CORDEL DE SALVAÇÃO
Por: jalfsouza
CAPÍTULO 01 - A NOVA CIDADE
O garoto chegou à pequena cidade, em algum lugar de Minas Gerais, acompanhado de seu pai.
Foi sua tia Zefa que o recebeu, sua mãe já o esperava em sua nova casa.
_ Larga a mão de ser cambito, menino, e dá cá um abraço na sua tia! –disse a tia ao vê-lo chegar.
__ E como foi a viagem?
O pai tratou logo de contar a história que havia lhe ocorrido no caminho, mas Jorginho correu para
dentro de casa na esperança de ver logo sua mãe.
_ Mainha? –ele disse.
_ Ôxente, como chegaram tão rápido? – a mãe disse abraçando e beijando o filho.
_ Conseguimos um bigu quando chegamos à entrada da cidade. – o pai respondeu entrando em
casa e se encaixando no abraço da mulher e do filho.
_ Tá lendo aquele livro outra vez, Eulália? – o marido perguntou a esposa.
_ Larga de ser mareado homem, num sabe que eu gosto desse livro por demais? –ela disse
sorrindo.
Tratava-se do livro Jorge Amado de Ilhéus, cuja história encantava Eulália.
_ Gosta de lembrar-se dos tempos difíceis na Bahia? –perguntou o marido.
_ Gosto de lembrar que nesses tempos de lutas, mantivemos nossa cultura e apesar de tudo,
fomos nós mesmos. –ela respondeu o beijando e dirigindo-se ao filho por seguinte.
_ Ixi, Maria, num é que já tá tarde, trata de tomar um banho sapecado, Jorginho, e vá se deitar
porque amanhã você já vai à escola.
_ Deixa esse bruguelo tomar um caldo de macaxeira antes, Eulália. –insistiu a tia Zefa.
_ Tudo bem, mas em seguida vá se deitar, meu filho.
E assim terminou a noite e o clarear veio, por consequência dos ventos, acompanhado de uma
fina brisa.
CAPÍTULO 02 – OS AMIGOS
Jorginho seguiu como dizia sua mãe, aperreado, para escola. Ele estava com medo do novo e do
desconhecido.
E a sorte não veio a seu favor quando ele entrou na sala de aula. O ano ainda estava no seu início
e apesar dos alunos se conhecerem, estavam se apresentando para o resto da turma.
_ Atenção, este é o seu novo colega de classe: Jorginho. –disse a professora à turma.
_ Olá, Jorginho! –a turma retribui a apresentação.
_ Você chegou numa ótima hora, estamos nos apresentando para a turma. _ Sente-se ao lado da
Ana. – a professora disse apontando para uma garota que sorria.
Três ou quatro alunos se apresentaram e entre risadas e aplausos, Jorginho logo se enturmou. Ao
menos até o momento em que ele teve que se apresentar.
_ Meu nome é Jorginho e me mudei pra casa da minha tia Zefa ontem. Cheguei meio ceroto,
porque foi uma longa viagem, mas mainha me mandou tomar um banho de asseio e depois tomei
um caldo de macaxeira.
Todos os alunos se olhavam confusos e depois de um aluno mais levado começar a rir, a turma
decidiu segui-lo.
Jorginho não entendeu o motivo dos risos e continuou.
_ Tava com medo de vir à escola, mas painho me disse que sou cabra-macho, então eu vim.
E os risos aumentaram. Jorginho então percebeu que riam dele e a professora se enraivou
mandando todos se calarem e Jorginho se sentar.
Seguiu-se então para o intervalo e Jorginho se isolou dos outros alunos. Ana foi a única quem
arriscou aproximar-se.
_ Está tudo bem, Jorginho?
_ Sabia que num devia vir, sabia que ia dar chabu!
_ Dar o quê? Não importa, você pode ficar perto de mim, se quiser.
_ Num quero ficar encangado com você!
CAPÍTULO 03 – A BRIGA
Aninha não entendeu, mas fingiu não se importar com o que ele disse e pegando seu braço saiu a
caminhar.
No fim do dia, Jorginho voltou para casa. Ele não contou nada a seus pais e sua tia sobre a
escola. Entrou para seu quarto e decidiu ler um pouco, pegou seu exemplar de O gato malhado e
a andorinha Sinhá e começou a lê-lo.
É claro que Jorginho logo percebeu uma estranha coincidência do seu dia com o livro.
Rapidamente se identificou com o gato e pensou na Ana ao ler sobre a andorinha Sinhá. E então
ele ficou feliz, e depois de ler o livro tratou logo de dormir.
E outro dia nasceu. Jorginho desta vez se animou e seguiu para escola sorrindo.
_ Como vai, Jorginho? –um garoto da turma dele o cumprimentou. _ Sou o Pedro, desculpe por
não ter conversado com você ontem, eu estava sem jeito.
_ Num preocupa, já não tô envocado mais. –Jorginho respondeu sorrindo.
E apesar de não compreender, Pedro percebeu pelo sorriso de Jorginho que estava tudo bem.
Decidiu acompanhá-lo.
_ E aí, você tá gostando da Ana, não está?
_ Que lezera é essa Pedro? Para de maldar, ela mais eu não temos nada.
_ Tá bem Jorginho, já entendi.
Foi o que Pedro disse, mas ao findar o dia, todos comentavam sobre o namoro de Ana e Jorginho.
_ Falei que te namorava meuzovo! –Jorginho disse quando Ana veio perguntar-lhe sobre os
boatos.
_ Para com esse trem de falar estranho e me diz logo se falou que somos namorados!
_ Eu que falo estranho, o que é “esse trem”? E eu não falei nada disso!
CAPÍTULO 04 – A IDEIA
E então Jorginho foi para casa, novamente tristonho com seu dia escola perturbador. Mas desta
vez, sua mãe, Eulália, não pôde deixar passar e decidiu conversar com ele.
_ Oxi menino, o que tá acontecendo? Nem Santo Antonho com guancho!
_ Nem precisa olhar os caroços dos olhos pra ver que to mal num é mainha?
_ Num é peitica, mas tô preocupada!
_ É que os outros alunos na escola riem de mim porque dizem que falo diferente. – Jorginho disse
com os olhos baixos.
_ Mas num é que você fala mesmo! –Eulália disse rindo. _ E porque isso é um problema menino?
De onde viemos todos falamos assim.
_ Mas aqui eles acham engraçado e às vezes me futucam!
_ E porque não mostra a eles as coisas boas que eles não sabem da Bahia? Lembra do livro que
gosto por demais? _ As pessoas estavam sofrendo naquela época, mas não deixavam de fazer o
gosto deles.
_ Te amo por demais mainha, me deu uma ideia danada de boa! –Jorginho disse sorrindo.
CAPÍTULO 05 – OS TROVADORES
O outro dia raiou com o eficiente cantar do galo. Jorginho chegou mais cedo na escola e
cochichava algo com a professora quando os outros alunos chegaram.
_ Bom dia, classe.
_ Bom dia, senhorita Helena.
_ Hoje teremos uma aula diferente. _ O Jorginho gostaria de começar falando.
_ Oxi, mas num é que o nordestino quer prosiá! –um aluno caçoou.
Jorginho não se importou e colocou-se a frente da sala sorrindo. Começou então a falar.
_ Tem gente no Nordeste que não dá um prego numa barra de sabão, mas quando vivia lá, meu
pai mais eu trabalhava pra burro. Ele era vendedor de cordel e eu o ajudava.
_ Mas o que é isso Jorginho? –alguém perguntou.
_ Mas tá ansioso, calma as ponta que já falo. –ele respondeu.
_ Então meu pai pegava os versos com os poetas pra vender em forma de folheto ou livrinho. Mas
pra vender tinha que saber prosear bem e fazer umas rimas danadas de boa. Meu pai lavava a
égua porque eu sabia rimar. –Jorginho disso sorrindo.
_ E vocês vendiam muito?
_ Oxênte, mais vendia por demais. De vez fazíamos roda e contávamos as histórias do cordel,
mas no final os clientes tinham que comprar pra saber o findar da história.
_ E por que está falando disso pra gente Jorginho?
_ Porque quero mostrar uma coisa. Meu pai mais eu fizemos um verso novo.
Então a professora chamou o pai de Jorginho para entrar na sala. Ele trazia consigo uma viola e
sentou-se num banco ao lado de Jorginho. Começaram a trovar. No fim todos aplaudiram e
Jorginho abraçou seu pai com orgulho.
CAPÍTULO 06 – A NAMORADA
O novo dia estava perfeito. Jorginho agora conversava com todos os alunos sem precisar se
intimidar em usar seu vocabulário nordestino. Por diversas vezes ele se encontrou fazendo rimas
para seus amigos.
_ Pode me ensinar, Jorginho? Era a pergunta que ele mais escutava.
Mas foi no fim da tarde que Jorginho se sentiu nervoso novamente. Ana se aproximou pela
primeira vez depois da briga anterior.
_ Porque tá me olhando de gretero o dia todo? –ele perguntou.
_ Os boatos continuam. –ela disse.
_ Num carece de ficar istripada que já mando parar com essa baderna!
_ Mas eu tenho que te dizer algo...
_ Nada de me dar uma taboca de novo, porque é mentira o que dizem. –ele disse e se virou para
sair.
_ Larga de ser chato Jorginho e ouve o que quero falar! –Ana gritou.
_ Tá até falando igual a mim agora! Quer prosear?
_ Sim.
_ Pois desembucha! –ele sorriu.
_ Eu sempre quis namorar você. –ela disse corando.
_ Mas tá! Num fresque não Ana!
_ Não estou brincando.
_ Mas isso é bom de mais da conta! –ele disse sorrindo.
E pela primeira vez Jorginho voltou para casa realmente contente.
Sua tia Zefa havia feito uma Buchada de Bode com a ajuda de sua mãe Eulália e ele como o
próprio diz, encheu a pança e foi dormir com um sorriso enorme no rosto.
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Jean Alfredo Souza Silva