Um encontro na loja do camelo
– D
ecidi me apaixonar — disse Maddy Fisher.
Cath acenou com a cabeça para mostrar que estava
ouvindo, mas não desviou o olhar da revista.
— Estou falando sério. Sou muito nova para me casar, mas
velha demais para ser solteira. Eu preciso de amor.
— E sexo — disse Cath.
— Bem, sim. Mas não estou falando de pegação rápida numa
festa. Estou falando de ficar loucamente apaixonada, sem conseguir comer ou dormir.
— Alguma ideia de quem seria essa pessoa?
— Nenhuma.
Do lado de fora da antiga estalagem, na extensa grama beirando a
rua principal, estava um grande camelo de madeira. O camelo era
pintado de dourado e tinha um sorriso curioso no rosto. A estalagem era agora uma loja: mais que uma loja, uma loja de departamentos, abarrotada de mobília importada da Índia e do Extremo
Oriente. Chamava-se Caravanserai. Mas todos que paravam para
explorar o labirinto de aposentos exóticos a conheciam como loja
do camelo.
Na tarde de uma quarta-feira de setembro, no último dia das
férias de verão, apenas três clientes permaneciam quando a hora
de fechar se aproximava: uma elegante mulher de meia-idade e
dois jovens muito bonitos, seus filhos. A mulher estava interessada
numa vitrine de colares de prata e coral. O mais velho e mais bonito dos filhos estava esparramado numa cadeira feita de madeira
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de Teca, com as longas pernas esticadas e os olhos fechados. O
filho mais novo afastou-se para explorar a loja por conta própria.
Subindo um lance de escadas largas decoradas com painéis de
espelhos emoldurados em madeira, atravessando o aposento da
frente, repleto com armários chineses e com janelas altas, ele dirigiu-se, sem rumo, até chegar, finalmente, a um cômodo de fundos
dedicado à exibição de almofadas, tecidos e tapetes. Parou na porta e olhou para dentro da caverna de cores. Uma claraboia central
feita de vitrais vazava vermelho, roxo e dourado sobre as peças de
tecido brilhante. Camas de madeira da Indonésia envoltas em tecidos coloridos amontoavam-se contra chaise-longues feitas de pau-rosa onde almofadas haviam sido empilhadas numa exuberância
brilhante. O cômodo era um ninho para uma princesa oriental.
Era também o lugar especial de Maddy Fisher.
Sem ser notada em um primeiro momento pelo visitante,
­Maddy estava enrolada na cama, escondida por uma cortina de tecido espelhado. Ela ouviu os passos que se aproximavam e franziu
a testa em sinal de irritação, fechando calmamente o laptop que
estava apoiado na cama ao lado. Permaneceu imóvel, respirando
suavemente. Poucos clientes de passagem ultrapassavam a porta.
Mas daquela vez, ela ouviu os passos avançando pelo cômodo.
Em volta da borda da cortina, um rosto apareceu, avistou-a e sorriu
um sorriso zombeteiro. Junto ao sorriso veio uma torção de boca,
uma aproximação das sobrancelhas e um olhar de surpresa tão divertido como se ele tivesse falado em voz alta: Um pouco de diversão.
O que realmente disse foi:
— Maddy Fisher!
Maddy corou e, ao mesmo tempo, esperou que a luz colorida
da lanterna cobrisse a vergonha. Ela o conhecia. A surpresa foi ele
se lembrar do nome dela.
Era Joe Finnigan, um ano à frente na escola. Alto e magro,
com o rosto bem-humorado e cabelo selvagem, de alguma forma, ele conseguia combinar todas as qualidades mais atraentes
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em um menino sem ser o modelo masculino de beleza. Não era
o mais inteligente de seu ano ou o mais atlético, mas era o mais
desejado. Você só tinha que olhar para Joe para sentir que seria
uma honra atrair sua atenção.
Maddy estava honrada.
— O que está fazendo aqui? — perguntou ele.
— Moro aqui — respondeu Maddy.
— O que, neste cômodo?
— Na casa, na parte de trás. Este é o “negócio” dos meus pais.
— Ah, entendo. Que negócio legal.
Ele não perguntou o que ela estava fazendo escondida em
uma cama de cortinas e com um laptop. Em vez disso, fixou-a
com os olhos, permitindo que os restos remanescentes de seu
sorriso dissessem a ela que gostou do que viu.
Seu irmão mais velho entrou na sala.
— Aí está você — disse ele, com um bocejo.
— Olhe para isso, Leo. — Joe Finnigan balançou uma das
mãos em volta do espaço multicolorido. — Não é fabuloso?
Leo Finnigan era alguns anos mais velho que Joe e parecia
uma versão mais perfeita. Era surpreendentemente bonito, com
os olhos escuros em uma pele pálida e sem falhas. Ele não olhou
ao redor do quarto. Olhou para Maddy.
— Olá! — disse. — Está à venda?
— Comporte-se — falou Joe.
— Eu pagaria o preço máximo.
Joe Finnigan sorriu para Maddy.
— Este é meu irmão mau, Leo. Apenas ignore-o.
— Oi — cumprimentou Maddy.
Leo sentou-se na cama, perto o suficiente para encostar-se
aos pés dela.
— Imagino que seja menor de idade — disse ele. — Não me
importo se não for.
— Leo — disse Joe. — Controle-se.
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— Tenho 17 — respondeu Maddy. Assim que falou isso, arrependeu-se. Odiava ser tratada como criança, mas só as crianças
sentiam necessidade de anunciar a idade.
— A família de Maddy é dona do lugar — disse Joe. — É uma
verdadeira caverna do Aladim, não é?
— Todo mundo diz isso — falou Maddy.
— Você tem que fazer melhor que isso, Joe — retrucou Leo.
Joe riu um riso fácil e encontrou os olhos de Maddy com um
sorriso.
— Ah, eu não tenho a pretensão de ser mais original que
qualquer outra pessoa. Vamos, Leo. Mamãe está nos esperando.
— Eu alcanço você.
— De jeito nenhum vou te deixar sozinho aqui.
Leo gemeu e levantou-se.
— Estraga-prazeres.
Ele virou-se e cambaleou em direção às escadas.
— Não ligue para ele — disse Joe a Maddy. — Ainda está
bêbado de ontem à noite. Você tem um ótimo lugar aqui.
— Você comprou alguma coisa?
— Eu não. Minha mãe está lá embaixo encomendando vagões carregados de velharias para o flat de Leo. Desculpa, “velharia” não. Mobília étnica.
— Chame do que quiser desde que compre.
— Leo não está nem um pouco interessado. Se dependesse
dele, viveria em quartos vazios.
Ele virou-se para sair. Na porta, parou e olhou para trás.
— Então, como o camelo se chama?
— Cyril.
— Por quê?
— Porque sim.
Ele a deixou sozinha.
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Tão logo ele se foi, Maddy começou a castigar-se pelas coisas que
tinha e não tinha dito. Joe Finnigan nunca falara com ela antes.
Agora, ele iria embora com a impressão de que era excêntrica,
rude e imatura. A verdade era que Maddy havia sido pega totalmente de surpresa. Joe não fazia parte de seu mundo mental. Ele
existia em outro plano, totalmente fora do alcance.
Em sua mente, ela explorou a imagem que ele tinha deixado
para trás, ainda fresca e forte: o sorriso peculiar, os olhos brilhantes. O que ele estava usando? Uma jaqueta esverdeada, camiseta
preta, calça jeans.
A maneira como ele riu. Fazia tudo parecer fácil.
A loja estava fechando. Maddy podia ouvir o estalar dos interruptores de luz enquanto Ellen, a gerente assistente, ia de sala
em sala. Maddy pulou da cama, alisou os panos e almofadas onde
estava deitada e saiu com o laptop nos braços.
Quando desceu as escadas, observou seu reflexo nos espelhos que cobriam as paredes. A luz da escada vinha de uma única janela estreita à sua frente, fazendo-a parecer lisonjeiramente
geniosa. Ela jogou o longo cabelo castanho para trás, tentando
ter um vislumbre de si mesma como os outros a viam. Grandes
olhos castanhos, rosto oval, uma boca que, para ela, parecia muito
pequena. Algumas pintas persistentes, principalmente na testa,
onde o cabelo as escondia. Figura alta, sem lá muito peito. Belas
pernas. “Bonita o suficiente” era o veredicto que geralmente concedia a si mesma. Não tão bonita quanto a irmã mais velha, Imo,
é claro. Imo era a beleza da família. Mas os meninos notavam
Maddy. Leo, o irmão de Joe Finnigan, tinha praticamente flertado
com ela. O que Joe pensara disso?
Havia algo de assustador em Leo, mas, no geral, Maddy ficou
satisfeita com a atenção. Ele a ajudou a acreditar em algo que ela
achava difícil de considerar sobre si própria: que era sexy.
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Um encontro na loja do camelo