Educação Moral e Espiritismo
Sérgio Biagi Gregório
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. O Problema Moral: 4.1.
Ética e Moral; 4.2. Relativismo e Dogmatismo; 4.3. Kant e os Princípios. 5. Educação Moral:
5.1. Técnica e Abertura; 5.2. Preparar o Educando para as Incertezas da Vida; 5.3. Educação é
Processo e não Produto. 6. Espiritismo: 6.1. As Leis Morais; 6.2. A Ética Espírita não é
Dogmática; 6.3. A Postura Espírita frente aos Problemas Sociais. 7. Conclusão. 8. Bibliografia
Consultada.
1. INTRODUÇÃO
A educação moral é um tema controvertido. Para muitos, há necessidade de se
ter essa matéria nos cursos de 2.º Grau; para outros, não, pois a educação
está sempre presente nos atos do dia-a-dia. Pergunta-se: é possível uma
educação moral? Quem educa quem? A moral evangélica evangeliza? O
desenvolvimento deste assunto versará sobre a ética e a moral, a educação
moral e a contribuição do Espiritismo para o entendimento do problema.
2. CONCEITO
Educação. É a transmissão de valores e conhecimento acumulado de uma
sociedade. Etimologicamente, provém de duas raízes: 1ª) educare - criar,
alimentar; 2ª) educere - direção para fora (mais antigo). Daí surgem dois
conceitos diversos e opostos de educação, ou seja, um de fora para dentro
(Magister Dixit) - ensino autoritário; outro, de dentro para fora - liberalismo.
Moral. É um conjunto de normas de comportamento que orientam o ser
humano para a realização do seu fim. É aquilo que aceitamos como válidos do
ponto de vista do que é bom.
3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Enquanto o ser humano esteve preso ao mito, o fundamento da moral não se
lhe apresentou como um problema. Como se passa do plano mito ou revelado
o plano da dúvida e da responsabilidade? É um longo caminho a percorrer.
O nosso ponto de partida é a frase: "Poderias dizer-me tu, Sócrates, se a
virtude se adquire mediante o ensino ou mediante o seu exercício? Ou, se ela
não é conseqüência nem do ensino nem do exercício, se é antes a natureza
que a dá ao homem ou, inclusive, se ela provém de outra causa?", encontrada
em Menon, 70a, de Platão.
Aristóteles, em Ética a Nicômaco, já observava que "as matérias relativas à
conduta nada têm de fixo como nada têm de fixo as relativas à saúde".
Muitos outros nomes poderiam ser listados aqui. Entre tais pensadores, a
lembrança de Jean Jacques Rousseau é imprescindível, especialmente pelo
seu Emilio ou da Educação, em que mostra que "ninguém ensina ninguém; o
aluno é que deve aprender", dando uma outra postura à relação ensinoaprendizagem.
À semelhança do "conhece-te a ti mesmo" de Sócrates, a educação moral é
um velho tema que requer nova abordagem, no sentido de atualizá-lo na
consciência de cada um de nós, tanto educadores quanto educandos. É o que
pretendemos fazer.
4. O PROBLEMA MORAL
4.1. ÉTICA E MORAL
Etimologicamente, o termo ética, do grego ethos, significa "costumes". É o
conjunto dos costumes, hábitos e valores de uma determinada sociedade ou
cultura. Foi traduzido pelos romanos como mos, moris ("moral"). Ética é a
parte da Filosofia que se ocupa com o valor do comportamento humano.
Investiga o sentido que o homem imprime à sua conduta para ser
verdadeiramente feliz.
O problema ético é o de distinguir o bem do mal, o justo do injusto, o certo do
errado, o que é permitido e do que é proibido, tendo em vista o conjunto de
normas adotado por uma sociedade.
Ética e moral são sinônimos, embora alguns queiram fazer uma diferença: a
Moral é normativa, enquanto a Ética é especulativa. A Moral, referindo-se aos
costumes dos povos nas diversas épocas, é mais abrangente; a Ética,
procurando o nexo entre os meios e os fins dos referidos costumes, é mais
específica. Pode-se dizer, que a Ética é a ciência da Moral.
De qualquer forma, a ética e a moral devem ser vistas dentro de uma
circunstância e não como uma norma rígida.
4.2. RELATIVISMO E DOGMATISMO
A questão da possibilidade da educação moral assenta-se em duas
perspectivas:
a) relativa. As posições relativistas defendem a impossibilidade ou mesmo a
não necessidade da educação moral. Baseiam-se num argumento simples:
avaliar e julgar depende dos critérios de cada um. Nesse caso, basta o
indivíduo agir apenas de acordo com a sua consciência, de acordo com a sua
visão de mundo, não importando se a consciência é bem ou mal formada.
b) dogmática. As posturas tradicionais sustentam que o ensino da ética deveria
assentar-se na transmissão de determinados valores ou comportamentos de
maneira preestabelecida. (Cenci, 2002)
4.3. KANT E OS PRINCÍPIOS
Kant, por sua vez, acha que a moral não deve ser construída através dos
exemplos, da tradição, da disciplina, mas de acordo com as máximas, os
princípios. Daí a sua célebre frase: "Age de tal forma que a tua ação possa ser
considerada uma lei natural". A sua ética é autônoma e não heterônoma. Quer
dizer, o indivíduo deve agir e ser responsável pelos seus atos, mas só poderá
sê-lo se proceder segundo os princípios e não segundo uma norma externa.
Não somos responsáveis pela circunstância. Ao contrário, somos responsáveis
pela resposta que dermos diante dessa circunstância, porque a resposta
depende de nossa formação ética e moral. E se os princípios que nortearem as
nossas ações tiverem uma dimensão universal, tanto melhor.
5. EDUCAÇÃO MORAL
5.1. TÉCNICA E ABERTURA
A educação moral deve ter um aspecto técnico e um aspecto criativo. A técnica
nos dá a conhecer certas regras, certos procedimentos, certos mecanismos. A
parte criativa pertence ao sujeito. O que faz um professor de arte? Ele ensina
certas técnicas. No caso da pintura, como se deve segurar o pincel, como
misturar a tinta etc. A pintura, em si mesma, pertence ao aluno que, se tiver um
dom para a pintura, produzirá maravilhas. Aquele outro que não tiver esse dom
especial fará muitos rabiscos na tela, mas não produzirá obra de arte. O
mesmo raciocínio pode ser aplicado ao orador. Ele poderá fazer leituras,
freqüentar cursos de oratória, apreender todas as técnicas e ainda assim não
se tornar um grande orador, porque não tinha essas qualidades em seu interior.
5.2. PREPARAR O EDUCANDO PARA AS INCERTEZAS DA VIDA
A educação moral deve se ater às incertezas da vida. Como dissemos
anteriormente, não deve se basear em normas preestabelecidas, mas criar
condições para que o educando saiba agir, por si mesmo, de uma forma
racional, em quaisquer circunstâncias em que for colocado. O aprendizado de
uma norma não pode ser somente para uma circunstância interna, mas deve
ser utilizada também externamente. Não se deve responder automaticamente,
mas de forma raciocinada, de acordo com o meio em que nos encontrarmos. E
as situações são sempre novas, pois as pessoas mudam, as avaliações
mudam e nós também mudamos.
5.3. EDUCAÇÃO É PROCESSO E NÃO PRODUTO
A educação moral, enquanto práxis, deve ser vista como um processo (do
grego autotélico) e não como produto (do grego poíesis). Em matéria de
comportamento moral, consideremo-nos sempre como eternos aprendizes. Há
que se estar sempre estimulando a força de vontade, pois são muitos os
deslizes de nossa conduta. Na Inglaterra, há um monitoramento pelas câmeras
televisão e alto-falantes instalados nas ruas. Na cabine, o guarda vê o que se
passa e transmite uma ordem. Exemplo: uma pessoa jogou papel no chão. A
voz diz: "pegue o papel e joga-o na lixeira mais próxima". A pessoa gesticula:
"é comigo?". A voz diz: "sim". Depois disso, vemo-lo depositando o papel na
lixeira.
O monitoramento externo deveria ser um estímulo ao nosso monitoramento
interno. Se sabemos que não se deve jogar papel na rua, deveríamos fazer um
esforço para segurá-lo e colocá-lo na lixeira mais próxima. O mais importante é
que isso faça parte de nosso projeto de vida e não simplesmente uma ação
causada pelo medo, pela repreensão. O fato citado poderia servir como
exemplo da reelaboração teórico-prática dos referenciais que regem a nossa
ação espontânea.
6. ESPIRITISMO
6.1. AS LEIS MORAIS
O Espiritismo tem muito a contribuir com a educação moral do indivíduo. Basta
estudarmos as Leis Morais – Adoração, Trabalho, Reprodução, Conservação,
Destruição, Sociedade, Progresso, Igualdade, Liberdade e Justiça, Amor e
Caridade – contidas em O Livro dos Espíritos. Essas mesmas leis podem ser
complementadas pelas explicações dadas pelos Espíritos superiores em O
Evangelho Segundo o Espiritismo. No caso de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, há um toque de Jesus Cristo, o nosso mestre maior. Os seus
ensinamentos e os seus exemplos devem fazer parte de nossas reflexões, para
que possamos melhorar a nossa conduta em sociedade. Lembremo-nos de
que Aristóteles já havia dito que o ser humano é um animal social e deve viver
em sociedade.
6.2. A ÉTICA ESPÍRITA NÃO É DOGMÁTICA
Allan Kardec, quando codificou o Espiritismo, deixou claro que não tinha
inventado nada. Apenas organizou, coordenou, baseado no método teóricoexperimental e secundado pelos Espíritos de luz, os conhecimentos que
estavam espalhados pelo mundo.
Nesse sentido, o Espiritismo não tem dogmas, não faz proselitismo e tampouco
prescreve ações padronizadas para os seus seguidores. Simplesmente aponta
os problemas enfrentados pelos seres humanos e lança uma luz sobre eles. E
por esta razão é denominado de o "Consolador Prometido". Em outros termos,
podemos agir da maneira que quisermos. Temos total liberdade. Os Espíritos,
porém, nos alertam: "Se você seguir esse caminho terá essas conseqüências;
se seguir aquele outro terá aquelas conseqüências".
Aquele que pratica o bem terá como conseqüência a liberdade; aquele que
pratica o mal terá como conseqüência a escravidão. De modo que somos o
resultado do que pensamos e agimos. Não há privilégios, não há jeitinho.
Seremos julgados pelo bem ou pelo mal que fizermos aos outros. Às vezes, os
pregadores da Doutrina Espírita se inflamam e começam a ditar normas. Não
nos deixemos influenciar por qualquer palavra que lemos e ouvimos. É mais
prudente refletirmos sobre os ensinamentos contidos, principalmente, nas
obras básicas do espiritismo: O Livro dos Espíritos, O Evangelho Segundo o
Espiritismo, O Livros dos Médiuns, O Céu e o Inferno e A Gênese.
José Herculano Pires que, nos dizeres do Espírito Emmanuel, foi o melhor
metro que mediu Allan Kardec, dizia-nos que a reforma íntima, tão propalada
pelos espíritas, deve ser de fundo e não de forma. Quer dizer, os planos de
melhoria interior têm o seu valor, mas o que realmente importa é o crescimento
real do Espírito imortal.
6.3. A POSTURA ESPÍRITA FRENTE AOS PROBLEMAS SOCIAIS
Há muitos problemas, inclusive aqueles apontados pela bioética, disciplina que
trata de problemas relacionados à vida humana, como é caso da mulher que
aluga o seu útero para o nascimento de uma criança. Esta postura é ética?
Quem é a mãe da criança? O que será dessa criança no futuro?
Analisemos, sucintamente, apenas dois problemas: o aborto e o suicídio.
Ambos se referem à paralisação da vida. No aborto, o feto não tem escolha: a
vida lhe é tirada. No suicídio, o indivíduo é que tira a sua própria vida. O que o
Espiritismo tem a nos dizer? Em ambos os casos, há uma infração à lei de
Deus. Tanto o que comete o aborto como o que comete o suicídio terá de
responder pelos seus atos. Em se tratando do aborto, a Doutrina Espírita fala
em crime. As conseqüências podem vir em futuras encarnações: quantos
casais querem ter filhos e a mulher não consegue engravidar? Em se tratando
do suicídio, mesmo se levando em conta os atenuantes e os agravantes, o
infrator deverá sofrer as conseqüências, inclusive com a perda do seu livrearbítrio.
7. CONCLUSÃO
Os Espíritos de luz estão sempre nos advertindo. Eles nos dizem: "Olha pelo
que te trocas; talvez não percebas de pronto, mas cada um se dá por aquilo em
que se troca". Reflitamos sobre a nossa conduta ética. É possível que os outros
nos tachem de tolo, de retrógrado, de alienado. Não nos importemos com isso.
Saibamos, sim, antever o que o futuro nos reserva.
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
CENCI, Ângelo V. Sobre a Educação Moral. In PIOVESAN, Américo (et al).
Filosofia e Ensino em Debate. Ijui: Unijui, 2002 (Coleção Filosofia e Ensino, 2)
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE,
1984.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed. São Paulo: Feesp, 1995.
São Paulo, 19/04/2007
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