa fazer a diferença, e
o Club Penguin assume o compromisso de melhorar a vida de crianças e famílias ao redor do
mundo”. Para isso, o jogo explica que doa parte do lucro líquido recebido para causas
mundiais, além de trabalhar para que as crianças entendam e acreditem que suas ações podem
fazer a diferença no mundo.
Um dos programas criados para reforçar a cidadania global é o Coins for Change, que
consiste na doação, pelos participantes do jogo, de moedas virtuais que são convertidas em
dólares para doação. O portal do “Club Penguin” informa que, na campanha de 2011, foram
doados dois milhões de dólares para proteger o Planeta Terra com projetos de preservação
ambiental, além de programas para oferecer assistência médicas e construir lugares seguros,
como escolas, bibliotecas e parquinhos, em países pobres.
De maneira geral, a proposta oficial do jogo “Club Penguin” é proporcionar um ambiente
virtual seguro para novas experiências, aprendizagens e diversão. Como será aprofundado
mais a frente, o jogo se sustenta na construção de uma relação de confiança com os pais ou
responsáveis. A segurança é, assim, um dos pilares do jogo, que deixa claro as regras
impostas para os jogadores e busca uma relação de proximidade com os pais dos usuários.
A ausência de publicidade externa também é uma marca do clube. O game não possui
nenhum tipo de publicidade externa, embora o consumo da própria marca, conforme
analisado posteriormente, seja presença constante. Além disso, em seus termos de uso,
afirma-se que a página do “Club Penguin” é destinada para o uso pessoal, não podendo ser
utilizada, de nenhuma forma, para fins comerciais.
Diante disso, embora o estudo aqui proposto tenha como foco a interação, percebemos como
necessário para a própria apresentação do “Club Penguin” uma análise sobre a questão da
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segurança e do consumo dentro da marca. Isso porque essas duas questões são construídas no
jogo de maneira a interferir diretamente nas formas de interação.
5 ANÁLISE DO JOGO: INTERAÇÃO NA ILHA VIRTUAL CONGELADA
Em seu aspecto gráfico, o “Club Penguin” se constitui no desenho de uma ilha congelada
habitada por pinguins. Esses avatares podem passear pelos diversos lugares disponibilizados
no jogo, tais como praia, montanha, estação de esqui, estádio esportivo, centro comercial e a
área dos iglus, que são as “casas” dos jogadores. Cada espaço possui jogos temáticos que
podem ser jogados individualmente ou por mais de um jogador. Esse tipo de atividade é uma
forma de ganhar moedas virtuais. Quanto melhor o desempenho do jogador, mais moedas ele
ganha, aumentando seu poder de compra dentro do clube.
FIGURA 16: Mapa da ilha “Club Penguin”
As lojas possuem uma gama de produtos que podem ser comprados pelos jogadores com as
moedas virtuais, tais como acessórios e roupas, móveis e objetos decorativos para os iglus, e
bichos de estimação, os chamados “Puffle”, companheiros que, após adquiridos, acompanham
os usuários em todas as atividades, podendo inclusive, ajudá-los em determinados momentos.
Como meio de comunicação institucional com os avateres, o jogo possui um jornal online
semanal com as últimas notícias da ilha e passatempos. Entre os destaques, o meio de
comunicação traz as festas programadas para a ilha, concursos, piadas e dicas para os
jogadores. Os usuários também podem participar deste espaço enviando material para
publicação, como piadas, dicas e poemas.
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http://www.clubpenguin.com/pt/, acesso em 20 de setembro de 2012.
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Dentro do jogo também é possível seguir algumas “carreiras profissionais”, como a de guia
turístico, de agente secreto e de ninja. Cada “profissão” exige dos avatares algumas
habilidades. Para ser guia, por exemplo, é preciso ter experiência no jogo de, pelo menos, 45
dias. Os candidatos à vaga passam por um teste de perguntas e respostas sobre o game e,
quando passam na prova, ganham um chapéu especial de guia e um cartão de congratulações.
Para ser um agente da “Elite Penguin Force” é preciso desvendar mistérios da ilha congelada.
Para entrar para o grupo, o usuário passa por um teste inicial que confere a pontaria, a
agilidade e a capacidade de camuflagem do participante. Após esse teste, o jogador ganha um
celular especial pelo qual recebe suas missões. Na medida em que o avatar desvenda os
mistérios, ele avança na carreira e também ganha moedas virtuais, além de acessórios
exclusivos.
Os pinguins que investem na carreira de Ninja precisam passar por uma competição que inclui
a conquista de nove níveis diferentes, caracterizados pelas cores das faixas. Os participantes
se enfrentam em um jogo específico e também enfrentam o “Sensei”, uma espécie de ninjamestre. Vale ressaltar que não há nenhuma relação com luta propriamente dita. As etapas são
compostas de jogos de estratégia e lógica. A profissão também fornece roupas e dinheiro
virtual.
Além das profissões, os participantes também ganham, assim que entram no game, um “Livro
de Selos” com 245 figuras colecionadas ao longo do game. Esses selos não são comprados
com a moeda virtual, mas descobertos e conquistados ao longo do jogo. Encontrar
personagens, ter bom desempenho em jogos ou encontrar objetos escondidos são exemplos de
atividades que rendem selos para os participantes.
A narrativa do jogo também envolve mistérios. Faz parte do desenvolvimento do game a
proposta de missões que convidam os usuários a se apropriar do espaço, desvendando
mistérios e ganhando prêmios por isso, como roupas e acessórios exclusivos ou moedas
virtuais. Dessa maneira, as missões se mostram uma forma de incentivar o usuário a explorar
a ilha, se aventurando em espaços misteriosos, aguçando a curiosidade dos participantes. Esse
artifício também é uma maneira de quebrar a “rotina” da ilha, inserindo novidades que
mantenham os usuários envolvidos no game.
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Durante o período de análise, o “Club Penguin” lançou a “Aventura Tropical”, vigente na ilha
do dia 23 de agosto a 4 de setembro de 2012. A atividade contava a história de um vulcão
faminto por frutas que fora despertado nas montanhas da ilha. Os usuários precisavam buscar
frutas de diferentes regiões para alimentar o vulcão e, claro, ganhavam prêmios exclusivos por
isso. Durante esse período, todos os ambientes foram decorados com a temática tropical e
novas roupas e acessórios do mesmo tema foram disponibilizados para os usuários,
envolvendo todos no clima de aventura.
FIGURA 2: Aventura Tropical
5.1 Segurança em primeiro lugar
Em busca de garantir aos usuários e aos pais a segurança no ambiente online, o jogo “Club
Peguin” possui regras que são colocadas de forma muito clara para ambos. A primeira delas é
o respeito, evidenciando que a game não tolera nenhum tipo de bullying entre os jogadores.
Há também uma preocupação com a linguagem utilizada na comunidade, sendo proibido o
uso de palavrões e conversas sobre drogas, sexo ou álcool. Uma regra que também é
evidenciada é a não tolerância de compartilhamento de informações pessoais, como nome
verdadeiro, telefone, e-mail ou senha. Jogadores que não respeitarem essas regras podem ser
banidos temporariamente ou até permanentemente.
A partir dessas regras, o game defende que o que importa é a diversão das crianças e a
tranquilidade dos pais ou responsáveis. Para que eles se envolvam neste processo, ao se
cadastrar no site, o usuário deve informar o e-mail dos responsáveis. Estes devem aprovar a
conta de seu filho para permitir a criação do avatar e, consequentemente, o contato com o
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jogo. Vale ressaltar que observamos que qualquer e-mail pode ser inserido no momento do
cadastro. Não há nenhuma necessidade de inserir outros dados dos pais para ter acesso ao
game.
Ao ativar a conta, o e-mail cadastrado como sendo dos responsáveis recebe um aviso com o
login e a senha escolhida pelo usuário do jogo (nesse caso, seu filho). Nesse momento, no
qual se libera o cadastro, é necessário escolher entre dois tipos de filtros de interação: o “Batepapo Seguro”, no qual os jogadores podem digitar suas próprias mensagens que passam por
um filtro para impedir informações pessoais e linguagem inapropriada; e o “Bate-papo
SuperSeguro”, que permite aos jogadores conversarem por meio de frases pré-definidas. Os
pais também podem definir tempo de permanência no jogo e horário de acesso.
De acordo com informações dadas no próprio game, todo o desenvolvimento do clube é
acompanhado por moderadores em tempo integral e as mensagens trocadas na ilha passam por
um filtro que analisa o uso de linguagens inapropriadas e a troca de informações pessoais.
Segundo o jogo, este filtro é constantemente atualizado para acompanhar mudanças de idioma
e tendências culturais. Vale ressaltar que sempre é lembrado ao jogador que ele também é
importante para manter a ilha segura. Assim, se algum participante não se comportar bem é
possível reportá-lo a um moderador e ignorá-lo.
FIGURA 3: Participantes podem denunciar mau comportamento
O jogo virtual também é cuidadoso ao informar sobre a importância da segurança pessoal de
cada jogador. Para isso, orienta os participantes de maneira clara a nunca divulgarem qualquer
informação pessoal na Internet, tais como nome verdadeiro, idade, endereço, número de
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telefone ou escola em que estuda. Além disso, os jogadores também recebem a informação de
que não devem compartilhar sua senha pessoal com nenhuma pessoa, exceto seus pais, e são
orientados também a escolherem nomes para seus avatares que não façam referência a seus
nomes verdadeiros.
Vale ressaltar que essas orientações são explicadas didaticamente aos usuários, mostrando
que, ao dar sua senha para outra pessoa, esta poderá se passar pelo usuário, alterando suas
configurações, gastando suas moedas virtuais e até fazendo com que seu avatar seja banido do
jogo por mau comportamento.
5.2 Seja um assinante: o consumo com forma de pertencimento
Embora a inscrição do game e o acesso geral sejam gratuitos, várias atrações são acessíveis
apenas para os chamados assinantes. Dessa maneira, quem paga pela assinatura – em moeda
real e não virtual - tem várias regalias.
A parte contratual da assinatura é voltada para os pais, que podem efetuar o pagamento por
boleto bancário ou cartão de crédito. Os valores são variáveis, sendo o mínimo R$ 8, 94
(assinatura mensal) e o máximo R$ 84,95 (assinatura anual).
Roupas diferenciadas, acessórios temáticos, iglus enfeitados e acesso a lugares exclusivos são
algumas das regalias para quem é assinante do “Club Penguin”. Essas regalias produzem uma
clara diferenciação entre quem assina e quem não assina o jogo. Além disso, os avatares que
pagam por esses benefícios do game carregam uma marca diferenciada em seu perfil que,
quando acessado por qualquer jogador, informa que aquele é um assinante do clube.
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FIGURA 4: Acessórios e roupas estão disponíveis somente para assinantes
As festas virtuais organizadas para os usuários reforçam a necessidade de ser assinante para
pertencer ao jogo efetivamente. Por meio do “noticiário local”, os usuários ficam sabendo
destes eventos, que em tese são abertos para assinantes e não assinantes. Porém, nesses locais,
alguns acessos são restritos àqueles que pagam, como acessórios temáticos da festa e áreas
vip.
Além disso, locais da ilha são restritos aos assinantes, especialmente nos períodos em que a
ilha está em atividades especiais. No caso da semana intitulada como “Aventura Tropical”,
por exemplo, as “câmaras mais profundas”7 da ilha eram restritas apenas aos assinantes, bem
como os acessórios temáticos do período.
FIGURA 5: Alguns espaços estão disponíveis somente para assinantes
A troca monetária está em todos os ambientes do jogo. Ao passear pela ilha, o usuário esbarra
em itens que só podem ser adquiridos com a compra via moeda virtual. Vale lembrar que a
principal forma de adquirir moedas é através dos diversos jogos disponíveis dentro do clube.
Assim, quanto mais o usuário participa dos passatempos inseridos no jogo, mais dinheiro ele
ganha e mais ele pode comprar.
Observamos que o consumo também está fora do ambiente virtual. Diferentes produtos com a
marca “Club Penguin” são comercializados, como álbuns de figurinhas, quebras-cabeças e
jogos de videogame. A relação entre o produto real e o virtual vai além da alusão à marca. Os
produtos comprados em lojas carregam um código especial que dá acesso a itens exclusivos
para os usuários dentro da ilha.
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As “Câmaras mais profundas” eram salas, criadas especificamente para o período, acessíveis somente aos
assinantes do jogo.
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De modo geral, podemos dizer que o consumo passa a ser, portanto, sinônimo de
diferenciação na medida em que produz significados, ressaltando estilos de vida,
diferenciando os avatares e tornando-os mais interessantes. Percebemos que essa relação entre
assinante e não assinante interfere no modo em que os avatares se veem, já que ela está
marcada na própria aparência de cada um.
5.3 “Vamos para o meu Iglu?”: Interação no jogo Club Penguin
A interação entre os participantes é um dos pilares do “Club Penguin”. O portal oficial do
jogo descreve a ilha como um lugar onde “as crianças podem jogar e interagir em um
divertido playground on-line, orientado por um forte compromisso com a segurança”.
O jogo possui diferentes ferramentas de interação. Existem algumas ações pré-definidas
disponíveis, como dançar, acenar e jogar bola de neve. Os jogadores ainda podem enviar
cartões aos amigos celebrando a amizade, convidando-os para sair, visitar seu iglu ou
participar de festas, além de elogiar suas roupas e acessórios. O usuário sempre tem acesso à
lista de seus amigos adicionados e também pode marcá-los como melhores amigos. O acesso
aos iglus dos amigos adicionados é liberado.
É certo que a forma mais marcante de interação entre os participantes do jogo é a conversa.
Na modalidade “Bate-papo Super Seguro”, os jogadores dispõe de frases pré-definidas para
dialogar. Essas frases estão organizadas em conjuntos, como as mensagens de cumprimento,
de despedida e perguntas e respostas sobre temas variados (animais, jogos e música, por
exemplo). Por meio desta ferramenta, é possível também convidar alguém para dar um
passeio, para conhecer seu iglu, para participar de um jogo ou ainda para ir a uma festa. Com
esse tipo de interação ainda é possível desaprovar o comportamento de alguém com as frases:
“Isso não foi legal”, “Por favor, vai embora” e “Para com isso”. Já o uso da modalidade
“Bate-papo Seguro” permite que os usuários tenham um conversa aberta, com a liberdade de
escrever as próprias frases.
O uso de “emoticons” permite, sobretudo, mostrar o humor dos participantes a partir de
carinhas felizes, tristes, envergonhadas, preocupadas, entre outras. É com essa ferramenta que
é possível mostrar que um avatar está apaixonado por outro. Não é raro observar avatares
apresentando “corações” para outros. Embora o relacionamento amoroso não esteja entre as
propostas oficiais do jogo, é possível perceber que a instituição do namoro e até mesmo do
casamento foi construída culturalmente na ilha pelos participantes.
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Essa divisão entre “Bate-papo Seguro” e “Bate-papo Super Seguro” é instituída dentro dos
próprios servidores. Assim, ao entrar o jogo, é disponibilizado ao jogador diferentes opções
de servidores com a indicação da quantidade de jogadores que estão presentes no local. Os
servidores são sinalizados para que o usuário saiba qual é a modalidade de conversa permitida
neles. Além disso, o jogador tem a informação de em qual servidor seus amigos adicionados
estão online.
Durante o período da pesquisa, analisamos servidores dos dois tipos de interação e
percebemos que, embora haja uma grande diferença no modo de conversar, existem pontos
em comum entre as conversas pré-definidas e as digitadas pelos participantes. Observamos
diversas conversas e também entramos em contato com avatares em alguns momentos. Para
explicitar melhor os aspectos mais recorrentes observados na interação do jogo,
transcrevemos alguns diálogos presenciados virtualmente por nosso avatar, denominado
“Gabirosaz”.
De modo geral, podemos caracterizar o diálogo dentro do clube como uma conversa curta. Os
avatares trocam poucas frases, sendo em sua maioria pedidos de amizade, convites para visitar
os uglus e convites para algum jogo. Também percebemos que, embora a interação seja uma
importante ferramenta criada no jogo, ela não é utilizada massivamente. Em muitos
momentos, imersos em um ambiente cheio de avatares, vivenciamos poucas conversas sendo
desenvolvidas. A movimentação entre os ambientes da ilha é intensa, sendo comum que
avatares troquem palavras de cumprimento e andem cada um para um local diferente, não
desenvolvendo uma conversa longa.
Um aspecto também muito comum na interação entre os avatares tanto em servidores
caracterizados como “Bate papo Super Seguro” quanto como “Bate papo Seguro” é a
presença do romance. É comum observar avatares perguntando para outros se querem ser seu
par. Nesse mesmo contexto, observamos várias conversas entre avatares femininos e
masculinos que acabavam com a troca de “corações”, um ato que, no jogo, se refere ao
romance.
Apesar de muitos aspectos comuns, a grande diferença entre as duas formas de interação
oferecidas pelo jogo está, é claro, nas limitações impostas para o “Bate papo Super Seguro”.
Esse tipo de conversa acaba forçando os usuários a conversarem sobre os mesmos temas, o
que, em sua maioria das vezes, é reportar às ferramentas do próprio jogo. Além disso,
pudemos observar que o romance, embora presente, limita-se ao uso do simbólico “coração”.
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Isso se exemplifica com a conversa, transcrita abaixo, entre os avatares P180972974 e
Anabell991, na pizzaria da ilha virtual, no dia 04 de outubro, às 13h30, em um servidor de
conversa pré-definida.
P180972974: Você é um amigão.
Anabell 991: Obrigado.
P180972974: Quer ser meu amigo?
Anabell 991: Sim.
P180972974: Ok.
Trocam corações
Anabell 991: Quer jogar Mancala?
P180972974: Ok.
Saem do espaço
FIGURA 6: P180972974 e Anabell991 trocam “corações”
Já em servidores cujo modo de interação é “Bate-papo Seguro”, percebemos o romance como
algo que vai além da troca de emoticons. Como os participantes tem liberdade para escrever, o
espaço oportuniza conversas com um maior tom de paquera. Segue abaixo conversa transcrita
entre os avatares Didi Pinguin e Sasha48, no dia 03 de outubro, às 21h03, no Centro virtual do
“Club Penguin”.
Didi Pinguim: Quem quer ser meu par?
Sasha48: EU
Didi Pinguim: Ok. Pode so trocar o cabelo?
Sasha48: Ok
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Didi Pinguim: Por favor minha linda:
Sasha48: Assim?
Didi Pinguim: Ok. Vou te fazer uma serenata no meu iglu. Va ate la
Sasha48: ta
Após essa breve conversa aberta, os participantes saíram do ambiente. Vale esclarecer que,
caso eles tenham partido mesmo para o “iglu” de “Didi Pinguim”, como a conversa aponta, a
interação dentro deste espaço é aberta apenas para os amigos do dono do “Iglu”, que poderão
visitá-lo a qualquer momento, sem precisar de convite.
Ainda com relação ao romance, vale destacar que diversos sites especializados no jogo 8 dão
dicas de namoro e ensinam até mesmo a como se casar dentro do clube. O casamento pode ser
realizado em qualquer local da ilha. É comum encontrar, nesses sites especializados, convites
de participantes para a “cerimônia” de casamento, com as informações de dia, local, horário e
servidor em que será realizada a “união”. Esse aspecto nos traz uma reflexão sobre o fato de
crianças e adolescentes assumirem papéis que não condizem com suas idades, mostrando a
diluição dos limites das fases da vida, especialmente no que diz respeito à infância e
juventude.
Vale ressaltar que, durante o período de análise, vivenciamos virtualmente apenas uma
conversa que envolvia ofensa. Este diálogo foi captado em um servidor que permitia conversa
aberta, no dia 06 de outubro, às 17h52, entre dois avatares denominados Valery July e BUBU
3009.
Valery July: Quem quer ser meu par
Após lançar a questão, um avatar com o nome BUBU 3009 joga bolas de neve em Valery
July. Ela entra para a área do Teatro, sendo perseguida por BUBU 3009. Valery July retorna
ao Centro e continua sendo seguida pelo mesmo personagem.
Valery July: Quer ser meu amigo?
BUBU 3009: baleia
Valery July: Quem?
BUBU 3009: vc
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Foram encontradas referências ao namoro e casamento em vários sites, tais como:
http://www.clubpenguintododia.com/2010/04/casamento-pvs02.html,
http://www.earthclubpenguin.com/2011/07/familia-shine-1-o-casamento.html,
http://clubpenguinecia.wordpress.com/2007/10/04/casamento/,
http://polonorteclubpenguin.blogspot.com.br/2010/06/mais-um-casamento.html,
http://clubpenguinirado.blogspot.com.br/2010/10/o-seu-penguin-vai-se-casar.html, acesso em 24 de setembro
de 2012.
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Valery July joga bola de neve em BUBU 3009 e sai do espaço.
Aproximo-me de BUBU 3009 e pergunto:
Gabirosaz: Por que você estava a chamando de baleia?
Sem resposta, pergunto novamente:
Gabirosaz: Por que você estava a chamando de baleia?
BUBU 3009: pera ai. Vo fala.
Após um tempo ele responde:
BUBU 3009: ah vc tb deve ser outra baleia.
Gabirosaz: O que é baleia?
BUBU 3009: pesquise na internet. nao fala nada baleia. fica ai com a outra baleia amarela
Refere-se a outro avatar próximo a mim de cor amarela e sai do espaço.
Acreditamos que pelas próprias limitações impostas pelo modo de conversa pré-definida, o
“Bate-papo Super Seguro”, seja difícil manter uma conversa ofensiva. Nenhuma das fases
disponíveis para os jogadores abre espaço para esse tipo de comportamento na rede.
Outro aspecto que ressaltamos na interação observada dentro do “Club Penguin” é a ausência
de compartilhamento de informações pessoais. Não presenciamos virtualmente a troca de
informações verdadeiras como nome, idade, local onde mora ou estuda. Este aspecto se
relaciona diretamente com a política do jogo, que tenta conscientizar o jogador de maneira
didática sobre os perigos de compartilhar informações pessoais com outros avatares.
Também podemos destacar o ambiente virtual aqui estudado como um local de compartilhar
informações relacionadas com a cultura real. Em uma conversa captada, no dia 06 de outubro,
às 15h45, entre os avatares Lorrana 4266 e Mari 5069 dentro da pizzaria virtual de um
servidor de conversa livre, uma delas faz referência a uma música sertaneja, cantando um
trecho dentro do espaço. Além disso, esta mesma conversa faz referência a ser ou não
assinante. Neste caso, Lorrana 4266 é assinante do jogo e Mari 5069 não é.
Lorrana 4266: Oi, tudo bem?
Mari 5069: Sim, e vc?
Lorrana 4266: Q bom.
Garçom se aproxima da mesa.
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Mari 5069: Garçom. uma pizza de chocolate por favor.
Lorrana 4266: uma pizza de queijo e um café.
Mari 5069: agora eu fiquei doce doce doce doce... kkk
Lorrana 4266: você é assinante? kk
Sem resposta, o jogador pergunta novamente.
Lorrana 4266: você é assinante?
Novamente sem resposta, o jogador desiste da conversa.
Lorrana 4266: vou ter q ir. tchau.
Mari 5069: tchau
Como já discutido neste artigo, ser ou não assinante traz mudanças visíveis na própria
aparência dos avatares. Por nossa vivência virtual dentro do clube, percebemos que esse
quesito é tema de conversas entre os avatares, com especial referência aos chamados códigos.
Estes são sequências de números e letras utilizados para destravar itens no jogo, como roupas
e acessórios. É comum encontrar esses códigos em sites especializados, além de observar os
próprios avatares conversarem sobre eles.
Os códigos são, assim, uma maneira de “burlar” o jogo, permitindo que participantes que não
são assinantes tenham acesso a itens restritos e se pareçam com assinantes. A conversa
abaixo, realizada no dia 08 de outubro, às 11h20, em um servidor de conversa aberta, entre os
avatares Psps4 , Teteu mota e o meu personagem, exemplificam isto:
Psps4: acham que eu sou assinante
Gabirosaz: E não é?
Psps4: não. são os códigos
Teteu mota: eu sou.
Psps4: que sorte.
Gabirosaz: Como vc consegue?
Psps4: eu tenho muitos códigos.
Gabirosaz: Onde eu posso conseguir?
Psps4 sai do espaço.
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FIGURA 7: Avatar de Pspsp4
A partir da análise dessas conversas e de nossa vivência virtual no espaço, percebemos que o
jogo é, de fato, aquilo que defende em sua proposta oficial, ou seja, um espaço virtual criativo
e atrativo que privilegia o mistério e o desafio. Porém, nossa análise também buscou as
apropriações feitas pelos próprios participantes, destacando a forte presença do romance como
forma de interação entre avatares de diferentes gêneros, algo que não está, em nenhum
momento, em sua política oficial e até mesmo nas informações passadas para os pais ou
responsáveis.
Também analisamos a questão da segurança como fator que interfere nos modos de interação,
já que impõe uma conversa pré-definida ou livre, sendo este quesito uma forma de limitar
assuntos conversados e até mesmo a questão da ofensa ou uso de palavras inapropriadas. Por
último, destacamos o consumo dentro do jogo, especialmente no fato de ser ou não assinante,
como maneira de estratificar, criando hierarquia e diferenças entre os participantes.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presença virtual no mundo online “Club Penguin” enquanto pesquisadores, permitiu-nos
alcançar nosso objetivo central: estudar os formatos de interação oferecidos pelo jogo.
Podemos caracterizar o clube como um ambiente de alta interatividade já que permite de
maneira fácil e atrativa a interação entre os usuários. Além disso, estudamos as formas de
interação, que embora sejam variadas, se concentram de forma mais destacada na conversa.
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Embora a proposta oficial do jogo seja o cruzamento entre aprendizagem, segurança e
diversão, observamos apropriações feitas pelos usuários que fogem àquilo defendido
oficialmente pelo jogo. Isso nos confirma o fato de que não podemos pensar esse público
infanto-juvenil como uma parcela que apenas recebe pacificamente a cultura midiática.
Passamos, portanto, a entendê-los como influenciadores e construtores do espaço online.
Esta experiência virtual no “Club Penguin” nos permitiu descrever as ferramentas interativas
disponíveis para os jogadores, com destaque para as formas de conversa. Percebemos que
uma das estratégias dos produtores do game é relacionar interação e entretenimento,
possibilitando que os avatares participem em conjunto de tarefas relacionadas ao lazer, como
os jogos inseridos do “Club Penguin” e as festas temáticas.
Ainda sobre essas estratégias, percebemos duas instâncias que interferem diretamente na
forma de interação: a segurança e o consumo. Em nome da segurança é que o tipo de conversa
se divide em “Bate papo SuperSeguro” (frases pré-definida) e “Bate papo Seguro” (diálogos
escritos pelos usuários). Embora haja essa divisão, percebemos a presença dos mesmos
assuntos em ambos, com destaque para a instituição do romance.
Com relação ao consumo, percebemos a necessidade de discutir a estratificação entre
assinantes e não assinantes. A assinatura está na própria aparência dos avatares, que podem
adquirir roupas e acessórios diversos. Entretanto, usuários não assinantes encontraram uma
forma de burlar o sistema, aparentando serem assinantes. Eles utilizam códigos para destravar
acessórios e mudar a aparência conforme a lógica do jogo.
Caracterizamos essa conversa no espaço como uma interação curta, já que na maioria das
vezes os avatares trocam poucas palavras. No caso do “Bate papo Super Seguro”, pelas
próprias limitações impostas pelas frases disponíveis aos usuários, a conversa entre os
participantes acaba girando em torno do próprio jogo, reforçando ferramentas de
entretenimento. Os usuários deste tipo de conversa costumam falar sobre os jogos disponíveis
no clube, além de convidar o par para alguma atividade ou contar uma piada.
Ao analisar a conversa entre os avatares, vivenciamos virtualmente uma situação que envolvia
ofensa, neste caso, em um servidor de bate papo livre. Este tipo de atitude é definida como
não tolerada pela proposta oficial do jogo, embora não tenhamos informações se algo
aconteceu ao usuário. E vale ressaltar que não encontramos o compartilhamento de
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informações pessoais no ambiente, o que é um ponto positivo, já que isto é mostrado diversas
vezes ao usuário que pode ser perigoso.
A partir de nossa análise, consideramos que o jogo cumpre seu papel no sentido de ser um
ambiente criativo para brincadeiras online, mas ressaltamos que, embora a proposta coloque a
segurança em primeiro lugar, esta não é garantida em sua totalidade pela própria dificuldade
de monitorar um ambiente virtual. Além disso, é preciso levar em conta as apropriações e
construções feitas pelos próprios usuários, a exemplo do romance.
Desse modo, acreditamos que formar uma parceria com pais e responsáveis, como defende o
jogo, apesar de ser válido, não é garantia de que os filhos estão seguros. Pais e responsáveis
só saberão o que realmente ocorre no ambiente se acompanharem de perto, monitorando
sempre este espaço virtual. Isso porque este espaço está aberto para construções culturais e
porque este público é capaz de interferir no processo ativamente.
7 REFERÊNCIAS
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2008.
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26
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SANTAELLA, Lúcia. Línguagens Líquidas na Era da Mobilidade. São Paulo, SP: Ed. Paulus,
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INTERAÇÃO VIRTUAL: UM ESTUDO SOBRE O JOGO ONLINE