PROÁLCOOL EM CRISE »
O etanol derramado
Com 44 usinas fechadas no país e seis no estado desde 2009, setor
sucroalcooleiro corta empregos e está mergulhado em dívidas. Clima é
de apreensão nas regiões produtoras
Zulmira Furbino
e Marinella Castro
Publicação: 30/03/2014 22:37
Nos 20 mil hectares de terra que formam a Associação dos Produtores de Cana-de-açúcar do
Vale do São Simão, localizada em Santa Vitória, na ponta do Triângulo Mineiro, são plantadas
anualmente 1,4 milhão de toneladas de cana. Ali, 42 produtores que atuam como
fornecedores das usinas de produção de álcool e açúcar esperam pelo pagamento de uma
dívida de cerca de R$ 10 milhões referente à produção das safras 2012 e 2013. Eles trabalham
para o Grupo Energético do Vale do São Simão, pertencente ao Grupo Andrade. Outros 30
agricultores que atuam na região aguardam receber aproximadamente R$ 12 milhões pelo
trabalho desenvolvido no mesmo período para a mesma usina. Com a inadimplência, a
colheita da safra de 2014, que deveria começar em maio, está ameaçada. É que os produtores
se recusam a entrar em campo sem o dinheiro no bolso. O clima é tenso.
O drama vivido pelos produtores de cana de Santa Vitória vem se repetindo Minas e Brasil
afora. Segundo a Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig), só no
estado, entre 2009 e 2013, seis usinas foram fechadas: Planalto (Araxá), Fronteira (Fronteira),
Cepar (São Sebastião do Paraíso), Alcana (Nanuque), Santo Hipólito (Santo Hipólito) e Alpha
(Cláudio). Juntas, essas usinas somavam 5 mil empregados e eram responsáveis por uma
moagem de 3 milhões de toneladas de cana. Outras quatro usinas estão enfrentando sérias
dificuldades em Minas. No Triângulo Mineiro, duas passam por recuperação judicial. Outras
duas, uma no Sul de Minas e uma também no Triângulo, tentam refinanciamento junto aos
bancos. As quatro correm o risco de não moer cana nessa safra, o que significa uma perda de
6 milhões de toneladas de cana. Entre elas, está o Grupo Energético do Vale do São Simão.
No Brasil, no mesmo período, 44 usinas foram fechadas e, neste ano, outras 12 não terão
condição de moer cana. De acordo com a presidente da União da Indústria de Cana-de açúcar
(Unica), Elizabeth Farina, a crise que se abateu sobre o setor foi iniciada em 2008, com o
tsunami financeiro que começou nos Estados Unidos e, de lá para cá, apesar do avanço na
produção de cana no país, a situação nunca mais voltou ao normal e as empresas passaram a
registrar um endividamento crescente.
Endividadas Estudo do Banco Itaú BBA mostra que o endividamento do setor não para de
crescer e atingiu a média de R$ 104 por tonelada de cana moída em 2012 e 2013, sendo o
maior nível da história do setor. O autor do estudo, Alexandre Figliolino, diretor comercial
para o agronegócio da instituição financeira, diz que a situação do setor é crítica. Além do
impacto da estiagem, Figliolino aponta que a política de segurar os preços da gasolina,
agravaram a crise do setor. “Os preços estão praticamente estáveis desde 2005.” Entre 2006
e 2007, o etanol voltou a se tornar grande promessa brasileira, recebendo fortes aportes de
investimentos, mas muitos não se concretizaram na medida do esperado.
Dividindo o setor pelo endividamento, Figliolino diz que um terço do segmento, formado por
empresas de pequeno e grande portes, está em situação complicada de endividamento. “Em
acelerado processo de deterioração.”
Em Santa Vitória, município de 19,6 mil habitantes, o prefeito Genésio Franco Neto conta que
desde a paralisação das atividades da Usina São Simão, no ano passado, a cidade amargou a
demissão de 1.350 funcionários, quase 7% de sua população. “O maior passivo tem sido o
social”, diz o prefeito, que também ressalta a queda da arrecadação do ISS. Segundo ele, as
contas públicas com a saúde municipal dobraram, uma vez que foram despejados no sistema
grande contingente que antes fazia uso dos planos de saúde. “A usina está tentando um
empréstimo. Nossa expectativa é de que ela volte a operar.”
PREÇOS
Mário Campos, presidente executivo da Siamig, lembra que os efeitos da crise de 2008 no
setor foram agravados pela política do governo federal de manutenção dos preços da gasolina
nas bombas. “Em 2011, a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) era de R$
0,28 por litro de gasolina. E hoje é zero. O governo deu aumento de gasolina na Petrobras e
desonerou a Cide para que não houvesse elevação dos preços na bomba. Isso foi até 2012,
quando a Cide foi efetivamente zerada”, lembra. Por isso, segundo ele, o real impacto de
preço da gasolina no setor sucroalcooleiro só ocorreu em janeiro de 2013 e depois em
dezembro do ano passado. Segundo ele, como o preço da gasolina é estável, o do etanol
acabou sendo fixado por tabela.
A reportagem do Estado de Minas tentou contato com o Grupo Andrade, mas não obteve
retorno.
Dívidas fragilizam empresas
Publicação: 30/03/2014 22:19
Especialista do setor e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV), Mauro
Lopes aponta que o perfil da dívida das usinas de açúcar e álcool é apertado e inviabiliza
novos investimentos, arrastando também consigo outro problema: a geração de energia.
Segundo ele, existem três preços que não deveriam sofrer interferências: da gás, da energia e
do combustível. “No momento, o etanol está no vale da morte.” Segundo ele, o país não
conta com diagnóstico independente sobre a realidade do setor, mas precisaria contar com
essa ferramenta, colaboração de peso na compreensão da realidade dos segmentos
econômicos.
“Em 2013, houve dois aumentos efetivos dados pela Petrobras que chegaram ao consumidor
final. O preço da gasolina nos preocupa porque somos concorrentes desse combustível nos
posto de abastecimento”, observa Mário Campos, presidente executivo do Siamig. “A queda
no preço do açúcar deixou de compensar as perdas no preço do etanol e nem o bom resultado
de 2013/2014 foi suficiente para impedir que os balanços fossem ruins. Hoje, a situação entre
as usinas é heterogênea”, diz a presidente da Unica, Elizabeth Farina.
Com o fechamento de muitos grupos, o número de trabalhadores que perderam seu emprego
chega a 30 mil desde 2008. “Além disso, a dívida média do setor já está superando o
faturamento bruto anual das empresas. Cerca de 20% da receita está comprometida apenas
com o pagamento do serviço da dívida”, calcula a presidente da Unica. (ZF e MC)
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Uma safra de prejuízos
Em dificuldades, usinas de açúcar e álcool afetam indústria de
máquinas. Produtores estão sem receber e empregados têm salários
reduzidos. Cidades perdem arrecadação
Zulmira Furbino
e Marinella Castro
Publicação: 30/03/2014 22:37
Dione Ribeiro, Luiz Antônio e José do Carmo. Agricultor (C) e empregados
calculam as perdas
A crise das usinas de açúcar e álcool deixa um rastro de prejuízos. Por trás dos canaviais a
situação não é menos preocupante. A indústria de bens de capital que produz equipamentos
para o setor já registrou queda de 50% no faturamento desde 2010. Mais de 50 mil postos de
trabalho foram fechados. “Hoje, nas indústrias de bens de capital, não existe pedido em
carteira proveniente de usina nova. Os investimentos são só em manutenção, infraestrutura e
renovação de canavial", diz a presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica),
Elizabeth Farina.
Luciano Jacob, empresário e produtor de cana em São Simão, em Goiás, é parceiro do Grupo
Andrade desde 2012. São 230 hectares de cana. A empresa, que enfrenta dificuldades
financeiras, pagou a cana plantada por ele na safra de 2012/2013, mas a de 2013/2014 ainda
não foi quitada e em três meses deveria pagar a safra 2014/2015. “Essa eu acho que também
não vamos receber.” O prejuízo já é de R$ 300 mil. Mas há outros produtores em situação
bem pior. “Sou dono de terra, mas tenho uma imobiliária. Mas há aqueles que dependem
unicamente da lavoura para viver, mas não podem plantar outra coisa porque assinaram um
contrato com a usina”, explica Luciano.
Ele conta que já sente os reflexos indiretos da crise em sua empresa e que comerciantes dos
municípios de Santa Vitória, União de Minas e Chaveslândia, em Minas, e São Simão,
Paranaiguara e Itaguaçu, em Goiás, que estão no entorno da usina e juntos somam 70 mil
habitantes, sofrem drasticamente. “Estão deixando de entrar R$ 2,5 milhões por mês nos
cofres dessas cidades”, calcula. Além da crise derivada do tsunami econômico de 2008, os
problemas são agravados por questões ligadas à gestão dos estabelecimentos.
Geane Ângela Borges, chefe de gabinete da Prefeitura de Canápolis, no Triângulo Mineiro, diz
que o encerramento das atividades da Usina Triálcool, do Grupo João Lyra, que mantém
operações também em Alagoas, abateu a cidade. Com 12 mil habitantes, a indústria era a
maior geradora de empregos da região e despejou na cidade centenas de trabalhadores. “O
comércio está parado, a população desempregada não tem dinheiro para comprar e nem para
pagar o que já comprou”, diz ela. Segundo a chefe de gabinete, a dívida da usina com a
prefeitura aproxima-se de R$ 5 milhões, mais de duas vezes a arrecadação mensal do
município.
“Situação pior é a dos trabalhadores”, exalta Gilmar Natal de Melo, presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Canápolis. Segundo ele, em sua região, a usina deixa um passivo
avassalador. São 1 mil pessoas na região que desde dezembro não recebem salários, nem
benefícios, férias ou 13º salário. “Os trabalhadores não estão sendo levados para a roça, não
foram demitidos e nem recebem salários. Estão passando toda sorte de necessidade desde
que a Triálcool parou de moer.”
Impacto Chefe de gabinete da Prefeitura de Guaranésia, no Sul de Minas, Carlos Aureliano
Fávero diz que na safra a Usina Destilaria Alvorada do Bebedouro chegava a gerar 2 mil
empregos, peso para a cidade de 19 mil habitantes. A moagem de 1 milhão de toneladas caiu
para 300 mil. Segundo Fávero, a arrecadação de ICMS do município caiu 8%, somando
prejuízos para o Executivo de cerca de R$ 3 milhões ao ano. “A situação da usina começou a
se agravar a partir de 2008. Estamos sentindo os efeitos com o desemprego e problemas
sociais agravados. O que está salvando é que a cidade recebeu investimentos de três novas
indústrias.”
Luiz Antônio Meireles Vasconcelos, presidente da Associação dos Produtores de Cana-deaçúcar do Vale do São Simão, explica que com a facilidade para tomar crédito junto aos
bancos de desenvolvimento, a má administração gerou problemas de liquidez. “Só aqui no
nariz de Minas são mais de 12 usinas funcionando. Em Goiás, o ICMS sobre álcool combustível
é de 6%. Em Minas, é 18%. Isso arrebenta qualquer empresa. A gente entende que o governo
tem que arrecadar ICMS, mas Minas penaliza a atividade sucroalcooleira”, dispara.
No bolso José do Carmo de Oliveira é líder agrícola da Usina Andrade. Há quatro meses, sua
remuneração mensal caiu de cerca de R$ 2.500 para R$ 1.300 líquidos. É que nesse período a
empresa está parada e ele está recebendo apenas o salário de carteira, com os descontos
determinados pela legislação. “A gente tem consignado (empréstimo) e as prestações estão
atrasadas. Aluguel é até possível negociar, mas com os bancos não tem negociação”, explica.
Dione Silva Ribeiro, que trabalha no setor de colheita e plantio, recebia R$ 3.200. Hoje a
quantia foi reduzida para R$ 2.400. “A gente nunca sabe o que houve e temos medo de não
receber o próximo salário”, diz.
Desemprego no Jequitinhonha
Luiz Ribeiro
Publicação: 30/03/2014 22:23
André Felipe e José Reinaldo: sem o emprego no
corte de cana em São Paulo, ganham a vida
trabalhando como mototaxistas em Araçuaí
A crise que se abateu sobre diversas usinas de açúcar e álcool no país faz aumentar o
desemprego no Vale do Jequitinhonha. No passado, anualmente, milhares de trabalhadores
saíam da região para trabalhar no corte de cana em São Paulo. Nos últimos anos, a
quantidade de pessoas enviadas para as usinas de álcool e açúcar diminuiu de maneira
significativa. A consequência é que, hoje, grande parcela dos ex-cortadores de cana do
Jequitinhonha está desempregada.
“O grande problema é que, além da falta de emprego, aqui chove muito pouco. Os
agricultores familiares tentam produzir, mas não conseguem por causa da seca”, diz o
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araçuaí, Antonio das Graças Pires da
Silva. Segundo ele, já chegaram a sair do Vale do Jequitinhonha, por ano, cerca de 30 mil
trabalhadores para o trabalho no corte de cana nas usinas no interior de São Paulo,
principalmente na região de Ribeirão Preto. Os homens costumavam ir nos meses de março e
abril (início da safra). Deixavam para trás as mulheres, as “viúvas da seca”, mas, mesmo à
distância, os cortadores de cana movimentavam a economia no vale, enviando remessas para
garantir o sustento da família que ficou em casa.
“As próprias empresas que mandavam os ônibus para levar o pessoal. Mas, ultimamente, as
firmas não enviam mais o transporte. Os trabalhadores que desejam ir para São Paulo
precisam viajar por conta própria”, diz Antônio das Graças. “Já chegaram a sair 200 ônibus de
trabalhadores da cidade em poucos dias”, lembra o presidente do sindicato. Segundo ele,
com a redução da oferta de postos de trabalho nas usinas de açúcar e álcool, uma alternativa
para os moradores do Vale do Jequitinhonha é procurar ocupação na construção civil em Belo
Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.
QUALIFICAÇÃO
Também aumentou a migração para as lavouras de café do Sul de Minas. No entanto, a falta
de qualificação ainda é um obstáculo para muitas pessoas do meio rural, onde muitos estão
vivendo exclusivamente dos benefícios do programa Bolsa-Família.
André Felipe Alves de Souza, de 25 anos, solteiro, morador de Araçuaí já viajou para o corte
de cana na região de Ribeirão Preto por cinco vezes, na primeira delas com 18 anos. Hoje,
com a redução da oferta, tenta ganhar a vida como mototaxista em Araçuaí. Outro excortador de cana que tenta sobreviver como mototaxista em Araçuaí é José Reinaldo Marcelo
Santana Júnior, de 26. Ele viajou para o corte de cana durante três anos e trabalhou em
usinas no Paraná e em São Paulo. “Por mais que o trabalho fosse sofrido, dava para a gente
ganhar alguma coisa”, diz José Reinaldo, que comprou a moto com o dinheiro que conseguiu
juntar nas usinas. Ele disse que no transporte alternativo ganha entre R$ 400 e R$ 700 por
mês.
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