Dos campos de concentração às favelas brasileiras: a estratégia política soberana
de gestão dos corpos na contemporaneidade
Marcelo Fonseca Gomes de Souza1
Meu agradecimento à FAPEMIG pelo auxílio financeiro disponibilizado para a
participação neste Congresso.
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo contrastar a tese apresentada por Agamben, no
livro ‘Homo sacer’, com um fenômeno contemporâneo frequente nas grandes cidades
brasileiras: a morte violenta praticada por jovens envolvidos com o tráfico de drogas.
Para tanto, serão percorridos os seguintes argumentos: 1) o homo sacer – figura do
antigo direito romano - é o indivíduo que o povo julgou por um delito e que possui uma
condição paradoxal: seu sacrifício é, por um lado, vedado ao Estado de Direito,
enquanto, por outro lado, seu assassinato, se cometido por qualquer outro cidadão,
permanece impune. 2) Os jovens envolvidos com o tráfico encontram-se, por vezes,
numa situação semelhante a do homo sacer: é o Estado soberano, baseado numa
estratégia de gestão denominada biopolítica, que é responsável pela preservação da vida
dos seus corpos ou a ‘autorização’ de sua morte.
Palavras chave: homo sacer; soberania; corpo; campos de concentração.
Introdução
Todos aqueles que acompanharam, minimamente, nem que seja pelos livros de
História Geral, os acontecimentos relativos à Segunda Grande Guerra, devem ter, em
algum instante, sentido-se perplexos diante de alguns dos acontecimentos narrados. Sem
dúvida, toda a máquina de extermínio que provocou, diretamente, a execução de cerca
de 6 milhões de judeus, é uma das mais trágicas, senão a mais trágica barbárie já
cometida na história do homem civilizado. O caráter aterrador e singular dessa tragédia
leva-nos à seguinte questão: o genocídio contra o povo judeu foi, afinal, um evento
singularíssimo da história humana, evento, portanto, que não permite comparação com
1
Doutorando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFMG (estudos psicanalíticos) e
Professor da Faculdade Divinópolis. Email: [email protected]
nenhum fato do passado; ou é, de outro modo, um exemplo paroxístico e, dessa
maneira, uma ilustração do modo de organização política da contemporaneidade?
O título do presente ensaio parece ir de encontro à segunda possibilidade: a de que
os campos de concentração judeus, em que pese todo o modo singular de seu
aparecimento e de sua organização, são a evidenciação de um modo de organização
política que determina o curso das nossas relações no mundo contemporâneo. Não é
sem razão, portanto, que há, aqui, uma transposição dos campos de concentração para as
favelas brasileiras, sobretudo no que diz respeito ao modo como as mortes (quase sem
sentido) entre os jovens envolvidos com a criminalidade violenta acumulam-se nos
noticiários de nossos hebdomadários e nas estatísticas dos órgãos de segurança pública.
De antemão, entretanto, cabe estabelecer um pequeno parêntese: nosso trabalho
não pretende anular a diferença entre cenários históricos e sociais categoricamente
distintos – como o são a história do povo judeu e a história de constituição das favelas
no Brasil -, mas tão somente analisar a conjuntura estrutural da política moderna que
possibilita a viabilidade da relação pretendida. Será a partir das teses de Giorgio
Agamben acerca do homo sacer, que o percurso deste texto se estabelecerá. Dessa
forma, naquilo que se segue, é proposta a seguinte lógica argumentativa: a) a
apresentação do conceito de homo sacer e b) a possibilidade da aplicação desse conceito
como uma chave de leitura para a situação em que se encontram alguns dos jovens
moradores de favelas envolvidos com a criminalidade violenta.
1
O homo sacer é uma figura do direito romano arcaico absolutamente paradoxal.
Trata-se daquele sujeito que fora julgado por um delito e que recebeu como pena a
exclusão da sua cidadania, isto é, a anulação do seu direito de partícipe nas leis da
cidade. Esse sujeito, uma vez tendo sido excluído da lei do Estado, não pode ser
sacrificado de acordo com as prescrições legais. Ele é, portanto, insacrificável. Por
outro lado, todo aquele que contra ele comete homicídio não será nem julgado e nem
condenado como homicida. Este último, na verdade, pode exercer seu direito soberano
sobre a vida daquele. O homo sacer, apesar de insacrificável, é, desse modo, matável
(AGAMBEN, 2010).
Cabe perguntar, então, em que consiste a sacralidade do homo sacer, dado que ele
tem sancionado o seu caráter sagrado em relação às leis da cidade, mas, em franca
contradição, qualquer um pode matá-lo impunemente. Qual é, afinal, seu estatuto, se
ele é excluído do direito humano (‘ius humanum’), isto é, das leis que vigoram na
cidade, mas nem por isso passa a ocupar um lugar especial no interior do direito divino
(ius divinum) - como os relatos dos tabus entre alguns líderes tribais - fato que é
atestado pela impunidade daquele que o mata?
O topos ocupado pelo homo sacer na vida política não é, como se vê, facilmente
demarcável, uma vez que ele “apresenta o caráter particular de uma dupla exclusão”
(AGAMBEN, 2012, p, 84). Ele está posicionado numa espécie de limbo do
ordenamento jurídico, pois não é reconhecido nem como cidadão que está amparado
pela lei, nem está preservado como um sujeito divino e inviolável.
Sabe-se que o sacrifício tem uma relação estreita com o reconhecimento da
vigência do campo do Outro. Há, no fundamento de sustentação da função do Outro,
uma fé, isto é, uma aposta dos sujeitos na sua consistência e na sua legitimidade
regulatória. Sendo assim, os sujeitos sacrificáveis, ainda que não tenham consciência de
todo o regime de operação das leis simbólicas, reconhecem, de certo modo, sua inclusão
no campo.
O modelo ilustrativo que pode corroborar esse argumento é o do sacrifício de
Isaac. É conhecida a passagem do livro do Gêneses em que Deus diz a Abraão: “Toma a
Isaac teu filho único a quem tu tanto amas, e vai à terra da Visão, e oferecer-mo-ás em
holocausto sobre um dos montes, que eu te mostrarei” (Gênesis 22: 2). Abraão,
seguindo o imperativo divino, sem a demonstração de qualquer questionamento ao
pedido que lhe foi feito, vai até ao monte disposto a imolar seu filho a Deus. A fidúcia
do patriarca em relação à lei é tal, que ele não contra-argumenta, não pede sequer
garantias nem explicações sobre os motivos do pedido de Deus. Ele tão somente cumpre
a ordem porque confia no lugar de onde ela é proferida. O sacrifício de Isaac é,
portanto, um caso paradigmático de todo sacrifício. Há, aí, um recobrimento simbólico
que determina os destinos da vida de um sujeito em uma dada comunidade sóciolingüística.
O caráter insacrificável do homo sacer está diretamente relacionado à sua própria
exclusão do conjunto de regras e ritos que determinam a função social do sacrifício. Sua
vida, como diz Agamben, é uma vida nua, isto é, uma vida desamparada da cobertura da
lei, que determina grande parte do processo de reconhecimento intersubjetivo. A vida,
assim, subtraída daquilo que talvez seja o seu tecido mais fundamental, ou seja, a
dinâmica do reconhecimento no interior de um dispositivo simbólico, passa a contar
apenas como uma vida em estado bruto, isto é, como zoé, como corpo. Trata-se,
portanto, de uma vida animalizada. Como afirma Harari (2010), a vida do homo sacer
não é
a vida regida de acordo com o contrato social, mas a vida abandonada, a cujo
respeito o resto dos falantes se encontra habilitado para atuar como soberano. Seu
corpo é aquele sobre o qual tudo pode ser executado, mas que ninguém dirá que foi
sacrificado (p. 350).
Logo, torna-se clara a conjugação da qualidade de insacrificabilidade do homo
sacer com a sua matabilidade. O exemplo, por excelência, dessa matabilidade é aquele,
como já se afirmou acima, dos judeus nos campos de concentração. Na descrição que se
segue, relativa aos testes científicos realizados em alguns dos campos nazistas, vê-se
como a vida, retirada da sua cobertura simbólica - a vida nua - pode ser tratada:
“Estudou-se” nos campos de concentração, “o nível de tolerância à escassez de ar
(...)” – para, sobretudo, avaliar o que poderia acontecer com as reações dos pilotos
aéreos e dos paraquedistas -; estudou-se, também, “(...) como se pode sobreviver em
águas geladas, a potabilidade da água do mar, a inoculação de bactérias da febre
petequial e do vírus da hepatite endêmica.” Também se tentou obter “a esterilização não
cirúrgica por meio de substâncias químicas e de radiação”; inclusive, mas de forma mais
ocasional, “projetou-se experimentos de transplante de rins, inflamações celulares etc
(AGAMBEN, 1998, p. 196, 197). A isso somamos:
[...] testes balísticos (arremessar balas explosivas no crânio dos prisioneiros);
administrar sulfas, ou, de forma mais geral, “gases de combate” às mulheres do
campo de Ravensbrück; injetar petróleo no corpo dos detentos; experimentos com
queimaduras; simular doenças, como a icterícia, através da injeção de ácido pírico;
praticar a vivissecção em vida; encarcerar os meninos do campo em câmaras de
baixa pressão etc (VIRILIO, 2003: 119-120 in HARARI,2010, p. 361)
A exclusão do homo sacer do ordenamento jurídico e sua consequente redução à
vida nua autoriza, assim, toda e qualquer operação, por mais estapafúrdia e imoral que
seja, sobre o corpo dos sujeitos excluídos. Aqui, apenas de passagem, porque carecemos
de tempo para desenvolver e demonstrar a importância do argumento, há uma
vinculação estreita e paroxística entre o discurso da ciência e o lugar do homo sacer. Se
é verdade que a ciência não conhece outro limite a não ser o imperativo de seu constante
avanço, também é verdade que, para fazê-lo, seja necessário limitar as proibições
morais que cerceiam sua potência. Assim sendo, ao reduzir o sujeito a um corpo, como
ocorreu nos campos nazistas, estabelece-se a condição ideal para tomá-lo como cobaia
dos experimentos. Afinal, em prol do suposto avanço da ciência e, por conseguinte, de
toda a humanidade, nada mais natural e justificável do que a violação e a morte de
alguns corpos sem valor político.
Voltando, portanto, ao exemplo, é preciso destacar um outro ponto essencial dos
campos de concentração, trazido por Hannah Arendt (1999) no seu relato sobre o
julgamento de Eichman, que revela, de forma ainda mais notável, a matabilidade do
homo sacer. A morte de centenas de pessoas – ela diz a partir das narrativas do réu -,
pode ser uma morte que mantenha a possibilidade do resgate das biografias e, desse
modo, a possibilidade de um reconhecimento histórico que individualize o sujeito
assassinado. Já o assassinato em massa tem como consequência a anulação da
identidade. O sujeito não é contado pelo caráter idiossincrático de sua história, mas
torna-se apenas um elemento das estatísticas. A morte da vida nua é, assim, transmutada
em um acontecimento banal, carente de sentido.
A introdução da figura do homo sacer por Agamben implica no desenvolvimento
de duas importantes teses repletas de consequências:
1ª- “O homo sacer apresentaria a figura originária da vida presa no bando
soberano e conservaria a memória da exclusão originária através da qual se constitui a
dimensão política” (AGAMBEN, 2010, p. 84).
2ª- O fato decisivo da experiência do homem contemporâneo é o processo em
virtude do qual o lugar “de dupla exceção” do homo sacer torna-se, em todo lugar a
regra. “O espaço da vida nua, situada a princípio na margem da organização política,
finda progressivamente por se confundir com o espaço político” (AGAMBEN, 2010, p.
17).
1) A primeira tese necessita de um breve esclarecimento topológico, visto que o
lugar do bando soberano é simétrico e dependente do lugar ocupado pelo homo sacer. O
soberano, diga-se de passagem, é aquele que pode declarar o estado de exceção e, desse
modo, suspender a validade do ordenamento. Por exemplo: em um Estado onde tirar a
vida do outro é uma transgressão que pode ser punida com a pena capital, o soberano é
aquele que, se excetuando à lei, tem o direito de, sem punição, autorizar a morte de um
cidadão. Ele, portanto, paradoxalmente, note-se, aplica a lei desaplicando-se dela. Como
aponta Agamben, o soberano é aquele que “está legalmente fora da lei” (AGAMBEN,
2010, p. 22). Ele não está situado, cabe dizer, do lado de fora da lei, mas a sua condição
rompe com a ideia convencional da delimitação das fronteiras entre o dentro e o fora.
Daí o recurso ao emprego da topologia, afinal, o lugar do soberano é o de uma exclusão
interna, isto é, de uma exclusão inclusiva.
Fica clara a compreensão da função do soberano e o seu topos em relação ao
homo sacer. Diante do poder do soberano todo homem torna-se potencialmente um
homem sacro. Afirmar, como faz Agamben, que a vida presa no bando soberano
conserva a memória da exclusão que constitui a vida política, não é um fato trivial. A
validade racional da lei e a sua amplitude universal, isto é, seu poder de regulação para
todos, não são os fundamentos originários que alicerceiam a dimensão de constituição
da vida política. É, pelo contrário, pela função de exceção e, diga-se de passagem,
também de excesso, concentrados na figura do soberano, que o para todos da lei ganha
a sua condição de possibilidade. O excesso ao qual, aqui, fazemos referência, diz
respeito ao lugar de uma violência inerradicável do domínio da política. Violência essa
que autoriza o próprio exercício da soberania.
Caso optemos por utilizar a repertório conceitual lacaniano, podemos afirmar que
o exemplo do bando soberano é revelador da verdade da estruturação da lei simbólica.
Se o Simbólico carrega um poder de pacificação, uma vez que por seu intermédio o
acordo entre os seres falantes pode ser estabelecido, por outro lado, ele conta com uma
dupla exclusão: a) seu conjunto só se funda pela retirada de um elemento e b) ele não
recobre todo o campo da experiência. Há um certo registro que permanece estranho ao
seu domínio e que não cessa de retornar sobre ele: o Real. Pode-se dizer, então, como
faz Harari, que na relação política originária há um mecanismo oculto, uma “facticidade
no sentido lacaniano, que traça a presença de uma indesejável solidariedade – é difícil
dizê-lo, sem dúvida – entre a democracia e o totalitarismo” (p. 348).
2) A segunda tese de Agamben é ainda mais audaciosa, pois ela propõe uma
exegese da condição humana na contemporaneidade. Ele afirma, claramente, que a
exceção soberana, antes marginal na história do Ocidente, torna-se a regra da vida.
Assim sendo, o modelo terrificante dos campos de concentração, antes tido como um
acontecimento único e irrepetível, vira a regra da vida política.
Agamben radicaliza a tese foucaultiana da biopoder, ao mostrar como o Estado
moderno, ao colocar a vida biológica no centro dos seus cálculos, “não faz mais do que
reconduzir à luz o vínculo secreto que une o poder à vida nua” (AGAMBEN, 2010, p.
14). Assim, aquilo que antes era original e mantinha a memória de uma exclusão
originária, agora retorna, no interior do laço social, como regra. A vida nua passa a se
confundir com o espaço político.
2
Apressamos, acima, a tese de que, no Brasil, os jovens envolvidos com o tráfico
de drogas encontram-se, por vezes, numa situação semelhante à do homo sacer. Para
que a tese se sustente, é preciso confirmar, ao menos, as duas propriedades distintivas
desta figura: seu caráter insacrificável e sua matabilidade.
Quanto à segunda propriedade, a matabilidade, basta um pequeno percurso em
nossos meios midiáticos para comprová-la. É vastamente conhecido o fenômeno da
criminalidade violenta entre jovens moradores de favelas em nosso território. Dia após
dia, contamos o lastimável crescente número de garotos que, envolvidos com o tráfico
de drogas, exterminam-se por justificativas aparentemente torpes. Brigas entre grupos
rivais pela posse das bocas, cobrança de dívidas contraídas com traficantes, vingança,
conflito com a polícia, balas perdidas etc. Os motivos proliferam sem que, no entanto,
haja efetivamente o desenvolvimento de uma política efetiva de atenção a este público.
Vimos, porém, que a matabilidade do homo sacer não pertence exclusivamente ao
regime do simples assassinato. Há muitas mortes violentas que mobilizam a sociedade
civil de tal sorte que ela se organiza para cobrar a efetividade da justiça. Ainda que haja
em nosso país certa descrença na função do poder judiciário, há, ainda assim, uma
esperança de que a ‘justiça tarda mas não falha’.
Não é nossa função, neste texto, avaliar a efetividade do Estado em cumprir sua
função de ‘fazer justiça’. Basta compreender que, em alguns casos, o reconhecimento da
lei é suficiente para que a morte tenha um sentido no interior do laço político. A morte,
assim, cobra, de alguma forma, sua dívida, pois sabemos que, quando o sujeito está
amparado pela lei, ela – a morte - permanece enredada na trama sócio-simbólica. A
morte, assim, não diz respeito apenas à cessação das funções vitais, ou seja, não tem
relação apenas com o corpo, mas encontra-se envolvida pelo significante que, de certo
modo, a perpetua.
A morte dos jovens, contudo, parece localizar-se fora das regras válidas para o
restante dos cidadãos. É curioso notar que os próprios jovens, apesar de reconhecerem a
existência de uma lei que tenha validade na cidade, costumam agir diante dela com
muita descrença. Uma vez que essa lei não vigora em seu território, eles criam um
dispositivo normativo que tenha validade local. Criam, inclusive, uma antinomia entre
leis ao falar, por exemplo, da existência de uma lei do asfalto em contraposição a uma
lei da favela. A necessidade da criação de um novo arranjo normativo é reveladora de
uma verdade escandida de seus próprios discursos: uma vida que não é contada na lei do
asfalto só pode ser uma vida nua.
Ora, vimos que, diante de uma vida nua, de uma vida fora do ordenamento
jurídico e, portanto, animalizada, qualquer um pode agir como soberano. Não é de outra
forma que os corpos destes jovens são expostos à violência e à morte. Uma morte que
não tem nenhum valor e nenhum outro sentido senão seu aparecimento em nossas tristes
estatísticas. Uma morte sem importância para eles – afinal, quem está na vida loka,
reconhece de antemão seu destino -, e sem importância, sobretudo, para aqueles que
residem sobre o amparo das leis do asfalto.
Logo, portanto, nos deparamos, também, com a primeira propriedade do homo
sacer: sua insacrificabilidade. Uma vida animalizada, reduzida a um corpo e, dessa
maneira, fora da dialética do reconhecimento, é uma vida cuja morte é autorizada.
Lembro-me, por exemplo, como um jovem do bando, um bandido (ou seria melhor
dizer banido?) era nomeado no título de uma notícia de um jornal popular de grande
circulação em Belo Horizonte: “Adolescente mata menor”. Ora, o nome que antes
visava incluir o jovem no ordenamento – menor em conflito com a lei ao invés de
delinquente – passa a ser utilizado como o critério definidor de segregação da classe. O
assassinato, nesta simples chamada, rapidamente perde grande parte de sua ligação com
uma condenação moral. Um ‘menor’ morto é apenas um a menos. Mais ainda: enquanto
mais se eliminarem, muitos pensam, melhor e mais protegidos estaremos.
Conclusão
A tese de Agamben nos auxilia a pensar a estrutura do laço social contemporâneo
e o fenômeno da morte violenta entre os jovens envolvidos com a criminalidade de um
modo um pouco menos determinista do que as freqüentes dicotomias psicopatológicas
presentes na clínica da psicanálise. Afinal, não se trata apenas de reduzir os homicídios
às categorias clínicas da passagem ao ato na psicose, ou da atuação neurótica. Isto é
relegar a psicanálise a uma redução subjetivista que ela origanariamente não porta.
Nosso intuito, de outro modo, é refletir sobre a estrutura do laço social contemporâneo
para, então, pensar os novos modos de subjetivação.
Referências Bibliográficas
AGAMBEN, G. (2010). Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte:
UFMG.
ARENDT, H (1999). Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal.
São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1999.
HARARI, R (2010). Palavra, violência e segregação. In: Revista Tempo
Psicanalítico: Rio de Janeiro, v. 42 (2), p. 333-368.
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Dos campos de concentração às favelas brasileiras: a estratégia