CULTURA DAS CARRANCAS EM PIRAPORA/MG*•
AMANDA SOARES SANTOS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES
[email protected]
WALFRIDO MARTINS NETO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES
[email protected]
ANTÔNIO DAS GRAÇAS JOSÉ DOS SANTOS JÚNIOR
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES
[email protected]
DENIVILSON FIÚZA DA SILVA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES
[email protected]
RESUMO
A cultura está presente no cotidiano da sociedade desde os tempos passados,
expressadas por meios de manifestações culturais comuns á qualquer grupo humano. Os
costumes e práticas passadas de geração para geração estão sujeitos a qualquer mudança
ocorrida neste meio, levando a cultura a ser modificada ou esquecida. Diante dessa
problemática, o estudo da Geografia Cultural é de suma importância para melhor
compreensão desse processo de mudança cultural que acaba por desvalorizar
determinadas culturas. A figura da carranca é uma expressão de grande valor cultural
para o município de Pirapora/MG, porém, a desvalorização dessa se torna uma realidade
cada dia mais presente na sociedade, tornando-se um meio de sustento e não mais de
tradição e herança cultural. O caminho metodológico utilizado consistiu em
levantamento bibliográfico, pesquisa in loco e registros icnográficos. Após análises dos
dados, verificou-se que as principais dificuldades encontradas pelos carranqueiros para
manter viva a cultura das carrancas no município de Pirapora consiste em falta de
incentivo por parte das autoridades locais e a falta de reconhecimento por parte da
população inserida nesse meio, o que, consequentemente, desvaloriza tal cultura. Apesar
da cultura das carrancas possuir uma situação delicada frente ao município, esta
adquiriu reconhecimento nacional e internacional.
Palavras-chave: Geografia Cultural – Carranca – Carranqueiros – Ribeirinho.
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Fragmento do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado: “Cultura das carrancas em Pirapora/MG:
Estudo de caso”
INTRODUÇÃO
A cultura dos grupos humanos, esta estudada através da Geografia Cultural, possibilita
o entendimento acerca das manifestações culturais da humanidade.É através da cultura
que o passado se insere no presente, mantendo, mesmo que modificada, traços culturais
como herança cultural de um determinado grupo, visto que não há um grupo humano
desprovido de cultura, seja ela herdada ou construída.
Os habitantes do médio São Francisco criaram um tipo de cultura que os diferenciou,
em termos culturais, tamanha criatividade e ousadia; tal cultura constitui-se no símbolo
das carrancas, estas de forte expressão cultural do povo ribeirinho.
Apesar de ter se tornando um símbolo de grande valor cultural para o município de
Pirapora/MG, as carrancas são definidas de diversas maneiras, muitos as acham feias,
de expressão medonha, associam sua figura a algo azarento. As carrancas, inicialmente
usadas nas proas das barcas que navegavam pelo rio São Francisco, são figuras talhadas
em madeira, por artesões denominados carranqueiros, sendo feitas apenas do pescoço
para cima, onde se misturam traços humanos e animalescos.
Os navegantes do São Francisco usavam as carrancas nas proas de suas barcas com a
finalidade de diferenciá-las das demais que dividiam o mesmo espaço. Com a
popularização de tais figuras entre a população ribeirinha, estes atribuíram a elas um
caráter místico, capazes de afugentar os maus espíritos das profundezas do “Velho
Chico”.
A chegada de vapores ao rio São Francisco comprometeu a sua frota de barcas, vindo a
ser totalmente extintas em meados dos anos 1950, e juntamente com elas, teve fim
também o uso das carrancas. Tal cultura volta a fazer parte da vida ribeirinha, se
expandindo pelo município de Pirapora, permitindo a esta cultura se tornar atração
turística no Brasil e no exterior.
Nesse contexto, este artigo tem como objetivo conhecer a realidade cultural das
carrancas no município de Pirapora/MG, visando a compreensão da real situação dos
carranqueiros neste município.
O presente trabalho encontra-se estruturado em três eixos: primeiramente serão
apresentadas as contribuições acerca dos estudos culturais dadas pela Geografia
Cultural, posteriormente será abordado o surgimento das carrancas no município de
Pirapora/MG, e por fim realiza-se uma analise sobre a realidade cultural das carrancas
em tal município.
A GEOGRAFIA CULTURAL NO ESTUDO DA CULTURA
Os primeiros estudos em torno da Geografia Cultural se deram no final do século XIX,
cuja origem é europeia. Friedrich Ratzel (1844-1904), através de sua obra
Antropogeografia, deu partida á este ramo. A Geografia Cultural se desenvolveu nos
Estados Unidos por intermédio de Carl Sauer (1889-1975), o fundador da escola de
Berkeley. Ambos tiveram contribuição fundamental para a Geografia Cultural, Ratzel
para seu surgimento, e Sauer para sua valorização, além de uma nova visão empregada
ao estudo cultural. Essa nova visão se fez presente a partir da década de 1970, onde a
Escola de Berkeley, após passar por um processo de renovação, deu origem a Nova
Geografia Cultural.
Apesar das contribuições nos estudos culturais no Brasil, a Geografia Cultural se inseriu
aqui a partir da década de 1990. Mesmo não possuindo no Brasil o valor que tem nos
Estados Unidos e na Europa, este país possui um campo importante e diversificado em
termos culturais, esta diversidade evidencia no país a grande importância que se deve
atribuir à cultura.
A cultura está presente no cotidiano da sociedade, desde os tempos passados,
expressadas através dos costumes, das práticas, da crença, da língua, entre outros meios
de manifestações culturais, ou seja, a cultura existente nos grupos humanos se
caracteriza por práticas comuns inseridos dentro de um mesmo grupo, que se
distinguem dos demais. É importante ressaltar que a cultura se perde com o tempo, e se
renova conforme a sociedade evolui, sendo transmitida de geração para geração, porém
modificada.
A transmissão de crenças, costumes, valores, define uma cultura. Cada grupo humano
obtém ao longo do tempo sua herança cultural, que se difere uma das outras pelo valor
que atribuem a determinadas práticas, constituindo não um nível cultural inferior ou
superior entre os povos, mas distinto, equivalente ao tipo de herança social que aquele
grupo obteve.
Pescoços longos (mulheres-girafas da Birmânia), lábios deformados (indígenas
brasileiros), nariz furado (indianas), escarificação facial (entre aborígenes australianos),
deformações cranianas (índios sul-americanos) são valores culturais para essas
sociedades. Esses tipos de adornos significam beleza (MARCONI & PRESOTTO,
1998, P.52).
Todas as culturas possuem e adquirem costumes que são passados de geração para
geração. Porém, essa transmissão contínua pode se perder com o decorrer dos tempos, à
medida que a sociedade se impõe ás mudanças do mundo contemporâneo.
Marconi e Presotto (1998, p.41) colocam que: “As culturas mudam continuamente,
assimilam novos traços ou abandonam os antigos, através de diferentes formas.
Crescimento, transmissão, difusão, estagnação, declínio, fusão são aspectos aos quais as
culturas estão sujeitas”.
Assim, a mudança é qualquer tipo de alteração que ocorre na cultura, com maior ou
menor proporção, o que pode variar de uma cultura para outra, dependendo da maneira
em que a cultura aceita determinada mudança.
Nesse contexto, a valorização cultural se faz necessária, pois, a partir de influências
advindas de um meio distinto, as práticas culturais existentes ali se perdem, privando-se
de sua real identidade.
A valorização das culturas é de grande importância para a história do povo, visto que
não há um povo sem cultura, seja ela herdada ou construída. A figura da carranca é uma
expressão de grande valor cultural para a região, em especial ao município de
Pirapora/MG, porém, a desvalorização dessa cultura se torna uma realidade a cada dia
mais presente na sociedade, tornando-se um meio de sustento e não mais de tradição e
herança cultural.
Dentro dessa perspectiva, se torna indispensável, o entendimento da relação entre o
povo ribeirinho e a cultura das carrancas, desde seu surgimento até os dias de hoje,
destacando sua importância cultural e econômica para a região. A mudança desta
cultura foi percebida através do tempo, anteriormente a prática carranqueira conferia
apenas um valor cultural, usada nas proas das barcas, que servia para espantar maus
espíritos, ou apenas para enfeitar, hoje esta cultura perde sua identidade para a
economia, não totalmente, mas já existem práticas voltadas apenas para o sustento
familiar.
AS CARRANCAS NO MUNICÍPIO DE PIRAPORA/MG
As manifestações culturais de um determinado grupo têm uma relação intimamente
ligada ao tipo de lugar que este se insere, pois o ambiente de vivência também é um
fator determinante na forma como a cultura é manifestada.
Para Santos (2008), os artistas populares são, na sua maioria, influenciados pelo meio
em que vivem, e esse expressa a importância dos valores tradicionais, a cultura e as
crenças de determinada sociedade ou grupo humano através de suas obras, de tal modo
que o fruto do seu trabalho é um tipo de símbolo que remete ao período de sua vivência,
em lugar e época específica.
Por meio da navegação no São Francisco era feita a vinculação entre centros produtores
e consumidores, o que foi de grande importância para os municípios que margeiam este
rio, com destaque para Pirapora. Nesse sentido, Silva (1985, p.80) afirma que:
O inicio da navegação sanfranciscana foi assinalada nos primórdios da
colonização do Brasil, quando os nossos primeiros habitantes – os cariris –
inteligentemente, começaram a utilizar os troncos de árvores cavadas para os
seus transportes, nascendo, então, a canoa.
Apesar das canoas fazerem parte do dia a dia do povo ribeirinho até a atualidade, foi
através das barcas, cujo surgimento se deu após as canoas, que surgiram as carrancas,
tornando-se assim, parte da história dessa cultura. Vale ressaltar que as barcas eram as
únicas embarcações a utilizar carrancas nas suas proas, no médio São Francisco.
Segundo Santos (2008) existia uma enorme frota de barcas no rio São Francisco, em
1875, essa frota ultrapassava duzentas embarcações, as barcas serviam para o
escoamento de produtos como farinha, rapadura e sal, para outras localidades às
margens do rio, além do transporte da população. Os barqueiros passaram a disputar
clientes, e foi a partir daí que surgiu uma das hipóteses para o uso das carrancas nas
barcas, sua popularização pelos barqueiros se deu por questões econômicas, como uma
forma de atrair os clientes para suas barcas.
O fato desses “enfeites” nas proas dos barcos atraírem a curiosidade dos usuários fez
com que os demais proprietários de barcos aderissem à idéia de colocar essas figuras em
suas embarcações; este episódio na historia foi importante, pois isso viria a estimular a
confecção e o desenvolvimento de carrancas também para fazer frente à concorrência
dos vapores que começavam a desbravar o grande rio.
Foram também os barqueiros que atribuíram às carrancas um caráter místico,
acreditando que elas os livrariam dos perigos advindos das águas do São Francisco, bem
como acidentes e maus espíritos. Assim, outras lendas e mitos foram criados e
atribuídos às figuras de proa.
Souza (2011, p.38) destaca que:
Os crédulos barqueiros, tripulantes das barcas, estigmatizados perante os
outros navegadores, eram os mais afetados pelas crendices do rio e a
carranca, empoada no bico da barca, de certa maneira, era o seu amuleto
protetor. Sob as mais duras penas, manejavam o enorme varejão que lhes
feria o peito caloso, rompendo as águas de seus destinos.
Para Machado (2012), a forte tendência à submissão e à crença no poder sobrenatural
das carrancas é explicado a partir do primitivismo e ingenuidade dos habitantes, que
eram povos extremamente supersticiosos e acreditavam em várias lendas.
A partir de então, as carrancas foram ganhando espaço em meio às barcas do São
Francisco, fazendo com que essas figuras de proa se tornassem símbolo da cultura
ribeirinha, uma das mais expressivas manifestações culturais, evidenciadas por meio de
suas crenças, conferindo-lhes o poder de proteção, capazes de livrar de qualquer mal
que rondava as águas do São Francisco, avisando sobre o perigo à frente.
O surgimento da navegação a vapor, no rio São Francisco, não teve de imediato um
impacto sobre as barcas, porém, com o passar dos anos, a diminuição do número de
barcas foi inevitável e, por volta da década de 1950, estas foram extintas totalmente do
rio São Francisco.
Os motivos da extinção são, principalmente, pela chegada dos vapores que
proporcionaram à população meios mais modernos de navegação, pois a viagem era
feita em um prazo bem menor, e a fiscalização feita pela Capitania dos Portos que fazia
cumprir as regras de propriedade das barcas, anteriormente ignoradas pelos
proprietários. Juntamente com a extinção das barcas no São Francisco se encerrou
também o uso das carrancas nas proas das embarcações (SANTOS, 2008).
Mesmo assim os mitos e lendas associados às figuras de proa persistiram. As
caracteristicas peculiares em cada trecho navegável do rio, o modo de vida e a cultura
tinham um elo com o povo ribeirinho. Nesse sentido, Souza (2011, p. 42), afirma que:
No terreno do imaginário, o rio São Francisco é repleto de histórias, em que
as crenças populares criam e alimentam seus personagens fabulosos. As
comunidades ribeirinhas e das zonas rurais, na sua grande maioria, dão
espaço para que suas crendices sobrevivam por gerações e os deixem reféns
da própria imaginação.
Santos (2008) afirma que as carrancas ressurgem no ano de 1970, porém deixaram de
ser figuras de proa e passaram a ser objetos de arte popular presentes em escritórios,
bares, postos de combustível, nas residências, exposições, feiras artesanais e coleções.
Esta arte não ficou restrita só na região do vale do São Francisco, mas alcançou os
principais centros urbanos do Brasil e do exterior.
Com o valor atribuído à arte barranqueira, as carrancas tornaram-se, a partir de então,
importantes objetos de comercialização para turistas e, ao mesmo tempo, acervos de
museus brasileiros e também do exterior. As carrancas do vale do São Francisco são,
inevitavelmente, um dos elementos mais expressivos de manifestações da cultura
popular brasileira.
Segundo Pardal (1981), as carrancas surgiram na cultura nordestina, principalmente nas
populações ribeirinhas do Médio São Francisco, por volta de 1875-1880. O cronista
Durval Vieira de Aguiar, na segunda metade do século XIX, já mencionava a figura nas
proas das barcas, conforme descreve Neves (2003, s/p):
Na segunda metade do século XIX, os barqueiros adotaram a figura, hoje
conhecida como carranca. Um dos primeiros cronistas a mencioná-la foi
Durval Vieira de Aguiar em 1882: Na proa vê-se uma carranca ou grifo de
gigantescas formas, de modelos sem dúvida transmitidos pelos exploradores
dos tempos coloniais (1979, p. 33). Figura, de proa e leão de barca são os
termos ou expressões que os remeiros e outros ribeirinhos utilizavam para se
referirem às carrancas.
De acordo com Pardal (1981), as carrancas foram fruto da criação de uma cultura e de
uma região isoladas do resto do país e, ao mesmo tempo, ligadas pelo rio São Francisco,
cujos artistas populares, a partir da ideia de entalhar uma figura de proa, criaram
soluções práticas próprias, de elevado conteúdo artístico e emocional que provocam um
verdadeiro impacto, despertando a sensibilidade e mesmo uma perturbação na
contemplação desta mistura singular entre elementos naturais e humanos.
Segundo Silva (1985), de todos os carranqueiros famosos do Médio São Francisco, o
mais notável foi Francisco Biquiba Dy Lafuente Guarany (1884-1985), natural da
cidade de Santa Maria da Vitória (BA), no rio Corrente, tributário do São Francisco. Foi
o primeiro fabricante de carrancas do São Francisco, sua primeira carranca foi esculpida
em 1901, para a barca Tamandaré.
Quando se trata de Pirapora, alguns, obrigatoriamente, devem ser lembrados, como
Davi José Miranda Filho, o mestre Davi, falecido em 2005, que, como destaca Diniz
(2009), foi o responsável pela instauração das carrancas, colocando-as nas embarcações
denominadas rebocadores, da FRANAVE – Companhia de Navegação do São
Francisco.
Mestre Davi passou a produzir tais carrancas depois que o presidente da FRANAVE,
Aristides Pereira Campos Filho, em 1964, após montar rebocadores para a substituição
dos antigos vapores, ter a ideia de ornamentar as proas de cada um. Foi então que
Mestre Davi foi solicitado para realizar tal serviço, pois não havia ninguém, até então,
com capacidade para fazê-lo (SANTOS, 2008).
A cultura carranqueira foi ganhando espaço, despertando interesse não só no Brasil, mas
também no exterior, o que mostra que mesmo sendo desconhecida por alguns grupos
sociais, muitos buscam entender sua origem e história, fato este que contribuiu para a
transformação desta cultura em atração turística para o município de Pirapora/MG.
A decadência da navegação no São Francisco pode ser considerada o fator principal que
ocasionou esta mudança na cultura carranqueira. As carrancas perderam a função de
ocupar as proas como objetos místicos para afugentar maus espíritos, e passaram a ser
usadas para comercialização, como enfeite de ambientes diversos, um atrativo turístico.
A comercialização de carrancas em Pirapora/MG é feita na Casa do Artesão Associação dos Carranqueiros de Pirapora, situada na Avenida Jefferson Gitirana, no
bairro Nova Pirapora.
Segundo Santos (2008), a Casa do Artesão - Associação dos Carranqueiros de Pirapora
é de grande importância para a preservação dessa cultura no município. Apesar de os
carranqueiros não conservarem a forma inicial das carrancas, estas não deixaram de ser
um símbolo da cultura local e regional. As carrancas tornaram-se uma identidade
cultural dos ribeirinhos do município de Pirapora.
REALIDADE DA CULTURA CARRANQUEIRA EM PIRAPORA/MG
O artesanato de Pirapora destaca-se no cenário nacional como sendo um dos mais
importantes para a preservação da cultura barranqueira, principalmente na produção de
carrancas e outras esculturas talhadas em madeira que representam a diversidade da
cultura piraporense e ribeirinha. Pirapora tem vários artesãos reconhecidos tanto
nacionalmente como mundialmente.
A forma pela qual são feitas as carrancas na Casa do Artesão segue técnicas criadas por
Mestre Sabino, um dos fundadores da Associação dos Carranqueiros. Mestre Sabino
criou uma forma própria para esculpir as figuras que permanece até hoje na criação dos
associados.
Figura 01: Carrancas feitas na Casa do Artesão – Associação dos
Carranqueiros de Pirapora/MG.
Fonte: SANTOS, Amanda Soares, 2012.
Os demais artesãos de Pirapora não associados á Casa do Artesão, optaram por fazer
carrancas segundo os moldes Guarany, acreditando ser esta a forma mais tradicional da
figura, e acredita que por meio deste molde preservam a cultura em sua forma mais
primitiva.
Figura 02: Carranca feita pelo Sr. Expedito, artesão não associado á
Casa do Artesão, seguindo os moldes de Guarany. Fonte: SANTOS, A.S., 2012.
Independente dos moldes que seguem, os artesãos atribuem à carranca um valor
incontestável, que se apresenta como uma figura que faz parte de sua história, sendo
muito mais do que uma simples forma de manter a cultura ribeirinha, seus significados
místicos são crendices que até os dias de hoje estão ligados aos artesãos.
E é exatamente a essa crença que a comercialização das carrancas é associada; muitos
dos compradores dão a elas o caráter místico, muitos conhecem tal história e muitos
outros também se interessam em saber sempre mais. Evidencia-se assim, que a
comercialização como sendo um fator determinante da cultura na região, não ofusca o
valor simbólico que esta possui.
Os carranqueiros de Pirapora estão ligados á prática desta cultura há anos, sendo a
maioria com tempo que ultrapassa 20 anos. O que mostra que esta cultura serve como
fonte de renda para muitas famílias, visto que alguns não possuem outra atividade
econômica.
Os artesãos que estão ligados á Casa do Artesão foram influenciados pela
forte tradição familiar, presente até os dias de hoje, porém, não com a mesma força de
antes. Muitos foram os artesãos que se desligaram da Associação dos Carranqueiros.
Os que ali permanecem, demostram preocupação em relação a quantidade
de associados, já que o número diminuiu em quase 40% nos últimos quatro anos, o que
acaba por afetar a produção, e o mais preocupante, a manutenção de tal cultura na
região.
Visto que a desvalorização encontra-se a cada dia mais presente no município, os
carranqueiros apontam para o incentivo por parte da prefeitura, do qual não usufruem,
como sendo o principal meio de valorizar essa cultura.
Os carranqueiros do município de Pirapora demonstram uma visão cultural de sua
profissão. Se por um lado eles objetivam vender suas figuras, por outro eles se
preocupam com a possibilidade dessa arte sucumbir, já que é através dela que tiram seu
sustento, além de ser uma arte que representa a região, especialmente o rio São
Francisco.
Mesmo enfrentando uma situação delicada frente ao município, a cultura das carrancas
ainda desperta interesse principalmente por parte de turistas de várias regiões e até
mesmo do exterior, são eles os maiores compradores de carrancas.
Durante o período de festas do município, o número de vendas aumenta
consideravelmente, e também nos meses de férias. Muitos são os interessados na
história das carrancas, que além de crer na misticidade da figura ainda buscam
compreender sua origem.
Diante do exposto, fica explicito que a desvalorização afeta a economia ligada a essa
cultura, a necessidade de incentivo por parte do governo se torna cada dia maior, pois
tal cultura encontra-se em uma fase bastante delicada, visto que o número de
interessados em continuar a praticá-la diminuiu nos últimos anos.
Apesar das dificuldades, os carranqueiros se dedicam incansavelmente a essa cultura,
buscando mantê-la viva nesse município. Os valores místicos atribuído ás carrancas os
conforta, pois fazem com que, de alguma forma, a cultura permaneça, mesmo que
alterada, mas preservada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cultura carranqueira é a mais forte expressão cultural do povo ribeirinho que consiste
em um símbolo místico, segundo sua percepção e crença, capaz de livrá-los de
quaisquer perigos advindos das águas do São Francisco.
Foi a partir da navegação no São Francisco que as carrancas surgiram nas cidades
ribeirinhas, e também, por meio desta que a cultura se expandiu para as demais regiões.
A partir da expansão das carrancas em Pirapora, esta se tornou um símbolo que
representava o povo ribeirinho, porém, com o passar dos anos, as carrancas foram
adquirindo um valor econômico e não mais cultural, sendo produzidas para o sustento
familiar, apesar da forte influência tradicional de gerações passadas.
O principal objetivo dos carranqueiros, na atualidade, é o comercial, visto que todos eles
usam essa prática como fonte de renda. Por mais que os carranqueiros tenham vivido
desse objetivo, eles se preocupam com a manutenção da cultura, apesar de se sentirem
desvalorizados por parte da população local e abandonados pelas autoridades do
município.
Vale ressaltar que é através destes carranqueiros que a cultura se manterá viva no
município, além de dar evidência a Pirapora em outras regiões, o que mostra que estes
artesãos são de grande relevância para o município. Através do referido estudo,
constatou-se que o principal problema que os carranqueiros encontram para a
manutenção da cultura carranqueira em Pirapora é a falta de incentivo, tanto da
população quanto da prefeitura, tornando-se assim, cada vez mais difícil a valorização
desta.
A desvalorização da cultura carranqueira favorece o afastamento dos artesãos que se
dedicavam a essa cultura; esse fato se confirma quando se constata que o número de
artesãos associados na Casa do Artesão se torna cada dia menor.
Conclui-se, então, que a desvalorização é o maior obstáculo que os carranqueiros
encontram hoje; trata-se de uma situação diferenciada de alguns anos atrás, tempos
esses em que a cultura se evidenciava mais na região. As carrancas, atualmente, não se
desligam do seu caráter místico, porém, sua função comercial em Pirapora/MG tem se
mostrado muito mais evidente.
REFERÊNCIAS
DINIZ, Domingos; MOTA, Ivan Passos Bandeira da; DINIZ, Mariângela. Rio São
Francisco: Vapores & Vapozeiros. Pirapora: Ed. dos autores, 2009.
MACHADO, Regina Coeli Vieira. Carrancas do São Francisco. Pesquisa Escolar
Online,
Fundação
Joaquim
Nabuco,
Recife.
Disponível
em:
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/ . Acesso em: 20/04/2012
MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: Uma
Introdução. São Paulo: Atlas, 1998
NEVES, Zanoni. Os remeiros do São Francisco na literatura. Ver. Antropologia vol.
46 nº1. São Paulo: 2003.
PARDAL, Paulo. Carrancas do São Francisco.2 ed. Rio de Janeiro: Serviço de
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SANTOS, Márcia Saturnino dos. A Cultura das Carrancas em Pirapora/MG.
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SILVA, Wilson Dias da. O Velho Chico: sua vida, suas lendas e sua história. Brasília:
CODEVASF, 1985.
SOUZA, Antônio Francisco de. Rio São Francisco. Do vapor Saldanha Marinho ao
Benjamim Guimarães: Culturas, mitos e lendas de um rio que dorme. Formosa: 2011.
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