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São Paulo, sexta-feira, 14 de agosto de 2015
Especial
Fotos: Divulgação
De acordo com uma revisão
publicada recentemente na
revista Science Advances, 60%
das espécies remanescentes
de grandes mamíferos
herbívoros (maior que 100
quilogramas), correm risco
de extinção. Quase todas
as populações ameaçadas
estão nas nações em
desenvolvimento
O colapso dos grandes herbívoros
O
s dados são da União Internacional para a Conservação
da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) e foram levantados por cientistas de vários países, sob coordenação de
William Ripple, da Oregon State University, nos Estados Unidos.
Entre os autores está o pesquisador brasileiro Mauro Galetti, do
Departamento de Ecologia da Unesp em Rio Claro. “Lugares como
a savana africana estão se tornando paisagens vazias e isso não
é apenas uma questão ética ou estética. Afeta o funcionamento
dos ecossistemas naturais. Todas essas espécies desempenham
funções ecológicas importantes
e, se elas desaparecerem, ninguém conseguirá substituí-las”,
disse Galetti.
apontadas no artigo como as principais ameaças para os grandes herbívoros. A vulnerabilidade desses animais é agravada
pelo fato de se reproduzirem lentamente. A caça ilegal voltada
à obtenção de partes valiosas do corpo, como, por exemplo,
presas e chifres, tem causado um declínio dramático na população de elefantes e rinocerontes em partes da África e na Ásia
Meridional, revertendo décadas de esforços de conservação,
disse o artigo.
A perda de habitat é uma ameaça significativa principalmente
na América Latina, na África e no sudeste da Ásia e, segundo
os autores, a causa tem origem
nos países desenvolvidos e em
sua demanda por produtos
agrícolas e outras commodities. “O Sudeste da África tem
a maior taxa de desmatamento
nos trópicos e, se o ritmo se
mantiver, a região poderá
perder 75% de suas florestas
originais e quase metade de
sua biodiversidade até o fim
deste século”, ressaltaram os
cientistas.
Mauro Galetti
Karina Toledo/Agência FAPESP
Das 74 espécies de mamíferos terrestres que compõem o
grupo dos grandes herbívoros,
71 ocorrem em países em desenvolvimento e somente 10
nos países desenvolvidos. A
única representante brasileira
no grupo é a anta (Tapirus terrestres), que pode chegar a 300
kg e também está sob ameaça
No caso da América do Sul, o
de extinção. Os grandes herbíprocesso de defaunação pode
voros ocupam atualmente, em Cerca de 60% das 74 espécies de mamíferos terrestres, ter tido início há 10 mil anos,
média, apenas 19% das suas com 100 kg ou mais, estão ameaçadas de extinção e as coincidindo com a chegada do
áreas de ocorrência históricas.
homem ao continente. “Havia
consequências para o ecossistema serão grandes.
“Isso é exemplificado pelo
espécies de preguiça gigantes,
A única representante brasileira é a anta.
elefante (Loxodonta africana),
tatus do tamanho de um fusca
pelo hipopótamo (Hippopotamus amphibius) e pelo rinoceronte e outras menos conhecidas, mas a região já foi transformada
negro ocidental (Diceros bicornis), que hoje ocupam pequenas em uma paisagem vazia. Há uma controvérsia na literatura
frações de suas áreas históricas na África.
científica sobre a principal causa ter sido o clima ou as ações
humanas. Os impactos para o ecossistema estão só começando
Além disso, muitas dessas espécies em declínio são pou- a ser compreendidos”, disse Galetti.
co conhecidas cientificamente e necessitam seriamente de
pesquisas ecológicas de base”, ressaltam os pesquisadores.
Por consumirem grandes quantidades de vegetação, explicou
Também no caso da anta, disse Galetti, a área de ocorrência o pesquisador, esses mamíferos ajudam a moldar a estrutura dos
vem encolhendo nos últimos anos. Os cientistas não sabem ao ecossistemas, prestando serviços como ciclagem de nutriencerto qual é o tamanho da população remanescente no país. tes, dispersão de sementes e controle de fogo. “A quantidade
“Originalmente, a anta era encontrada em praticamente todos de matéria orgânica que esses animais reciclam é enorme. Se
os biomas brasileiros, mas hoje já há vários lugares da Mata eles desaparecerem em biomas como o cerrado brasileiro ou a
Atlântica em que ela desapareceu. As causas principais são a savana africana, a vegetação vai crescer, secar e eventualmente
caça ilegal, o desmatamento, a expansão agrícola e atropela- vai pegar fogo”, disse Galetti.
mentos”, afirmou.
No Brasil, acrescentou o pesquisador, espécies de plantas
A caça, a expansão da pecuária e as mudanças no uso da que possuem sementes grandes, como jatobá (Hymenaea courterra – que incluem perda de habitat, invasão humana (como baril), buriti (Mauritia flexuosa) e palmito amargoso (Syagrus
construção de estradas), plantações e desmatamento – são oleracea), e muitas outras plantas são dependentes da anta
para dispersão. “Além disso, as
antas competem por alimento
com diversos roedores, ajudando a controlar populações
prejudiciais à saúde humana
por transmitir doenças como
hantavirose. A anta também
é um dos poucos animais que
servem de presa e ajudam a
sustentar as populações da
onça-pintada (Panthera onca),
que por sua vez controlam
vários animais que podem ser
daninhos ao homem”, disse
Galetti.
Os grandes herbívoros são
a principal fonte de alimento
para animais como leão (Panthera leo), hiena (Crocuta
crocuta), tigre (Panthera tigris) e também para os animais
menores que se alimentam das
carcaças, como coiotes (Canis
latrans), raposas (Vulpes vulpes), corvos (Corvus corax e águias
(Haliaeetus spp.). O declínio dos grandes herbívoros causa
ainda efeitos diretos nos humanos, especialmente no que se
refere à segurança alimentar nas regiões em desenvolvimento,
ressaltou o artigo.
“Estima-se que 1 bilhão de pessoas dependem de carne de
caça para subsistência e ela deve diminuir em torno de 80%
nas florestas africanas nos próximos 50 anos. Além disso, os
mais carismáticos e emblemáticos herbívoros atraem muitos
turistas para áreas protegidas. O declínio do turismo deve afetar
as balanças comerciais e as taxas de emprego principalmente
nas áreas rurais do mundo em desenvolvimento”, diz o texto.
Na avaliação dos autores, o esforço para salvar os grandes
herbívoros remanescentes deve incluir a redução das taxas de
natalidade humanas, diminuição do consumo de carne de ruminantes, combate da caça ilegal, expansão e maior financiamento
de áreas protegidas e combate às mudanças climáticas.
O artigo ressalta ainda a necessidade de pesquisas sobre
as espécies mais ameaçadas no sudeste asiático, África e na
América Latina, entre elas o Búfalo-anão-de-Mindoro (Bubalus
mindorensis), cabra-das-rochosas (Capra walie), suínos da espécie Sus cebifrons e Sus oliveri e outras sobre as quais também
há menos de dez artigos científicos publicados. No Brasil, uma
espécie de anta recentemente descrita e denominada Tapirus
kabomanii pode estar criticamente ameaçada pela caça e mineração na sua área de ocorrência.
“Em particular, mais pesquisas são necessárias para entender
como o aumento da densidade humana e da pecuária, a mudança
climática, a perda de habitat, a caça e as diferentes combinações
desses fatores afetam esses grandes herbívoros”, afirmaram.
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Especial O colapso dos grandes herbívoros