DESENVOLVIMENTO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA SURDOS: AS
RELAÇÕES ENTRE IMAGEM E ESCRITA
Hermes Renato Hildebrand
Universidade Estadual de Campinas – IA
[email protected]
Aryane Santos Nogueira
Universidade Estadual de Campinas – IEL
[email protected]
Ivani Rodrigues Silva
Universidade Estadual de Campinas – IEL
[email protected]
Kate Mamhy Oliveira Kumada
Universidade Estadual de Campinas – IEL
[email protected]
Introdução
Ao refletir sobre a história do material didático, Paiva (2009) traz um breve
panorama sobre a origem da escrita e do livro. Esta autora nos faz lembrar que, ao
fazermos referências aos materiais didáticos, muito facilmente nos vem à mente a
imagem do livro. De acordo com Paiva (2009), o precursor do livro foram folhas de
papiros coladas e enroladas em cilindros de madeira que se prestavam à leitura com
grandes dificuldades, uma vez que os rolos eram enormes e pesados, difíceis de serem
transportados e de serem manuseados.
Segundo essa mesma autora, o livro, tal como o concebemos hoje, aparece
apenas por volta de século II d.C., fruto de uma revolução que representou a
substituição do “volumen” pelo codex, que já se aproximava do formato de livro que
conhecemos hoje, mas era bem mais pesado e maior, constituído de várias folhas de
papiro ou de pele de animais. Esse novo formato permitia a indexação e paginação e,
portanto, maior facilidade para a leitura.
No entanto, se olharmos mais detidamente para a estrutura dos livros didáticos
podemos perceber que eles têm se mantido mais ou menos estáveis desde que foram
instituídos como material escolar e que passaram a ocupar um papel central na
educação. Há sempre um texto literário para ser lido, exercício para ser respondido,
orientações aos alunos ou aos professores como referência e, imagens que servem para
ilustrar os textos. É claro, que hoje em dia, com os vários suportes midiáticos
disponíveis, os professores têm à sua disposição uma infinidade de materiais didáticos e
de formatos que podem ser usados e que permitem abordagens diferenciadas. No
entanto, segundo Paiva (2009), ainda há uma preferência para o ensino de línguas que
está materializado nos livros didáticos com uma estrutura fixa e pré-determinada e
acrescentamos, com pouco uso dos novos suportes e de outras tecnologias.
Por outro lado, na Cultura Ocidental, a linearidade da oralidade e escrita ainda
exerce forte influência na constituição de nossas subjetividades. Estas formas de
produção de linguagem têm, até muito recentemente, determinado nossas produções em
todas as áreas de conhecimento (FLUSSER, 2007). No entanto, a partir da Revolução
Industrial e da adoção do Sistema Econômico Capitalista emergem os sistemas e
suportes de comunicação de massa e, mais recentemente, os sistemas de comunicação
pós-massivos (LEMOS, 2007). Para ele,
Se na cidade industrial os meios de massa configuram o espaço urbano (a
impressa, o rádio, o telefone e a televisão foram e ainda são fundamentais
para definir relações de trabalho, de moradia, a constituição dos subúrbios e
enclaves urbanos), na cibercidade contemporânea estamos vendo se
desenvolver uma relação estreita entre mídias com funções massivas (as
“clássicas” como o impresso, o rádio e a TV), e as mídias digitais com novas
funções que chamaremos aqui de “pós-massivas” (internet, e suas diversas
ferramentas como blogs, wikis, podcasts, redes P2P, softwares sociais, e os
telefones celulares com múltiplas funções). A evolução do binômio cidadecomunicação acompanha o desenvolvimento das tecnologias de
comunicação. (LEMOS, 2009, p.50)
Esses sistemas de comunicação e de geração de produtos simbólicos estão
fortemente dominados pela proliferação de imagens: a fotografia, televisão, vídeo,
propaganda, jornal, revista, histórias em quadrinhos, internet, celulares, redes sociais
que se destacam pelas características semióticas (SANTAELLA, 2005) e híbridas, ou
seja, envolve imagem, narrativas, textos, sons, animações, jogos eletrônicos que
resultam em experiências sensórias e perceptivas importantes aos leitores/espectadores
que, hoje, denominamos de “interatores” (MURAY, 2007).
Neste sentido, uma questão importante diz respeito à essas mudanças
propiciadas pelas novas tecnologias de comunicação e informação e sua relação com as
escolas. Assim, como Santaella (2005), Rojo (no prelo) salienta que essas tecnologias
permitiram uma hibridização intensa: linguagem escrita, sonora, imagética que
aparecem juntas em todos os dispositivos e interfaces, o que nos possibilita experienciar
diferentes práticas de letramento.
Daley (2010), por exemplo, defende a necessidade de expansão do conceito de
letramento corrente – aquele bastante ligado às práticas de letramento legitimadas no
contexto escolar – por meio da compreensão de que há hoje em dia um domínio das
telas de televisores e computadores nas vidas das pessoas. Esta autora, em consonância
ao que aponta Lemke (2002), acredita na possibilidade de ampliação de significados
quando há uso de várias linguagens. Neste sentido, os alunos deveriam ser preparados
não só para a leitura das linguagens multimidiáticas como também para a produção,
engajando os alunos em práticas de letramento crítico.
No entanto, não se pode esquecer que, na Cultura Ocidental, a escrita ainda
assume um papel fundamental de exercício de poder na legitimação da dominação
econômica, política, social e cultural, de discriminação e de exclusão. O grafocentrismo
supervaloriza a escrita (ensinada no contexto escolar) como possibilidade de mobilidade
social e desenvolvimento. Para tanto, entendemos que os processos de letramento e
inclusão social: política, econômica, cultural, digital, etc., devem ser tratados como
processos políticos através dos quais, grupos excluídos têm acesso a bens culturais que
lhes são sonegados.
Percebemos que as escolas não têm acompanhado essas mudanças e ainda
apresentam práticas de letramento baseadas nos processos de codificação e
decodificação. Rojo, atenta para estas questões e argumenta que “se os textos mudaram,
mudam também as competências/capacidades de leitura e produção de textos
requeridas” (no prelo, p.13) o que nos conduz à necessidade de preparar os alunos para
uma leitura crítica destes textos multimodais.
No caso dos surdos, observa-se nas escolas um desconhecimento por parte dos
professores e profissionais a respeito da surdez e de suas singularidades. A Língua de
Sinais - LIBRAS, quando aparece neste contexto, tem seu uso bastante simplificado,
havendo ainda uma não valorização desta língua quando se planeja o ensino para
escolares surdos.
A falta de material de ensino específico para esse grupo de pessoas, guiados
pelos preceitos da educação bilíngüe que apregoa os benefícios desses alunos de terem
seu acesso à informação baseado em metodologias de ensino de segunda língua, é outro
ponto que pode ser destacado.
A questão da imagem neste caso aparece negligenciada visto que nos livros e
materiais disponíveis ainda é possível perceber que estas, muitas vezes, servem apenas
de ilustração de um texto escrito ou ainda como um meio concreto de ensinar algum
conceito a estes alunos surdos.
Levando em consideração as questões até agora apontadas, voltamos nosso olhar
para um distanciamento das narrativas grafocêntricas da escrita e para a busca pela
compreensão das práticas sociais dos sujeitos surdos. De fato, o foco principal desta
pesquisa é a necessidade de estratégias e de materiais de ensino diferenciados nas
práticas de letramento(s) deste grupo, que respeitem a situação bilíngue do indivíduo
surdo e que considerem uma necessidade atual, até mesmo pela emergência das
tecnologias contemporâneas, de repensar as práticas de letramento destes alunos no
contexto escolar. Sendo assim, como etapa inicial de nosso trabalho, mapeamos e
analisamos os materiais didáticos disponíveis hoje, desde impressos, vídeos ou mesmo
conteúdos de websites. E sob a luz dos resultados desta etapa inicial de análise,
partimos para uma segunda etapa de nosso trabalho: tradução e adaptação de jogos
eletrônicos em duas dimensões - 2D para surdos.
Primeira etapa: mapeamento e análise de materiais didáticos já existentes
Atualmente, no bojo dos estudos da Linguística Aplicada sobre educação de
surdos vislumbramos o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS como
primeira língua do surdo e o português, seja na modalidade escrita ou oral, como
segunda língua, e encontramos diversos estudos: sobre a língua de sinais (FERREIRABRITO, 1986; GESSER, 2006; FREITAS, 2009), sobre os contextos escolares
(FAVORITO, 2006; SILVA, 2005), sobre o letramento (NOGUEIRA, 2010), sobre
identidades (FÉLIX, 2008) e outros temas, considerando que a maioria de tais
discussões é, geralmente, tratada de forma inter-relacionada. No entanto, os trabalhos
sobre materiais didáticos na area da surdez, sejam referentes à produção ou análise,
ainda são restritos.
Observamos que nas escolas os materiais utilizados para fins de escolarização de
surdos são sempre aqueles mesmos utilizados com alunos ouvintes, cuja língua primeira
é o português, seja ele de prestígio ou não. De fato, o que impomos ao surdo é uma
estrutura lógica linear e fragmentada por palavras e, também neste processo, outras
linguagens estão sendo negligenciadas.
Embora haja novos investimentos em literatura surda como, por exemplo, o
trabalho de Hesser, Rosa e Karnopp (2003), bem como os materiais em CD-ROM da
editora Arara Azul e os materiais divulgados pela LSB vídeos, ressaltamos a
necessidade de realização de análise do que está disponível para os surdos, a fim de
refletirmos sobre as contribuições e limitações na emergência de novas propostas de
materiais didáticos.
Para tanto, constituímos um grupo composto por professores ouvintes e surdos,
alunos de graduação e de pós-graduação com o objetivo de realizar um levantamento
dos materiais já existentes e que vem sendo largamente utilizados.
A primeira fase dessa pesquisa compreendeu o levantamento e a análise de 15
vídeos com material LIBRAS/Português, 27 websites de internet relacionados à surdez
(dicionários, materiais didáticos, vídeos, entrevistas, objetos de aprendizagem, entre
outros), 9 CD-ROMs de contos literários e 2 livros didáticos para surdos (STOCK &
STROBEL, s.d.; FAVALLI, 2000).
De maneira geral, a partir da análise destes materiais observamos e necessidade
de maior problematização sobre o que vem sendo oferecido a estes alunos. A partir da
análise dos vídeos, notamos aspectos que poderiam contribuir ou comprometer o
proveito dos mesmos, tais como a exibição de legendas em português ou mesmo áudio
concomitante à apresentação da LIBRAS. Essa amostra nos propiciou a percepção da
necessidade de considerar a exigência de mais opções para futuros materiais a serem
produzidos.
Outro aspecto, por exemplo, levantado nos vídeos analisados se refere à
ocorrência de sinais característicos dos surdos que vivem no Rio de Janeiro. Desse
modo, problematizamos também o fato de que, quando se almeja a produção de
materiais, consideramos oportuno visibilizar esses aspectos relacionados à diversidade
lingüística que integra o contexto da surdez.
Os 27 websites analisados pelo grupo continham: reportagens sobre a surdez ou
entrevistas com surdos (de artigos a jornal online para surdo); dicionários de
LIBRAS/português e dicionário em LIBRAS com explicações sobre conceitos de
disciplinas escolares por meio da língua de sinais; venda ou distribuição gratuita de
materiais didáticos para surdos, intérpretes ou professores da área; vídeos em LIBRAS;
objetos de aprendizagem para atividades escolares e de LIBRAS, entre outros.
A análise de tais websites possibilitou uma descrição do que a internet oferece à
comunidade surda no que tange a produção de materiais didáticos ou outros recursos
que podem ser aproveitados para o seu contexto escolar. Os aspectos positivos foram
ressaltados para dar continuidade às iniciativas e as críticas foram registradas para não
serem reproduzidas. Há que se considerar que diversos websites para surdos não
disponibilizavam seu conteúdo em LIBRAS. No que se refere aos sites que ofereciam
materiais didáticos (de forma gratuita ou não), a maioria não oferecia maiores inovações
no que tange a produções contextualizadas/significativas, que tratem a língua e
conteúdos pedagógicos de forma lúdica e atraente conforme a faixa etária.
Na mesma direção, nossa análise refletiu sobre a existência de livros didáticos
para surdos com base na sua especificidade linguística enquanto falante de português
como segunda língua. Em levantamento dos livros utilizados para o ensino de português
para surdos dentro de um grupo bilíngüe de apoio às crianças surdas, encontramos dois
livros: “Meus Primeiros Sinais” do professor ouvinte Paulo Favalli e “Brincando e
Aprendendo com Libras: língua brasileira de sinais” (2000) desenvolvido pelas
professoras surdas Irene M. Stock e Karin Lilian Strobel da Universidade Tuiuti do
Paraná (s.d.). Assim, buscamos uma análise sob a exigência de um material bilíngue e
bicultural, que atendesse a produção e a compreensão em língua de sinais e a
compreensão e produção escrita do português, mas que também atendesse às
necessidades mais atuais de multiletramentos.
As crianças surdas que vivem em uma sociedade letrada estão constantemente
expostas a propagandas, convites, quadrinhos, rótulos, meios de comunicação em geral,
entre outros. No entanto, o que encontramos (em FAVALLI, 2000; STOCK,
STROBEL, s.d.), distancia-se bastante destas práticas, são palavras soltas ou enunciados
curtos, muitas vezes, desconectados. A visualidade nestes materiais não parecem estar
preocupados com os surdos, uma vez que apresentam figuras soltas que, muito
provavelmente, apenas tem a intenção de auxiliar o ensino de conceitos concretos aos
surdos.
Já, em relação à análise dos CD-ROMs (Coleção Clássicos Literatura em
LIBRAS/Português - coleção gratuita, patrocinada pela IBM e inicialmente apoiada pela
FAPERJ, da editora Arara Azul em parceria com a SEE/MEC), observamos que as
histórias em LIBRAS são desenvolvidas nas telas que estão divididas em texto em
português; propostas de atividades pedagógicas resgatando alguns elementos narrados
durante a história; glossários e opções para jogos como caça-palavras, quadros para
colorir, jogo da memória ou sugestões pedagógicas para serem impressas.
Vale mencionar que durante a apresentação de um dos CD-ROMs para o grupo
de crianças surdas, críticas diversas emergiram com relação ao pequeno espaço
atribuído ao intérprete de LIBRAS e também a exibição de um único narrador
dominando toda a cena para contar a história.
Os apontamentos e sugestões feitas durante esta fase de análise de materiais já
disponíveis guiaram os passos seguintes de nosso trabalho, voltado para a adaptação e
tradução dos jogos eletrônicos. No entanto, apesar da intenção de tratar estes jogos a
partir da visualidade como forma de trazer significados aos elementos dos jogos que
atendesse aos surdos, verificamos que esse trabalho teria tido resultados mais positivos
se os jogos tivessem sido desenvolvidos especificamente para as crianças surdas.
Segunda etapa: adaptação e tradução de jogos para surdos
A partir do reconhecimento da situação negligenciada dos surdos inseridos na
escola regular e a falta de materiais para o ensino no contexto da surdez, dois jogos
eletrônicos 2D foram adaptados na tentativa de ampliação do acesso à informação
(escolar ou não) pelos surdos e que, por meio de materiais com tradução para LIBRAS,
estes escolares surdos tenham maior autonomia e independência na aquisição de
informações.
Os jogos O Sonho de Juca e Os Foragidos foram, em seu projeto inicial,
pensados para crianças e/ou adolescentes ouvintes, sendo que a criação, idealização e
desenvolvimento dos jogos esteve a cargo de alunos do Curso de Midialogia do Instituto
de Artes da Unicamp. Embora bastante diferente quanto ao seu formato, maneira de
jogar e faixa etária a que se dedicam, os jogos têm objetivos semelhantes quando se
pensa na utilização destas ferramentas como recurso midiático portador de texto para
surdos.
No momento em que os jogos estavam relativamente prontos, estes passaram
pela avaliação de três surdos adultos. Ao analisar os jogos, ambos referiram que o
português utilizado nas legendas tinha um formato que pouco favorecia a compreensão
por parte dos surdos, sugerindo, por exemplo, a substituição de alguns vocábulos
identificados como “expressões muito próprias do português”.
Os surdos ainda destacaram a importância da tradução dos jogos para a Língua
de Sinais e a utilização de cores em lugar de sons de alerta, por exemplo, a substituição
de algumas imagens e a utilização de um glossário para algumas palavras-chave dos
jogos.
Os jogos também passaram pela análise dos profissionais ouvintes envolvidos
no projeto que também observaram a necessidade de tradução dos jogos para a Língua
de Sinais e adaptação de diversos elementos-chave para a utilização dos jogos por
surdos. Sendo assim, deu-se início a esses processos de adaptação e tradução dos
elementos sintáticos e de significação e das atividades necessárias para a compreensão
das interfaces.
Para a tradução dos jogos para Língua de Sinais, optou-se pela filmagem de um
surdo realizando os sinais necessários. Para isso, contamos com três participantes surdos
de Estados diferentes: um do Estado de São Paulo, um do Estado do Paraná e um do
Estado do Rio de Janeiro. Nosso material foi testado por surdos de diferentes cidades e
faixa etária a fim de buscar melhores adequações e possíveis apontamentos. Tanto para
os surdos, como para os ouvintes envolvidos, este processo foi algo bastante novo e
suscitou discussões sobre o processo de tradução.
Com relação à fase de adaptação dos elementos de comunicação dos jogos
(imagens, cores, sons), tendo ainda como pano de fundo a necessidade de estratégias
mais culturalmente sensíveis, procuramos compreender a imagem como constitutiva do
processo de aprendizagem dos surdos. Assim, como aponta Giordani (2004), o aspecto
visual de apreensão, interpretação e narração do mundo, é algo familiar aos surdos pela
sua forma de comunicação viso-espacial, mas é ainda pouco compreendida pelos
ouvintes e tem sua utilização muito restrita na escola.
Reily (2003), por exemplo, ao considerar esta familiaridade dos surdos com o
visual, propõe a utilização da imagem como uma alternativa semiótica a ser utilizada
pelos profissionais que atuam no contexto da surdez. Esta autora apresenta várias
experiências nas quais ela pode observar a capacidade de pré-escolares surdos em
perceber detalhes nas imagens, reconhecer figuras escondidas, interagir com as figuras
imitando personagens e se expressando graficamente. A imagem, neste contexto,
apareceu como um instrumento mediador da aprendizagem, diferentemente do uso
observado nas escolas.
De modo geral, as imagens, em especial as que são produzidas através dos
dispositivos e interfaces atuais, são, de fato, idéias ou imagens elaboradas inicialmente
em nossa mente que necessitam de um suporte material para se concretizarem e, às
vezes, se apresentam como pura qualidade para nossa percepção. Os fatos observados
pelo pensamento, e o próprio pensamento em si, são fenômenos de mesma natureza; são
partes integrantes de um único e complexo sistema semiótico do qual fazem parte todas
as formas de elaboração de conhecimento. Assim, observamos que as imagens, por si
só, apresentam aspectos e qualidades específicas que não podem ser transmitidas na
linearidade dos textos escritos e, dada a facilidade que os surdos possuem de perceber o
mundo através da visualidade, acreditamos que o processo de ensino e aprendizagem,
para eles, através das imagens, se tornaria muito mais facilitado.
Reily aponta que nas escolas e nos materiais didáticos as imagens vêm sendo
utilizadas como item decorativo, paráfrase de um texto escrito, não havendo
preocupação alguma em levar os alunos a “explicitarem os processos inconscientes e
intuitivos de leitura de imagens presentes em todo tipo de portador de texto/imagem da
vida cotidiana” (2003, p. 167). Os professores, de forma geral, se preocupam com o
letramento num sentido restrito ao texto escrito, não explorando a intertextualidade que
também está presente nas imagens.
Assim, destacamos que, apesar da dificuldade que foi adaptar os jogos já
desenvolvidos para ouvintes, buscamos apresentar soluções visuais que permitiram a
melhor jogabilidade para estes produtos. O uso de sons deu lugar às cores para alertas
do jogo, como por exemplo, uma luz vermelha piscando que passou a significar erro no
jogo, enquanto que uma luz verde piscando significaria o acerto. Algumas imagens
também foram substituídas para melhorar a compreensão do jogo. Além disso, foram
adicionados painéis de pontuação a fim de tornar mais claro o progresso do usuário no
jogo (não dependente de sinais sonoros ou de mensagens escritas apenas) e um glossário
também foi inserido, para explicação de algumas palavras-chave. Para Reily
A figura visual, tanto a representação abstrata quanto a figurativa ou
pictográfica, traz consigo o potencial de ser aproveitada como recurso para
transmitir conhecimento (...) para o aluno surdo (...) o caminho da
aprendizagem necessariamente será visual, daí a importância de os
educadores compreenderam mais sobre o poder constitutivo da imagem, tanto
no sentido de ler imagens quanto no de produzi-las. (REILY, 2003, p.169)
Considerando todos esses aspectos, procuramos, mais uma vez, salientar os
elementos visuais como parte constitutiva do processo de letramento de escolares surdos
uma vez que observamos que as diferenças entre oralidade e visualidade são elementos
importantes a serem considerados nesse processo de cognição através de material
didático e de jogos para surdos. De fato, nas escolas regulares, os surdos são obrigados
a utilizar o mesmo processo de cognição dos ouvintes – uma estrutura lógica linear e
fragmentada por palavras – que dificulta o seu ensino e aprendizagem e que negligencia
as imagens e os sinais.
Considerações finais
As poucas reflexões encontradas neste trabalho procuraram enfatizar a) a
importância da educação dos surdos ser efetivada em Língua de Sinais; b) a necessidade
de utilização de materiais e métodos específicos para o atendimento às necessidades
educacionais do surdo; c) a importância do uso de estratégias visuais (Reily, 2003) na
produção de conhecimento pelo grupo de alunos surdos considerando não só as
demandas atuais dos novos letramentos como a necessidade de nos afastarmos de uma
visão grafocêntrica que privilegia a escrita em detrimento de outras linguagens, e, por
fim; d) a relevância de desenvolvermos estudos que destaquem a visualidade no
processo de cognição humana, em particular para o ensino e aprendizagem dos surdos.
Destacamos ainda a relevância da participação dos surdos durante as fases de
análise de materiais disponíveis no mercado e durante os processos de tradução e
adaptação dos jogos eletrônicos. Também destacamos a necessidade de proporcionar às
crianças surdas o contato com processos e produtos elaborados e/ou orientados por
grupos de surdos, como teatro, brinquedos, poesia visual, literatura em língua de sinais,
tecnologia, jogos eletrônicos, etc. Acreditamos que estas discussões oferecem
contribuições para a área da cognição humana, para a percepção da importância da
imagem no processo de ensino e aprendizagem, na formação de professores quanto para
a área de educação bilíngüe para surdos.
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