UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
OLGA CORBO
UM ESTUDO SOBRE OS CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS AO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA PARA A
EXPLORAÇÃO DE NOÇÕES CONCERNENTES AOS
NÚMEROS IRRACIONAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
SÃO PAULO
2012
OLGA CORBO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
UM ESTUDO SOBRE OS CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS AO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA PARA A
EXPLORAÇÃO DE NOÇÕES CONCERNENTES AOS
NÚMEROS IRRACIONAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Tese apresentada ao Curso de PósGraduação em Educação Matemática,
Linha de Pesquisa “Formação de
Professores”, UNIBAN, como requisito
parcial à obtenção do título de Doutor em
Educação Matemática.
SÃO PAULO
2012
O
Corbo, Olga
Um estudo sobre os conhecimentos necessários ao professor
de Matemática para a exploração de noções concernentes aos
números irracionais na Educação Básica / Olga Corbo. -- São
Paulo: [s.n.], 2012.
289 f. : il.
Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Universidade
Bandeirante de São Paulo, Curso de Pós-Graduação em Educação
Matemática.
Orientador: Prof. Dr. Ruy César Pietropaolo
1. Educação Matemática 2. Números Racionais 3. Números
Irracionais 4. Formação de Professores de Matemática 5.
Conhecimento matemático para o Ensino. I. Título.
Olga Corbo
UM ESTUDO SOBRE OS CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS AO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA PARA A
EXPLORAÇÃO DE NOÇÕES CONCERNENTES AOS
NÚMEROS IRRACIONAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
TESE APRESENTADA À UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO COMO
EXIGÊNCIA DO CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Ruy César Pietropaolo
UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
Profª. Drª. Iole de Freitas Druck
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Prof. Dr. Marcelo Câmara dos Santos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
Profª. Drª. Vera Helena Giusti de Souza
UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
Profª. Drª. Maria Elisabette Brisola Brito Prado
UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
São Paulo, ____ de _____________de_____
Dedico a:
Mingo,
Téia,
Ruda,
Miriam
e
Ruy
AGRADECIMENTOS
Quero dizer obrigada principalmente ao meu orientador, Professor Doutor Ruy César
Pietropaolo, com quem partilhei cada etapa, cada detalhe desta pesquisa... porque me
ensinou tanto, me ouviu, me corrigiu e acreditou em mim, muito mais do que eu mesma... eu
nunca vou esquecer...
Às Professoras Doutoras Iole de Freitas Druck e Vera Helena Giusti de Souza, pela
delicadeza em aceitar participar da Banca Examinadora e, igualmente, pela atenção que
dispensaram ao meu trabalho, sobretudo no que se refere ao objeto matemático. As
sugestões e as considerações que nos fizeram foram preciosas. Não sei como agradecer!
Ao Professor Doutor Marcelo Câmara dos Santos, porque, da mesma forma,
atenciosamente se dispôs a avaliar esta pesquisa e contribuiu para que eu refletisse a
respeito de outros aspectos que ainda não haviam sido considerados. Muito obrigada!
À Professora Doutora Tânia Maria Mendonça Campos,
cujas contribuições são sempre valiosas!
Quero expressar também a minha gratidão à Professora Doutora
Maria Elisabette Brisola Brito Prado, que destacou pontos relevantes
para a nossa reflexão...
Preciosa também foi a presença de Angélica, Nielce, Marcelo Kruppa,
Rosana Magni, Paulo e Rodrigo, durante o nosso experimento... eu agradeço muito...
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNIBAN,
agradeço pelo conhecimento que me ajudaram a construir.
Aos funcionários da UNIBAN, sempre tão atenciosos...
Sou grata, também aos meus amigos – todos!
Pelo carinho, incentivo e apoio...
vou sentir falta disso...
Agradeço muito, aos professores participantes do Observatório da Educação, que me
acolheram no grupo, gentilmente aceitaram participar de nosso estudo e me ensinaram...
À Ruda, minha irmã... companheira de viagem...
Muito obrigada...
RESUMO
Esta pesquisa teve o propósito de investigar os conhecimentos necessários ao
professor de Matemática, para ensinar números irracionais na Educação Básica.
Trata-se de estudo que envolveu um grupo formado por 23 professores dos Ensinos
Fundamental e Médio, da rede pública do Estado de São Paulo, em um curso de
formação continuada desenvolvido no âmbito do Observatório da Educação da
CAPES/UNIBAN. A primeira fase da coleta de dados constituiu-se da aplicação de
um instrumento diagnóstico. A segunda fase, que denominamos Intervenção, foi
realizada segundo princípios da metodologia Design Experiments e teve o objetivo
de investigar se uma sequência de atividades que explore a percepção de que os
pontos de coordenadas racionais não esgotam toda a reta numérica poderia
favorecer a ampliação e/ou reconstrução do conhecimento dos professores, relativo
aos números irracionais. Além disso, teve a finalidade de promover reflexões sobre o
processo de ensino e de aprendizagem dos números irracionais na Educação
Básica. Na terceira e última fase da coleta, o grupo de professores procedeu à
análise de orientações pedagógicas constantes do Currículo do Estado de São
Paulo (2010), a respeito da abordagem desse conteúdo, no Ensino Fundamental,
tendo em vista o fato de que os professores estavam incumbidos da implementação
dessas inovações em sala de aula. Cabe ressaltar que, além de uma análise das
pesquisas existentes sobre esse tema, desenvolvidas com alunos e professores,
foram examinados também documentos recentes de referência curricular e
propostas apresentadas em livros didáticos, para a abordagem dos irracionais. Em
relação à fundamentação teórica, no que diz respeito à apreensão de um conteúdo,
utilizou-se a noção de imagem conceitual, segundo Tall & Vinner (1981) e também
as ideias defendidas por Fischbein (1994) sobre a importância de integrar os
componentes formais, intuitivos e algorítmicos, na atividade matemática.
Relativamente aos conhecimentos que devem ser de domínio do professor, foram
consideradas as categorias estabelecidas por Shulman (1986, 1987) e Ball et al
(2008), tais como: conhecimento do conteúdo comum/especializado, conhecimento
do conteúdo e do estudante, conhecimento do conteúdo e do ensino e conhecimento
curricular. Finalmente, no que se refere à formação de professores reflexivos, em um
ambiente de estudo de inovações curriculares, foram utilizadas as ideias defendidas
por Zeichner (1993). As respostas dos professores ao instrumento diagnóstico
revelaram concepções inconsistentes sobre os números racionais e,
consequentemente, sobre os irracionais, constituindo-se em ponto de partida para o
processo de formação, ao longo da segunda fase. As discussões e reflexões
propostas durante essa fase ampliaram a imagem conceitual dos professores,
relativa aos números racionais e irracionais, bem como ao seu ensino, sobretudo no
que concerne à importância do componente formal, no desenvolvimento de noções
relativas a esse conteúdo.
Palavras-chave: Educação Matemática; Números Racionais; Números Irracionais;
Formação de Professores de Matemática; Conhecimento Matemático para o Ensino.
ABSTRACT
This work aimed to investigate the knowledge required for mathematics teachers to
be able to teach irrational numbers at elementary levels. This study involved a group
of twenty three teachers of elementary and high school levels in the public schools of
the state of São Paulo. They were attending a continued education program
developed by Observatório da Educação at CAPES/UNIBAN institution. The first
phase of data collection consisted of applying a diagnostic tool. The second phase,
which we named Intervention, was performed according to Design Experiments
methodological principles and had as its aim to investigate whether the use of a
sequence of activities exploring the perception that the points at rational coordinates
cannot account for the totality of a line could broaden and/or rebuild the teachers’
knowledge about irrational numbers. Besides this, it had the purpose of promoting
reflections about the teaching-learning process of irrational numbers at elementary
levels. In the third and last phase of data collection, the group of teachers performed
the analysis of pedagogical guidelines included in the syllabus of the state of São
Paulo (2010), specifically with regard to irrational numbers content for elementary
levels, having in mind that this group was in charge of implementing the suggested
innovations in their classes. It is important to notice that, besides analyzing the
existing researches about this theme with teachers and students, we also examined
recent syllabus references and proposals to approach irrational number presented in
textbooks. The theory foundation chosen for content retention was the conceptual
image notion as developed by Tall & Vinner (1981) and also by the ideas presented
by Fischbein (1994) about the importance of integrating formal, intuitive and
algorithmic components in mathematical teaching. Regarding the knowledge that
teachers should master, we chose the knowledge categories proposed by Shulman
(1986, 1987) and Ball et al (2008) such as: knowledge of ordinary/specialized
content, knowledge of content and of student; knowledge of content and of teaching;
and, knowledge of syllabus. Finally, regarding the development of reflective teachers
in an environment of syllabus innovation, we used the ideas proposed by Zeichner
(1993). The teachers’ responses to the diagnostic tool revealed inconsistencies in the
conceptions about rational numbers and, hence, about irrationals, establishing the
starting point for the teachers’ development process throughout the second phase.
The discussions and reflections presented during this phase broadened the teachers’
conceptual image regarding rational and irrational numbers, as well as their teaching
practice, mainly with regard to the importance of the formal content for the
development of notions related to this content.
Key words: Mathematical Education; Rational Numbers; Irrational Numbers;
Mathematics Teacher Development; Mathematical Knowledge for Teaching.
RESUMEN
Este estudio tuvo como propósito investigar los conocimientos que son necesarios
para que el profesor de Matemáticas enseñe números irracionales en la Educación
Básica. Se trata de un estudio que involucró a un grupo formado por 23 profesores
de los ciclos de Enseñanza Primaria y Secundaria, de la red pública del Estado de
São Paulo, en un curso de formación continuada desarrollado en el ámbito del
Observatorio de la Educación de CAPES/UNIBAN. La primera fase de recopilación
de datos consistió en la aplicación de un instrumento diagnóstico. La segunda fase,
que denominamos de intervención, se realizó según los principios de la metodología
Design Experiments y tuvo el objetivo de investigar si una secuencia de actividades
que explore la percepción de que los puntos de coordenadas racionales no agotan
toda la recta numérica podría favorecer la ampliación y/o reconstrucción del
conocimiento de los profesores, relativo a los números irracionales. Además, tuvo la
finalidad de promover reflexiones sobre el proceso de enseñanza y de aprendizaje
de los números irracionales en la Educación Básica. En la tercera y última fase de
recopilación, el grupo de profesores procedió al análisis de orientaciones
pedagógicas constantes del currículos del Estado de São Paulo (2010), a respecto
del abordaje de ese contenido, en la Enseñanza Primaria, teniendo en cuenta el
hecho de que los profesores estaban incumbidos de la implementación de esas
innovaciones en el aula. Cabe destacar que, además de un análisis de las
investigaciones existentes sobre ese tema, desarrolladas con alumnos y profesores,
se examinaron también documentos recientes de referencia curricular y propuestas
presentadas en libros didácticos, para el enfoque de los irracionales. Con relación a
la fundamentación teórica, en lo que se refiere a la retención de un contenido, se
utilizó la noción de imagen conceptual, según Tall & Vinner (1981) y también las
ideas defendidas por Fischbein (1994) sobre la importancia de integrar los
componentes formales, intuitivos y algorítmicos, en la actividad matemática. Con
respecto a los conocimientos que deben ser de dominio del profesor, se
consideraron las categorías de conocimientos establecidas por Shulman (1986,
1987) y Ball et al (2008), tales como: conocimiento del contenido
común/especializado, conocimiento del contenido y del estudiante, conocimiento del
contenido y de la enseñanza y conocimiento curricular. Finalmente, en lo que se
refiere a la formación de profesores reflexivos, en un ambiente de estudio de
innovaciones curriculares, se utilizaron las ideas defendidas por Zeichner (1993).
Las respuestas de los profesores al instrumento diagnóstico revelaron concepciones
inconsistentes sobre los números racionales y, por consiguiente, sobre los
irracionales, constituyéndose en el punto de partida para el proceso de formación, a
lo largo de la segunda fase. Los debates y reflexiones propuestos durante esa fase
ampliaron la imagen conceptual de los profesores, a respecto de los números
racionales e irracionales, así como su enseñanza, sobre todo en lo concerniente a
la importancia del componente formal, en el desarrollo de nociones relativas a ese
contenido.
Palabras claves: Educación Matemática; Números Racionales; Números
Irracionales; Formación de Profesores de Matemática; Conocimiento Matemático
para la Enseñanza.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
-
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figura 7
Figura 8
Figura 9
Figura 10
Figura 11
Figura 12
-
Figura 13
Figura 14
-
Figura 15
Figura 16
Figura 17
Figura 18
Figura 19
Figura 20
Figura 21
Figura 22
-
Figura 23
-
Figura 24
-
Figura 25
Figura 26
Figura 27
Figura 28
Figura 29
Figura 30
Figura 31
Figura 32
Figura 33
Figura 34
Figura 35
Figura 36
Figura 37
Figura 38
Figura 39
Figura 40
Figura 41
Figura 42
Figura 43
Figura 44
Figura 45
Figura 46
Figura 47
Figura 48
Figura 49
Figura 50
Figura 51
Figura 52
-
Correspondência entre categorias do conhecimento do conteúdo
estabelecidas por Shulman (1986) e Ball et al (2008)............................
Introdução do conceito de número irracional..........................................
Localização de números reais sobre a reta.............................................
Abordagem geométrica dos números irracionais....................................
Atividade sobre a identificação de números irracionais..........................
Representação gráfica de números racionais e irracionais....................
Abordagem experimental do Teorema de Tales.....................................
Representação do número ¾ - significado de parte/todo (a)..................
Representação do número ¾ - significado de parte/todo (b)..................
Representação do número ¾ - significado de parte/todo (c)..................
Representação do número 3/8 – significado de razão............................
Figura auxiliar na discussão do aspecto intuitivo da igualdade
0,9999... = 1............................................................................................
Representação gráfica da média aritmética de números racionais........
Construção geométrica de segmentos de medida irracional. Espiral de
Teodoro de Cirene..................................................................................
Construção de segmento de medida irracional.......................................
Abordagem: conceito de incomensurabilidade de segmentos (a)...........
Abordagem: conceito de incomensurabilidade de segmentos (b)...........
Abordagem: conceito de incomensurabilidade de segmentos (c)...........
Abordagem: conceito de incomensurabilidade de segmentos (d)...........
Auxiliar na demonstração da incomensurabilidade de segmentos (a)....
Auxiliar na demonstração da incomensurabilidade de segmentos (b)....
Auxiliar na abordagem da correspondência biunívoca entre os
números reais e os pontos da reta (a).....................................................
Auxiliar na abordagem da correspondência biunívoca entre os
números reais e os pontos da reta (b).....................................................
Auxiliar na abordagem da correspondência biunívoca entre os
números reais e os pontos da reta (c).....................................................
Representação auxiliar na prova da enumerabilidade de Q...................
Questão 1. Protocolo Prof. (C)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (U)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (G)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (B)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (H)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (O)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (R)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (S)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (V)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (J).................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (K)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (N)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (Q)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (I)..................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (A)................................................................
Questão 1. Protocolo Prof. (M)................................................................
Questão 2. Protocolo Prof. (M)................................................................
Questão 2. Protocolo Prof. (I)..................................................................
Questão 2. Protocolo Prof. (B)................................................................
Questão 2. Protocolo Prof. (E)................................................................
Questão 2. Protocolo Prof. (P)................................................................
Questão 4. Protocolo Prof. (I)..................................................................
Questão 5. Protocolo Prof. (P)................................................................
Questão 8. Protocolo Prof. (O)................................................................
Questão 9(A). Afirmação (a). Protocolo Prof. (E)....................................
Questão 9(A). Afirmações (a), (b), (c). Protocolo Prof. (I).......................
Questão 9(A). Afirmações (d), (e). Protocolo Prof. (H)............................
46
80
82
84
85
86
88
94
94
95
96
100
108
112
113
127
127
127
127
129
131
133
133
133
137
147
147
148
149
149
150
150
151
151
151
152
152
153
154
154
155
157
157
158
158
160
167
170
179
181
181
182
Figura 53
Figura 54
Figura 55
Figura 56
Figura 57
Figura 58
Figura 59
Figura 60
Figura 61
Figura 62
Figura 63
Figura 64
Figura 65
Figura 66
Figura 67
Figura 68
Figura 69
Figura 70
-
Figura 71
-
Figura 72
-
Figura 73
-
Figura 74
-
Figura 75
-
Figura 76
-
Figura 77
-
Questão 9(A). Afirmações (c), (d), (e), (f). Protocolo Prof. (E)................
Questão 9(A). Afirmações (c), (d), (e), (f). Protocolo Prof. (L).................
Questão 9(B). Protocolo Prof. (Q)...........................................................
Questão 9(B). Protocolo Prof. (O)...........................................................
Questão 9(B). Protocolo Prof. (E)............................................................
Questão 9(B). Protocolo Prof. (A)............................................................
Questão 9(B). Protocolo Prof. (I).............................................................
Questão 9(B). Protocolo Prof. (C)...........................................................
Questão 10. Protocolo Prof. (E)..............................................................
Questão 10. Protocolo Prof. (Q)..............................................................
Questão 5. Protocolo Prof. (U)................................................................
Atividade 1. Protocolo Prof. (A)...............................................................
Atividade 2. Protocolo Prof. (C)...............................................................
Atividade 5. Protocolo Prof. (M)...............................................................
Atividade 5. Protocolo Prof. (O)...............................................................
Atividade 5. Protocolo Prof. (T)...............................................................
Atividade 5. Protocolo Prof. (V)...............................................................
Atividade sobre incomensurabilidade de segmentos de reta (após
nossa intervenção) Protocolo Prof. (E)....................................................
Atividade 8. Prova da irracionalidade de
(antes da intervenção)
Protocolo Prof. (W)..................................................................................
Atividade 8. Prova da irracionalidade de
(antes da intervenção)
Protocolo Prof. (U)...................................................................................
Atividade 8. Prova da irracionalidade de
(antes da intervenção)
Protocolo Prof. (M)..................................................................................
Prova da irracionalidade de
(após nossa intervenção). Protocolo
Prof. (M)...................................................................................................
Atividade 8. Prova da irracionalidade de
(antes da intervenção)
Protocolo Prof. (E)...................................................................................
Prova da irracionalidade de
(após nossa intervenção). Protocolo
Prof. (E)...................................................................................................
Auxiliar na prova da incomensurabilidade entre o lado e a diagonal de
um quadrado qualquer............................................................................
183
184
186
186
186
187
188
188
190
192
194
206
212
219
220
220
221
222
224
225
226
227
228
229
230
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Quadro 2
Quadro 3
Quadro 4
Quadro 5
Quadro 6
Quadro 7
Quadro 8
Quadro 9
Quadro 10
Quadro 11
Quadro 12
Quadro 13
Quadro 14
Quadro 15
Quadro 16
Quadro 17
Quadro 18
Quadro 19
Quadro 20
Quadro 21
- Aplicação do algoritmo de Euclides para a obtenção de frações
contínuas.....................................................................................
- Etapas para a obtenção de aproximações decimais de ........
- Correspondência biunívoca entre Z e N (a)................................
- Correspondência biunívoca entre Z e N (b)................................
- Síntese das respostas dos professores ao item 1 do
instrumento diagnóstico..............................................................
- Síntese das respostas dos professores ao item 2 do
instrumento diagnóstico..............................................................
- Síntese das respostas dos professores ao item 3 do
instrumento diagnóstico..............................................................
- Síntese das respostas dos professores ao item 4 do
instrumento diagnóstico..............................................................
- Síntese das respostas dos professores ao item 5 do
instrumento diagnóstico..............................................................
- Síntese das respostas dos professores ao item 6(A) do
instrumento diagnóstico..............................................................
- Síntese das respostas dos professores ao item 6(B) do
instrumento diagnóstico..............................................................
- Síntese das respostas dos professores ao item 8 do
instrumento diagnóstico..............................................................
- Retomada da definição de número racional. Intervenção
(Fase 2).......................................................................................
- A influência do divisor na determinação da representação
decimal dos números racionais. Intervenção (Fase 2)...............
- A inserção de números entre dois racionais dados. Intervenção
(Fase 2).......................................................................................
- Fragmento de diálogo sobre a Atividade 4 (g). Intervenção
(Fase 2).......................................................................................
- Discussão sobre a prova da incomensurabilidade entre o lado
e a diagonal de um quadrado qualquer. Intervenção (Fase 2)
- Comparação entre protocolos Prof. (U)......................................
- Comparação entre protocolos Prof. (P)......................................
- Fragmento de diálogo sobre dificuldades enfrentadas por
alunos, para compreender o conceito de densidade de Q........
- Rol de conteúdos construído com o grupo, contendo itens
considerados indispensáveis a um aluno do Ensino
Fundamental..............................................................................
105
116
135
136
156
161
164
168
171
174
175
179
207
208
215
216
230
239
240
244
247
LISTA DE SIGLAS
CNE/CEB
- Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica
CNE/CES
- Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior
CNE/CP
- Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno
EF
- Ensino Fundamental
EHPO
- Estudo Histórico Pedagógico Operacionalizado
EM
- Ensino Médio
ENEM
- Exame Nacional do Ensino Médio
LDB
- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC
- Ministério de Educação
OCEM
- Orientações Curriculares para o Ensino Médio
PCN
- Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEM
- Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PDE
- Plano de Desenvolvimento da Educação
PNLD
- Programa Nacional do Livro Didático
SBM
- Sociedade Brasileira de Matemática
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................
CAPÍTULO 1
A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE NÚMERO IRRACIONAL
UM OLHAR SOBRE PESQUISAS ANTERIORES....................................
1.1. Investigações sobre o ensino de números irracionais.......................
1.2. Investigações relativas à formação de professores............................
CAPÍTULO 2
NÚMEROS IRRACIONAIS
ORIENTAÇÕES CURRICULARES E ABORDAGENS DE LIVROS
DIDÁTICOS...............................................................................................
2.1. Orientações curriculares para o ensino de números irracionais na
Educação Básica.......................................................................................
2.1.1. Os números irracionais no Ensino Fundamental.............................
2.1.2. Os números irracionais no Ensino Médio........................................
2.2. Currículo do Estado de São Paulo......................................................
2.2.1. Cadernos do 9º ano do Ensino Fundamental..................................
2.2.2. Cadernos do Ensino Médio..............................................................
2.3. Números Irracionais: uma síntese da análise de orientações
curriculares.................................................................................................
2.4. Diretrizes para Cursos de Licenciatura em Matemática.....................
2.5. A abordagem do conceito de número irracional apresentada em
Livros Didáticos.........................................................................................
2.5.1. Resultados da análise da coleção: TUDO É MATEMÁTICA...........
2.5.2. Resultados da análise da coleção: A CONQUISTA DA
MATEMÁTICA-Edição Renovada..............................................................
2.6. Números irracionais: uma síntese da análise de Livros Didáticos
CAPÍTULO 3
UMA INTERPRETAÇÃO DO ESTUDO DOS NÚMEROS IRRACIONAIS
SOB A PERSPECTIVA DE FISCHBEIN....................................................
3.1. Sobre os números racionais...............................................................
3.1.1. Definição e significados...................................................................
3.1.2. Representações...............................................................................
3.1.3. Localização de números racionais na reta numérica.......................
3.1.4. A densidade do conjunto dos números racionais............................
3.2. Sobre os números irracionais.............................................................
3.2.1. Definições e representações...........................................................
3.2.2. O tratamento formal no estudo dos números irracionais.................
3.2.3. Sobre o uso da calculadora como recurso para a abordagem dos
números irracionais...................................................................................
3.2.4. Sobre as operações com números racionais e irracionais..............
3.2.5. Números algébricos e números transcendentes.............................
3.3. Sobre a incomensurabilidade de segmentos de reta..........................
3.4. A correspondência biunívoca entre os pontos da reta e o conjunto
dos números reais.....................................................................................
3.5. A enumerabilidade do conjunto dos números racionais e a não
enumerabilidade do conjunto dos irracionais............................................
3.6. Uma medida para o conjunto dos números racionais.........................
CAPÍTULO 4
UM OLHAR SOBRE OS DADOS DE NOSSA INVESTIGAÇÃO
DIAGNÓSTICA. FASE 1............................................................................
4.1. Caracterização dos sujeitos de nossa pesquisa.................................
4.2. O primeiro instrumento de coleta de dados........................................
4.3. Fundamentação teórica para a análise dos dados da primeira fase..
4.4. Uma análise dos conhecimentos dos professores sobre o processo
de ensino e aprendizagem do conceito de número irracional na
Educação Básica.......................................................................................
4.4.1. Sobre o conhecimento dos professores a respeito dos conjuntos
numéricos..................................................................................................
4.4.2. Sobre o conhecimento dos professores a respeito do processo de
ensino dos números irracionais.................................................................
4.4.3. Sobre o conhecimento dos professores a respeito da
aprendizagem dos números irracionais.....................................................
14
22
23
42
51
52
52
58
64
67
71
73
74
78
79
84
89
91
93
93
97
105
106
109
109
117
120
121
125
127
132
134
140
143
143
144
145
145
146
156
161
4.4.4. Sobre a relevância atribuída pelos professores ao ensino dos
números irracionais, no Ensino Fundamental............................................
4.4.5. Sobre o conhecimento dos professores a respeito de uma
abordagem geométrica para o ensino dos números irracionais................
4.4.6. Sobre o conhecimento dos professores a respeito das
orientações curriculares para a introdução do conceito de número
irracional.....................................................................................................
4.4.7. Sobre o conhecimento dos professores a respeito da
incomensurabilidade de grandezas e seu ensino......................................
4.4.8. Sobre o conhecimento dos professores a respeito da densidade
do conjunto dos números racionais...........................................................
4.4.9. Análise realizada pelo grupo de professores, de respostas
elaboradas por alunos, envolvendo a ideia de sucessor de um número...
4.4.10. Análise de afirmações sobre números racionais, realizada pelo
grupo de professores.................................................................................
4.4.11. Sobre os conhecimentos dos professores a respeito da
localização de números sobre a reta numérica.........................................
CAPÍTULO 5
UM OLHAR SOBRE OS DADOS DE NOSSA INVESTIGAÇÃO
INTERVENÇÃO FASE 2
ANÁLISE DE ORIENTAÇÕES CURRICULARES FASE 3........................
5.1. Sobre os procedimentos metodológicos.............................................
5.2. Intervenção (Fase 2)...........................................................................
5.2.1. Definições e representações............................................................
5.2.2. Densidade de Q...............................................................................
5.2.3. Abordagem geométrica dos números irracionais............................
5.2.4. O tratamento formal no estudo dos números irracionais.................
5.2.5. Conhecimentos necessários sobre números irracionais..................
5.3. Análise de orientações curriculares (Fase 3)......................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................
ANEXO 1
Instrumentos de coleta de dados ..............................................................
ANEXO 2
Versão inicial dos instrumentos de coleta de dados..................................
ANEXO 3
A conceituação de número, segundo Conway (2001)...............................
ANEXO 4
Orientações curriculares sobre a abordagem dos números irracionais
ANEXO 5
Cronograma de realização da coleta de dados.........................................
165
168
172
176
177
179
189
193
198
199
203
204
212
216
223
232
241
250
263
271
281
284
289
311
14
INTRODUÇÃO
Este estudo teve o propósito de investigar os conhecimentos necessários ao
professor de Matemática, para explorar noções relativas ao conceito de número
irracional na Educação Básica.
Trata-se de investigação inserida na linha de pesquisa “Formação de
Professores” do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da
UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO – UNIBAN, realizada no âmbito
do Observatório da Educação – projeto financiado pela CAPES que constituiu um
grupo de formação e pesquisas sob a proposta de contribuir para o desenvolvimento
profissional de professores de Matemática dos Ensinos: Fundamental II 1 e Médio2 e
também de promover a reflexão a respeito da implementação de inovações
curriculares em suas práticas pedagógicas. Os professores participantes desse
grupo de formação compuseram também o grupo de sujeitos de nosso estudo.
Julgamos que esta pesquisa seja relevante, uma vez que a compreensão e
apropriação do conceito de número irracional constitui etapa essencial para a
ampliação da ideia de número, pois propicia – senão exige – a retomada e, de certa
forma, em alguns casos, a reelaboração de noções concernentes ao número
racional, como processo indispensável à construção do conceito de número real.
Para o desenvolvimento deste estudo, tomamos como ponto de partida a
ideia de que o desempenho do papel de mediador, entre o aluno e as noções
relativas aos irracionais, requer do professor um repertório abrangente de
conhecimentos, que permita fazer as adequações necessárias ao nível de
compreensão dos alunos e favoreça articulações dessas noções com outros
conteúdos já estudados.
1
Ensino Fundamental II: período entre o 6º e o 9º anos da Educação Básica, que atende alunos da
faixa etária entre 11 e 14 anos.
2
Ensino Médio: etapa escolar correspondente aos três anos finais da Educação Básica, que atende
alunos da faixa etária entre 15 e 17 anos.
15
A literatura que traz os registros da construção da Matemática, ao longo do
tempo, mostra que é fato histórico a dificuldade em aceitar a existência de
grandezas incomensuráveis e aceitar, da mesma forma, que o conjunto dos
números racionais, conquanto seja denso em toda a reta, não cobre todos os pontos
da reta. Os autores3 contam que a descoberta da existência de grandezas
incomensuráveis foi perturbadora e desconcertante para os pitagóricos – contrariava
o senso comum, pois intuitivamente acreditavam que a medida de qualquer
grandeza poderia ser representada por algum número racional.
Essa dificuldade de aceitação da existência de grandezas incomensuráveis,
ou de grandezas análogas, que não admitem uma unidade de medida segundo a
qual as medidas das mesmas possam ser expressas por números inteiros e a
dificuldade de compreensão do número irracional foram obstáculos enfrentados
durante séculos e são experimentados ainda hoje, nas aulas de Matemática.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais4 – PCN (BRASIL, 1998) uma
das finalidades primordiais do ensino da Matemática consiste no desenvolvimento
de habilidades que permitam a leitura, a interpretação e a compreensão do mundo,
com vistas à sua transformação. (p. 47). Na perspectiva expressa nesse documento,
o conhecimento sobre os números deve ser construído pelo aluno, não apenas
como ferramenta para resolver determinados problemas, mas também como objeto
de estudo em si mesmo, levando-se em conta suas propriedades, inter-relações e o
modo como foram constituídos ao longo da História. (p.50).
Esse é o desafio: como proporcionar, ou, como oferecer aos alunos a
oportunidade do impasse que provoca a percepção da insuficiência dos números
racionais para resolver certos problemas, havendo, pois, necessidade de alargar
esses conhecimentos, pelo acréscimo de um novo conceito – neste caso, um novo
tipo de número – o irracional?
Dessa forma, justifica-se, igualmente, a escolha dos sujeitos de nossa
pesquisa, uma vez que essa transposição difícil – mas indispensável –, essa
“desconstrução” e reconstrução de noções relacionadas aos números racionais, que
fará ampliar o olhar do aluno para a posterior compreensão do conjunto dos reais é
3
Ver, por exemplo, Ifrah (1998, p.329-332) e Costa (1971, p. 219-221).
4
Parâmetros Curriculares Nacionais – Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental: Matemática.
16
passagem que, a nosso ver, requer o auxílio do professor – o aluno não poderá
fazê-la sozinho – e, assim sendo, tal reconstrução será imprescindível também no
repertório de saberes acumulados por esse professor.
As pesquisas que vêm sendo realizadas com respeito ao ensino e à
aprendizagem do conceito de número irracional, tendo como público, não apenas
estudantes da Educação Básica, mas também futuros professores e professores em
exercício, expõem resultados que enfatizam dificuldades cujas raízes estão,
provavelmente, na abordagem introdutória desse conceito, indicando assim que a
complexidade que envolve a construção desse conhecimento requer uma reflexão
não apenas a respeito das estratégias utilizadas para a sua apresentação a alunos
do Ensino Fundamental – etapa em que esse estudo deve ser iniciado –, mas
também a respeito dos conhecimentos indispensáveis ao professor para a escolha e
aplicação dessas estratégias.
Nosso interesse por esse tema decorre de nossa vivência como professora da
Educação Básica, como participante de grupos de estudo e de projetos de formação
de professores, experimentando – nós também –incertezas e dificuldades no que diz
respeito à busca de caminhos e estratégias que sejam, de fato, eficazes e
convincentes, para a abordagem dos irracionais.
Decorre, igualmente, das constatações resultantes de estudo que realizamos
com um grupo de futuros professores, tendo o objetivo de refletir sobre as
possibilidades de abordagem da noção de incomensurabilidade de segmentos de
reta, pela exploração das características e propriedades do retângulo áureo.
Tomamos em conta, para o desenvolvimento daquela pesquisa, a necessidade e
importância de que o professor de Matemática da Educação Básica tenha domínio
do conteúdo “incomensurabilidade entre grandezas”, para poder selecionar,
organizar e elaborar problemas que propiciem a construção do conceito de número
irracional, sob uma perspectiva que não seja restrita a cálculos envolvendo radicais.
(CORBO, 2005).
O exame dos resultados desse estudo nos levou a concluir que, embora
tenham sido detectados avanços em relação às respostas apresentadas no
17
instrumento de sondagem5, foram também evidenciadas limitações que mereciam
uma averiguação mais minuciosa e aprofundada. Não obstante estivessem cursando
o último ano do Curso de Licenciatura em Matemática, os sujeitos daquela
investigação não dominavam noções importantes relacionadas aos números
irracionais e à incomensurabilidade de grandezas. (ibid., p.206).
A nosso ver, esses dados colocam em evidência o fato de que, em geral, não
é dada a atenção merecida a esse conteúdo, também nos cursos de formação de
professores.
Não se pode perder de vista que esses cursos preparam futuros professores
que provavelmente irão auxiliar seus alunos da Educação Básica, no processo de
retomada, discussão – e talvez de reelaboração – de ideias já formadas sobre os
racionais, com o objetivo de construir os conceitos de números irracionais e de
números reais.
Tais reflexões constituíram o princípio, o embrião deste estudo, que teve o
objetivo de investigar os conhecimentos necessários ao professor, sob os pontos de
vista do conteúdo, didático e curricular, para ensinar o conceito de número irracional
na Educação Básica.
Desse objetivo, deriva um segundo, que seria refletir sobre o tipo de formação
que um professor precisaria receber para selecionar, organizar e elaborar situações
que favoreçam a aprendizagem de ideias fundamentais relativas aos números
irracionais.
Para alcançar esses objetivos, propusemo-nos a buscar respostas a duas
questões de pesquisa, quais sejam:
 Uma sequência de atividades que explore a percepção de que os
pontos de coordenadas racionais não esgotam todos os pontos da reta
pode
favorecer
a
ampliação/reconstrução
dos
conhecimentos
de
professores de Matemática sobre os números irracionais?
 Que tipo de experiências um professor precisaria vivenciar nos cursos
de formação inicial e/ou continuada, para compreender as dificuldades que
5
Instrumento de coleta de dados utilizado no início da referida pesquisa (CORBO, 2005) com a
finalidade de investigar os conhecimentos dos licenciandos a respeito dos números irracionais sob
os pontos de vista numérico e geométrico.
18
os alunos enfrentam na construção do conceito de número irracional e
para ajudá-los a superar essas dificuldades?
Tendo em vista o fato de que os professores participantes de nossa pesquisa
estavam, naquele momento, imbuídos da ideia de implementar em sua prática
pedagógica as orientações contidas no Currículo do Estado de São Paulo (2010) e o
fato de ter sido esse Currículo elaborado com base nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (1998, 2000, 2002), a metodologia adotada para a busca de respostas a
essas duas questões incluiu uma pesquisa documental, pela análise das orientações
curriculares do MEC, como as contidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, nas
Orientações Curriculares para o Ensino Médio, nas Diretrizes Curriculares Nacionais,
no Currículo do Estado e em livros didáticos, levando em conta

a dimensão dada aos números irracionais, nos currículos prescritos;

as expectativas de aprendizagem estabelecidas para esse conteúdo;

os períodos sugeridos para a introdução e o desenvolvimento desse
conteúdo;

as orientações e as recomendações didáticas apresentadas por esses
documentos, em relação à abordagem e ao desenvolvimento desse conteúdo.
Por outro lado, a coleta dos dados atendeu a princípios do Design
Experiment, segundo Paul Cobb et al (2003), conforme será clarificado no corpo
deste trabalho e foi realizada em três fases.
A primeira delas consistiu na aplicação de um questionário ao grupo de
professores, sujeitos desta pesquisa, visando identificar seus conhecimentos a
respeito do conceito de número irracional e do ensino desse conteúdo a alunos da
Educação Básica.
Ao longo da segunda fase, foi proposta uma sequência de atividades aos
sujeitos, com a finalidade de provocar discussões sobre o processo de ensino e
aprendizagem do número irracional e, ao mesmo tempo, investigar em que medida
essa nossa intervenção produziria transformações nos saberes do grupo, com
respeito a esse conteúdo. Além disso, pretendíamos criar oportunidades de reflexão
sobre as possíveis dificuldades enfrentadas por alunos, quando iniciam a construção
do conceito de número irracional e também discutir sobre estratégias que possam
auxiliar os alunos a superar essas dificuldades. Propusemos também, nesta fase,
19
uma reflexão a respeito dos conhecimentos sobre número irracional que um aluno
deve dominar ao concluir o Ensino Fundamental e sobre os conhecimentos
necessários ao professor de Matemática para ensinar esse conteúdo a alunos da
Educação Básica.
Por fim, durante a terceira fase, o grupo de professores procedeu à análise
das orientações oferecidas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo,
por meio do Caderno do Professor do 9º ano do Ensino Fundamental (1º bimestre),
adotado em escolas públicas estaduais, cujo conteúdo sugere ações específicas
para a introdução do conceito de número irracional.
As atividades desenvolvidas nessa última fase tiveram o objetivo de avaliar se
a intervenção realizada pela proposta da sequência de atividades (segunda fase)
contribuiu para o desenvolvimento de habilidades relativas à análise de materiais
pedagógicos e à seleção, organização e elaboração de um plano de ensino
contendo itens que, segundo a opinião do grupo de professores participantes deste
estudo, são indispensáveis à compreensão do conceito de número irracional, por
alunos do 9º ano do Ensino Fundamental.
Em
nosso
ponto
de
vista,
tendo
construído/reconstruído/retomado
conhecimentos do conteúdo específico, necessários ao professor, pela vivência e
discussão de situações de aprendizagem relativas aos irracionais, ao longo da
segunda fase, os professores teriam ampliado, igualmente, seus conhecimentos
pedagógicos referentes à introdução e ao desenvolvimento desse conteúdo.
Em todo o processo de elaboração, reelaboração e recriação dos passos que
compuseram nosso estudo, quer para a preparação do questionário aplicado
inicialmente, quer para a organização das atividades propostas e exame dos
resultados, tomamos como fundamentação teórica

no que se refere à formação de professores, as ideias de Shulman (1986,
1987) relativas aos conhecimentos necessários ao professor, tais como:
conhecimento do conteúdo específico, conhecimento pedagógico do
conteúdo e conhecimento curricular do conteúdo;

em relação ao caso específico da formação de professores de Matemática,
levamos em conta as categorias estabelecidas por Ball et al (2008), que
constituem um refinamento
daquelas apresentadas por
Shulman:
20
conhecimento do conteúdo comum/especializado; conhecimento do
conteúdo e de estudantes; conhecimento do conteúdo e do ensino; e
conhecimento curricular;

em relação à construção dos conhecimentos matemáticos pelos
professores, apoiamo-nos na noção de imagem conceitual estabelecida
por Tall e Vinner (1981);

também no que diz respeito aos conhecimentos dos professores sobre o
objeto matemático tratado neste estudo, baseamo-nos em Fischbein
(1994) que enfatiza a importância da interação entre três componentes
básicos da Matemática, como atividade humana: o intuitivo, o algorítmico e
o formal;

consideramos também os argumentos apresentados por Zeichner (1993)
quanto à importância da formação de professores como processo de
preparação de profissionais reflexivos em relação à sua prática
pedagógica, aos currículos prescritos e à possibilidade de um ensino que
alcance todos os alunos.
Dessa forma, nossa pesquisa está organizada em cinco capítulos, cuja
distribuição se fez na seguinte ordem:
Destacamos, no capítulo 1, pesquisas que também tomaram por objeto de
estudo o ensino e a aprendizagem dos números irracionais, cujos resultados
motivaram o desenvolvimento de nossa pesquisa. Além disso, destacamos também
estudos relacionados à formação de professores, que forneceram subsídios para o
exame dos dados.
O capítulo 2 traz os resultados da pesquisa documental realizada com o
objetivo de identificar, em documentos de referência curricular, elementos que
pudessem favorecer a análise dos dados de nossa investigação. São especificadas
neste capítulo, as recomendações relativas à abordagem dos irracionais e as
expectativas de aprendizagem estabelecidas nesses documentos, para esse
conteúdo. São apresentadas também, neste capítulo, considerações a respeito das
propostas indicadas em livros didáticos, para o desenvolvimento desse tema.
O capítulo 3 é dedicado a uma reflexão sobre o objeto matemático de nossa
pesquisa. Apoiamo-nos nas ideias defendidas por Fischbein (1994), quanto à
21
importância dos componentes: intuitivo, algorítmico e formal na atividade
matemática, para elaborar considerações sobre tópicos que julgamos essenciais,
relativos aos números irracionais, particularmente aqueles que se constituíram em
temas de discussão ao longo de nosso experimento.
O capítulo 4 contém esclarecimentos a respeito da primeira fase da coleta dos
dados de nossa investigação. Justificamos nossas escolhas relativas ao grupo de
sujeitos e ao instrumento de coleta de dados – de caráter diagnóstico – utilizado
nesta fase. Em seguida, apresentamos uma análise desses dados à luz das ideias
de Shulman (1986, 1987), Ball et al (2008) no que se refere aos conhecimentos
necessários ao professor para o ensino de números irracionais e das ideias de Tall &
Vinner (1981) no que diz respeito à apropriação desse conteúdo, por uma pessoa.
No capítulo 5, explicitamos as razões que motivaram a escolha da
metodologia que pautou as decisões tomadas ao longo da intervenção (fase 2) e
apresentamos nossa avaliação dos resultados observados durante essa etapa, sob
o olhar dos autores referidos anteriormente. Também neste capítulo, são expostas
as justificativas e os resultados da terceira fase da coleta de dados, que consistiu em
uma reflexão do grupo de professores sobre as orientações curriculares oferecidas
pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, no que se refere ao tema
deste estudo.
As considerações finais expressam uma síntese da trajetória necessária ao
desenvolvimento deste estudo e também apresentam nossas reflexões sobre as
respostas às questões de pesquisa. Indicamos, além disso, aspectos que, embora
não tenham sido discutidos aqui, por não constituírem escopo deste estudo,
merecem, por sua importância, ser objetos de futuras investigações.
22
CAPÍTULO 1
A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE NÚMERO IRRACIONAL
UM OLHAR SOBRE PESQUISAS ANTERIORES
We would like our students to get the feeling of the grandeur, the
beauty of mathematics as a fundamental human achievement, not
only its utility for practical matters. Certainly, theorems and proofs are
taught – not only solving procedures – but the image of an organized
whole, the image of the infinitely ingenious endeavors spent by the
human mind in thousands of years, in order to create this dynamic,
coherent and harmonious structure is mainly lost in the day to day
teaching process.
Fischbein E. et al6
Thus, teaching necessarily begins with a teacher’s understanding of
what is to be learned and how it is to be taught.
Shulman. L. S.7
Tendo em vista o objetivo de nosso estudo, no sentido de investigar os
conhecimentos necessários ao professor, para ensinar números irracionais na
Educação Básica, este capítulo tem a finalidade de apresentar resultados de
pesquisas realizadas que, de algum modo, estão relacionadas à nossa investigação.
6
Gostaríamos que nossos estudantes adquirissem o sentimento da grandeza, da beleza da
matemática, como uma realização humana fundamental, não apenas sua utilidade para problemas
práticos. Certamente, teoremas e provas são ensinados – não apenas procedimentos de resolução
– mas, a imagem de um todo organizado, a imagem do esforço engenhoso infinitamente
despendido pela mente humana em milhares de anos, para criar essa estrutura dinâmica coerente e
harmoniosa é significativamente perdida no dia a dia do processo de ensino. (FISCHBEIN et al,
1995, p. 29, tradução nossa).
7
Assim, ensinar necessariamente começa com a compreensão de um professor sobre o que deve
ser aprendido e como isso deve ser ensinado. (SHULMAN, 1987, p.7, tradução nossa).
23
Nosso interesse, no percurso desta investigação, está voltado para as
questões concernentes ao ensino e à aprendizagem do conceito de número
irracional, tendo como foco principal a formação que o professor precisaria receber,
para propiciar aos alunos uma aprendizagem eficaz desse conteúdo.
Com esse propósito, o exame de cada uma dessas investigações levou em
conta as razões que motivaram o esforço da pesquisa, as teorias que deram suporte
à análise e discussão dos resultados e as contribuições que esses estudos oferecem
para a nossa reflexão.
1.1. Investigações sobre o ensino de números irracionais
Por razões que julgamos de particular importância, ligadas à fundamentação
teórica escolhida para sustentar a análise dos resultados de nossa pesquisa,
constituiu ponto de partida para a revisão bibliográfica, o estudo realizado por
Fischbein et al que investigou as concepções de um grupo de estudantes dos graus
9 e 108 e de futuros professores sobre números irracionais. Em seu texto, os autores
enfatizam o papel do professor no sentido de propiciar aos alunos a oportunidade de
compreender e apreciar a Matemática, como ciência bela e harmoniosa e, mais do
que isso, fruto da criação e do trabalho do homem, acrescentando, em contrapartida,
que “a ideia da Matemática, como um corpo coerente de conhecimentos,
estruturalmente organizado, não é sistematicamente transmitida para o estudante 9”
(FISCHBEIN et al, 1995, p.29, tradução nossa).
No que se refere ao tratamento dispensado à organização do sistema
numérico e especificamente quanto à atenção que se dá aos números irracionais,
esses pesquisadores acrescentam:
se uma pessoa pretende transmitir aos estudantes o sentido da estrutura da
matemática, essa pessoa precisa enfatizar, antes de tudo, o quadro
coerente do sistema numérico, com sua estrita hierarquia. [...] Se nós
passamos dos números naturais para os inteiros e destes para os números
racionais, o termo “número racional” em si mesmo, impõe que é o conceito
oposto de número irracional. Como seria possível passar dos números
8
9
Etapa escolar correspondente à faixa etária entre 15 e 16 anos.
“The idea of mathematics as a coherent, structurally organized body of knowledge, is not
systematically conveyed to the student.” (FISCHBEIN et al, 1995, p.29).
24
racionais para o conjunto dos números reais, sem descrever o conjunto dos
números irracionais?10 (FISCHBEIN et al,1995, p.27).
Os números irracionais são uma parte do sistema e, sem eles o conceito de
número real é incompleto. É suficiente negligenciar os números irracionais e
todo o sistema cai por terra11 (ibid., p.30, tradução nossa).
Tais considerações refletem, a nosso ver, não apenas uma preocupação em
relação aos prejuízos resultantes das práticas pedagógicas que subestimam a
importância do conceito de número irracional na constituição do sistema numérico
como um todo, mas, sobretudo, sugerem que um tratamento adequado e satisfatório
dos números reais decorre também de uma construção robusta – igualmente
adequada e satisfatória – do conceito de número irracional.
Essa inquietação vem sendo registrada em outras pesquisas que investigam
diferentes questões ligadas aos processos de ensino e de aprendizagem de noções
concernentes aos números irracionais e reais, quer relacionadas às formas de
abordagem, quer relacionadas aos conhecimentos indispensáveis à compreensão
dessas noções – por exemplo, diferentes significados e representações dos
racionais, aproximações, intervalos, tipos diferentes de infinitos –, quer relacionadas
aos entraves que o estudante deve enfrentar, auxiliado pelo professor, quando da
construção desse conhecimento.
É bastante expressivo o número de pesquisas que vêm sendo realizadas,
tanto no Brasil quanto em outros países, a respeito da construção do conceito de
número racional, incluindo um exame dos obstáculos que permeiam os processos
de ensino e de aprendizagem desses números e de abordagens que possivelmente
favoreceriam a apreensão dos diferentes significados a eles atribuídos.
Dentre essas pesquisas, é de nosso interesse destacar o estudo desenvolvido
por Kindel (1998), tendo como objeto de análise as concepções – ainda que
10
If one intends to convey to the students the feeling of the structurality of mathematics, one has to
emphasize, first of all, the coherent picture of the number system with its strict hierarchy. (...) If we
pass from the natural numbers to that of integers and from them to the rational numbers, the term
“rational number” itself imposes that opposite concept of irrational numbers. How would it be
possible to pass from the rational numbers to the set of real numbers without describing the set of
irrational numbers? (FISCHBEIN et al, 1995, p.27).
11
The irrational numbers are a part of the system and without them the concept of real numbers is
incomplete. It suffices to neglect the irrational numbers and the whole system falls apart.
(FISCHBEIN et al, 1995, p.30).
25
intuitivas – de estudantes de 7ª série12 do Ensino Fundamental, sobre a densidade
do conjunto dos números racionais e, por acréscimo, sobre as noções de
aproximação, intervalo, limite, infinito, proporcionalidade, ordenação, máximo e
mínimo que, necessariamente, estariam presentes – implícita ou explicitamente – em
qualquer abordagem voltada para a densidade desse conjunto de números.
Para justificar sua proposta de abordagem dos racionais pela exploração da
noção de densidade, a autora argumenta que, convencionalmente, a matemática
escolar apresenta os conjuntos numéricos de forma hierarquizada, com ênfase para
a relação
induzindo tanto professores quanto alunos à
certeza de que “se ‘compreendemos bem’ os números naturais, a construção dos
outros conjuntos numéricos flui naturalmente, acreditando os estudantes na
aplicação direta de propriedades dos naturais a outros conjuntos” (STREEFLAND,
1993, apud KINDEL, 1998, p.3).
A autora ressalta, assim, a influência – não desejável – que as concepções
elaboradas sobre os naturais podem exercer no processo de construção do conceito
de número racional, dizendo que
... o aluno é levado a achar que o conjunto dos racionais funciona
exatamente como o conjunto dos naturais, com a diferença que agora
podemos fazer a divisão entre dois números naturais quaisquer, desde que
o denominador não seja zero. Não fica evidenciado que se trata de um novo
campo de saber onde outras formas de pensar devem ser legitimadas
(KINDEL, 1998, p.137).
Assim, um tratamento com ênfase para o aspecto hierárquico do sistema
numérico seria, segundo Kindel (1998), um dos responsáveis pela falta de
compreensão do significado genuíno – ou por uma aprendizagem despida de
significado – do conceito de número racional.
A pesquisadora destaca, por exemplo, que o cálculo do sucessor de um
número natural, pela adição de uma unidade, foi ideia que persistiu durante o
desenvolvimento de uma atividade em que os sujeitos foram solicitados a interpolar
alguns números entre 2 e 5 (KINDEL, 1998, p. 122, 123).
12
Série correspondente ao 8º ano do Ensino Fundamental.
26
Essa influência das concepções formadas sobre números naturais, foi
demonstrada pelos sujeitos daquela pesquisa, pela tentativa de encontrar números
que tivessem a mesma diferença entre si, constituindo-se, a nosso ver, um obstáculo
epistemológico, na visão de Bachelard (1938) 13. Conforme observa a pesquisadora,
o que parecia apenas um “critério estético”, na verdade revelava uma tentativa de
utilizar, em uma situação nova, um modelo que é válido no conjunto dos números
naturais (ibid., p. 137).
Resultados semelhantes foram apresentados por alunos de 4ª a 8ª 14 séries do
Ensino Fundamental, pesquisados em estudo realizado por Santos (1995), em que
sucessões de números racionais se comportam de acordo com regras observadas
para os naturais: quando solicitados a indicar os sucessores de números como: 2/3;
0,5; 3,69 alguns estudantes de 5ª a 8ª séries responderam: 3/3; 0,6 e 3,70. Esses
mesmos sujeitos, para 3,4444..., indicaram como sucessores: 3,44444..., 3,5555... e
3,5, revelando a presença de dificuldades no sentido de identificar as naturezas
diferentes dos dois tipos de números – os naturais e os racionais. (SANTOS, 1995,
p.131).
No que se refere aos fatores que interferem ou podem constituir entraves na
construção de noções relativas aos irracionais, outras questões têm sido
investigadas.
Sirotic (2004, p. 194), avaliando a compreensão explicitada por futuros
professores de Matemática do curso secundário15, no que se refere à abordagem
geométrica de números racionais e irracionais, salienta que para muitos
participantes de sua pesquisa, a noção de incomensurabilidade de grandezas
13
A noção de obstáculo epistemológico foi discutida pela primeira vez em 1938, pelo epistemólogo
francês Bachelard. Em sua obra “A formação do espírito científico”, Bachelard defende a ideia de
que o pensamento científico se desenvolve pela superação de obstáculos, dizendo que “no fundo, o
ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal
estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização”. (BACHELARD,
1938, p.11).
Por sua vez, a influência das concepções formadas durante a construção de noções relativas aos
naturais tem sido interpretada, de acordo com Brousseau (1976), como obstáculo epistemológico,
constituindo-se em efeito de um conhecimento construído anteriormente (válido em determinado
contexto), mas que se mostra falso em outra situação, resistindo em se adaptar a um novo contexto,
para a construção de um novo conhecimento. (IGLIORI, 1999, p.89-113).
14
Séries correspondentes ao período do 5º ao 9º ano do Ensino Fundamental.
15
Etapa escolar correspondente à faixa etária entre 14 e 18 anos.
27
mostrou-se bastante estranha, complexa – não havia quase respostas aos itens que
envolviam o conceito de número irracional sob uma perspectiva geométrica.
A esse propósito, Sirotic & Zazkis (2005, p.2) observam que os sujeitos desse
estudo demonstraram uma crença generalizada no sentido de que a irracionalidade
de um número depende de sua representação decimal, acrescentando que
a representação geométrica dos números irracionais estava estranhamente
ausente das imagens conceituais de muitos participantes. A concepção
comum da reta numérica real parecia ser limitada à reta numérica racional,
ou mais especificamente, à reta de números racionais decimais, em que
apenas decimais finitos receberam suas representações como ‘pontos
16
sobre a reta numérica’ .
São resultados que, provavelmente, decorrem de explorações desse
conteúdo que não levaram em conta o problema que originou a necessidade da
construção dos irracionais – situação específica da geometria quer tenha ocorrido a
descoberta pela aplicação do Teorema de Pitágoras ao triângulo retângulo
isósceles, quer tenha ocorrido pela consideração de um dos lados do pentagrama e
uma de suas diagonais.
Por outro lado, Santos (1995, p. 53) considera os prejuízos decorrentes de se
colocar o foco em outro extremo, dizendo que
ver os números racionais e irracionais apenas na perspectiva métrica, como
segmentos comensuráveis ou incomensuráveis, quando referidos a um
segmento unidade, apresenta dificuldades, como a possibilidade de realizar
operações, identificar propriedades e estender a ideia de número.
Ou seja, um tratamento isento de referências às questões do campo numérico
privaria os alunos da oportunidade de explorar e ampliar outros aspectos igualmente
necessários a uma compreensão mais abrangente do número irracional.
De qualquer forma, é certo que nenhuma abordagem que privilegie apenas
um aspecto ou apenas uma representação, tanto dos racionais quanto dos
irracionais, resulta na aprendizagem de noções atinentes a esses campos
numéricos. Essa nossa interpretação está fundamentada nas ideias defendidas por
Fischbein (1994), no que se refere à importância de abordar um conteúdo,
16
The geometric representation of irrational numbers was strangely absent from the concept images
of many participants. The common conception of real number line appeared to be limited to rational
number line, or even more strictly, to decimal rational number line where only finite decimals receive
their representations as “points on the number line”. (SIROTIC & ZAZKIS, 2005, p.2).
28
contemplando distintos aspectos, que se complementam, no processo de
aprendizagem, conforme será visto no capítulo 3.
Outros questionamentos são postos por pesquisadores que têm se debruçado
sobre o tema, revelando inquietações não apenas quanto à forma de abordagem,
mas quanto à época mais adequada para o desenvolvimento do conceito de número
irracional. Sirotic (2004), por exemplo, finaliza as considerações sobre seu estudo,
dizendo que embora não seja essa a sua posição, seria interessante averiguar, por
meio de investigação mais completa se, de fato, o conceito de número irracional
deveria ser introduzido no ensino secundário17, uma vez que, na maioria, os sujeitos
de sua pesquisa – prováveis professores –, segundo os resultados analisados, não
compreendiam o conceito, por si mesmos. A esse respeito, a autora acrescenta:
“haveria alguma perda, se os estudantes não houvessem escutado nada sobre
números irracionais, até chegar à universidade?”18 (SIROTIC, 2004, p.195, tradução
nossa).
Resultado análogo foi observado em nossa pesquisa de mestrado (2005), que
investigou a possibilidade de utilizar a seção áurea como contexto para o
desenvolvimento da noção de incomensurabilidade de segmentos de reta. Nesse
estudo, não obstante o grupo de sujeitos fosse constituído por estudantes do último
ano do curso de Licenciatura em Matemática, foram evidenciadas limitações no que
diz respeito à distinção entre grandezas comensuráveis ou incomensuráveis e à
estreita relação entre os números irracionais e a incomensurabilidade de grandezas.
Por exemplo, durante a realização de uma das atividades propostas para a
obtenção dos dados, o lado e a diagonal de um quadrado qualquer foram indicados,
por alguns dos participantes, como sendo segmentos incomensuráveis, sob
justificativas como: “não existe divisor comum entre o lado e a diagonal, pois a
diagonal do quadrado sempre será um número irracional” (CORBO, 2005, p. 167).
Ao realizar a análise dos dados, avaliamos tais respostas como um indício de que as
noções relativas às grandezas incomensuráveis e aos números irracionais haviam
17
18
Etapa escolar correspondente à faixa etária entre 14 e 18 anos.
Would there be anything lost if students did not hear about irrational numbers until they reached
university? (SIROTIC, 2004, p.195).
29
sido desenvolvidas, provavelmente, a partir de poucos exemplos, dentre os quais, o
caso em que a medida do lado de um quadrado é sempre expressa por um número
racional.
Essa lacuna no conhecimento dos sujeitos poderia ser atribuída a uma
intenção – a nosso ver, ingênua - de apresentar aos alunos um enfoque “mais
acessível” dos números irracionais, por meio de definições vinculadas à
representação – número irracional é aquele cuja representação decimal é infinita e
não periódica –, colocando assim, em segundo plano, a perspectiva geométrica dos
números irracionais.
O estudo de Fischbein et al (1995), por sua vez, realizado com o propósito de
analisar a compreensão de números irracionais, revelou que os sujeitos – incluindo
futuros professores – não dominavam noções relacionadas às definições de
números racionais e irracionais, à classificação de números (naturais, inteiros,
racionais, irracionais, reais) e à identificação de características que diferenciam
racionais de irracionais. Esses dados levaram os pesquisadores a refutar sua
hipótese inicial, segundo a qual a apreensão do conceito de número irracional
enfrenta dois grandes obstáculos intuitivos (noção apresentada mais adiante): o de
aceitação da existência de grandezas incomensuráveis e o de aceitação de que em
um intervalo podem coexistir dois conjuntos infinitos inteiramente distintos. (p. 29).
Contrariamente a essa hipótese, os autores observaram que a percepção da
relação entre incomensurabilidade de grandezas e números irracionais se revelou
ausente na maioria dos estudantes que, por outro lado, também não se
surpreenderam com a existência de segmentos incomensuráveis.
Ou seja, não transpareceu, na maioria das respostas, a intuição que poderia
ter levado os sujeitos daquela pesquisa a afirmar, categoricamente, que dois
segmentos de comprimentos diferentes são sempre múltiplos inteiros de uma
mesma unidade de medida, bastando para isso reduzir indefinidamente essa
unidade, ou que, havendo infinitos pontos entre dois racionais quaisquer, por mais
próximos que sejam, pode-se concluir que o conjunto desses números deve,
necessariamente, cobrir toda a reta numérica. A dificuldade intuitiva que poderia
gerar tais afirmações não é, segundo Fischbein et al (1995), uma dificuldade
primária, banal, rudimentar. Pelo contrário, seria um indicativo de que a pessoa já
30
atingiu um desenvolvimento intelectual relativamente alto, conforme explicitam os
pesquisadores:
...tais intuições errôneas (uma unidade comum pode sempre ser
encontrada, se diminuirmos indefinidamente essa unidade e “em um
intervalo é impossível haver dois conjuntos infinitos diferentes de pontos [ou
números]”) não têm uma natureza primitiva. Elas implicam certo
19
desenvolvimento intelectual . (ibid., p. 29, tradução nossa).
“Um obstáculo epistemológico se incrusta no conhecimento não questionado”,
conforme expressa Bachelard (1938). Nesse caso, ideias anteriores relativas a um
conhecimento construído sobre números racionais – a densidade de Q na reta
numérica, por exemplo – quando defendidas cegamente, sem serem questionadas,
poderiam representar um impedimento à compreensão da existência de pontos, na
reta numérica, que não correspondem a números racionais. Assim sendo,
constituiriam um obstáculo epistemológico a que Fischbein et al (1995, p. 29) se
referiram como obstáculo intuitivo.
Segundo Fischbein (1987), ideias intuitivas indubitáveis, evidentes e
consistentes em si mesmas, constituem o mais forte e resistente componente do
sistema cognitivo de um indivíduo, podendo se tornar um obstáculo para que a
pessoa controle suas inferências a respeito de um assunto. (p.36-42). A divisão de
frações ou a multiplicação de números inteiros negativos, por exemplo, não têm
significado intuitivo.
Da mesma forma, não se pode captar, intuitivamente, a ideia de que existem
pares de segmentos de reta que não podem ser medidos por meio de uma unidade
de medida comum, que caiba um número inteiro de vezes nesses dois segmentos
(uma pessoa pode alimentar a crença “cega” de que sempre é possível encontrar
um segmento, ainda que muito... muito pequeno, que caiba um número inteiro de
vezes nesses segmentos). Além disso, o estudo dos números irracionais e,
finalmente, dos números reais, leva à discussão sobre a completude da reta e sobre
19
“... such erroneous intuitions (a common unit can always be found by indefinitely decreasing it and
‘in an interval it is impossible to have two different infinite sets of points [or numbers]’) have not a
primitive nature. They imply a certain intellectual development.” (FISCHBEIN et al, 1995, p.29).
31
a continuidade – ideias ligadas ao conceito de infinito atual 20 – que também não é
intuitivo.
Essa ausência de significado intuitivo na ideia de coexistirem, num mesmo
intervalo, dois conjuntos infinitos de números que se definem de formas distintas,
têm características e propriedades distintas e são ambos densos na reta numérica, é
dificuldade que deve ser enfrentada e não evitada na educação matemática, como
enfatizam Fischbein et al (1995, p.44):
... gostaríamos que os estudantes ficassem atentos a respeito de que, para
a lógica usual e também intuitivamente, é impossível aceitar que, em um
intervalo, pode-se ter uma infinidade de certo tipo de elementos e, a
despeito disso, ser capaz de acrescentar, ao mesmo intervalo, uma outra
infinidade de um tipo diferente de elementos21. (tradução nossa).
A dificuldade relativa à noção de infinito foi analisada também por Kindel
(1998, p. 139) durante a realização de uma atividade, por alunos de 7ª série do
Ensino Fundamental:
A ideia de infinito surge exatamente porque os alunos se permitem entrar no
mundo da matemática, isto é, dividir uma tora ao meio, em seguida pegar
esta metade e dividi-la ao meio, depois pegar esta metade e novamente
cortá-la ao meio e assim sucessivamente. Este processo só é possível se a
“serra é mágica”, se a “tora é encantada”, pois concretamente esbarraremos
no limite físico deste cortar. No momento em que literalmente mudam a
forma de produzir significado para o problema, eles começam a resolvê-lo.
Este aspecto fica bem evidente quando a aluna S, para representar a
situação na reta, diz que seria necessária uma ponta mais fina, um
apontador mais afiado até que a ponta seja tão “fininha quanto a gente
quiser” e depois que “se eu quiser continuar só dá para fazer na cabeça”,
dessa forma começando a pensar em aproximação e limite.
No entanto, ainda que se tenha esperado uma compreensão intuitiva de tais
noções, como: infinito, aproximação, intervalo e limite, a percepção de que essa
compreensão se dá, de fato, em estudantes do Ensino Fundamental, se mostra frágil
de certa forma e exige esforço do pesquisador nesse sentido. Conforme analisa
Kindel (1998, p. 136, 137), “só é possível observar o que os alunos falam sobre
20
As ideias de infinito potencial e infinito atual são retomadas no capítulo 3 que trata do objeto
matemático de nosso estudo.
21
... we would like that the students become aware that for usual logic and also intuitively it is
impossible to accept that in an interval one may have an infinity of a certain type of elements and,
despite this, to be able to add in the same interval another infinity of a different type of elements.
(FISCHBEIN et al, 1995, p.44).
32
intervalos, porque a sequência foi proposta com esse objetivo e porque a professora
estava atenta ao mesmo objetivo quando fazia suas intervenções”. Por outro lado,
segundo a pesquisadora, a organização da classe, a sequência proposta e o papel
desempenhado pela professora contribuíram, fundamentalmente, para a emergência
de discussões valiosas que permitiram uma antecipação de conteúdos prescritos
para séries posteriores, como é o caso da interpolação de elementos em uma
sequência, assunto que pertence ao currículo do Ensino Médio.
A densidade dos racionais na reta numérica racional (nas séries iniciais do
Ensino Fundamental) e na reta numérica real (a partir dos dois últimos anos do
Ensino Fundamental) foi explorada também no estudo realizado por Santos (1995),
com alunos de 7ª e 8ª séries, pela proposta de atividades que envolviam a
localização de números em um intervalo dado, sob a intenção de apresentar
argumentos que justificassem a importância de introduzir noções relacionadas ao
infinito desde os primeiros anos da Educação Básica. A respeito do desempenho
dos alunos, o pesquisador observa que estes demonstraram ter ideias incompletas e
dispersas sobre os números reais. Igualmente, não explicitaram conhecimentos
concernentes à relação entre os números já conhecidos, as dízimas periódicas, os
irracionais e a correspondência bijetiva entre os números reais e os pontos da reta.
Conforme acrescenta o autor, tais noções “são tomadas como assuntos diferentes e,
do que sabemos, quando são relacionadas é através de estruturas e da relação de
inclusão entre conjuntos” (SANTOS, 1995, p. 133).
Esse mesmo pesquisador argumenta que a discussão sobre aspectos
importantes relativos ao infinito numérico envolve noções atinentes às dízimas
periódicas, às aproximações, à identificação dos irracionais, acrescentando no
entanto, que
Perde-se de vista o tipo de problema que resultou na construção dos
números naturais e dos racionais, ou a diferenciação entre número racional
e irracional, para se buscar uma explicação, quando é dada, a partir de
aspectos teóricos dos conjuntos numéricos, tomados como estruturas bem
definidas. (ibid. p.113).
Quanto à abordagem que em geral se dá aos conjuntos numéricos, o autor
acrescenta que
33
...o processo de construção dos campos numéricos na escola, enriquecido
com os problemas, controvérsias que favoreceram ou retardaram a sua
aceitação e a caracterização de sua infinitude, a densidade dos números
racionais e reais, os processos de aproximação cada vez mais finos que
são próprios das grandezas contínuas, quer estejamos quantificando
comprimentos, áreas ou volumes, são abandonados ao longo do ensino ou
são enfatizados aspectos particulares que resultam numa ideia truncada do
infinito. (SANTOS, 1995, p. 112).
Levando em conta a referência que fizemos, anteriormente, à ligação estreita
entre a compreensão dos conceitos de número irracional e de infinito e considerando
a argumentação apresentada por Santos (1995, p.112), poderíamos supor que tal
abandono resulte, igualmente, em uma construção apenas superficial e, de certa
forma, incompreensível do conceito de número irracional – não apenas no Ensino
Fundamental, mas ao longo de todo o processo de aprendizagem da Matemática,
incluindo o Ensino Médio e o Superior.
Sirotic (2004, p. 187), por exemplo, ao analisar as respostas dos sujeitos de
sua pesquisa – futuros professores do Ensino Secundário – observa que, em geral,
os conhecimentos sobre o conjunto dos números irracionais se mantêm como que
“cimentados”, no mesmo nível em que foram apresentados no Ensino Secundário.
Outro aspecto que, segundo Sirotic, constitui um dos maiores obstáculos para
a compreensão do conceito de número irracional diz respeito à ausência de vínculo
entre as definições normalmente apresentadas em livros didáticos para introduzir o
conjunto dos irracionais na Educação Básica, quais sejam: número irracional é um
número cuja representação decimal é infinita e não periódica e número irracional é
um número que não pode ser representado na forma de razão entre dois inteiros a e
b, sendo b não nulo.
Conforme observa a pesquisadora, são definições de caráter didático, que
levam em conta a “relativa imaturidade matemática” de alunos que iniciam o estudo
desses números e, entretanto, foram usadas de maneira idêntica pelos sujeitos
daquela pesquisa, quando solicitados a classificar números racionais e irracionais.
(SIROTIC, 2004, p.40).
A mesma pesquisadora relata que, tendo sido solicitados a classificar como
racional ou irracional o resultado da divisão de 53 por 83, os participantes
apresentaram argumentos como “não há forma de dizer se 53/83 é racional – exceto
se você realmente fizer a divisão que pode seguir indefinidamente. Os dígitos
34
poderiam terminar em um milhão de casas decimais ou eles poderiam começar a
repetir depois da milionésima casa 22” (ibid., p.105, tradução nossa). Ou seja, a
definição de número racional como número que pode ser representado em forma de
fração também não havia sido apreendida.
Na avaliação da pesquisadora, muitos dos erros apresentados pelos sujeitos
de seu estudo se devem a definições incompletas - erros causados pela
memorização de regras para identificar números racionais ou irracionais. Por
exemplo, definir número racional como razão entre dois números, sem levar em
conta a exigência de que eles sejam inteiros (ibid., p. 107).
Essas conclusões revelam quão falha e insuficiente pode ser uma abordagem
do número irracional, a partir de definições que, muitas vezes, são memorizadas
pelos alunos sem que haja compreensão do significado desses números, nem de
suas articulações ou relações.
Outras críticas são feitas por Ripoll (2004)23, em artigo submetido à
II Bienal da SBM24, sobre as definições de número irracional geralmente
encontradas em livros didáticos, como
(A)
“Um número é irracional se não puder ser escrito na forma a/b com
e b não nulo”.
“Irracional é o número que não pode ser escrito na forma de fração”.
(B)
“Irracional é o número cuja representação decimal é infinita e não
periódica”.
“Todo número escrito na forma de um decimal infinito e não periódico
é um número irracional”.
(C)
“Os números irracionais representam medidas de segmentos que são
incomensuráveis com a unidade”. (p.1),
indicando pontos que poderiam levar à formação de concepções incorretas, que
podem interferir inclusive na construção de conceitos que serão desenvolvidos em
22
There is no way of telling if 53/83 is rational – unless you actually do the division which could take
you forever. Digits might terminate at a millionth place or they might start repeating after a millionth
place. (SIROTIC, 2004, p.105).
23
Ripoll (2004) apresenta projeto de minicurso sobre a construção do conceito de número real nos
Ensinos Fundamental e Médio, por meio de tentativas de expressar a medida exata de qualquer
segmento de reta.
24
SBM – Sociedade Brasileira de Matemática.
35
etapas posteriores da escolaridade. A autora alega, por exemplo, que além da
definição (A) pressupor habilidades relativas à identificação de números que podem
(ou não) ser representados por frações, pode também induzir à ideia de que
números não reais (como
são irracionais, uma vez que o mesmo processo de
argumentação utilizado para a prova da irracionalidade de
serve para provar que
não pode ser representado em forma de fração.
Em Sirotic (2004), no entanto, percebe-se opinião mais favorável à
apresentação dos números irracionais por meio da definição (A):
Baseados nos resultados de nossa pesquisa, nós sugerimos que seria
melhor ensinar apenas uma definição de número irracional, a saber, que
número irracional é um número que não pode ser expresso como razão de
dois inteiros com um divisor não nulo e omitir completamente a outra
(decimal). Se a segunda “definição” tiver que ser ensinada, então deveria
ser derivada da primeira e, nesse caso, seria vista como uma propriedade
representacional de um número irracional quando expresso como um
decimal e não como uma definição.25 (SIROTIC, 2004, p.189-190, tradução
nossa).
Essa mesma pesquisadora acrescenta que, se a ênfase é posta sobre a
representação decimal, sem que haja, de fato, compreensão da relação entre
dízimas periódicas e suas respectivas geratrizes, há uma propensão para a
elaboração de concepções incorretas:
Por exemplo, a prática comum de identificação de números racionais como
aqueles números que têm um “padrão repetido”, frequentemente leva à
confusão em casos em que a expansão decimal exibe um padrão, mesmo
que seja não periódico e também em casos de períodos longos e não
facilmente detectados. Em acréscimo, ter a “definição decimal” como a
única definição que funciona resulta em uma percepção de que tudo isso é
apenas um jogo de inútil rotulação. O conceito de número irracional
continua oculto. (SIROTIC, 2004, p.190, tradução nossa)26.
25
Based on the results of our research, we suggest that it would be better to teach one definition of
irrational only, namely, that an irrational number is a number that cannot be expressed as a ratio of
two integers with a non zero divisor, and completely omit the one (decimal). If the second “definition”
is to be taught, then it should be derived from the first one, in which case it would be seen as a
representational property of an irrational number when expressed as a decimal, and not as a
definition. (SIROTIC, 2004, p.189-190).
26
For example, the common practice of identifying rational numbers as those numbers that have a
“repeating pattern” often leads to confusion in cases where the decimal expansion exhibits a pattern,
yet it is aperiodic, and also in cases of long and not easily detected periods. In addition, having the
“decimal definition” as the only working definition results in a perception that all this is just a game of
useless labeling. The concept of irrationality remains hidden. (SIROTIC, 2004, p.190).
36
É certo que se trata de conceito intrinsecamente difícil, cuja abordagem deve,
necessariamente, merecer adequação, em virtude do grau de maturidade dos alunos
para os quais esse conteúdo está indicado nos currículos oficiais. Entretanto, como
Tall & Schwarzenberger argumentam, alguns conflitos observados nos estudantes
emergem do processo – talvez não cuidadoso – de transposição, visto que, quando
se toma um conceito de nível sutilmente elevado e se discorre sobre ele, de uma
forma mais simples, informal, mais acessível aos alunos – algumas vezes com o
“auxílio” de uma linguagem coloquial –, corre-se o risco de perda de precisão e,
consequentemente, pode-se contribuir para aumentar, ainda mais, a dificuldade de
compreensão do conceito em questão. (TALL & SCHWARZENBERGER, 1978, p.1).
O grau de abstração necessário à compreensão do significado de número
irracional é muito alto, considerando-se que se trata de conteúdo cuja introdução
está prescrita para os dois anos finais do Ensino Fundamental. Em meio a todos os
entraves que vêm sendo investigados, é necessário também considerar que
abordagens que envolvam apenas a experimentação, – por exemplo, por meio de
medição de segmentos – ou a obtenção de aproximações decimais com o auxílio da
calculadora, embora permitam iniciar a construção desse conhecimento, exigem
uma complementação formal. Caso contrário corre-se o risco de induzir o aluno à
construção de uma ideia incompleta – senão incorreta – sobre números irracionais.
A representação da expansão decimal de
, por exemplo, obtida por meio
de algoritmo, não permite qualquer afirmação a respeito de sua não periodicidade.
Ainda que o processo se prolongue até uma quantidade muito grande de casas
decimais, nada garante que em nenhum momento haverá um período que irá se
repetir indefinidamente. Não bastaria, então, dizer aos alunos que
é um número
irracional. Seria necessária uma prova formal que permitisse ao estudante construir
a convicção de que esse número não pode ser representado na forma de uma
fração a/b, com a e b inteiros e b não nulo.
Essa prova formal requer conhecimentos relacionados à argumentação e à
demonstração. Uma das demonstrações possíveis para esse convencimento é a
prova clássica por redução ao absurdo, cuja estrutura acentua o conflito vivenciado
pelos alunos, entre frações e números irracionais. De acordo com Tall &
Schwarzenberger (1978, p.9),
37
é muito desleal esperar que os estudantes entendam tais provas quando
eles têm pouca experiência em relação à prova matemática e sua
conversação diária contém tal imprecisão de pensamento dedutivo. A prova
por redução ao absurdo requer que uma pessoa suponha que uma coisa
verdadeira seja falsa na prática e depois, mostre que tal suposição leva a
uma contradição27 (tradução nossa).
Assim, para amenizar tais conflitos decorrentes da escolha de estratégias de
abordagem e de convencimento, relativas aos irracionais, os mesmos pesquisadores
sugerem que, inicialmente, sejam apresentadas aos alunos provas por absurdo tão
diretas quanto possível. 28 (TALL & SCHWARZENBERGER, 1978).
Nesse sentido, os pesquisadores observam que o papel do professor na
resolução desses prováveis conflitos é de fundamental importância e mais
determinante do que a escolha do currículo, do livro didático ou de outros recursos
alternativos (ibid., p. 12). Ou seja, cabe ao professor selecionar estratégias de
aproximação que não sejam conflitantes com os conhecimentos prévios dos alunos
e tal seleção exige o domínio de conhecimentos específicos relacionados ao
desenvolvimento de uma prova formal.
A esse respeito, é importante fazer referência ao estudo desenvolvido por
Pietropaolo sobre a (re) significação da demonstração nos currículos da Educação
Básica e da formação de professores de Matemática, cujos dados levaram-no à
conclusão de que, em geral, os cursos de Licenciatura não estão em condições de
oferecer uma formação de qualidade que prepare o futuro professor para a tarefa de
desenvolver, em seu aluno, as habilidades necessárias para construir uma prova
formal (PIETROPAOLO, 2005, p. 226).
Isso significa que, à complexidade que envolve o tema números irracionais,
acrescenta-se
outra
necessidade, não menos importante,
que envolve
o
desenvolvimento de um trabalho com a argumentação e a elaboração de provas.
Cabe registrar aqui outros pesquisadores que se debruçaram sobre a tarefa
de analisar ou identificar estratégias mais adequadas ou mais profícuas para
27
It is most unfair to expect students to understand such proofs when they have little experience of
mathematical proof and their everyday conversation contains such imprecision of deductive thought.
Proof by contradiction requires one to suppose something which is true is actually false, then
showing that such a supposition leads to an impossibility. (TALL & SCHWARZENBERGER, 1978,
p.9).
28
Um exemplo de prova, conforme foi sugerido por Tall & Schwarzenberger (1978) é exposto no
Capítulo 3, que trata do objeto matemático de nosso estudo.
38
introduzir o conceito de número real. Por exemplo, Fonseca (2010), em pesquisa
desenvolvida com o intuito de contribuir para a reflexão acerca da conceituação de
número real, mais especificamente no Ensino Superior, estuda a teoria desenvolvida
por John Horton Conway (2001), que apresenta uma conceituação de número, dos
naturais aos transfinitos, segundo duas perspectivas: uma por meio da teoria dos
conjuntos (caráter intensional) e outra por meio de uma classe de jogos (caráter
extensional). Ou seja, nessa teoria, por um lado, os números são construídos a partir
de cortes, tomando-se como ponto de partida os cortes de Dedekind e, por outro
lado, são interpretados como jogos entre dois jogadores29.
Estabelecendo uma relação entre a teoria de Conway (2001) e as abordagens
clássicas: a axiomática, os cortes de Dedekind e as classes de equivalência de
sequências de Cauchy de números racionais, Fonseca propõe a reflexão sobre uma
nova conceituação de número real, fundamentada na noção de complementaridade,
que diz respeito aos caracteres intensional e extensional, como conceitos opostos
que se integram e, de forma recíproca, se ajustam no processo de construção do
conceito de número (FONSECA, 2010, p. 77-78).
Segundo Otte (1993, p.225), citado por Fonseca (2010, p.83),
o saber nem pode ser identificado com experiências e intuições individuais
[visão extensional], nem pode ser completamente reduzido a significados
conteudísticos isolados [visão intensional], isto é, ser concebido como
reflexo direto de um objeto.
Assim, uma abordagem de objetos matemáticos – números reais, por
exemplo –, além de relações estruturais dadas pela axiomática, deve conter
prováveis interpretações e aplicações.
Nesse estudo, as abordagens clássicas dos números reais foram avaliadas
como incompletas por Fonseca (2010), visto que priorizam o caráter intensional dos
números (p.123-129). No entanto, não se propõe o abandono dessas abordagens,
mas sim sua complementação pelas ideias de Conway (2001) que acrescentam ao
caráter intensional (axiomas e definições, com base na teoria dos conjuntos), o
caráter extensional, por meio de uma classe de jogos.
29
O Anexo 3 contém exemplos de jogos associados aos números inteiros, racionais e irracionais, que
podem fornecer uma ideia inicial sobre a Teoria construída por Conway (2001) referida por Fonseca
(2010).
39
Sob esse ponto de vista, o estudo do conceito de número irracional careceria
de estratégias que envolvessem também aplicações, para complementar a
construção de noções cuja existência, nas perspectivas clássicas, só é comprovada
por argumentos formais, como é o caso das grandezas incomensuráveis.
Destacamos, igualmente, a pesquisa realizada por Miguel (1993) que também
resultou do interesse por outra forma de abordagem do conceito de número
irracional.
O “amontoado de regras de operar com radicais” isentas de justificativas
convincentes, conforme se expressa o autor, à página 168, a que são, em geral,
reduzidas as abordagens apresentadas em livros didáticos, provoca nos alunos a
impressão de conhecimento pouco útil e desligado de outros temas já estudados. A
superação dessa dificuldade foi a motivação do autor, para a escolha do tema
“números irracionais”, como objeto de investigação de seu terceiro estudo em “Três
estudos sobre história e educação matemática”.
O autor apresenta uma reconstituição histórica da descoberta da existência
de segmentos incomensuráveis e, paralelamente, discute o que chamou de Estudo
Histórico Pedagógico Operacionalizado (EHPO), que ilustra uma forma de
estabelecer a relação entre a história e a Educação Matemática, no que se refere à
abordagem dos números irracionais30. Trata-se de conteúdo apresentado no
conjunto de fascículos elaborados por Miguel e outros, sob o título de “Tópicos de
Ensino de Matemática”31, que vinham sendo utilizados como material de apoio por
alguns professores das redes pública e particular, na cidade de Campinas.
Nesse estudo, o diálogo que se estabelece ao longo do texto entre
historiadores como von Fritz (1900-1985) e Knorr (1945-1997) entrelaça-se às
considerações do autor sobre as atividades postas aos alunos, convidando estes
últimos, de certa forma, a participar da conversa.
30
O conjunto de atividades que compõem a abordagem proposta por Miguel (1993) encontra-se no
EHPO, a partir da página 245, recebendo uma nova numeração de 1 a 72.
31
Essa coleção de fascículos, em 1993, já havia tido sua terceira reelaboração, levando em conta as
sugestões tanto dos próprios autores, quanto de professores que utilizavam esse material em suas
aulas. (MIGUEL, 1993, p. 169).
40
Como exemplo, comentando a atividade que daria início ao assunto (p.3 do
EHPO), em uma classe do último ano do Ensino Fundamental, em que, para instigar
a curiosidade dos alunos, se nega o resultado de
obtido com o auxílio da
calculadora, o autor acrescenta: “Logo em seguida a essa provocação inicial, o
aluno é remetido ao ano 500 a.C., através da leitura da história contada por
Jâmblico32...” (MIGUEL, 1993, p. 198, grifo nosso), apontando, dessa forma, a porta
de entrada que coloca em cena os pitagóricos.
Mais adiante, quando no texto estão em discussão o descobridor e o contexto
em que se deu a descoberta dos segmentos incomensuráveis, novamente o autor
nos coloca diante dos alunos em sala de aula, dizendo-nos que
a discussão dessas questões não é feita imediatamente. Ela é adiada
temporariamente e coloca-se em pauta uma outra questão, aparentemente
desligada do contexto em que, até então, o pensamento do aluno vinha
movimentando-se. Trata-se de desafiá-lo a responder se, dados dois
quadrados quaisquer, é sempre possível construir um único quadrado cuja
área seja igual à soma das áreas dos dois quadrados dados [p.8-10 do
EHPO]. Isto é, trata-se de desafiar o aluno a verificar a validade do teorema
de Pitágoras, enunciado de um modo geométrico não habitual. (MIGUEL,
1993, p. 209).
Assim, ao leitor que acompanha no texto o desfiar da história e a reflexão que
o autor aos poucos alinhava sobre os caminhos pedagógicos escolhidos para sua
proposta de trabalho, é permitido observar ao mesmo tempo a forma em o assunto é
posto diante dos alunos e as questões que ainda poderiam ampliar a discussão.
(ibid., p. 245).
Quanto ao aluno, ao mesmo tempo em que avança para o interior da história
por meio das leituras propostas, vive o enfrentamento de conflitos, referidos no texto
como “dissonâncias cognitivas” (ibid. p. 178) – dentre elas, a “dissonância
decorrente da incompatibilidade entre um fato singular e aquilo que a experiência
passada parece confirmar” (loc.cit.), que poderia ser exemplificada pela descoberta
de que não é sempre que existe uma unidade de comprimento, não importando
quão pequena ela seja, da qual dois segmentos de reta quaisquer sejam múltiplos
inteiros.
32
Jâmblico, filósofo, nascido na Síria, no século III, conhecido por sua obra sobre a filosofia
pitagórica.
41
As considerações feitas no texto, por exemplo, sobre a atividade que
antecede a apresentação dos segmentos comensuráveis e, posteriormente, dos
incomensuráveis, ajudam a identificar não apenas pontos de dissonância como
também os propósitos pelos quais essas dissonâncias foram estrategicamente
situadas ao longo da sequência de atividades:
O propósito da atividade 10 é o de provocar uma nova dissonância
cognitiva. O problema da localização exata das placas de sinalização
equivale, é claro, à determinação por parte do aluno do maior segmento de
reta que caiba simultaneamente nos segmentos KL e PJ. Entretanto, o
conhecimento que eventualmente o aluno já possua a respeito de
processos algorítmicos de extração do maior divisor comum revela-se,
nesse caso, insuficiente uma vez que esses processos, quando aprendidos,
limitaram-se ao domínio dos números naturais, isto é, a um domínio
discreto. Entretanto, as grandezas a serem comparadas agora são
contínuas e o único instrumento que lhe é permitido usar é o compasso.
Ainda que o aluno tente “subornar” o enunciado e utilizar uma régua
graduada a fim de transformar o problema geométrico em aritmético através
da medição dos segmentos, a dissonância persistiria uma vez que,
propositalmente, as medidas dos segmentos KL e PJ são expressas por
números racionais não naturais. (ibid., p. 221; 222).
Assim, considerando o possível alcance de compreensão dos alunos para os
quais é destinada esta abordagem, a superação das dissonâncias distribuídas ao
longo da proposta deve permitir ao aluno um vislumbre de como se deu a
construção desse conhecimento na história, sem que, para isso, seja esperado que
esse aluno “adivinhe” – termo escolhido pelo autor – por exemplo, a forma como
Dedekind no século XIX superou a dissonância causada pela descoberta da
existência de segmentos incomensuráveis.
Neste estudo, a História da Matemática consiste em fator de contextualização
e fonte de explicação, para atribuir significado aos números irracionais e,
igualmente, para convencer os estudantes da relevância do estudo desses números.
A esse respeito, o autor argumenta que
...quando, pedagogicamente, nos situamos voluntariamente no interior do
paradigma histórico – que de modo algum influenciou a formação dos
professores e dos estudantes de matemática que aí estão – a questão que
se coloca é menos de viabilidade que de necessidade; é menos de
viabilidade que de abertura de novos horizontes e perspectivas. (MIGUEL,
1993, p. 170).
42
1.2. Investigações relativas à formação de professores
Quanto aos conhecimentos necessários ao professor, para ensinar números
irracionais, destacamos as pesquisas desenvolvidas por Shulman (1986, 1987) e
Ball et al (2008), que escolhemos como base teórica para a elaboração dos
instrumentos de coleta de dados e, ao mesmo tempo, como parâmetros para a
análise dos resultados obtidos ao longo de nosso estudo.
Em suas investigações sobre como estudantes33 aprendem a ensinar,
Shulman (1986) concentrou a atenção sobre tipos de habilidades e conhecimentos
necessários para o ensino, identificando categorias de uma base de conhecimentos
necessária para fundamentar a compreensão do conteúdo pelos professores, a fim
de promover uma adequada compreensão também por parte dos alunos.
Segundo Shulman, (1987, p.8), essa base de conhecimentos deveria incluir,
no mínimo,







conhecimento do conteúdo;
conhecimento pedagógico geral, com referência especial para
aqueles princípios amplos e estratégias de gestão e organização de
sala de aula, que parecem transcender o conteúdo;
conhecimento curricular, com particular domínio dos materiais e
programas que servem como “ferramentas do ofício” para
professores;
conhecimento pedagógico do conteúdo, amálgama especial de
conteúdo e pedagogia que é ramo do saber unicamente de
professores, sua
forma
própria
especial de
entendimento
profissional;
conhecimento de estudantes e suas características;
conhecimento de contextos educacionais, que vão desde
o funcionamento do grupo ou da sala de aula, a governança e o
financiamento dos
distritos
escolares,
para o
caráter das
comunidades e culturas; e
conhecimento dos fins educacionais, propósitos e valores, e seus
fundamentos filosóficos e históricos34. (tradução nossa).
33
Os estudos de Shulman (1986) aqui referidos envolveram professores iniciantes de disciplinas
distintas: Inglês, Biologia, Matemática e Estudos Sociais.
34
- content knowledge;
- general pedagogical knowledge, with special reference to those broad principles and strategies of
classroom management and organization that appear to transcend subject matter;
- curriculum knowledge, with particular grasp of the materials and programs that serve as “tools of
the trade” for teachers;
- pedagogical content knowledge, that special amalgam of content and pedagogy that is uniquely the
province of teachers, their own special form of professional understanding;
- knowledge of learners and their characteristics;
- knowledge of educational contexts, ranging from the workings of the group or classroom, the
governance and financing of school districts, to the character of communities and cultures; and
43
Quatro fontes são destacadas pelo autor, para a construção dessa base de
conhecimentos: (1) o conhecimento do conteúdo, (2) o conhecimento de materiais e
estruturas educacionais - orientações curriculares, materiais didáticos; organização,
mecanismos e hierarquias vigentes em instituições de ensino; (3) o conhecimento
educacional formal, que diz respeito à compreensão e à exploração de resultados de
pesquisas relativas ao ensino e à aprendizagem; e, finalmente, (4) a sabedoria da
prática, que envolve princípios, ações, padrões elaborados pelo próprio professor,
ao longo de sua vivência diária. (SHULMAN, 1987, p.8-12).
No que se refere ao conhecimento do conteúdo, que deve incluir a
compreensão dos princípios de organização do objeto de ensino e das ideias
fundamentais relativas a esse objeto, Shulman acrescenta que
... o professor tem especial responsabilidade em relação ao conhecimento
do conteúdo, servindo como primeira fonte da compreensão do conteúdo
pelo estudante. A maneira pela qual essa compreensão é comunicada
transmite ao estudante o que é essencial sobre um assunto e o que é
periférico. Em face da diversidade dos alunos, o professor deve ter uma
compreensão flexível e multifacetada, adequada para dar explicações
alternativas dos mesmos conceitos ou princípios. O professor também
comunica, conscientemente ou não, as ideias sobre as maneiras em que a
“verdade” é determinada em um campo e um conjunto de atitudes e valores
que influenciam marcadamente a compreensão do aluno. Essa
responsabilidade coloca exigências especiais sobre a profundidade de
compreensão pelo próprio professor, das estruturas do assunto, bem como
sobre as atitudes de entusiasmo do professor em relação ao que está sendo
ensinado e aprendido. Estes muitos aspectos do conhecimento do
conteúdo, portanto, são devidamente entendidos como uma característica
central da base de conhecimento de ensino35. (SHULMAN, 1987, p.9,
tradução nossa).
Nesse caso, esse tipo de conhecimento diz respeito à “quantidade e
organização do conhecimento na mente do professor”, ao domínio profundo que um
professor precisa ter, não apenas sobre fatos, conceitos e procedimentos relativos a
- knowledge of educational ends, purposes, and values, and their philosophical and historical
grounds. (SHULMAN, 1987, p.8).
35
The teacher has special responsibilities in relation to content knowledge, serving as the primary
source of student understanding of subject matter. The manner in which that understanding is
communicated conveys to students what is essential about a subject and what is peripheral. In the
face of student diversity, the teacher must have a flexible and multifaceted comprehension, adequate
to impart alternative explanations of the same concepts or principles. The teacher also
communicates, whether consciously or not, ideas about the ways in which “truth” is determined in a
field and a set of attitudes and values that markedly influence student understanding. This
responsibility places special demands on the teacher’s own depth of understanding of the structures
of the subject matter, as well as on the teacher’s attitudes toward and enthusiasms for what is being
taught and learned. These many aspects of content knowledge, therefore, are properly understood
as a central feature of the knowledge base of teaching. (SHULMAN, 1987, p.9).
44
um conteúdo, mas sobre a forma em que esse conteúdo é organizado e estruturado
no corpo da Matemática e também sobre a relação entre esse conteúdo e os demais
temas da Matemática e de outras áreas do conhecimento. Não é suficiente, por
exemplo, que o professor saiba que determinado conceito ou procedimento “é
assim” – ele precisa saber “por que é assim” e precisa ser capaz de elaborar
argumentos que dão a garantia para que seja assim. (SHULMAN, 1986, p. 9).
Por outro lado, o conhecimento pedagógico do conteúdo diz respeito ao
ensino desse conteúdo, incluindo a capacidade de seleção, organização e gestão
dos componentes que farão uma abordagem mais compreensível ao aluno, tais
como representações, explanações, analogias, argumentações e provas. Assim, é
desejável que o professor disponha de um acervo variado de exemplos e formas
distintas de abordagens que resultem de sua vivência como professor ou da
investigação.
A identificação de pré-concepções trazidas pelos alunos e o conhecimento de
estratégias que permitam superar e transformar essas concepções também são
constituintes do conhecimento pedagógico do conteúdo, assim como a previsão de
equívocos e a influência que estes podem exercer no processo de aprendizagem de
novos conteúdos.
Dessa forma, o raciocínio pedagógico, segundo Shulman (1987, p.15), ocorre
num processo que inclui:

a compreensão de uma ideia pelo professor sob várias perspectivas;

a transformação dessa ideia para que seja compreendida pelos
estudantes;

a instrução que envolve a organização e gestão da sala de aula, os
questionamentos e as interações,

a avaliação que exige a compreensão do material e dos processos de
aprendizagem, para analisar o desempenho do aluno e ajustar as
experiências,

a reflexão, envolvendo a análise crítica do trabalho dos alunos e do
trabalho do próprio professor

e uma nova compreensão do assunto, dos objetivos, dos alunos e do
próprio professor.
45
Quanto ao conhecimento curricular do conteúdo, está relacionado à
familiaridade necessária ao professor, no que se refere às orientações e
recomendações curriculares para a introdução e desenvolvimento de um conteúdo e
à exploração de materiais didáticos, recursos e estratégias alternativas para as
intervenções que se fizerem necessárias.
Da mesma forma, o professor deve conhecer a distribuição desse conteúdo
nos currículos prescritos, prevendo possíveis conexões entre esse conteúdo e os
demais assuntos estudados simultaneamente, pelo aluno, em outras disciplinas
(conhecimento curricular lateral) e também articulando questões relacionadas a esse
conteúdo, mas pertinentes aos currículos de anos anteriores ou posteriores
(conhecimento curricular vertical). (Shulman, 1986, p.10).
Um refinamento das categorias definidas por Shulman foi apresentado por
Ball et al (2008), dedicando atenção especificamente à forma em que os professores
necessitam saber determinado conteúdo, para ensiná-lo e além disso, “o que mais
os professores necessitam saber sobre Matemática e como e onde poderiam os
professores usar tal conhecimento, na prática”36 (BALL et al, 2008, p.4, grifos dos
autores, tradução nossa).
Assim, o foco dos estudos desenvolvidos por Ball et al está sobre o “trabalho
de ensinar” ou seja, sobre o que os professores fazem quando ensinam Matemática
e sobre as percepções, a compreensão e o raciocínio matemático necessários para
esse trabalho. (loc.cit.).
A figura a seguir explicita a correspondência entre as categorias iniciais
estabelecidas por Shulman (1986) e as categorias definidas por Ball et al (2008)
para o conhecimento do conteúdo necessário ao ensino:
36
“... what else do teachers need to know about mathematics and how and where might teachers use
such mathematical knowledge in practice?” (BALL et al, 2008, p.4).
46
Figura 1 - Correspondência entre categorias do conhecimento do conteúdo estabelecidas por
37
Shulman (1986) e Ball et al (2008)
Fonte: Ball et al (2008, p.5, tradução nossa)
Nessa distribuição, fez-se o desmembramento do conhecimento do conteúdo
(em conhecimento do conteúdo comum e conhecimento do conteúdo especializado)
e do conhecimento pedagógico do conteúdo (em conhecimento do conteúdo e dos
estudantes, conhecimento do conteúdo e do ensino e conhecimento curricular do
conteúdo), que se definem conforme segue.
Conhecimento do conteúdo

Conhecimento do conteúdo comum
O conhecimento do conteúdo comum se caracteriza pela compreensão
essencial (básica) da Matemática, que capacita o professor para o desenvolvimento
37
Fonte : Ball et al (2008, p.5)
47
das tarefas propostas aos estudantes, para a utilização correta de termos,
representações e notações e para a identificação de incorreções ou inadequações
quer em produções dos alunos, quer em materiais didáticos.

Conhecimento do conteúdo especializado
O conhecimento do conteúdo especializado é distinto do conhecimento
especializado necessário ao matemático, visto que tem estreita ligação com a
prática docente e também distinto do conhecimento pedagógico do conteúdo, pois
prescinde do conhecimento dos estudantes. Constitui-se da capacidade não apenas
de perceber os erros, mas de analisar e identificar prováveis causas desses erros e
apresentar, imediatamente, aos alunos, esclarecimentos precisos e respostas
convincentes, a fim de ajudá-los a enfrentar e superar suas dificuldades.
Essa
categoria
de
conhecimento
inclui,
igualmente,
as
habilidades
necessárias à proposição de trabalhos aos alunos e à classificação desses
trabalhos, ao confronto de estratégias e soluções distintas e à identificação de linhas
de raciocínio que seriam matematicamente corretas (ou não) ou que funcionariam
sempre (ou não).
Essas são, conforme observam Ball et al (2008, p.7-8) exigências específicas
do trabalho do professor – não são necessárias, por exemplo, a uma pessoa que
tenta solucionar uma situação do cotidiano. Não são conhecimentos necessários ao
professor porque devem ser ensinados aos alunos. São necessários para que o
professor desempenhe eficazmente o seu papel de ensinar. Ball et al (2008, p.8) se
expressam a esse respeito, dizendo: “nosso ponto aqui não é sobre o que os
professores precisam ensinar, mas, sobre o que eles por si mesmos necessitam
saber e ser capazes de fazer para levar a cabo uma forma responsável de
ensinar”38. (tradução nossa)
38
“Our point here is not about what teachers need to teach, but about what they themselves need to
know and be able to do in order to carry out any responsible form of teaching”. (BALL et al, 2008,
p.8).
48
Conhecimento pedagógico do conteúdo

Conhecimento do conteúdo e dos estudantes
O conhecimento do conteúdo e dos estudantes associa a compreensão da
Matemática ao conhecimento do pensamento matemático desses estudantes –
advindo da experiência –, permitindo ao professor a previsão e interpretação de
erros típicos e a busca de estratégias para a sua superação.

Conhecimento do conteúdo e do ensino
Em complementação, o conhecimento do conteúdo e do ensino combina a
compreensão de conteúdos específicos da Matemática com a compreensão de
assuntos pedagógicos que podem interferir no processo de ensino e aprendizagem.
Diz respeito à capacidade de organização da instrução, à avaliação das vantagens
de utilizar determinadas representações e exemplos e à decisão e escolha de
encaminhamentos para a abordagem de um conteúdo.
As fronteiras entre essas categorias são linhas tênues que permitem
interpretações distintas a respeito dos conhecimentos necessários ao ensino de
Matemática. No entanto, independentemente disso, como ignorar questões como:
Onde, por exemplo, os professores desenvolvem o uso explícito e fluente da
notação matemática? Onde eles aprendem a inspecionar definições e
estabelecer a equivalência de definições alternativas para um dado
conceito? Eles aprendem definições para frações e comparam sua
utilidade? Onde eles aprendem o que constitui uma boa explicação
matemática? Eles aprendem por que 1 não é considerado primo, ou como e
por que o algoritmo da divisão pelo processo longo funciona? Os
professores precisam saber esses tipos de coisas, e precisam se engajar
nessas práticas matemáticas, por si mesmos, para ensinar e eles precisam
também aprender a ensiná-los aos estudantes. O conhecimento explícito e
as habilidades nessas áreas são vitais para o ensino 39. (BALL et al, 2008,
p.12, tradução nossa).
Finalmente, importa-nos acrescentar considerações sobre a necessidade de
auxiliar os professores, na construção desses conhecimentos.
39
Where, for example, do teachers develop explicit and fluent use of mathematical notation? Where
do they learn to inspect definitions and to establish the equivalence of alternative definitions for a
given concept? Do they learn definitions for fractions and compare their utility? Where do they learn
what constitutes a good mathematical explanation? Do they learn why 1 is not considered prime, or
how and why the long division algorithm works? Teachers must know these sorts of things, and
engage in these mathematical practices themselves in order to teach and they must also learn to
teach them to students. Explicit knowledge and skill in these areas is vital for teaching. (BALL et al,
2008, p.12).
49
O estudo desenvolvido por Zeichner (1993) é voltado para questões
relacionadas ao modo como os professores aprendem a ensinar e à maneira como
os cursos de formação de professores promovem o desenvolvimento de atitudes,
saberes e capacidades essenciais ao desenvolvimento de um trabalho que seja
eficaz para ensinar uma população variada de estudantes.
Em sua obra “A formação reflexiva de professores: ideias e práticas” (1993,
p.16), Zeichner defende a ideia de que os professores precisam cultivar uma postura
reflexiva, em relação à sua vivência como docentes, desempenhando papel ativo,
tanto no estabelecimento dos objetivos de seu trabalho, como na escolha das
estratégias que serão utilizadas para alcançar esses objetivos. Nesse sentido,
conceber o professor como prático reflexivo significa, segundo o mesmo
pesquisador, reconhecer a riqueza de sua experiência e também sua capacidade de
elaborar teorias/conhecimentos sobre o que pode ser um ensino de qualidade
(p.16,17).
Sob essa perspectiva, o professor prático reflexivo é igualmente capaz de
analisar e julgar a pertinência de sugestões e propostas de ensino formuladas por
terceiros, a fim de adequá-las às suas próprias teorias e à sua realidade escolar.
É nesse sentido que o olhar emprestado de Zeichner nos permitiu interpretar
o processo crescente de reflexão, no grupo de professores participantes de nosso
estudo, não apenas sobre a própria prática, mas também sobre orientações
curriculares relativas à abordagem dos números irracionais. Assim, outros aspectos
das ideias defendidas por Zeichner, considerados mais especificamente em relação
ao nosso experimento, são destacados no capítulo 5, que contém a análise dos
resultados das fases 2 e 3 desta investigação.
Dessa forma, a opção por fundamentar nossa investigação, no que concerne
à formação de professores, nas ideias defendidas por Shulman (1986, 1987) sobre
os conhecimentos necessários ao ensino, de forma geral, por Ball et al (2008) sobre
os conhecimentos necessários especificamente ao ensino de Matemática e por
Zeichner (1993) sobre a importância da atitude reflexiva, é justificada pelo interesse
de nosso estudo, no sentido de investigar os conhecimentos necessários ao
professor para o ensino dos números irracionais, a partir das discussões promovidas
50
durante um processo de formação continuada de um grupo de professores que
estavam vivenciando um momento de implementação de inovações curriculares.
Esse estudo deveria, a nosso ver, oferecer ao grupo a oportunidade de
desenvolver uma atitude crítica, reflexiva, sobre sua prática pedagógica em relação
aos números irracionais e também em relação às orientações contidas no novo
currículo prescrito, para o ensino desse conteúdo – ideias discutidas em Zeichner
(1993). Deveria, igualmente, favorecer ao grupo e a nós, a reflexão sobre os
conhecimentos necessários ao professor para ensinar esse conteúdo – ideias
discutidas em Shulman (1986, 1987) e Ball et al (2008).
51
CAPÍTULO 2
NÚMEROS IRRACIONAIS
ORIENTAÇÕES CURRICULARES E
ABORDAGENS DE LIVROS DIDÁTICOS
Neste capítulo, são expostos os resultados da pesquisa documental que se
constituiu como parte necessária à identificação de elementos que poderiam indicar:
a dimensão atribuída aos números irracionais nos currículos de Matemática da
Educação Básica, as expectativas de aprendizagem estabelecidas para esse
conteúdo em documentos oficiais de referência curricular, bem como as orientações
e recomendações constantes desses documentos para a abordagem desse
conteúdo. Apresentamos também considerações a respeito das abordagens dos
números irracionais contidas em livros didáticos adotados por professores
participantes de nosso estudo.
Conforme referido anteriormente, para a escolha desses documentos,
levamos em conta o fato de que os professores estavam incumbidos de implementar
as orientações contidas no novo Currículo do Estado de São Paulo (2010), em sala
de aula.
Esse Currículo, por sua vez, está fundamentado nos documentos curriculares
de referência nacional divulgados pelo MEC. Assim, optamos por analisar os PCN
(1997, 1998), PCNEM (2000), PCN+(2002), as OCEM (2006), as Diretrizes
Curriculares (2010, 2011), além do Currículo do Estado de São Paulo (2010).
No que se refere aos cursos de nível superior, examinamos as Diretrizes
Curriculares Nacionais para cursos de Licenciatura em Matemática (2001, 2002,
2003).
Essa etapa de nosso estudo teve o propósito de reunir subsídios para o
exame dos dados concernentes ao conhecimento específico sobre números
52
irracionais e aos conhecimentos didáticos e curriculares também relativos a esse
conteúdo, dos sujeitos da nossa pesquisa.
Embora não faça parte do escopo desta investigação uma análise minuciosa
de orientações curriculares, apresentamos, a seguir, uma interpretação dos
documentos vigentes no Brasil, no que se refere ao ensino do conteúdo objeto de
nosso estudo – os números irracionais.
2.1.
Orientações curriculares para o ensino de números irracionais na Educação
Básica
Conforme o artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 40
(LDBEN nº 9.394/96), os currículos do Ensino Fundamental e Médio devem
constituir-se de uma base nacional comum que, em cada sistema de ensino ou
estabelecimento escolar, será complementada por uma parte diversificada, no
sentido de garantir a construção de saberes indispensáveis a todos os estudantes e
a adequação dos conhecimentos escolares à realidade de diferentes comunidades.
Em atendimento a essa determinação, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) foram implementados pelo MEC, a partir de 1997, contendo inovações
destinadas a oferecer um conjunto flexível de diretrizes que norteassem a elaboração
de currículos e conteúdos – como base nacional comum – destinados ao Ensino
Fundamental.
2.1.1. Os números irracionais no Ensino Fundamental
Os itens que seguem dizem respeito às orientações apresentadas nos
Parâmetros Curriculares Nacionais e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Fundamental sobre a abordagem dos irracionais nessa etapa escolar.
40
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996, regulamentada em 1998 pelas
Diretrizes do Conselho Nacional de Educação e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998),
que dispõe sobre a construção dos currículos para o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. A LDB
nº 9.394/96 foi complementada por outras leis específicas que determinam, por exemplo, a inclusão
de temas como saúde, sexualidade, direitos dos idosos, educação para o trânsito.
53

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998)
Para o interesse de nossa investigação, destacamos que um dos objetivos
estabelecidos nos PCN (BRASIL, 1998), para o ensino de Matemática ao longo dos
dois últimos anos41 do Ensino Fundamental, é o desenvolvimento do pensamento
numérico que resulte na consolidação e ampliação dos significados dos números,
pela percepção da existência de números que não são racionais (p.81).
A ausência de situações do cotidiano ou verificações empíricas que possam
ser tomadas como pontos de partida para a introdução do número irracional e o grau
de abstração necessário à compreensão da noção de densidade do conjunto dos
racionais na reta numérica racional são apontados no texto, como alguns dos
responsáveis por dificuldades enfrentadas no processo de aprendizagem do
conteúdo números irracionais.
Ressalta-se também a importância de confrontar o aluno com situações que
mostrem a insuficiência do conjunto dos racionais, por meio de uma abordagem que
não enfatize os cálculos com radicais, observando-se que
O importante é que o aluno identifique o número irracional como um número
de infinitas “casas” decimais não periódicas, identifique esse número com
um ponto na reta, situado entre dois racionais apropriados, reconheça que
esse número não pode ser expresso por uma razão de inteiros; conheça
números irracionais obtidos por raízes quadradas e localize alguns na reta
numérica, fazendo uso, inclusive, de construções geométricas com régua e
compasso. Esse trabalho inicial com os irracionais tem por finalidade,
sobretudo, proporcionar contraexemplos para ampliar a compreensão dos
números (PCN, 1998, p.83).
Além disso, os autores chamam a atenção para a importância do trabalho
com as aproximações racionais para números irracionais, que pode favorecer a
discussão sobre o arredondamento de números representados na forma decimal e
sobre suas consequências para os resultados de operações com números racionais
e irracionais (ibid., p.83, 84).
Sugere-se, igualmente, a proposição de atividades que favoreçam o
desenvolvimento da capacidade de analisar, interpretar, formular e solucionar
problemas que envolvam significados distintos dos números naturais, inteiros,
41
Os dois últimos anos do Ensino Fundamental correspondem às 7ª e 8ª séries, respectivamente, 8º
e 9º anos do Ensino Fundamental – período indicado como 4º ciclo do Ensino Fundamental, nos
PCN (1998).
54
racionais e irracionais e das operações válidas nesses conjuntos numéricos (ibid.,
p.87).
Nos campos da Geometria e das Grandezas e Medidas, as ações indicadas
neste documento incluem

Estabelecimento da razão aproximada entre a medida do comprimento de
uma circunferência e seu diâmetro (ibid., p.88)

Verificações experimentais e aplicações do teorema de Tales (ibid., p.89).

Estabelecimento da relação entre a medida da diagonal e a medida do lado
de um quadrado e a relação entre as medidas do perímetro e do diâmetro de
um círculo (ibid., p.90).
Tais recomendações são acompanhadas de orientações didáticas postas sob
a intenção de contribuir para a reflexão sobre como ensinar, contendo uma análise
de parte dos conceitos e procedimentos indicados e considerações sobre como esse
conhecimento é elaborado ou construído pelos alunos.
Por exemplo, sobre a obtenção da medida da diagonal de um quadrado de
lado unitário, complementando considerações a respeito da inadequação de um
tratamento formal dos irracionais nesta etapa da escolaridade, os autores observam
que
Nesse caso, pode-se informar (ou indicar a prova) da irracionalidade de
,
por não ser uma razão de inteiros. O problema das raízes quadradas de
inteiros positivos que não são quadrados perfeitos,
,
etc., poderia
seguir-se ao caso particular de . (ibid., p.106).
Assim sendo, dado que não se propõe um trabalho com o desenvolvimento
de justificativas formais, nesta fase escolar, entendemos que, ainda que o professor
informe ou indique uma prova formal da irracionalidade de
, espera-se que o
aluno “aceite” o fato de que um número irracional não pode ser representado na
forma a/b com a e b inteiros e b não nulo.
No que concerne à abordagem experimental do número
, que em geral se
faz pela observação da regularidade nos quocientes entre as medidas do
comprimento e do diâmetro de circunferências distintas, os autores fazem referência
ao risco de sugerir ao aluno a ideia de que
é racional, visto que os resultados
obtidos por medições são números racionais. De acordo com o texto, isso
55
constituiria obstáculo para o aluno aceitar a irracionalidade do número
. (ibid., p.
106, 107).
Em substituição a essa abordagem, são sugeridas atividades que favoreçam
a obtenção de aproximações sucessivas de
, com o auxílio de calculadoras
distintas, a fim de que os alunos percebam a ausência de período em sua expansão
decimal. (ibid., p.107).
Todavia, a indicação dessas atividades não alerta o professor para a
insuficiência da calculadora, como recurso para a introdução do conceito de número
irracional (e não apenas do número ), ou como recurso que precisaria ser utilizado
com reservas, associado a outras estratégias de abordagem, a fim de evitar a
construção de ideias incorretas sobre esses números.
Nas atividades a que se refere o texto, por exemplo, por maior que seja a
quantidade de dígitos das calculadoras que possam ser utilizadas, não há garantia
da ausência de período na parte da expansão decimal que não fica visível na
calculadora. Ou seja, ainda que se faça essa exploração, o fato de
ser número
irracional terá de ser aceito pelo aluno, quer por meio de esclarecimentos do
professor, quer por pesquisas em livros, na internet, ou outro material didático, uma
vez que a prova formal da irracionalidade de
não seria compreensível nesta fase
escolar, visto que exige conhecimentos que só em estudos posteriores poderão ser
construídos.
Além disso, essa exploração também envolveria apenas aproximações
racionais do número , o que, de qualquer forma, poderia resultar na conclusão de
que
é racional.
Por outro lado, com o propósito de evitar a construção da ideia de número
irracional reduzida a poucos representantes como
, os autores sugerem
que o trabalho sobre as operações com racionais e irracionais inclua uma
exploração de números da forma a + b.
, com a e b racionais, como recurso que
pode contribuir para a percepção da possibilidade de obter infinitos números
irracionais a partir de um único irracional – no caso,
. (ibid., p.107).
Destaca-se, ao mesmo tempo, a importância de estabelecer conexões entre
os diferentes blocos em que se organiza o currículo de Matemática – Números e
56
operações, Espaço e forma, Grandezas e medidas e Tratamento da informação –,
por meio da articulação entre aspectos distintos dos conteúdos, a fim de ampliar a
compreensão do aluno a respeito dos mesmos. (ibid. p.53).
Tendo em conta essas orientações, pensamos que um dos aspectos dos
números irracionais que permitiria a conexão entre blocos distintos de conteúdos é o
que envolve a incomensurabilidade de grandezas – interpretação geométrica dos
números irracionais. Como exemplo, o estudo do Teorema de Tales, proposto
inicialmente como atividade experimental, poderia posteriormente avançar para a
discussão sobre o caso que envolve segmentos incomensuráveis. Dessa maneira,
além de constituir oportunidade para a construção de conceitos e procedimentos
poderia ajudar o aluno a compreender melhor a ampliação dos campos numéricos.
Não se faz, todavia, referência a segmentos incomensuráveis, ao longo do
texto e também quando os autores aludem à razão entre a diagonal e o lado de um
quadrado qualquer, não há menção à incomensurabilidade desses dois segmentos.
Esse tema exigiria um tratamento formal que – interpretamos, nós – segundo a
abordagem sugerida neste documento, configura-se prematuro, nesta fase da
escolaridade.
A esse respeito, os autores esclarecem que as orientações oferecidas não
contemplam todos os aspectos dos conteúdos a serem desenvolvidos no Ensino
Fundamental II, devendo ser complementadas e ampliadas com a leitura de
documentos que discutam resultados de pesquisas desenvolvidas sobre o tema
(ibid., p.95).
Esclarecem, igualmente, que a organização dos conteúdos pressupõe que se
levem em conta alguns pontos como:


Os conteúdos organizados em função de uma conexão não precisam ser
esgotados necessariamente de uma única vez, embora deva-se chegar a
algum nível de sistematização para que possam ser aplicados em novas
situações. Alguns desses conteúdos serão aprofundados, posteriormente em
outras conexões, ampliando dessa forma a compreensão dos conceitos e
procedimentos envolvidos;
Os níveis de aprofundamento dos conteúdos em função das possibilidades
de compreensão dos alunos, isto é, levando em conta que um mesmo tema
será explorado em diferentes momentos da aprendizagem e que sua
consolidação se dará pelo número cada vez maior de relações estabelecidas.
(ibid., p.53).
57
Tais considerações poderiam, a nosso ver, justificar a ausência de quaisquer
orientações relativas à proposição de atividades que envolvam grandezas
incomensuráveis, neste nível de escolaridade.
Dessa
forma,
embora
historicamente
a
existência
de
grandezas
incomensuráveis tenha sido a causa da criação do conjunto dos números
irracionais42, interpretamos que, em virtude da complexidade que envolve esse
tema, seu estudo seria postergado para o Ensino Médio ou para a universidade,
quando os estudantes provavelmente teriam conhecimentos prévios suficientes para
compreender esse conteúdo.

Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica
(2010) e Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
de nove anos (2010)
Como resultado de novas discussões com respeito à organização e
funcionamento da Educação Básica, à qualidade da educação, tendo em vista o
acesso, a permanência, a inclusão e o sucesso de todos os estudantes na instituição
de ensino e visando o estabelecimento de bases comuns nacionais para a Educação
Básica, foram formuladas as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica (2010) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental de nove anos (2010).
Segundo esses documentos, os conteúdos que compõem o currículo do
Ensino Fundamental, denominados por componentes curriculares, se organizam e m
quatro áreas que abrangem alguns objetos de estudo comuns, por meio dos quais
se estabelece a interdisciplinaridade:

Linguagens

Matemática

Ciências da Natureza

Ciências Humanas. (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental de nove anos, 2010, p.13)
42
A esse respeito, ver, por exemplo, Caraça (2000, p. 47-61) e Lakoff & Núñez (2000, p. 70-71).
58
Não há, no entanto, nesses documentos, orientações quanto aos possíveis
encaminhamentos para o desenvolvimento de conteúdos que venham a compor
cada uma dessas áreas, nem quanto ao nível de aprofundamento desejável para os
mesmos. Sequer há indicação dos conteúdos que seriam distribuídos em cada uma
dessas áreas, ao longo do Ensino Fundamental.
Por outro lado, um exame das recentes orientações do MEC para a avaliação
do desempenho dos alunos nesta etapa escolar pode oferecer pistas a respeito
desses conteúdos. É certo que a matriz de referência utilizada para a elaboração
das questões que compõem tais avaliações não inclui itens cuja resolução requer
certas habilidades e competências que, conquanto sejam importantes, não poderiam
ser medidas por meio de questões de múltipla escolha. Entretanto, ainda que se
leve esse fato em consideração, observa-se que o destaque dado para os números
irracionais é reservado para as aproximações racionais desses números.
Citamos como exemplo, a Prova Brasil de 2011 que avaliou os
conhecimentos de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental. Um único descritor 43 se
refere aos números irracionais e, de certa forma, os trata como racionais, visto que
exige apenas o domínio de aproximações racionais de radicais não exatos. É o
descritor D-27: “efetuar cálculos simples com valores aproximados de radicais”, que
avaliou “a habilidade de o aluno resolver expressões com radicais não exatos,
resolvendo os radicais com aproximações, como no caso dos números irracionais”.
(BRASIL, PDE: 2008 p.153; 183; 184).
2.1.2. Os números irracionais no Ensino Médio
Destacamos, a seguir, as recomendações apresentadas nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, nas Orientações Curriculares publicadas pelo MEC e nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio sobre a abordagem dos
irracionais nessa etapa da escolaridade.
43
Descritor: termo utilizado para descrever, indicar, detalhar as habilidades e competências relativas
a determinado conteúdo que deve ser dominado pelos estudantes. Os descritores permitem a
mensuração das aprendizagens que se esperam dos alunos, no período avaliado por meio de uma
prova. (Matrizes de Referência para a Avaliação SARESP, 2009, p.13).
59

Documentos referentes aos Parâmetros Curriculares do Ensino Médio
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNEM, 2000), são finalidades da formação que se pretende oferecer ao aluno: a
aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade de usar
tecnologias, num processo que visa preparar o aluno como cidadão e como autor de
seu próprio conhecimento, pelo desenvolvimento de competências relativas à
abstração, à organização do pensamento, à elaboração de estratégias para a
resolução de problemas e pelo desenvolvimento de atitudes como disposição para
trabalhar em equipe, para a comunicação e para a busca de novos conhecimentos.
Essas são competências básicas que permitem desenvolver no aluno a capacidade
de “aprender a aprender” num processo contínuo de formação que favorece a
leitura, interpretação e compreensão do mundo. (Parte I - Bases Legais, p.15, 16).
Por outro lado, segundo o artigo 35 da LDB (Lei 9.394/96), uma das
finalidades do Ensino Médio como etapa final da Educação Básica é a “consolidação
e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental,
possibilitando o prosseguimento de estudos”.
O “aprofundamento dos conhecimentos adquiridos”, a que se refere o artigo
35 acima, diz respeito, conforme esclarecem os PCNEM (2000), ao desenvolvimento
da capacidade de aprender, ao aperfeiçoamento do uso de linguagens no processo
de construção desses conhecimentos e à formação de atitudes e valores (p.73).
Esse documento, organizado em: Parte I – Bases Legais; Parte II –
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Parte III – Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias; Parte IV – Ciências Humanas e suas Tecnologias,
apresenta uma descrição das competências específicas a serem desenvolvidas por
meio das disciplinas, não contendo, no entanto, um detalhamento dos conteúdos a
serem trabalhados nessas disciplinas ou orientações pedagógicas para o
desenvolvimento dos conteúdos, nessa etapa da escolaridade.
Com a finalidade de suprir essa lacuna, foram publicados os PCN+ (2002)
que reiteram considerações explicitadas no documento anterior, a respeito da
importância do ensino dos conteúdos, visando o desenvolvimento de competências
para a resolução de problemas (ler, compreender e interpretar formas textuais
diferentes, dominar códigos e nomenclaturas da linguagem matemática, elaborar
60
estratégias de resolução, argumentar e expressar ideias), que permitam aprimorar
formas de pensar em Matemática. (PCN+, 2002, p.112).
Além disso, esse documento propõe uma seleção dos temas a serem
trabalhados, a fim de que os alunos possam avançar em seus conhecimentos, a
partir do ponto em que se encontram e, ao mesmo tempo, sejam capazes de
articular ideias e conceitos distintos e estabelecer relações entre os conteúdos
desenvolvidos.
O conjunto de temas nomeados nesse documento, para favorecer o
desenvolvimento das competências estabelecidas, foi organizado em três eixos ou
“temas estruturadores”: (1) Álgebra: números e funções; (2) Geometria e medidas e
(3) Análise de dados.
O desenvolvimento do primeiro eixo (Álgebra: números e funções) é
organizado em duas unidades temáticas:
1.
Variação de grandezas: noção de função, funções analíticas e não
analíticas; representação e análise gráfica; sequências numéricas:
progressões e noção de infinito; variações exponenciais ou logarítmicas;
funções seno, cosseno e tangente; taxa de variação de grandezas.
2.
Trigonometria: do triângulo retângulo; do triângulo qualquer; da
primeira volta. (ibid., p.122, 123, destaque dos autores).
Com respeito aos números reais e às funções de variáveis ou incógnitas
reais, que constituem objetos de estudo desse eixo, os autores esclarecem que
Os procedimentos básicos desse tema se referem a calcular, resolver,
identificar variáveis, traçar e interpretar gráficos e resolver equações de
acordo com as propriedades das operações no conjunto dos números reais
e as operações válidas para o cálculo algébrico. Esse tema possui
fortemente o caráter de linguagem com seus códigos (números e letras) e
regras (as propriedades das operações), formando os termos desta
linguagem que são as expressões que, por sua vez, compõem as
igualdades e desigualdades. (ibid., p.121).
No que se refere, especificamente, ao conjunto dos números reais,
acrescenta-se que
Ainda neste tema, é possível alargar e aprofundar o conhecimento dos
alunos sobre números e operações, mas não isoladamente dos outros
conceitos, isto é, pode-se tratar os números decimais e fracionários, mas
mantendo de perto a relação estreita com problemas que envolvem
medições, cálculos aproximados, porcentagens, assim como os números
irracionais devem se ligar ao trabalho com geometria e medidas. (ibid., p.
122, grifo dos autores).
61
Dessa forma, o estudo dos números irracionais estaria inserido também no
segundo eixo (Geometria e medidas), que inclui a quantificação de determinadas
grandezas, estabelecendo a relação entre o estudo dos números e o estudo das
formas geométricas.
Quanto às “estratégias para a ação” destinadas ao desenvolvimento dos
conteúdos indicados, as orientações fornecidas neste documento são de caráter
geral, acerca da importância de escolher a resolução de problemas como
perspectiva
metodológica,
da
exploração
de
trabalhos
em
grupos,
do
desenvolvimento de projetos e da avaliação.
Em
2006,
com
a
finalidade
de
complementar
as
recomendações
apresentadas nos documentos destacados nos parágrafos anteriores, foram
publicadas as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), que tratam da
seleção dos conteúdos para o Ensino Médio e acrescentam recomendações sobre o
tratamento a ser dispensado a esses conteúdos. Além disso, discutem questões
ligadas ao projeto pedagógico e à organização curricular.
Nesse documento, os conteúdos de Matemática estão organizados em quatro
grandes blocos: Números e operações; Funções; Geometria; Análise de dados e
probabilidade, cabendo ao professor a tarefa de explorar meandros que permitam as
articulações possíveis entre eles, e também retomar, em determinados pontos desse
processo, temas já abordados ao longo do Ensino Fundamental, a fim de consolidar
ideias cuja compreensão exige maior maturidade. (OCEM, 2006, p.70).
Nessa disposição, além do trabalho com a resolução de problemas que
envolvem números inteiros e racionais em suas diversas representações,
recomenda-se a inclusão de problemas que tratam da necessidade de ampliação
dos campos numéricos e suas operações. Essa abordagem permite ao professor a
introdução do conjunto dos números irracionais como “uma necessidade matemática
que resolve a relação de medidas entre dois segmentos incomensuráveis, sendo
apropriado tomar o caso dos segmentos lado e diagonal de um quadrado como
ponto de partida.” (OCEM, 2006, p.71).
Ou seja, estas orientações representam um avanço em relação àquelas
apresentadas em documentos anteriores, como os PCNEM (2000) ou PCN+(2002),
no que se refere ao tratamento a ser dispensado ao conceito de número irracional,
62
como “etapa” fundamental para a introdução dos números reais. Segundo estas
orientações, o estudo dos números irracionais é retomado no Ensino Médio, pela
exploração de situações que envolvem raízes quadradas não exatas ou o número ,
pela caracterização dos números racionais e irracionais por suas expansões
decimais e pela localização de alguns deles na reta numérica (ibid., p.71). Além
disso, esse estudo é ampliado pela discussão sobre segmentos incomensuráveis, o
que pode favorecer o aprofundamento e a consolidação de conhecimentos cuja
construção foi iniciada
no
Ensino
Fundamental,
constituindo
assim,
uma
oportunidade para o estabelecimento da relação entre números irracionais e
incomensurabilidade de grandezas.

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio44 (2011)
Reiteram-se, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(2011), os objetivos explicitados nos documentos referidos nos parágrafos
anteriores, no que diz respeito ao desenvolvimento de habilidades indispensáveis ao
exercício pleno da cidadania e também à continuidade dos estudos. Em suas
considerações sobre o currículo, por exemplo, os autores dessas Diretrizes
observam que
Além de uma seleção criteriosa de saberes, em termos de quantidade,
pertinência e relevância, e de sua equilibrada distribuição ao longo dos
tempos de organização escolar, vale possibilitar ao estudante as condições
para o desenvolvimento da capacidade de busca autônoma do
conhecimento e formas de garantir sua apropriação. Isso significa ter
acesso a diversas fontes, de condições para buscar e analisar novas
referências e novos conhecimentos, de adquirir as habilidades mínimas
necessárias à utilização adequada das novas tecnologias da informação e
da comunicação, assim como de dominar procedimentos básicos de
investigação e de produção de conhecimentos científicos. É precisamente
no aprender a aprender que deve se centrar o esforço da ação pedagógica,
para que, mais que acumular conteúdos, o estudante desenvolva a
capacidade de aprender, de pesquisar e de buscar e (re) construir
conhecimentos. (p.40, 41).
Para atender a esses objetivos, os componentes curriculares são organizados
em quatro áreas de conhecimento: (I) Linguagens; (II) Matemática; (III) Ciências da
Natureza; (IV) Ciências Humanas (ibid., p.57,58), diferentemente das indicações
44
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PARECER CNE/CEB Nº 5/2011,
aprovado em 04/05/2011), atualizam a Resolução CNE/CEB nº 3, de 26/06/1998, revogando
disposições em contrário.
63
contidas nos PCNEM (2000), em que Matemática e Ciências da Natureza fazem
parte da mesma área de conhecimento.
Os objetos de conhecimento da área de Matemática, conforme estabelece a
Matriz de Referência para o ENEM 2011, distribuem-se em cinco blocos:
Conhecimentos
numéricos;
estatística
probabilidade;
e
Conhecimentos
geométricos;
Conhecimentos
Conhecimentos
algébricos;
de
Conhecimentos
algébricos/geométricos.
No que concerne ao bloco Conhecimentos numéricos, espera-se que, ao
concluir o Ensino Médio, um estudante domine conceitos relativos às “operações em
conjuntos
numéricos
(naturais,
inteiros,
racionais
e
reais),
desigualdades,
divisibilidade, fatoração, razões e proporções, porcentagem e juros, relações de
dependência entre grandezas, sequências e progressões, princípios de contagem”.
(Matriz de Referência para o ENEM 2011).
Tais conteúdos não são indicados como obrigatórios de um currículo mínimo,
conforme esclarecem as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(2011, p.52). No entanto, são vistos como direito dos estudantes, podendo, portanto,
ser exigidos por eles.
O domínio desses conteúdos inclui a capacidade de utilizar a Matemática
como ferramenta para “resolver situação-problema envolvendo conhecimentos
numéricos” e também a capacidade de “reconhecer, no contexto social, diferentes
significados e representações dos números e operações – naturais, inteiros,
racionais ou reais” (Matriz de Referência para o ENEM 2011).
Em nossa interpretação, está incluído nessas indicações o estudo dos
números irracionais – ainda que se atribua a esse conjunto uma importância restrita
à “ponte” que permite a passagem dos racionais para os reais. Contudo, não se
apresentam, nesse documento, indicações sobre a condução de abordagens que
favoreçam o desenvolvimento das habilidades esperadas nos alunos. Cabe então,
ao professor ou aos livros didáticos, a escolha de encaminhamentos e do nível de
aprofundamento que se irá conferir ao tratamento desse conteúdo, ao longo do
Ensino Médio.
Acrescentamos, finalmente, que as orientações e recomendações contidas
nos Parâmetros e Referenciais Curriculares para a Educação Básica publicados pelo
64
Ministério da Educação são a base sobre a qual foi elaborado o Currículo do Estado
de São Paulo (2010)45, que interpretamos conforme o que está exposto a seguir.
2.2. Currículo do Estado de São Paulo
O ensino a que se refere o Currículo do Estado de São Paulo (2010) é
pautado no compromisso de promover a construção do conhecimento como
ferramenta que deve ser mobilizada em competências (p.11). Ou seja, as ações que
se realizam no âmbito escolar devem articular os conteúdos, as medidas
pedagógicas e a mediação do professor, tendo como parâmetros os conhecimentos
que se espera que os alunos construam.
Propõe-se, então, a elaboração de um currículo com ênfase nos conteúdos
que sejam considerados relevantes no repertório de todos os alunos, ao final do
processo, levando-se em conta a necessidade de abordagens distintas, que
respeitem a diversidade dos estudantes. Dessa forma, a atuação do professor deve
consistir na mobilização de metodologias e saberes específicos de sua área de
conhecimento,
tendo
como
propósito
orientar
o
aluno
no
processo
de
desenvolvimento das competências necessárias à identificação de objetos que são
próprios de uma área de conhecimento e ao reconhecimento da importância de
estudar e explorar esses objetos. (Currículo do Estado de São Paulo, 2010, p. 12,
13).
Três eixos devem nortear a ação educacional, com vistas ao desenvolvimento
de competências básicas, no que se refere à Matemática, conforme especifica o
texto:

Expressão/compreensão – diz respeito à capacidade de ler, interpretar,
entender e expressar ideias relativas a números, formas, grandezas,
tabelas e gráficos, com vistas à compreensão da realidade;
45
O Currículo do Estado de São Paulo (2010) é a versão final da Proposta Curricular do Estado de
São Paulo, cuja primeira versão foi publicada em 2008, embora os Cadernos que integram esse
Currículo ainda estejam em sua versão de 2009.
65

Argumentação/decisão – trata da capacidade de analisar, sintetizar e
estabelecer relações entre informações disponíveis, bem como elaborar
argumentos lógicos, obter conclusões e propor soluções;

Contextualização/abstração – se refere à capacidade de abstrair a partir
de situações concretas, e de contextualizar os temas estudados no
ambiente escolar. (ibid., p. 31-33).
Adotam-se, nesse Currículo, como competências básicas, conforme aquelas
especificadas pelo Enem46 (1998), e que atendem o que está estabelecido nos três
eixos referidos anteriormente, a capacidade de
expressão pessoal, de compreensão de fenômenos, de argumentação
consistente, de tomada de decisões conscientes e refletidas, de
problematização e enraizamento dos conteúdos estudados em diferentes
contextos e de imaginação de situações novas.(Currículo do Estado de São
Paulo, 2010, p.35).
Cumpre esclarecer que a estrutura do Currículo do Estado de São Paulo
(2010) distingue-se das demais propostas elaboradas anteriormente, visto que se
constitui em um conjunto de orientações metodológicas, acompanhadas de
sugestões de atividades exemplares, que foram distribuídas em quatro cadernos por
série, do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio (volumes 1, 2, 3 e 4, destinados
respectivamente ao 1º, 2º, 3º e 4º bimestres).
Dessa forma, integram o Currículo do Estado de São Paulo (2010) 16
Cadernos do Aluno e os correspondentes Cadernos do Professor, para o Ensino
Fundamental II e 12 Cadernos do Aluno e os correspondentes Cadernos do
Professor, para o Ensino Médio.
Para o desenvolvimento das competências mencionadas anteriormente, os
conteúdos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio foram organizados em três
grandes blocos temáticos: Números, Geometria e Relações.
Com respeito à introdução dos números irracionais – estudo que se insere no
bloco denominado Números –, tendo como principal objetivo a ampliação do campo
numérico, os autores sugerem a proposta de situações que problematizem a
necessidade de representar, por meio de uma raiz, a medida de determinados
46
Exame Nacional do Ensino Médio.
66
segmentos – por exemplo, a diagonal de um quadrado de lado unitário. (Currículo do
Estado de São Paulo, 2010, p. 40).
Desde o 3º bimestre do 7º ano do Ensino Fundamental, sem que haja menção
aos irracionais, faz-se uma antecipação desse conteúdo, pelo contato do aluno com
raízes não exatas, como
e
em atividades experimentais que envolvem a
proporcionalidade entre o lado e a diagonal de quadrados, utilizando régua e
calculadora para obter valores aproximados (Caderno do aluno, 6ª série/7º ano, v.3,
2009, p.28).
No mesmo caderno, outros experimentos por meio de medições são
propostos com a finalidade de apresentar aos alunos os números
e Φ47,
culminando em sua classificação, como números irracionais – que não podem ser
gerados por uma divisão entre inteiros (ibid., p.30-39). Embora se proponha o
cálculo de valores aproximados de
e
com o auxílio da calculadora, não
se faz, no texto, nenhuma referência a essas raízes, como números irracionais – o
que poderia sugerir, para o aluno, uma ideia inicial de que apenas
e Φ são
irracionais.
Essa iniciação aos irracionais é retomada, efetivamente, no 1º bimestre do 9º
ano do Ensino Fundamental, pelo estudo que se divide em

Conjuntos numéricos

Números irracionais

Potenciação e radiciação em R
Uma análise mais detalhada dos cadernos referentes ao 9º ano do Ensino
Fundamental, que contêm orientações específicas para a introdução e o
desenvolvimento do conceito de número irracional é apresentada a seguir.
47
Φ (minúscula: φ) ou phi é a vigésima primeira letra do alfabeto grego utilizada para representar
o número de ouro, em homenagem ao escultor Phideas (Fídias), que a teria utilizado para conceber
o Parthenon. Trata-se do número irracional
.
67
2.2.1. Cadernos do 9º ano do Ensino Fundamental
As orientações dirigidas ao professor sugerem, inicialmente, uma exploração
da representação de conjuntos por meio de diagramas de Venn48, sob a justificativa
de que essa abordagem favorece a percepção de relações entre conjuntos ou entre
elementos e conjuntos, como as de inclusão, intersecção, complementaridade,
pertinência, etc. Trata-se de uma antecipação ao estudo da ampliação dos conjuntos
numéricos – ideia que permeia as atividades propostas no Caderno – sob a
perspectiva da estrutura algébrica desses conjuntos.
Nota-se, igualmente, uma ênfase para as possíveis representações dos
números racionais, cuja exploração tem início no 8º ano, com a construção da fração
geratriz de dízimas periódicas, expandindo, no 9º ano, para a possibilidade de
representar qualquer racional na forma de dízima periódica e na forma de uma soma
infinita de frações decimais e, finalmente, por meio de uma fração contínua –
processo finito que envolve números inteiros e frações com numerador igual a 1.
Todavia, a sugestão dessa abordagem, que introduz a importante discussão
sobre a possibilidade de obtenção de aproximações racionais para números
irracionais, é posta, a nosso ver, sob frágeis argumentos, como
Finalizada esta breve apresentação sobre o assunto, queremos ressaltar,
mais uma vez, que o tratamento dado nesta Situação de Aprendizagem aos
números racionais e irracionais por meio de frações contínuas consiste em
uma alternativa à abordagem tradicional conduzida por boa parte dos
programas curriculares e livros didáticos. Deve ficar claro que a decisão
sobre incorporar ou não essa abordagem (ou parte dela) caberá ao
professor (Caderno do Professor, 8ª série, v.1, 2009, p.30).
São acrescentadas, em seguida, considerações sobre a utilização da
calculadora como recurso para encontrar aproximações de raízes como “uma
interessante porta de entrada para a expansão do conhecimento numérico de um
aluno de 8ª série” (loc.cit.). O que poderia progredir para uma discussão sobre a
densidade do conjunto dos números racionais na reta numérica, a nosso ver
necessária para introduzir a ideia de completude da reta. Isso poderia ser a base
para o que é dito quando se inicia o trabalho com a construção geométrica de
segmentos de medida irracional:
48
Diagramas de Venn: nome dado às representações gráficas de classes de objetos, em referência
ao lógico inglês John Venn (1834-1923). (ver Eves, 2004, p. 451).
68
Agora que a reta real está completamente preenchida, nos debruçaremos
sobre um problema que remonta à geometria da Grécia Antiga. Sabe-se
que os gregos antigos se interessavam por construções geométricas feitas
com o uso de dois dos instrumentos geométricos mais simples de todos: a
régua sem escala e o compasso. (ibid. p. 34).
Ou seja, nesta proposta, o aluno é antes informado de que na reta estão
representados todos os números racionais e irracionais, para depois localizar estes
números sobre a reta numérica, com o auxílio das construções geométricas.
Faz-se, é verdade, uma referência à correspondência biunívoca entre os
números reais e os pontos da reta numérica, como “uma propriedade importante,
que será amplamente utilizada daqui para a frente. Para cada número real, é
possível associar um único ponto de uma reta numerada” (ibid., p.20), mas não há
sugestão de ações que permitam ao aluno, ainda que intuitivamente, a construção
da ideia de que cada número real representa a medida de um único segmento
representado sobre a reta.
Percebe-se, assim, um compromisso com a inovação, que, de certa forma,
parece desvinculado da preocupação de proporcionar aos alunos a oportunidade de
melhor compreender conteúdo tão complexo como os números irracionais. Por
exemplo, como razão para a introdução dos conceitos de números algébricos e
transcendentes no 9º ano do Ensino Fundamental, os autores explicam que seria
uma forma de
...justificar para o aluno a diferença entre números irracionais como
eo
. Enquanto
é um número irracional algébrico, não há uma equação
algébrica com coeficientes inteiros que tenha como solução o número , o
que o caracteriza como irracional não algébrico (irracional transcendente:
quando um número real não é algébrico dizemos que ele é transcendente).
Todo número racional é algébrico, mas nem todo número irracional é
algébrico (Caderno do Professor, 8ª série, v.1, 2009, p.34).
É certo que em diversos pontos do texto há indicações de que o professor tem
autonomia para optar por esta abordagem (ou não) e é certo também que algumas
orientações contidas neste material, independentemente de serem incorporadas à
prática do professor, podem enriquecer seus conhecimentos – e talvez tenham sido
inseridas no texto sob essa intenção. Essa nossa interpretação poderia ser
justificada pelo período:
existem inúmeros exemplos de irracionais transcendentes, porém, até o
final do Ensino Fundamental o aluno terá contato com apenas alguns
69
poucos deles. Pode-se demonstrar matematicamente que são irracionais
transcendentes números como
e
(loc.cit.).
Entretanto, levando-se em conta, como exemplo, o fato de que o número
irracional
, necessariamente introduzido no Ensino Fundamental, para a
compreensão das ideias de perímetro e área do círculo, e que, em nosso ponto de
vista, deve ser “aceito” pelo aluno por um ato de fé, uma vez que a demonstração
formal de sua irracionalidade não convém - nem é viável – nesse nível de
escolaridade, como justificar a introdução dos irracionais transcendentes, ainda que
sejam “apenas” os indicados nesse material:
e
?
A esse respeito, os autores observam que não veem grandes obstáculos em
apresentar aos alunos do 9º ano a classificação dos números reais em algébricos e
transcendentes, “especialmente se houver interesse do professor em tratar o
assunto sob o ponto de vista da história da Matemática” (ibid., p.33).
Todavia, as orientações concernentes à abordagem da incomensurabilidade
de grandezas, cuja descoberta exigiu – na história da construção desse
conhecimento – a criação do conjunto dos números irracionais, se reduzem a duas
menções de certa forma “tímidas”, como “nem toda medida pode ser expressa na
forma de uma razão entre números inteiros. A descoberta da existência dos
segmentos incomensuráveis foi um dos fatos mais surpreendentes da história da
Matemática” (ibid., p.19) e “a existência de segmentos incomensuráveis implicou a
criação de um conjunto complementar aos números racionais e que foi denominado
irracional” (ibid., p.20, grifo dos autores).
Além disso, ao introduzir as orientações sobre a demonstração do Teorema
de Tales – Cadernos da 7ª série –, os autores já se referem aos segmentos
incomensuráveis como conteúdo que será tratado na 8ª série:
A partir de situações que exploram essa proporcionalidade de forma
intuitiva, é sugerida uma demonstração desse teorema com o objetivo de
validar as ideias adquiridas de maneira informal. Para contornar o problema
de segmentos incomensuráveis que a demonstração formal exige, e que é
tema do 1º bimestre da 8ª série, os argumentos da demonstração
encontram-se apoiados em cálculos de áreas de triângulos (Caderno do
Professor, 7ª série/8º ano, v.4, 2009, p.9).
...............................................................................................
70
A vantagem dessa abordagem é não precisar se referir a segmentos
incomensuráveis, nem à noção de semelhanças de figuras, temas da 8ª
série (Caderno do Professor, 7ª série/8º ano, v.4, 2009, p.32).
Essas referências aos segmentos incomensuráveis abririam possibilidades de
questões por parte dos alunos, que poderiam, a nosso ver, ser exploradas não
apenas no 9º ano, mas também posteriormente, ao longo do Ensino Médio.
Por outro lado, enfatiza-se a importância de ampliar o significado do número
, por meio, por exemplo, de atividades experimentais para a obtenção de seu valor
como razão entre o comprimento e o diâmetro de uma circunferência, ou atividades
que tratam da distribuição não periódica dos algarismos em sua representação
decimal. Faz-se também a sugestão de outras situações para que o aluno perceba a
possibilidade de aproximações tão precisas quanto desejarmos para o valor de
pelo método de aproximações sucessivas desenvolvido por Arquimedes
49
,
(séc.III
a.C). Essa seria, segundo os autores, uma estratégia de convencimento de que a
representação decimal de
é infinita e não periódica, em substituição à prova formal
da irracionalidade desse número – inviável nesta etapa escolar. (Caderno do
Professor, 8ª série, v.4, 2009, p. 13-15).
Além disso, são propostas outras atividades que envolvem o número
como
um conhecimento já construído, nos cadernos do Ensino Médio, conforme
observações que faremos mais adiante.
Outras sugestões feitas no texto para complementar a introdução do conceito
de número irracional, durante o 1º bimestre do 9º ano50, deixam visível o fato de que
este conteúdo merece ser retomado ao longo do ano, na medida em que são
trabalhados outros temas. É o caso da construção geométrica de raízes cujo índice
é uma potência de 2, diferente de 1, como
,
, por exemplo, que exigiria a
relação métrica h² = m.n no triângulo retângulo (sendo h a altura do triângulo relativa
à hipotenusa e m e n, as projeções dos catetos sobre a hipotenusa) – estudo
prescrito para o 3º bimestre do 9º ano do Ensino Fundamental.
49
50
Trata-se de método que envolve a construção de polígonos regulares inscritos e circunscritos a
uma circunferência dada. Conhecidos os perímetros dos polígonos inscritos e circunscritos a essa
circunferência, Arquimedes tentou definir um intervalo no qual estaria contida a medida do perímetro
do círculo.
Caderno do Aluno, 8ª série, v. 1, 2009, p. 37.
71
Essa retomada de noções relativas aos irracionais, no material destinado aos
demais bimestres do 9º ano, consiste na proposição de situações contextualizadas
que conduzem à dedução de fórmulas envolvendo o número
, ou que exigem a
aplicação das mesmas para o cálculo de perímetro, área e volume de figuras
circulares planas ou espaciais.
Outras atividades exploram a fórmula de Buffon 51, pela conexão entre a
geometria métrica e a probabilidade, em situações que permitem ao aluno a
percepção da presença da constante
nas fórmulas obtidas. (Caderno do
Professor, 8ª série, v.4, 2009, p.41-43).
Além da ênfase dada ao número , são propostas atividades sobre probabilidade
em situações que envolvem coroas circulares. Estas situações exigem a construção de
segmentos de medida irracional com o auxílio de régua e compasso – assunto sugerido
para o 1º bimestre. (Caderno do Professor, 8ª série, v.4, 2009, p.44-46).
Finalmente, é nossa interpretação que, conquanto o professor tenha liberdade
para enriquecer qualquer proposta de trabalho, ele corre o risco de, seguindo esta
abordagem no curso do 9º ano do Ensino Fundamental, apresentar, de forma
superficial, algumas ideias que são fundamentais, concernentes aos números
irracionais e que apenas eventualmente serão aprofundadas nas etapas posteriores
da escolaridade, dependendo do grau de importância que se dê a esse conteúdo.
2.2.2. Cadernos do Ensino Médio
Sob as orientações referidas nos parágrafos anteriores, a expectativa de
aprendizagem que se estabelece é de que o aluno, ao terminar o Ensino
Fundamental, “reconheça e saiba operar no campo numérico real, o que constituirá
a porta de entrada para aprofundamentos, sistematizações e o estabelecimento de
novas relações no Ensino Médio” (Currículo do Estado de São Paulo, 2010, p. 40,
41).
51
O método utilizado por Conde de Buffon, naturalista francês do século XVIII, consistiu em observar
o número de agulhas lançadas sobre um plano contendo linhas paralelas. Jogando ao acaso
algumas agulhas de comprimento menor do que a distância entre as linhas paralelas, o Conde de
Buffon registrou o número de agulhas que caíam sobre as linhas paralelas e o número de agulhas
que caíam nos intervalos entre as paralelas. Seu propósito era descobrir a probabilidade de jogar ao
acaso uma agulha sobre o tabuleiro e essa agulha cair sobre uma das paralelas. (ver Eves, 2004, p.
145).
72
No entanto, nos cadernos do Ensino Médio, não há um trabalho de retomada
de noções concernentes aos irracionais e tampouco se faz um aprofundamento
desse conteúdo, não obstante sejam apresentadas recomendações nesse sentido,
nas OCEM (2006), conforme referido anteriormente.
Observa-se também que a abordagem das funções logarítmicas e
trigonométricas52 proposta nesses documentos não favorece a discussão sobre esse
conteúdo, embora os valores dessas funções sejam irracionais, exceto para alguns
elementos do domínio. São feitas apenas observações como
Os logaritmos dos números que não são potências inteiras da base são
números irracionais e, na prática, são expressos em termos aproximados,
com um número fixo de casas decimais” (Caderno do Aluno, 1ª série do EM,
v.3, 2009, p. 18).
................................................................................................................
Existem métodos de cálculo para os logaritmos dos números que não são
potências inteiras de 10. Tais valores (aproximados, pois são números
irracionais) podem ser obtidos por meio de calculadoras (ou encontrados
em tabelas de logaritmos) e estão disponíveis para o uso de todos. (ibid.,
p.19).
Quanto às funções trigonométricas, embora sejam solicitados valores
aproximados, por exemplo, para os lados de polígonos inscritos ou circunscritos a
uma circunferência de raio 1, com o auxílio da Tabela Trigonométrica, não se faz
uma observação explícita sobre o fato de serem quase sempre números irracionais.
(Caderno do aluno, 1ª série EM, v.4, 2009, p.26 e 37-39).
Outro destaque é dado ao número e, apresentado ao longo da discussão
sobre grandezas cujo crescimento (ou decrescimento) ocorre com rapidez
diretamente proporcional ao valor da grandeza considerada, em cada instante,
acrescentando-se que
Tal como o número , o número é irracional e transcendente. Isso significa
que irracionais, como
, não são razões entre inteiros, mas são raízes de
equações algébricas com coeficientes inteiros (por exemplo, x² - 2 = 0); um
irracional é transcendente quando não existe equação algébrica com
coeficientes inteiros que o tenha como raiz, e esse é o caso de números
como
e e. Tais fatos, no entanto, não nos interessarão no presente
momento. Interessa-nos apenas conhecer uma função exponencial particular,
que vai ampliar significativamente o repertório de recursos para o tratamento
52
Funções: exponencial e logarítmica (v.3, 1ª série do EM) e funções trigonométricas, (v.4, 1ª série do
EM e v.1, 2ª série do EM).
73
matemático de diversos fenômenos em diferentes contextos. (Caderno do
Aluno, 3ª série do EM, v. 3, 2009, p.42).
Observamos, no entanto, que as ideias de números algébricos e
transcendentes – cuja discussão não seria interessante neste momento, conforme
diz o texto acima – já foram sugeridas anteriormente, no Caderno do Professor que
contém orientações referentes ao 9º ano do Ensino Fundamental (ocasião em que
são introduzidos os números irracionais) e talvez pudessem ser clarificadas na 3ª
série do Ensino Médio.
Acrescentamos finalmente que, conquanto seja demonstrada preocupação no
sentido
de
contemplar
aspectos
distintos
dos
números
irracionais,
as
recomendações oferecidas no Currículo do Estado de São Paulo (2010), bem como
nos Cadernos que dele fazem parte integrante, concentram no 9º ano, sobretudo no
1º bimestre, sugestões de discussões importantes, potencialmente ricas, que
poderiam ser distribuídas e aprofundadas ao longo do Ensino Médio, quando a
compreensão desse conteúdo provavelmente seria melhor.
2.3. Números irracionais: uma síntese da análise de orientações curriculares
Apresentamos, a seguir, uma síntese de nossas reflexões a respeito das
recomendações contidas nos documentos analisados, sobre o ensino do conceito de
número irracional.
Consideramos apropriado ressaltar que esses documentos apresentam
pontos comuns em suas orientações, a despeito da época em que foram elaborados
e do fato de haverem sido organizados por equipes distintas. Alguns desses pontos
são assinalados a seguir.
Conforme considerações feitas anteriormente, os PCNEM (2000) e os
PCN+(2002) apresentam uma lacuna em relação ao processo de ensino dos
números irracionais no Ensino Médio, solucionada por indicações constantes das
OCEM (2006), para a retomada e o aprofundamento desse tema, nessa etapa
escolar. Entretanto, o Currículo do Estado de São Paulo (2010) não segue as
sugestões desse último documento.
No que se refere à abordagem desse conteúdo no Ensino Fundamental, o
Currículo do Estado de São Paulo (2010) incorpora as sugestões para a introdução
74
dos irracionais contidas nos PCN (1998), propondo, além disso, um aprofundamento
que inclui, por exemplo, a representação de números racionais e irracionais por meio
de frações contínuas e a classificação dos irracionais em algébricos e
transcendentes – itens que, a nosso ver, precisariam de uma investigação quanto à
sua viabilidade em sala de aula.
Por outro lado, a densidade na reta, como característica do conjunto dos
números racionais, não ganha destaque, nestes documentos, como recurso que, em
nossa opinião, poderia ser explorado para favorecer a discussão em sala de aula
sobre a existência de pontos na reta que não correspondem a números racionais,
ampliando, posteriormente, para considerações também sobre a densidade dos
conjuntos dos irracionais e dos reais.
Outro ponto diz respeito à incomensurabilidade de grandezas. Trata-se de
tema que não figura no rol de conteúdos indicados para o Ensino Fundamental e
para o Ensino Médio, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e, embora sejam
feitas indicações nas OCEM (2006) para a sua introdução no Ensino Médio, a
abordagem contida no novo Currículo de São Paulo é restrita à definição de
segmentos comensuráveis ou incomensuráveis (que ocorre no 9º ano do Ensino
Fundamental). Apesar da indicação da apresentação da prova da irracionalidade de
, por redução ao absurdo, esses documentos não apresentam orientações para o
tratamento formal com a finalidade de convencer um aluno de que determinados
pares de segmentos não são múltiplos inteiros de um segmento tomado como
unidade de medida comum, por menor que este seja.
Isto posto, cabe agora uma análise do tratamento indicado para os números
irracionais em cursos de Licenciatura em Matemática.
2.4. Diretrizes para Cursos de Licenciatura em Matemática
Apresentamos a seguir, uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais
para cursos de formação de professores, no que se refere ao ensino dos números
irracionais.
As diretrizes estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (2001-2010)
para a formação de profissionais que atuarão na área da educação, em quaisquer
75
de seus níveis ou modalidades, indicam, dentre os princípios a serem atendidos por
cursos de formação de professores, a “sólida formação teórica nos conteúdos
específicos a serem ensinados na Educação Básica, bem como nos conteúdos
especificamente pedagógicos”. (ver seção 10.2 desse documento).
Por sua vez, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica (2002)53, em seu artigo 5º, determinam que o
projeto pedagógico de cada curso de formação terá em conta os seguintes pontos:
I – a formação deverá garantir a constituição das competências objetivadas
na educação básica;
II – o desenvolvimento das competências exige que a formação contemple
diferentes âmbitos do conhecimento profissional do professor;
III – a seleção dos conteúdos das áreas de ensino da educação básica deve
orientar-se por ir além daquilo que os professores irão ensinar nas
diferentes etapas da escolaridade;
IV – os conteúdos a serem ensinados na escolaridade básica devem ser
tratados de modo articulado com suas didáticas específicas;
V – a avaliação deve ter como finalidade a orientação do trabalho dos
formadores, a autonomia dos futuros professores em relação ao seu
processo de aprendizagem e a qualificação dos profissionais com condições
de iniciar a carreira. (grifos nossos).
Em seu artigo 10, o mesmo documento acrescenta que
A seleção e o ordenamento dos conteúdos dos diferentes âmbitos54 de
conhecimento que comporão a matriz curricular para a formação de
professores, de que trata esta Resolução [CNE/CP Nº 1, de 18/02/2002],
serão de competência da instituição de ensino, sendo o seu planejamento o
primeiro passo para a transposição didática, que visa a transformar os
conteúdos selecionados em objeto de ensino dos futuros professores.
Da mesma forma, a Resolução CNE/CES 3, de 18/02/200355, esclarece que
as Diretrizes Curriculares para os cursos de Bacharelado e Licenciatura em
53
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível
superior, curso de licenciatura, de graduação plena: Resolução CNE/CP Nº 1, de 18 de Fevereiro de
2002.
54
Conteúdos dos diferentes âmbitos: “cultura geral e profissional; conhecimento sobre crianças,
jovens e adultos; conhecimento sobre a dimensão cultural, social e política da educação, conteúdos
das áreas do ensino; conhecimento pedagógico; conhecimento advindo da experiência”. (Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior,
curso de licenciatura, de graduação plena. PARECER CNE/CP 009/2001, aprovado em 08/05/2001,
p.38).
55
Diretrizes Curriculares para os cursos de Matemática. RESOLUÇÃO CNE/CES 3, de 18/02/2003.
76
Matemática (2001)56 deverão orientar a elaboração do projeto pedagógico pelos
cursos, que explicitarão “as competências e habilidades de caráter geral e comum e
aquelas de caráter específico” e “os conteúdos curriculares de formação geral e os
conteúdos de formação específica”. (art. 1º; art. 2º itens b e c).
Constitui, portanto, responsabilidade dos cursos de formação de professores
não apenas a determinação de um rol de conteúdos que vá além dos prescritos para
a Educação Básica, mas também a apresentação de didáticas que contribuam para
o desenvolvimento de competências – algumas delas, de caráter mais geral, como
as referentes à “compreensão do papel social da escola” e outras mais específicas
do conhecimento do conteúdo, como
III – as competências referentes ao domínio dos conteúdos a serem
socializados, aos seus significados em diferentes contextos e sua
articulação interdisciplinar;
IV – as competências referentes ao domínio do conhecimento pedagógico;
V – as competências referentes ao conhecimento de processos de
investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica;
(Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação
plena, 2002, Resolução CNE/CP Nº 1, 18/02/2002, art. 6º).
Os cursos de licenciatura para a formação de professores dos anos finais do
Ensino Fundamental e do Ensino Médio devem atender também às Diretrizes
Curriculares Nacionais próprias de cada campo de conhecimento ou de atuação
profissional, conforme estabelece o artigo 7º do PARECER CNE/CP nº5/2006 57.
Assim, no que concerne à área de Matemática, conforme as Diretrizes
Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura
(2001)58 as habilidades e competências esperadas de um educador licenciado
consistem em:
a) elaborar propostas de ensino-aprendizagem de Matemática para a
educação básica;
b) analisar, selecionar e produzir materiais didáticos;
56
As Diretrizes Curriculares para os cursos de bacharelado e licenciatura em Matemática integram o
Parecer CNE/CES 1.302/2001.
57
PARECER CNE/CP Nº 5/2006, aprovado em 04/04/2006, propõe normas referentes à Formação de
Professores para a Educação Básica.
58
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura
PARECER Nº CNE/CES 1.302/2001, aprovado em 06/11/2001 e homologado em 04/03/2002.
77
c) analisar criticamente propostas curriculares de Matemática para a
educação básica;
d) desenvolver estratégias de ensino que favoreçam a criatividade, a
autonomia e a flexibilidade do pensamento matemático dos educandos,
buscando trabalhar com mais ênfase nos conceitos do que nas técnicas,
fórmulas e algoritmos;
e) perceber a prática docente de Matemática como um processo dinâmico,
carregado de incertezas e conflitos, um espaço de criação e reflexão,
onde novos conhecimentos são gerados e modificados continuamente;
f) contribuir para a realização de projetos coletivos dentro da escola básica.
(p.4)
Além dessas competências, esse documento coloca em destaque a
necessidade de aprofundar a compreensão dos significados dos conceitos
matemáticos, a fim de que o futuro professor possa contextualizar esses conceitos,
de forma adequada. (loc.cit.)
Poderíamos então, supor que tópicos relativos aos números irracionais
estariam incluídos no rol dos conteúdos específicos, a respeito dos quais um futuro
professor de Matemática deve construir uma base sólida. Mais do que isso: o que se
espera desse professor, conforme se vê nos parágrafos anteriores, é um domínio
profundo desse conteúdo, que abarque não só os itens prescritos para as etapas em
que irá ministrar suas aulas, mas também que inclua possibilidades diversificadas de
estratégias de abordagem e permita justificar, argumentar, fundamentar suas
argumentações e convencer seus alunos da importância de estudar esse conteúdo.
A essas habilidades e competências são acrescentadas aquelas relativas ao
conhecimento
curricular
dos
conteúdos
que
serão
ensinados,
para
o
estabelecimento das necessárias relações de determinado tema da Matemática com
os abordados em outras disciplinas do ano em curso, ou com outros temas
constantes dos currículos dos anos anteriores ou posteriores. (loc.cit.)
Essas mesmas Diretrizes estabelecem como conteúdos comuns a todos os
cursos de Licenciatura em Matemática, os que estão a seguir relacionados, podendo
ser distribuídos ao longo do curso de acordo com o currículo estabelecido pela
instituição:

Cálculo Diferencial e Integral

Álgebra Linear

Fundamentos de Análise

Fundamentos de Álgebra
78

Fundamentos de Geometria.

Geometria Analítica. (Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de
Matemática, Bacharelado e Licenciatura, PARECER Nº CNE/CES 1.302/2001,
aprovado em 06/11/2001 e homologado em 04/03/2002, p.5,6).
A essa parte comum, conforme estabelece o mesmo documento, seriam
acrescentados:

conteúdos matemáticos presentes na educação básica nas áreas de Álgebra,
Geometria e Análise;

conteúdos de áreas afins à Matemática, que são fontes originadoras de problemas e
campos de aplicação de suas teorias;

conteúdos da Ciência da Educação, da História e Filosofia das Ciências e da
Matemática. (ibid., p.6).
Dessa forma, entendemos que a exploração de noções relacionadas aos
números irracionais teria lugar nos estudos de Fundamentos de Análise, quando
poderiam ser discutidos e aprofundados tópicos que, conquanto não sejam
indicados
como
conteúdos
de
ensino
para
a
Educação
Básica,
devem
necessariamente, constar do repertório de domínio do professor, em cumprimento
ao que se estabelece nos documentos por nós examinados.
Assim, tendo em vista que constitui competência de cada Instituição de
Ensino Superior a seleção dos conteúdos dos diferentes âmbitos do conhecimento,
conforme referido anteriormente, (incluindo conteúdos das áreas de ensino e
conhecimento pedagógico), restaria investigar se as Instituições de Ensino Superior
preveem, quando da elaboração de seus currículos, estudos referentes aos números
irracionais, com vistas à complementação e aprofundamento de conhecimentos cuja
construção teria sido iniciada nos dois últimos anos do Ensino Fundamental e
consolidada ao longo do Ensino Médio.
2.5. A abordagem do conceito de número irracional apresentada em Livros Didáticos
Em complementação à pesquisa documental, foram escolhidas duas coleções
de livros didáticos destinadas aos quatro últimos anos do Ensino Fundamental,
aprovadas pelo PNLD59(2011) e adotadas em escolas, nas quais os participantes de
59
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
79
nosso estudo trabalham, com o propósito de examinarmos a abordagem proposta
para a introdução do conceito de número irracional no Ensino Fundamental:

TUDO É MATEMÁTICA
Luiz Roberto Dante
Editora Ática

A CONQUISTA DA MATEMÁTICA – EDIÇÃO RENOVADA
Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr.
Editora FTD
Levamos em conta que, sendo indicado como material de apoio para a
relação que se estabelece entre o aluno, o saber e o professor, o livro didático pode,
em alguns casos, ser o principal indicador de parâmetros e orientações para a
realização do trabalho do professor em sala de aula. Em virtude disso, nos
interessamos por investigar nessas coleções:
a) os aspectos enfatizados no tratamento dos números irracionais:

as definições apresentadas;

as distintas representações utilizadas;

o destaque dado à densidade do conjunto dos números racionais;

o estabelecimento da relação entre as interpretações numérica e
geométrica dos números irracionais;

a introdução da ideia de correspondência biunívoca entre o conjunto
dos números reais e o conjunto dos pontos da reta.
b) a exploração dos componentes: intuitivo, algorítmico e formal nas atividades
propostas;
c) as relações que se estabelecem entre números irracionais e outros campos
da Matemática e também entre números irracionais e outras áreas do
conhecimento.
2.5.1. Resultados da análise da coleção: TUDO É MATEMÁTICA
Segundo a proposta de trabalho apresentada nesta coleção, a transição entre
o conjunto dos racionais e o conjunto dos reais é sistematizada no 8º ano do Ensino
Fundamental, pela introdução do conceito de número irracional.
80
Retomam-se, no texto, conjuntos numéricos abordados anteriormente, para
justificar o estudo de um “novo” conjunto, destacando-se, por exemplo, a
insuficiência do conjunto dos inteiros na representação de valores monetários, para
dar lugar à exploração de diferentes representações dos racionais em situações
retiradas do cotidiano. (DANTE, 8º ano, 2011, p.21).
Contudo, como é observado no Guia de Livros Didáticos: PNLD (2011, p.87),
“...nem sempre são dadas oportunidades ao aluno para experimentar, refletir,
conjecturar e fazer inferências, pois os conceitos, definições e procedimentos são
apresentados precocemente”. Na introdução do conceito de densidade do conjunto
Q, por exemplo, tendo chamado a atenção do aluno para a ausência de números
inteiros entre dois inteiros consecutivos e observando que entre dois racionais
sempre existe outro número racional, o autor da coleção acrescenta: “essa é a
propriedade da densidade dos números racionais. Dizemos, por isso, que o conjunto
dos números racionais é denso. No entanto, os números racionais ainda não
completam a reta numerada.” (DANTE, 8º ano, 2011, p.24). Essa abordagem pode
não provocar uma reação de desconcerto, ou de espanto, pela “descoberta” de que,
não obstante Q seja denso em toda a reta, existem, nessa mesma reta, pontos que
não correspondem a números racionais. Consequentemente, não se explora essa
característica do conjunto Q, como ponto de partida para a introdução do conjunto
dos números irracionais.
Os números irracionais são definidos no 8º ano do Ensino Fundamental, por
meio de sua representação decimal infinita e não periódica:
Figura 2 - Introdução do conceito de número irracional
Fonte: Tudo é Matemática (DANTE, 2011, 8º ano, p.26)
No entanto, desde os anos anteriores, os autores anunciam o estudo de
números que não são racionais, independentemente de nomear tais números como
irracionais. Como exemplo, as atividades propostas no volume do 6º ano incluem
81
uma referência ao número de ouro, a partir da observação da regularidade nos
quocientes obtidos entre termos consecutivos da sequência de Fibonacci 60 (p.195) e
incluem igualmente, a introdução do número
por meio de experimento que envolve
a medição do comprimento e do diâmetro de objetos circulares (p.273, 274). No 7º
ano, após definir o conjunto dos números racionais, acrescenta-se que
É importante saber que existem números que não são racionais, e que
serão
estudados
futuramente.
Por
exemplo,
o
número
pi
( = 3,14159...), que você já viu no cálculo da medida de comprimento de
uma circunferência, não é número racional. As raízes quadradas não exatas
de números naturais também não são números racionais. Exemplos:
=
3,16227...;
= 6,708203...; e outras. (DANTE, 7º ano, 2011, p.57)
Desde o 6º ano, são propostas questões que envolvem cálculos relativos ao
comprimento e ao diâmetro de circunferências, recomendando-se o uso de
No 8º ano, prioriza-se o aspecto algorítmico, no tratamento dado aos
irracionais, por meio de cálculos de valores aproximados de raízes quadradas,
incluindo a proposta de atividades que requerem aproximações sucessivas (em
décimos, em centésimos, etc.), a decomposição em fatores primos ou a utilização da
calculadora. (DANTE, 8º ano, 2011, p.28-29).
Em complementação, o autor define o conjunto dos números reais como
reunião do conjunto dos números racionais (Q) com o conjunto dos números
irracionais (Ir), fazendo menção à correspondência um a um entre o conjunto dos
reais e o conjunto dos pontos da reta e também à completude da reta, que passa a
ser chamada de “reta real”. (ibid., p.31)
A localização de números irracionais sobre a reta é feita, considerando-se
suas representações decimais aproximadas por décimos, conforme se vê no excerto
a seguir:
60
Leonardo de Pisa (cerca de 1180-1250), conhecido como Fibonacci ou “filho de Bonaccio”,
escreveu o Liber abaci (ou livro do ábaco), considerado como um tratado sobre métodos e
problemas algébricos. Um dos problemas propostos nesse livro, enunciado por: “Quantos pares de
coelhos serão produzidos num ano, começando com um só par, se em cada mês cada par gera um
novo par que se torna produtivo a partir do segundo mês?” dá origem à “sequência de Fibonacci”,
indicada por 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, ... Nessa sequência, cada termo, a partir do terceiro, é a
soma dos dois termos imediatamente precedentes. (ver Boyer, 1996, p. 174).
82
Figura 3 - Localização de números reais sobre a reta
Fonte: (Dante, 8º ano, 2011, p. 31)
Quanto ao restante, no 8º ano, os conteúdos são tratados no contexto dos
números reais.
No 9º ano, o conceito de número irracional é ampliado, tomando-se como
ponto de partida o cálculo de raízes quadradas e cúbicas exatas, explorado no 8º
ano. Retomam-se os procedimentos para a determinação de valores aproximados
de raízes quadradas não exatas (por falta e por excesso), para a discussão sobre
radicais com índices maiores do que 2. Essa abordagem resulta na exploração de
propriedades, comparação e operações com radicais.
Nesse sentido, observa-se uma preocupação com a integração entre os
aspectos intuitivo e algorítmico, no tratamento dispensado a esse conteúdo. Por
outro lado, verifica-se também um cuidado com o aspecto formal, que inclui a
apresentação de propriedades, justificativas e, em seção destinada à leitura, uma
prova (por redução ao absurdo) da irracionalidade do número
. (DANTE, 2011, 9º
ano, p.42).
Percebe-se também, na coleção, uma atenção no sentido de estabelecer a
conexão entre conteúdos de campos distintos da Matemática e de outras áreas do
conhecimento. A razão áurea/divina proporção, por exemplo, constitui-se em
contexto para a aplicação da equação do segundo grau (ibid, p.62) e também para o
estudo do conceito de proporcionalidade (ibid., p.116), favorecendo a percepção dos
números irracionais em cálculos com medidas observadas em situações da vida
real: em obras de arte, na arquitetura, no corpo humano e em elementos da
natureza.
83
Além de situações que envolvem a aplicação do Teorema de Pitágoras para a
obtenção da medida de um dos lados de triângulos retângulos, o contexto
geométrico em que se faz a abordagem dos irracionais, nesta coleção, inclui a
construção (com régua e compasso) de segmentos de medida irracional, pela
aplicação da relação h² = m.n, em que h é a altura relativa à hipotenusa de um
triângulo retângulo e m e n são as projeções de seus catetos sobre a hipotenusa.
Tais situações são tomadas como pontos de partida para a localização de números
irracionais sobre a reta numérica. (ibid., p. 177).
Também a espiral pitagórica é apresentada ao aluno, como possibilidade de
obtenção da medida irracional
(com n natural) de determinados segmentos, para
a localização de números irracionais sobre a reta numérica, com “precisão razoável”.
(ibid., p.187).
De resto, os números irracionais estão presentes em atividades que
envolvem, por exemplo, cálculos do comprimento, área ou volume de figuras
circulares ou esféricas ou a determinação da medida de segmentos pela aplicação
do Teorema de Pitágoras.
Finalmente, consideramos importante observar que, nesta coleção, optou-se
por uma abordagem que não contempla a interpretação geométrica dos irracionais
pela introdução do conceito de grandezas incomensuráveis. A exploração da razão
áurea, por exemplo, que estabelece conexões importantes entre campos distintos da
Matemática (numérico, geométrico, algébrico) não inclui uma discussão sobre
segmentos incomensuráveis.
Da mesma forma, a apresentação do Teorema de Tales se restringe aos
segmentos comensuráveis, embora o autor acrescente (sem mencionar segmentos
incomensuráveis) esclarecimentos sobre a existência da prova desse mesmo
Teorema, para o caso em que os segmentos determinados pelas paralelas sobre as
transversais têm medidas irracionais. (ibid., p.125).
Não observamos, no entanto, o favorecimento da integração entre os
componentes intuitivo e formal, em atividades experimentais que envolvem a
medição de segmentos ou os cálculos com a calculadora, propostas como
84
verificação de propriedades já introduzidas por meio de exemplos e da apresentação
de fórmulas.61
2.5.2. Resultados da análise da coleção: A CONQUISTA DA MATEMÁTICA –
Edição Renovada
A proposta de trabalho contida nesta coleção introduz os números irracionais
no 8º ano do Ensino Fundamental, no campo numérico, a partir da comparação
entre representações decimais finitas ou infinitas e periódicas e representações
decimais infinitas e não periódicas. Não se faz, no entanto, menção aos números
irracionais nas orientações ou nos comentários sobre essa atividade.
Essa introdução é complementada, no campo geométrico, pela discussão
sobre as áreas de quadrados que se justapõem sobre os lados de triângulos
retângulos isósceles construídos em malhas pontilhadas (ver excerto a seguir),
resultando na conclusão de que “dado um triângulo retângulo isósceles qualquer, a
área do quadrado construído sobre o seu maior lado é igual à soma das áreas dos
quadrados construídos sobre os outros dois lados” (GIOVANNI, CASTRUCCI,
GIOVANNI JR., 8º ano, 2007, p.21).
Figura 4 – Abordagem geométrica dos números irracionais
Fonte: Giovanni, Castrucci, Giovanni Jr., 8º ano, (2007, p.21)
A aplicação dessa mesma propriedade ao triângulo retângulo cujos catetos
medem 1u permite a introdução dos números irracionais representados na forma
com n
,
N.
Essa apresentação constitui ponto de partida para a investigação de valores
aproximados (por falta e por excesso) de raízes quadradas não exatas de números
61
Ver, por exemplo, a abordagem do irracional , em Dante, 2011, 6º ano, p.273-275.
85
naturais e resulta na definição do número irracional como “número cuja
representação decimal é sempre infinita e não periódica” (ibid., p.24).
Acrescentam-se a essa definição, duas observações:
(1)
Um número irracional nunca pode ser escrito na forma de fração com
numerador e denominador inteiros.
(2)
Nem todo número que representa a raiz quadrada de outro número é
número irracional, ou seja:
As raízes quadradas de números quadrados perfeitos são números
racionais.
(GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR., 8º ano, 2007, p.24)
Tais observações complementam a definição de número irracional e podem
favorecer a identificação de números racionais ou irracionais.
Há, no entanto, uma valorização da representação decimal em atividades que
tratam da identificação dos racionais e irracionais – por exemplo, em questões que
envolvem resultados obtidos por meio da calculadora. Destacamos, a seguir, uma
das atividades propostas:
Figura 5 - Atividade sobre a identificação de números irracionais
Fonte: Giovanni, Castrucci, Giovanni Jr., 8º ano (2007, p.25)
Para o aluno, pode parecer que existe uma contradição entre o enunciado e a
imagem que acompanha o texto, pois a calculadora não exibe reticências (como
mostra o enunciado) e também não são feitos esclarecimentos sobre a
representação aproximada exposta na calculadora, em virtude da limitação do visor.
Considerando apenas o resultado visível na calculadora, um estudante pode concluir
que se trata de número racional. Se levar em conta a representação decimal
indicada no enunciado (6,324555320...), poderá concluir que é número irracional.
Assim, o que levaria o aluno a concluir que a representação decimal é infinita e não
86
periódica, seria apenas a percepção de que o radicando (40) não é quadrado
perfeito e, finalmente, que
é número irracional.
Além das raízes quadradas não exatas, o número
é introduzido como um
“número irracional importante”, pela apresentação de exemplos que tratam da razão
entre as medidas do comprimento e do diâmetro de circunferências (p.26, 27).
Também a fórmula para o cálculo do comprimento de qualquer circunferência é
apresentada por meio de exemplos, seguida da proposta de situações que trazem a
indicação de uma aproximação racional para o número .
Finalmente, o conjunto dos números reais é apresentado como reunião dos
racionais e dos irracionais, seguido da observação: “Em uma reta numérica podem
ser representados todos os números racionais e todos os números irracionais, ou
seja, podem ser representados todos os números reais” (p.30).
Figura 6 - Representação gráfica de números racionais e irracionais
Fonte: Giovanni, Castrucci, Giovanni Jr. 8º ano (2007, p. 30)
A observação citada no parágrafo anterior e a indicação da posição de alguns
representantes sobre a reta numérica, como se vê na figura, poderiam levar um
estudante a acreditar que sobram pontos na reta, que não são racionais nem
irracionais. Ou seja, não se faz menção à correspondência biunívoca entre o
conjunto dos números reais e o conjunto de pontos da reta.
Trata-se, a nosso ver, de abordagem introdutória dos irracionais, com vistas à
apresentação do conjunto dos números reais – contexto em que são tratados os
demais assuntos deste volume.
No 9º ano, é retomada a definição de número irracional, como número cuja
representação decimal é infinita e não periódica, apresentando-se como exemplos,
os irracionais:
, cuja representação decimal é 1,414213562...
, cuja representação decimal é 1,73205...
, cuja representação decimal é 3,1415926...
(GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR., 9º ano, 2007, p. 53).
87
Há uma ênfase no aspecto algorítmico, pela exploração de propriedades e
operações com radicais, sob a justificativa de que utilizando radicais para
representar números irracionais, trabalhamos com valores exatos.
No demais, os números irracionais estão presentes como elementos do
conjunto dos reais - por exemplo, no estudo das equações e funções no campo real
(p.101, p.159) e em situações que requerem a aplicação do Teorema de Pitágoras,
para o cálculo da medida de determinados segmentos (p.248).
Nota-se uma preocupação no sentido de articular aspectos algorítmicos e
formais, pela apresentação de justificativas das propriedades e dedução de fórmulas
que permitem a generalização de determinadas ideias que envolvem os irracionais.
São, por exemplo, apresentados aos alunos (como aplicações importantes do
Teorema de Pitágoras) os processos de obtenção das fórmulas para o cálculo da
medida da diagonal de um quadrado qualquer e da altura de um triângulo equilátero
qualquer, cuja aplicação é sugerida em situações que envolvem a construção
geométrica de segmentos de medida irracional e a composição da espiral pitagórica
(p.255-257). Essa abordagem resulta na localização de pontos na reta, cuja
abscissa é um número irracional, propiciando a interação entre os campos numérico
e geométrico (p.257).
Quanto à interpretação geométrica dos números irracionais, há um destaque
para os segmentos comensuráveis ou incomensuráveis, no estudo sobre a
proporcionalidade entre segmentos de reta. A esse respeito, os autores esclarecem:
Como as medidas de dois segmentos são expressas por números positivos,
a razão entre dois segmentos também é sempre um número real positivo.
Sendo um número real, a razão pode ser:

um número racional. Nesse caso dizemos que os segmentos são
comensuráveis.
e
são segmentos comensuráveis.
número racional

um número irracional. Nesse caso dizemos que os segmentos são
incomensuráveis.
e
são segmentos incomensuráveis.
número irracional
(GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR., 9º ano, 2007, p. 198, destaques
dos autores).
88
Contudo, os segmentos incomensuráveis não são definidos como segmentos
que não podem ser medidos por meio de uma unidade de medida comum que caiba
um número inteiro de vezes nos segmentos considerados. Também não são
propostas questões que envolvem a identificação de segmentos comensuráveis ou
incomensuráveis. Mesmo em questão que solicita a razão entre as medidas da
diagonal e do lado de um quadrado, sugere-se a utilização de valor racional
aproximado
para
o
irracional:
=
1,414,
não
havendo
menção
à
incomensurabilidade entre esses dois segmentos. (p.214).
Ainda no campo geométrico, as noções relacionadas a feixes de retas
paralelas intersectadas por transversais são apresentadas aos alunos, por meio de
abordagem que “sugere” um caráter experimental, sem que se reserve ao aluno a
oportunidade de “descobrir” propriedades que servirão como base para o
desenvolvimento do Teorema de Tales.
São feitas, por exemplo, em relação à figura apresentada a seguir,
observações
como
“medindo
os
segmentos
AB = BC = CD = DE = 1 cm
com
uma
régua,
obtemos:
” e “medindo os segmentos,
obtemos: MN = NP = PQ = QR = 1,5 cm
, como parte da
estratégia de convencimento de que “se um feixe de retas paralelas determina
segmentos congruentes sobre uma transversal, também determina segmentos
congruentes sobre qualquer outra transversal” (ibid., p.203, 204).
Figura 7 - Abordagem experimental do Teorema de Tales
Fonte: Giovanni, Castrucci, Giovanni Jr., 9º ano, 2007, p.204
Essa introdução “experimental” é complementada por uma prova formal que
constitui a base para a posterior apresentação do Teorema de Tales, que também
se faz formalmente, restringindo-se aos segmentos comensuráveis. (p.205).
89
Em síntese, a abordagem dos números irracionais proposta nesta coleção
enfatiza o aspecto algorítmico – sobretudo no tratamento dispensado aos radicais. O
componente formal também é valorizado, notando-se um cuidado com respeito à
justificação de regras e propriedades, favorecendo assim, a interação entre esses
dois componentes, no estudo desse conteúdo.
2.6. Números irracionais: uma síntese da análise de Livros Didáticos
Resumindo nossas reflexões sobre a abordagem dos números irracionais
apresentada nas coleções escolhidas, destacamos que há uma valorização dos
aspectos algorítmico (por exemplo, em cálculos com radicais ou com valores
decimais aproximados) e formal (justificativas de regras e propriedades), restando,
de certa forma, enfraquecido o aspecto intuitivo. Não percebemos, por exemplo,
uma preocupação no sentido de oferecer aos estudantes a oportunidade de
conjecturar e elaborar suas próprias conclusões, no que se refere à existência de
pontos irracionais na reta, a despeito da densidade de Q nessa mesma reta, ou no
que se refere à correspondência um a um entre o conjunto dos números reais e o
conjunto de pontos da reta.
Nas duas coleções, os números irracionais são definidos como números cuja
representação decimal é infinita e não periódica, havendo em Giovanni, Castrucci,
Giovanni Jr. (2007) apenas uma observação sobre a impossibilidade de representálos na forma a/b com a e b inteiros e b não nulo.
Embora a densidade de Q seja destacada em Dante (8º ano, 2011, p.24), não
se explora essa característica para iniciar uma discussão sobre os irracionais.
Por outro lado, as duas coleções atendem as orientações constantes dos
PCN (1998) no que se refere à importância do trabalho com as aproximações
racionais de números irracionais, incluindo atividades que são desenvolvidas com o
auxílio da calculadora.
Relativamente à abordagem geométrica dos irracionais, também em
consonância com recomendações fornecidas pelos PCN (1998), há nas duas
coleções um destaque para os números na forma
, com n natural, a partir da
determinação da medida da diagonal de um quadrado de lado 1u e da construção de
90
segmentos de medida irracional. O traçado da espiral pitagórica (em Giovanni,
Castrucci, Giovanni Jr., 2007) e a obtenção da média geométrica de dois números,
com régua e compasso (em Dante, 2011) resultam na localização de pontos
irracionais na reta numérica.
Embora em Giovanni, Castrucci, Giovanni Jr. (2007) se estabeleça a relação
entre
números
irracionais
e
segmentos
incomensuráveis,
o
conceito
de
incomensurabilidade de grandezas não é apresentado aos alunos.
A correspondência um a um entre o conjunto dos números reais e o conjunto
de pontos da reta numérica e a completude da reta real são mencionadas
explicitamente apenas em Dante (2011).
Quanto ao demais, o número irracional é tratado como conhecimento já
construído, em situações que envolvem, por exemplo, cálculos relativos à
circunferência e ao círculo ou noções da Trigonometria.
Esclarecemos, por fim, que os resultados apresentados neste capítulo
constituíram parâmetros para a elaboração dos instrumentos de coleta de dados e,
da mesma forma, para a análise dos dados, que são expostos nos capítulos 4 e 5.
91
CAPÍTULO 3
UMA INTERPRETAÇÃO DO ESTUDO DOS NÚMEROS IRRACIONAIS
SOB A PERSPECTIVA DE FISCHBEIN
Intuition is not the primary source of true, certain, cognition but it
appears to be so because this is exactly its role: to create the appearance of
certitude, to attach to various interpretations or representations the attribute
of intrinsic, unquestionable certitude.
62
Fischbein. E.
O leitor já está prevenido de que é perigoso entrar no domínio do infinito
unicamente armado da sua intuição, do seu bom senso...
a lâmina aguda da razão não pode aqui descansar um instante.
Caraça, B. J.63
Este capítulo é fruto do estudo de temas relativos aos números irracionais,
com ênfase naqueles que se constituíram em objetos de reflexão e discussão com o
grupo de professores participantes do Observatório da Educação, ao longo de nosso
experimento.
Trata-se, portanto, do resultado de compreensões decorrentes das leituras de
textos e pesquisas, do trabalho desenvolvido com o grupo de professores do
Observatório e de nossa prática na área da educação, a respeito do que seria
imprescindível e do que poderia ser tratado como periférico ou em segundo plano,
no estudo do conceito de número irracional, considerando-se duas frentes:

os tópicos que deveriam figurar na apresentação desse conteúdo a
alunos dos últimos anos do Ensino Fundamental e
62
63
A intuição não é a fonte primeira da verdade, certeza, conhecimento, mas ela parece ser assim
porque esse é exatamente seu papel: criar a aparência de certeza, para dar a várias interpretações
ou representações o atributo de certeza intrínseca e inquestionável. (FISCHBEIN, 1987, p.12).
Caraça, 2000, p.85.
92

os assuntos que poderiam ser explorados em cursos de Licenciatura
em Matemática, tendo em vista o preparo de futuros professores para
ensinar esse conteúdo a alunos da Educação Básica.
Apoiando-nos em Fischbein (1994), procuramos identificar, nas possíveis
abordagens e estratégias de enfrentamento de situações que envolvem números
irracionais, elementos característicos dos aspectos: intuitivo, algorítmico ou formal
da atividade matemática.
O componente formal diz respeito aos conhecimentos relativos às definições,
axiomas, teoremas e provas, que devem ser aprendidos, organizados e aplicados
pelo aluno. Nesse sentido, conforme acrescenta o autor, um processo educativo
adequado é indispensável, visto que a compreensão do que é rigor e coerência em
Matemática não é adquirida espontaneamente pelo estudante. (Fischbein, 1994, p.
232).
O componente algorítmico, por sua vez, concerne às habilidades relativas à
aplicação
de
técnicas e
procedimentos
padronizados de
resolução,
cujo
desenvolvimento também requer uma formação meticulosa.
A respeito desses dois componentes, Fischbein (1994, p.232) observa que a
exploração da íntima relação entre o aspecto algorítmico (relativo ao funcionamento
de técnicas) e o aspecto formal (que justifica por que essas técnicas funcionam)
constitui-se em condição básica para o desenvolvimento de um raciocínio
matemático eficiente. Isto é, o conhecimento de componentes formais não garante o
necessário para o enfrentamento de quaisquer problemas e, por outro lado, o
domínio de técnicas, isento do conhecimento de argumentos que justificam essas
técnicas, pode não ser suficiente para a resolução de problemas que fogem ao
padrão.
Quanto ao componente intuitivo (compreensão intuitiva, cognição intuitiva,
solução intuitiva) diz respeito a uma compreensão que o individuo considera
autoevidente, que o faz aceitar um conhecimento ou uma ideia sem questionar a
necessidade de qualquer tipo de justificativa que legitime essa ideia. Em virtude
disso, a aceitação de um conceito com base unicamente na intuição pode gerar um
entrave para o processo de aprendizagem de outros conceitos, como será referido
mais adiante.
93
Fischbein, em sua obra de 1994, enfatiza a importância da interação entre os
componentes algorítmico, formal e intuitivo, como aspectos que se complementam,
na realização da atividade matemática.
Esclarecemos que as situações consideradas ao longo deste texto são
tomadas como exemplos, nos quais se podem destacar os componentes intuitivo,
algorítmico
e
formal,
não
significando
que
esses
três
aspectos devem,
necessariamente, ser explorados num mesmo momento do processo de instrução.
Cabe ao professor adequar os três componentes à situação que está sendo
trabalhada em aula e aos alunos, de acordo com a fase escolar em que se
encontram, o que favorecerá a distribuição do estudo dos números irracionais, não
apenas nos dois últimos anos do Ensino Fundamental, mas também ao longo do
Ensino Médio.
3.1. Sobre os números racionais
No que segue, são destacados aspectos dos números racionais, que
consideramos necessários para iniciar a discussão sobre os irracionais.
3.1.1. Definição e significados
A construção do conceito de número racional está vinculada à ideia de divisão
entre dois números inteiros, com exceção do caso em que o divisor é nulo. Assim,
uma abordagem que toma como ponto de partida o reconhecimento do número
racional no contexto diário pode, segundo orientações apresentadas nos PCN (1997,
2º Ciclo64, p.68), iniciar pela proposta de situações em que o aluno seja convidado a
dividir 1 por 2, 1 por 3, 1 por 4, utilizando uma calculadora. Ou seja, segundo esta
proposta, o estudo dos racionais teria início pela exploração de suas representações
decimais.
Interpretando sob o olhar de Fischbein (1994), no que diz respeito aos
aspectos: intuitivo, algorítmico e formal da atividade matemática, situações como as
mencionadas no parágrafo anterior ferem a intuição, contrapõem-se à lógica válida
no conjunto dos números naturais – podem parecer contraditórias, a um aluno que,
antes, não podia dividir um número menor por um maior.
64
Período escolar correspondente às 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental.
94
No
entanto,
o
aspecto
algorítmico
da proposta
dessas atividades,
caracterizado pela obtenção de resultados decimais, com o auxílio da calculadora,
pode favorecer a entrada do componente formal, pela percepção da extensão de
regras do sistema de numeração decimal e o estabelecimento da relação entre
essas representações decimais e aquelas utilizadas para o sistema monetário e para
a indicação de medidas.
Por outro lado, uma abordagem do número racional na representação
fracionária, que envolva dobraduras ou recortes de figuras em partes iguais
(grandeza contínua) pode favorecer uma ideia intuitiva de número racional, sob o
significado de parte/todo. Por exemplo, para pintar ¾ de um retângulo, um aluno
pode dobrá-lo paralelamente aos lados, conforme indica o desenho a seguir, para
depois colorir três partes.
Dobras paralelas aos lados do retângulo
Representação de ¾ do retângulo
Figura 8. Representação do número ¾ - significado parte/todo (a)
Fonte: Acervo pessoal
Entretanto, considerando outra representação figural da fração ¾, como a
apresentada a seguir, é nosso ponto de vista que a intuição não ajudaria um aluno a
perceber que as três partes pintadas são equivalentes (têm áreas iguais).
Figura 9. Representação do número ¾ - significado parte/todo (b)
Fonte: Acervo pessoal
Nesse caso, se um aluno representar a parte pintada por meio da fração ¾, é
possível que ele tenha percebido que o retângulo está dividido em quatro partes
equivalentes, sendo três delas pintadas, mas também pode ser que esse aluno
tenha considerado suficiente a divisão do retângulo em quatro partes (não
necessariamente iguais) e três delas pintadas – o que configura uma concepção
incorreta do conceito de fração.
95
Se o aluno subdividir a figura, obtendo oito triângulos menores, como mostra
a figura a seguir, pode perceber – intuitivamente – que são todos congruentes,
concluindo que a parte pintada é igual a 6/8 da área total do retângulo.
Figura 10. Representação do número ¾ - significado parte/todo (c)
Fonte: Acervo pessoal
A simplificação dessa fração, por um processo algorítmico, poderia auxiliar o
aluno a perceber que a parte pintada corresponde a ¾ do retângulo inteiro.
Finalmente, a concepção de número racional sob o significado de parte/todo,
assim como a justificativa de que os oito triângulos obtidos pela subdivisão da figura
são congruentes (com base nos casos de congruência de triângulos) e o
reconhecimento das propriedades de frações equivalentes, que garantem o
processo de simplificação de frações, mencionado no parágrafo anterior, poderiam
caracterizar o componente formal, nesta atividade.
A apresentação formal do conjunto dos números racionais seria dada pela
definição:

Em língua materna: Número racional é qualquer número que pode ser
representado na forma a/b, com a e b inteiros e b distinto de zero.

Em linguagem simbólica:
Em estudos65 relativos ao ensino e à aprendizagem dos números racionais,
recomenda-se a exploração de contextos que permitam, ao aluno, compreender
distintos significados dos números racionais. No mesmo sentido, em orientações
didáticas contidas nos PCN (1998, p.71), são destacados os seguintes significados:
65
Kieren (1988) propõe uma classificação dos números racionais em quatro subconstructos (objetos
mentais construídos a partir de ideias mais simples, que se complementam): medida, quociente,
razão e operador.
Behr, Lesh, Post e Silver (1983) distinguiram os significados: medida, razão, taxa, quociente,
coordenadas lineares; decimal; operador.
Nunes (2003) apresenta quatro significados distintos para as frações: parte-todo, quociente, medida,
operador multiplicativo. (Silva, 2007, p.82-88).
96

Parte/todo: relação entre um número de partes e o total das partes.
Trata-se de significado presente quando um todo é dividido em partes iguais
(equivalentes no que se refere à área ou à quantidade de elementos), conforme
exemplos apresentados nos parágrafos anteriores.

Quociente entre dois inteiros a e b, sendo b distinto de zero.
Por exemplo, a divisão de três folhas de papel idênticas entre oito pessoas, de tal
forma que todas recebam a mesma quantidade de papel, tem como resultado
folha para cada pessoa. Ou seja,

de
.
Razão entre dois inteiros: índice comparativo entre duas quantidades.
Por exemplo,
(i)
a indicação de 3 ovos para cada 8 colheres de açúcar no preparo de um
bolo, pode ser entendida como razão entre quantidade de ovos e
quantidade de colheres de açúcar, que indicamos por:
(ii)
(três para oito);
considerando que em uma caixa há 3 bolas brancas e 5 bolas verdes, a
probabilidade de retirar, aleatoriamente, uma bola branca, pode ser
representada por ;
(iii)
considerando os segmentos de reta AB e CD indicados na figura a seguir,
tais que: AB = 8u e CD = 3u.
A
B
u
C
D
u
Figura 11 - Representação do número 3/8 – significado de razão
Fonte: Acervo pessoal
A medida do segmento CD, tomando AB como unidade de medida poderia
ser representada da seguinte forma:
=
x
=
x
97

Operador: a fração desempenha um papel transformador sobre outro número.
Por exemplo, buscando um número que multiplicado por 8, tenha resultado 3,
teríamos:
. Neste caso, o número racional
opera uma
transformação sobre o número 8.
Ou ainda, os cálculos que permitem determinar de um número dado também
conferem ao número racional
o significado de operador, visto que realizam uma
transformação sobre esse número.
A fração é resultado para todas essas situações, assumindo, no entanto, um
significado diferente em cada uma delas.
3.1.2. Representações
A representação decimal, como uma decorrência do significado de quociente,
atribuído aos números racionais:
=
, pode favorecer a percepção das
diferentes representações de números racionais:
=
=
=
. (decimal finito)
=
=
(dízima periódica simples)
(dízima periódica composta)
Assim, uma atividade que solicite dos alunos uma investigação sobre a
representação decimal de números racionais, dados na forma fracionária, pode ser
essencialmente algorítmica, se o aluno efetuar a divisão do numerador pelo
denominador para examinar o resultado e verificar a ocorrência de um resto zero em
determinado ponto da divisão ou se essa divisão continua indefinidamente.
Contudo, essa estratégia (em que prevalece o caráter algorítmico) pode
despertar também a atenção do aluno para regularidades relacionadas aos fatores
que compõem o denominador: se o denominador da fração considerada contém
apenas fatores 2 e/ou 5, a representação decimal será finita. Esse aluno poderá, da
mesma forma, elaborar conclusões a respeito da expansão decimal (infinita e
periódica) de frações cujo denominador apresenta também fatores distintos de 2 e 5.
98
Essas conclusões podem constituir uma base para o aluno, posteriormente,
argumentar sobre a representação decimal (finita ou infinita e periódica) de números
racionais, independentemente de realizar a divisão.
O componente formal constituir-se-ia na percepção e compreensão da
equivalência entre as representações: fracionária e decimal (finita ou infinita e
periódica) dos números racionais. Ou seja,
A representação
Um número pode ser representado na forma , com
decimal é finita ou
infinita e periódica.
Nesse caso, teríamos:
a)
(Condição necessária) Se a representação decimal de um número é finita
ou infinita e periódica, então, esse número pode ser representado na forma
a/b com a e b inteiros e b não nulo.
A argumentação a respeito desta proposição inclui conhecimentos sobre a
notação polinomial de números representados na forma decimal, as
propriedades de frações equivalentes, as operações com números na forma
fracionária (para o caso da representação decimal finita) e também
conhecimentos sobre progressões geométricas infinitas de razão
(para o
caso da representação decimal infinita e periódica).
Cada etapa necessária à transformação dos dois números abaixo, por
exemplo, seria justificada com base nesses conhecimentos, o que consistiria
na presença do aspecto formal, no desenvolvimento desta atividade.
0,25 = 0,2 + 0,05 = 2.
1,333... = 1 + 3.
= 1 + 3.
b)
+ 5.
+ 3.
+
+ 3.
= 1 + 3.
=
+
=
+ ... + 3.
+ ... =
= 1 + 3. = 1 + =
(Condição suficiente) Se um número é da forma
com
então, sua representação decimal é finita ou infinita e periódica.
e
,
99
Os conhecimentos necessários para fundamentar esta proposição incluem os
significados distintos dos números racionais, as propriedades de frações
equivalentes que permitem a introdução dos fatores 2 e 5 no denominador,
em quantidade suficiente para obter uma potência de 10 (no caso da
representação decimal finita) e também incluem noções relativas ao algoritmo
da divisão de Euclides66, segundo o qual a quantidade máxima possível de
restos distintos no processo da divisão (a
b) é igual a (b – 1), que coincide
com a quantidade máxima de algarismos do período (no caso da
representação decimal infinita e periódica).
O domínio desses assuntos permitiria fundamentar, por exemplo, as etapas
necessárias para os desenvolvimentos a seguir:
=
= 0,75 ou
=
= 0,75 (representação decimal finita)
= 0,0588235... (representação decimal infinita e periódica)
Neste último exemplo, ainda que não esteja visível o período, na expansão
decimal, o algoritmo da divisão de Euclides garante que a maior quantidade
possível de restos distintos no processo de divisão seria 16. A partir disso, os
algarismos começam a se repetir, formando o período da dízima.

A possibilidade de representar qualquer número racional como dízima
periódica
Primeira parte: Examinando, inicialmente a igualdade: 0,9999... = 1.
 Sob o aspecto intuitivo:
Suponhamos que 0,9999... < 1. Nesse caso, deve existir algum número entre
0,9999... e 1.
Considerando a representação gráfica de alguns números racionais, temos:
66
Algoritmo de Euclides. Teorema: “Se a é qualquer inteiro e b é qualquer inteiro maior do que 0,
então podemos sempre encontrar um inteiro q tal que a = b.q + r, onde r é um inteiro que satisfaz a
desigualdade 0 r < b.” (COURANT & ROBBINS, 2000, p.50).
100
1
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
0,99
Figura 12 - Figura auxiliar na discussão do aspecto intuitivo da igualdade 0,9999...= 1
Fonte: Acervo pessoal
Nesse caso, temos:
0 < 0,9 < 1
Subdividindo o intervalo entre 0,9 e 1 em dez partes iguais, temos:
0,99 < 1
Analogamente, teríamos:
0,999 < 1
0,9999 < 1 e assim, por diante.
Os números considerados até agora têm representação decimal finita.
Consideremos, agora, 0,9999...
Se 0,9999...< 1, então, para obter um número entre 0,9999... e 1, seria
necessário substituir um algarismo 9 por outro algarismo maior do que ele.
Como não existe esse algarismo, concluímos que 0,9999... não pode ser
menor do que 1.
Essa seria uma forma intuitiva de aceitação da igualdade: 0,9999... = 1.
 Sob os aspectos: algorítmico e formal
Uma abordagem possível consistiria no processo de obtenção da fração
geratriz da dízima periódica 0,9999... Por exemplo 67:
Supondo que: 0,9999... =
67
(i)
Variação da abordagem sugerida no Caderno do Professor: Matemática, 7ª série, v.1, 2009, p.2527.
101
Multiplicando os dois
9,9999... =
(ii)
membros por 10:
Calculando (ii) – (i): 9 =
=
1=
1 = 0,9999...
Ou, de outra forma, “um pouco surpreendente”, conforme se expressa Niven
(1984, p.53):
Sabemos que = 0,3333...
Multiplicando os dois membros da igualdade por 3, temos:
=
1 = 0,9999...
A nosso ver, essa última estratégia pode causar, no aluno, uma estranheza
ou uma impressão de “truque” do professor, considerando especificamente a fração
, para chegar à dízima 0,9999...
É certo que a construção da fração geratriz de uma dízima periódica é
conteúdo prescrito para os dois últimos anos do Ensino Fundamental e antecede a
introdução do conjunto dos números reais como reunião dos conjuntos dos racionais
e irracionais. Contudo, o repertório de conhecimentos formais em que se assentam
as justificativas e os argumentos utilizados pelo professor nessa abordagem, deve,
necessariamente, incluir a concepção do conjunto dos números reais como corpo,
em que se definem as propriedades da igualdade, assegurando a possibilidade de
escrever 0,9999... = , com a e b inteiros e b não nulo e também garantindo a
conservação da igualdade, quando multiplicamos, simultaneamente os dois
membros por um mesmo número real distinto de zero.
Ou seja, a técnica para a obtenção da fração geratriz de uma dízima periódica
pela multiplicação dos dois membros da igualdade por uma potência de base 10
(indicada em muitos livros didáticos) só é possível porque o número que estamos
102
considerando é número real. Melhor dizendo, essa estratégia só é possível porque a
série considerada (0,9999... = 0,9 + 0,09 + 0,009 + 0,0009 +...) é convergente.
Por exemplo, aplicando essas mesmas propriedades, para determinar a soma
dos termos da progressão geométrica
, teríamos:
Multiplicando os dois membros da igualdade, por 10, teríamos:
Colocando 11 em evidência:
E, então, teríamos o caso em que a soma de infinitas parcelas positivas é um
número negativo – o que consiste em um absurdo.
Esse
absurdo
decorre
,
de
da
aplicação,
propriedades
válidas
à
série
apenas
divergente
para
séries
convergentes.
Trata-se, segundo Ball et al (2008), de conhecimento do conteúdo
especializado, necessário ao professor, para que ele possa avaliar a viabilidade (ou
não) de propor essa discussão em sala de aula.
Uma abordagem mais propícia para justificar a igualdade 0,9999... = 1 poderia
ser feita no Ensino Médio, quando os estudantes já se apropriaram de noções
relativas às Progressões Geométricas. No desenvolvimento apresentado a seguir, a
compreensão das propriedades que sustentam cada uma das etapas constituiria o
componente formal:
0,9999... = 0,9 + 0,09 + 0,009 + 0,0009 + ...
103
0,9999... =
+
+
0,9999... =
+
+
+
+
+ ...
+ ... +
+ ...
0,9999... =
Calculando a soma dos termos da PG infinita, indicada entre parênteses, em
que
=
e
, temos:
=
=
Assim, 0,9999... =
=
= .
=1
A elaboração desta última justificativa requer a aplicação de técnicas e
presume, conforme foi dito anteriormente, a mobilização de conhecimentos relativos
à representação polinomial do número 0,9999..., ao reconhecimento dos termos da
PG infinita, bem como à utilização da fórmula para o cálculo da soma de seus
termos. Não traçamos uma linha divisória entre os aspectos algorítmico e formal,
que aqui, em nosso entender, se exigem e se complementam.
Segunda parte: A extensão da representação 0,9999... = 1 para outros
números racionais.
Consideramos, inicialmente, a igualdade 0,9999... = 1
(dividindo os dois membros por 10) temos: 0,09999... = 0,1
(dividindo os dois membros por 100) temos: 0,009999... = 0,01
(dividindo os dois membros por 1000) temos: 0,0009999... = 0,001
E assim, sucessivamente.
A partir dessas igualdades, podemos escrever qualquer número racional em
forma de dízima periódica:
Por exemplo,
0,45 = 0,44 + 0,01
0,45 = 0,44 + 0,009999... = 0,449999...
2,8 = 2,7 + 0,1
2,8 = 2,7 + 0,09999... = 2,79999...
104

Representação de um número racional em forma de fração contínua
A representação de qualquer número racional, em fração contínua, é obtida
por meio de um processo (finito) de busca pela soma de um número inteiro com uma
fração cujo numerador seja igual a 1.
Considerando, por exemplo, a fração
a) 1 <
<2
=1+
b) Nesse caso,
(com x > 1)
, temos:
=
-1
=
=1+
c) Por outro lado, 1 < < 2
d) Da mesma forma, 2 <
=1+
<3
= -1
=2 +
=
=
- 2
=
z=2
e) Temos: z = 2. Logo,
=2+
=2+
f) y = . Logo, y = 2 +
g)
h)
=1+
=1+
. Logo, = 1 +
. Logo,
=1+
Uma fração contínua finita representa um número racional.
Esta forma de representação de números racionais, como antecipação para o
estudo de aproximações racionais de números irracionais, conforme será discutido
mais adiante, é conteúdo indicado para o 9º ano do Ensino Fundamental, de acordo
com o Currículo do Estado de São Paulo (2010)68.
A abordagem desse conteúdo, conforme se encontra nesse material de
orientação didática, é algorítmica. Todavia, o professor pode auxiliar o aluno a
compreender o método de obtenção de frações contínuas, justificando cada uma
das etapas com base no algoritmo de Euclides utilizado para o cálculo do máximo
divisor comum de dois números inteiros69.
68
69
Caderno do Aluno, Matemática: 8ª série/9º ano, v.1, 2009, p.21, 22.
Ver Courant & Robbins, 2000, p.58.
105
Aplicando o algoritmo de Euclides ao exemplo exibido nos parágrafos
anteriores, teríamos:
1
1
2
2
12 = 1x7 + 5
=1+ =
7 = 1x5 + 2
12
7
5
2
5
2
1
0
1
= 1+ = 1+
5 = 2x2 + 1
2 = 2x1 + 0
Quadro 1 – Aplicação do algoritmo de Euclides para a obtenção de frações contínuas
Fonte: Acervo pessoal
A substituição dos valores obtidos, conforme estão indicados na terceira
coluna desse quadro permite obter a representação da fração
como fração
contínua, da seguinte forma:
=1+
3.1.3. Localização de números racionais na reta numérica
À solicitação da posição do número racional 0,375, por exemplo, sobre a reta
numérica, um estudante poderia dizer que está em algum lugar entre os números
inteiros 0 e 1, mais próximo de 0 do que de 1, o que caracterizaria a presença mais
acentuada do componente intuitivo, no enfrentamento da questão.
Por outro lado, um estudante pode transformar 0,375 na fração irredutível 3/8
e, em seguida, utilizar construções geométricas, pela aplicação, por exemplo, do
Teorema de Tales, para localizar na reta o ponto correspondente a 3/8, concluindo
que esse mesmo ponto representa o número 0,375. Teríamos, assim, um
procedimento algorítmico que pressupõe a mobilização de conhecimentos de caráter
formal, como a compreensão do significado de parte/todo atribuído ao número 3/8 e
a utilização do Teorema de Tales.
106
3.1.4. A densidade do conjunto dos números racionais
A partir da relação de ordem no conjunto dos números racionais, Courant &
Robbins (2000) referem-se à densidade do conjunto Q, na reta numérica racional,
dizendo que
Um fato de importância fundamental é expresso na seguinte proposição: Os
pontos racionais são densos sobre a reta. Com isto queremos dizer que,
dentro de cada intervalo, por menor que seja, existem pontos racionais.
Precisamos apenas tomar um denominador n suficientemente grande de
modo que o intervalo [0, 1/n] seja menor do que o intervalo [A, B] em
questão; assim, pelo menos uma das frações m/n deve ficar dentro do
intervalo. Portanto, não existe qualquer intervalo na reta, por menor que
seja, que não contenha pontos racionais. Segue-se, além disso, que deve
haver infinitos pontos racionais em qualquer intervalo; isto porque, se
houvesse apenas um número finito, o intervalo entre quaisquer dois pontos
racionais adjacentes estaria destituído de pontos racionais, o que,
acabamos de ver, é impossível. (p.68-69).
Neste estudo, nossa atenção está voltada para a densidade do conjunto dos
números racionais na reta racional (ou simplesmente, à densidade do conjunto Q),
para as discussões relativas, por exemplo, à inexistência de sucessor de um número
racional e, por outro lado, tendo em conta o objeto de nosso estudo, destacamos em
outros pontos do texto, a densidade de Q na reta numérica real (ou densidade de Q
em R), para as discussões relativas à existência de pontos na reta, que não são
racionais, ou relativas à obtenção de aproximações racionais para números
irracionais.

A média aritmética de números racionais, como recurso para abordar a
densidade de Q
O cálculo da média aritmética de dois números pode favorecer um princípio
de discussão sobre a densidade do conjunto dos números racionais, pois permite a
percepção de que é possível encontrar infinitos números racionais entre dois
racionais dados.
A nosso ver, seria intuitiva a ideia de que a média aritmética entre dois
números quaisquer está situada entre esses dois números na reta numérica,
provavelmente, porque associamos média aritmética de dois números a ponto médio
de um segmento.
107
Essa mesma questão, tratada sob o aspecto algorítmico, consiste em cálculos
que, de certa forma, confirmam essa intuição. Um estudante que domina a técnica
para o cálculo da média aritmética de dois números pode verificar que o número
obtido estaria entre os dois números dados, se fossem localizados sobre a reta
numérica.
No entanto, é a generalização dessa ideia que permite convencer um aluno
de que entre dois números racionais, ainda que estejam infinitamente próximos, na
reta, existem infinitos outros números racionais. Assim, esse é um conhecimento
intuitivo que pode ser justificado logicamente (introduzindo o componente formal),
conforme segue:
Sejam a e b, dois números racionais distintos quaisquer. A média aritmética de a e b é um número
racional c situado entre a e b, na reta numérica.
Hipótese:
a e b são números racionais distintos quaisquer, tais que a < b.
c é a média aritmética de a e b.
Tese:
c é número racional
a, b, c representados na reta numérica são da forma: a < c < b.
Demonstração: Representando a e b sobre a reta numérica, temos:
b
a
a<b
O número c é a média aritmética de a e b. Então,
.
Primeira parte: c é número racional
a) Por hipótese, a e b são números racionais quaisquer.
b) Q é fechado para a adição e para a multiplicação, logo,
(a + b)
Q e .(a + b)
Q
Q.
Segunda parte: a < c < b
a) Suponhamos que c < a. Nesse caso,
<a
b) Suponhamos que c > b. Nesse caso,
> b ⟹ a > b. Contradiz a hipótese.
c) Logo, a < c < b.
b < a. Contradiz a hipótese.
108
Esse tipo de atividade que envolve a localização de pontos sobre a reta
numérica pode suscitar a discussão (ao menos introdutória) sobre tipos distintos de
infinito (infinito potencial e infinito atual), a respeito dos quais, Fischbein (1994,
p.233) observa que
Um processo é dito ser potencialmente infinito se uma pessoa assume que
ele pode ser realizado sem que alguém possa interrompê-lo. O infinito atual
se refere aos conjuntos infinitos de elementos considerados em sua
totalidade. O processo de divisão de um segmento geométrico é
potencialmente infinito, enquanto que a totalidade dos números naturais,
racionais, ou reais constitui exemplo de infinito atual.70
Assim, o processo iterativo de determinação da média aritmética de dois
números representados sobre a reta numérica, conforme está indicado na figura a
seguir, seria um exemplo de infinito potencial que, segundo o mesmo pesquisador,
pode ser intuitivamente aceito por crianças de 11 a 12 anos de idade. (loc.cit.)
A G F
E
D
C
B
H
Figura 13 - Representação gráfica da média aritmética de números racionais
Fonte: Acervo pessoal
Nessa figura, o ponto C corresponde à média aritmética dos números
correspondentes aos pontos A e B; o ponto D corresponde à média aritmética dos
números correspondentes aos pontos A e C, e assim, sucessivamente, num
processo infinito, cuja aceitação ocorre intuitivamente.
Por outro lado, as atividades que envolvem a inserção de números entre dois
racionais conhecidos, independentemente de sua representação gráfica, podem
desenvolver o aspecto algorítmico da busca de soluções.
Considerando, por exemplo, um dos itens da atividade 4, proposta na fase 2
de nosso experimento:
Indique cinco números que estejam localizados entre 6,25631 e 6,25632, na reta numérica.
A possibilidade de inventar números, como: 6,2563101; 6,2563121;
6,256310000064, pode convencer um aluno da existência de outros infinitos
70
A process is said to be potentially infinite if one assumes that it can be carried out without ever
stopping it. Actual infinity refers to infinite sets of elements considered in their totality. The process of
division of a geometrical segment is potentially infinite, while the totality of natural, rational, or real
numbers constitute examples of actual infinity. (FISCHBEIN, 1994, p.233).
109
números entre os dois racionais dados. Além disso, pode levá-lo a generalizar essa
ideia para quaisquer números racionais, independentemente de serem localizados,
na prática, sobre a reta numérica.
Neste caso, o componente algorítmico da busca de outros números que
atendam às condições impostas na questão estaria fundamentado em propriedades
do sistema de numeração decimal que permitem a comparação de números
racionais representados na forma decimal, caracterizando assim, o componente
formal, no enfrentamento desta atividade.
Finalmente, consideramos necessário observar que, se por um lado, a
compreensão da densidade do conjunto Q em toda a reta numérica é fundamental
para a introdução dos números irracionais e, consequentemente, para o estudo da
ampliação dos campos numéricos, por outro lado, a aceitação da densidade de Q na
reta pode levar uma pessoa a acreditar “cegamente” na ideia de que os números
racionais preenchem toda a reta e essa crença, por sua vez, pode constituir um
obstáculo
(referido
por
Fischbein
como
obstáculo
intuitivo 71,
conforme
já
esclarecemos no capítulo 1) para a aceitação da existência de infinitos pontos na
reta, que não correspondem a números racionais.
3.2. Sobre os números irracionais
São apresentadas a seguir, nossas reflexões sobre aspectos que, em nossa
opinião, precisam ser considerados, quando da abordagem do conceito de número
irracional.
3.2.1. Definições e representações
Primeira parte: conhecendo os irracionais no campo numérico
Tendo sido discutida e explorada a questão da equivalência entre as
representações fracionária e decimal (finita ou infinita e periódica), para os números
71
“It has been assumed, on historical and psychological grounds, that the concept of irrational
numbers faces two major intuitive obstacles: a) the difficulty to accept that two magnitudes (two line
segments) may be incommensurable (no common unit may be found); and b) the difficulty to
accept that the set of rational numbers, though everywhere dense, does not cover all the points in
an interval: one has to consider also the more “rich” infinity of irrational points.” (FISCHBEIN et al,
1995, p.29, grifo nosso).
110
racionais, a mesma proposta de inserção de números entre dois números dados,
mencionada nos parágrafos anteriores, poderia “provocar” a construção de números
irracionais, por alunos que ainda desconhecem esse conjunto de números.
Se os números dados são 1,234 e 1,3333... por exemplo, o aluno pode
perceber a possibilidade de inventar também números cuja representação decimal é
infinita. Talvez possa criar números como 1,2345, ou 1,234555555555... (racionais)
e essa “liberdade” para a invenção pode levá-lo a perceber que, usando os
algarismos de 0 a 9 (conhecidos), ainda pode construir outros, também com
representação
decimal
infinita,
mas
que
não
apresentam
repetição:
1,23456789101112131415... Pode também criar outros, de representação decimal
infinita,
que
exibem
alguma
regularidade,
mas
não
periódica,
como:
1,234505005000500005... ou 1,33301011011101111...
Esta primeira abordagem (que interpretamos como algorítmica, porque os
estudantes provavelmente terão a preocupação de “jogar” com os algarismos
conhecidos (de 0 a 9), para criar números diferentes), favorece a percepção da
existência de outros números, com os quais o aluno ainda não trabalhou e, além
disso, permite ao aluno concluir que esses “outros” números são em quantidade
infinita, porque variando a posição dos algarismos, é possível inventar outros
infinitos números.
Nenhum destes “outros” números é racional, visto que têm representação
decimal infinita e não periódica.
Assim, uma primeira definição formal do número que o aluno está
conhecendo agora – como número irracional – seria feita de acordo com estes
números construídos pelo aluno, diferentemente de abordagens que, em geral, são
propostas em materiais pedagógicos, que introduzem primeiro os irracionais
ou
Φ por exemplo, por meio de experimentos práticos de medição. Ou seja, essa
definição seria feita com base na representação decimal: número irracional é todo
número cuja representação decimal é infinita e não periódica.
111
Segunda parte: conhecendo os irracionais no campo geométrico
Como dissemos, uma primeira definição de números irracionais seria baseada
na representação decimal. Todavia, Sirotic & Zazkis (2005) defendem a ideia de que
a abordagem dos irracionais deve incluir uma discussão sobre a representação
geométrica
de
irracionais
construtíveis
com
régua
e
compasso.
Essas
pesquisadoras, em seu artigo sobre a localização de números irracionais na reta
numérica, argumentam que
a ênfase sobre a representação decimal de números irracionais, seja esta
explícita ou implícita, não contribui para a compreensão conceitual do
número irracional. Com números irracionais, uma pessoa é colocada diante
dos números decimais infinitos de um tipo especial – números que não
podem ser escritos ou totalmente desconhecidos. Sobre isso, Stewart
(1995) desafia a sabedoria de chamar números irracionais de reais; isto é,
como pode alguma coisa ser real se ela não pode sequer ser escrita
completamente? Nesse sentido, a representação geométrica poderia vir
quase como um alívio no processo de aprendizagem dos números
irracionais.72 (p.6-7, tradução nossa).
A figura exposta a seguir esboça uma construção geométrica, que consiste na
obtenção de segmentos de medida irracional. A medida desses segmentos é obtida
pela aplicação do Teorema de Pitágoras ao primeiro triângulo retângulo (de catetos
com medida 1u) e aos triângulos retângulos subsequentes, que têm um cateto de
medida 1u e outro cateto formado pela hipotenusa do triângulo retângulo anterior.
72
emphasis on decimal representation of irrational numbers, be it explicit or implicit, does not
contribute to the conceptual understanding of irrationality. And with irrational numbers one is faced
with infinite decimal numbers of a special kind – numbers that cannot be written down or known fully.
On this note, Stewart (1995) challenges the wisdom of calling irrational numbers real; that is, how
can something be real if it cannot be even written down fully? In this sense, geometric representation
should come almost as a relief in the process of learning about irrationals. (SIROTIC & ZAZKIS,
2005, p.6-7).
112
Figura 14 – Construção geométrica de segmentos de medida irracional
73
Espiral de Teodoro de Cirene
Fonte: Caderno do Professor, 8ª série, v.1, 2009
O processo de construção do primeiro triângulo retângulo e de todos os
demais requer um domínio de técnicas de desenho, que não prescinde do
conhecimento
sobre
definições,
classificações
e
propriedades
de
figuras
geométricas, como: posições relativas de retas, ângulos, triângulos e aplicação do
Teorema de Pitágoras. A nosso ver, deve haver aqui uma interdependência entre as
técnicas (que pertencem ao componente algorítmico, segundo Fischbein (1994)) e
os argumentos que fundamentam essas técnicas (pertencentes ao componente
formal) para que se dê a percepção da possibilidade de construção de infinitos
segmentos de medida irracional.
Por outro lado, a construção da média geométrica de dois números dados
pode favorecer a obtenção de um segmento de medida irracional, sem que haja
necessidade de construir a espiral de triângulos retângulos. Por exemplo, um
segmento de medida
u pode ser obtido pela construção de um triângulo
retângulo em que as projeções dos catetos sobre a hipotenusa tenham medidas 3u
e 5u.
73
Segundo Platão (séc. IV a.C.), Teodoro de Cirene (que viveu por volta de 390 a.C.), foi o primeiro a
provar a irracionalidade das raízes quadradas dos números inteiros não quadrados perfeitos de 3 a
17, inclusive. (BOYER, 1996, p. 59).
113
a
B
A
3u
H
O
5u
C
Figura 15 - Construção de segmento de medida irracional
Fonte: Acervo pessoal
O triângulo ABC é triângulo retângulo em B, pois está inscrito em uma
semicircunferência. Assim, vale a relação métrica:
BH² = (AH).(HC)
BH² = (3u).(5u)
BH =
u
Complementando, o transporte de segmentos de medida irracional para a reta
numérica pode acrescentar a percepção da existência de pontos na reta – infinitos
pontos – que não correspondem a números racionais, muito embora seja denso, na
reta, o conjunto dos racionais.
A representação geométrica de números irracionais, conforme observam
Sirotic & Zazkis (2005, p.7), além de ser acessível ao aluno, visto que exige
conhecimentos
relativos
ao
Teorema
de
Pitágoras,
revela
a
ideia
de
correspondência biunívoca entre os números reais e os pontos da reta e, dessa
forma, desperta a atenção dos estudantes para uma representação concreta do
número irracional, como um objeto: um ponto sobre a reta, uma distância irracional
do zero – muito diferente do processo de construção da representação decimal
infinita.
Terceira parte: aproximações racionais de números irracionais
Os exemplos de números que poderiam ser criados pelos alunos,
representados na forma decimal e aqueles construídos com régua e compasso
colocam em cena os números irracionais sob duas representações (na forma
decimal e em forma de radical).
114
Os processos algorítmicos de busca por aproximações racionais sucessivas
para números irracionais, na escrita decimal ou na escrita fracionária, podem facilitar
ao aluno a percepção da ausência de precisão, quando se pretende encontrar a
representação decimal correspondente, por exemplo, à raiz quadrada de um número
não quadrado perfeito. Tanto a obtenção de aproximações decimais por falta e por
excesso (com o auxílio da calculadora), como a construção de frações contínuas
correspondentes a números irracionais, são procedimentos infinitos, conforme
exemplificamos a seguir:

Obtenção de aproximações decimais de
Considerando que 2 <
:
< 3, a busca de valores aproximados por uma casa
decimal, cujo quadrado é igual a 5, pode resultar em:
2,2 <
número
2,1
2,2
2,3
2,4
quadrado
4,41
4,84
5,29
5,76
< 2,3 (valores aproximados por falta e por excesso, com uma casa
decimal).
Buscando resultados aproximados para
2,23 <
, com duas casas decimais, temos:
número
2,21
2,22
2,23
2,24
2,25
quadrado
4,8841
4,9284
4,9729
5,0176
5,0625
< 2,24 (valores aproximados por falta e por excesso, com duas
casas decimais).
Finalmente, as aproximações de
, com três casas decimais:
número
2,231
2,232
2,233
2,234
2,235
2,236
2,237
2,238
quadrado
4,977361
4,981824
4,986289
4,990756
4,995225
4,999696
5,004169
5,008644
2,236 <
< 2,237 (valores aproximados por falta e por excesso, com três
casas decimais).
A partir desses cálculos, não obstante as limitações da calculadora, um aluno
pode perceber que, mesmo considerando aproximações racionais com muitas casas
decimais, o quadrado de uma fração não será exatamente 5.
115

Obtenção de aproximações de
a) 2 <
<3
por meio da fração contínua74:
=
(1)
.
Substituindo (2) em (1), temos:
(2)
=
(3)
b) Transformando o denominador (2 +
em uma soma de um número inteiro
com uma fração de numerador 1, temos:
4<2+
<5
2+
=4+
–
(4)
(5)
Substituindo (5) em (4), temos:
2+
=4+
(6)
c) Substituindo (6) em (3),
=
d) Neste caso, deveríamos transformar novamente o denominador (2 +
em
uma soma de um número inteiro com uma fração de numerador 1. No
entanto, de (2) e (5) notamos que x = y. Pelo mesmo raciocínio, teríamos
x = y = z = w = ... =
.
e) Assim, a fração contínua referente ao número
pode ser escrita da seguinte
maneira:
74
Abordagem proposta no Currículo do Estado de São Paulo (2010), Caderno do Aluno. Matemática,
8ª série/9º ano, v.1., 2009, p.24-27.
116
A tabela a seguir contém as aproximações obtidas pela construção da fração
contínua:
Erro em relação ao valor decimal
de
Aproximações de
2
0,236067977
2 + = = 2,25
0,013932022
=
2,235294
0,00077385985
0,00004313361
0,00000240373
Quadro 2 – Etapas para a obtenção de aproximações decimais de
Fonte: Acervo pessoal
Nada
nesses processos assegura
a
ausência
de
um período
na
representação decimal desse número. Ou seja, esses processos não garantem a
irracionalidade de
.
O que permite afirmar que
é irracional é a negação das características que
fariam desse número um racional.
Nesse sentido, o aspecto formal se sobrepõe ao algorítmico. Isto é, a
irracionalidade de
só pode ser garantida por meio de argumentos formais.
117
3.2.2. O tratamento formal no estudo dos números irracionais
Discutindo sobre a prova da irracionalidade de
, por redução ao absurdo,
Tall (1979) argumenta que as ideias devem ser apresentadas aos alunos, em
qualquer fase do desenvolvimento, de tal forma que sejam potencialmente
significativas. Segundo esse pesquisador, “a prova inicial pode ser mais pesada,
menos agradável esteticamente, desde que prove mais significativamente para o
estudante no estágio específico considerado.”75(p.1, tradução nossa).
Dessa forma, cumpre ao professor a escolha dos encaminhamentos, de
acordo com o nível de compreensão dos alunos para os quais será apresentada a
prova.
Uma prova algébrica da irracionalidade de

Prova da irracionalidade de
é apresentada a seguir.
por redução ao absurdo:
Hipótese: Todo número racional pode ser representado na forma a/b com a e
b inteiros e b não nulo.
Tese:
é número irracional
Parte A: x é par
x² par.
Demonstração:
a) Se x é par, então, x² par.

x é par, logo, existe um número inteiro p, tal que x = 2p.

nesse caso, x² = (2p)² = 4p² = 2(2p²). Ou seja, x² também é par.
b) Se x² é par, então, x é par.

se x² é par, existe q inteiro, tal que x² = 2q.

considerando a forma fatorada de x, temos x=a.b.c.d.... Nesse caso, a
forma fatorada de x² é x² = a.a.b.b.c.c.d.d.... Ou seja, cada um dos fatores
primos de x deve se repetir um número par de vezes em x².
75
The initial proof may be more cumbersome, less aesthetically pleasing, yet prove more meaningful
to the learner at the particular stage under consideration.” (TALL, 1979, p.1).
118

teríamos então: a.a.b.b.c.c.d.d.... = 2q.

pelo Teorema Fundamental da Aritmética76, a forma fatorada de
qualquer número natural diferente de 1 é única. Assim, se a igualdade
a.a.b.b.c.c.d.d.... = 2q é verdadeira, então o número inteiro q deve ter pelo
menos um fator igual a 2, para que a quantidade de fatores 2 também seja
par. Dessa forma, q também é par e, consequentemente, x também será par.
Parte B:
é irracional.
Demonstração:
a) Suponhamos que
seja número racional. Nesse caso, existem p e q
inteiros, sendo q
, m.d.c.(p,q) = 1, tais que
= .
b) Elevando ao quadrado os dois membros da igualdade
2=
é par
c) p é par
=
, temos:
é par. (i)
(
d) Substituindo
em
, temos:
é par
q é par. (ii)
e) De (i) e (ii), concluímos que p e q são pares, o que contradiz a suposição
inicial de que m.d.c. (p,q) = 1.
f) Assim, a igualdade
= a/b não pode ser válida e, consequentemente,
não pode ser número racional.
Logo, o número
é irracional.
Tall (1979) observa que esta prova muitas vezes causa nos estudantes um
vazio, uma sensação de falta de explicação, em relação às razões pelas quais o
número
que
é irracional, posto que o absurdo a que se chega consiste não no fato de
não pode ser representado por a/b com a e b inteiros e b não nulo, mas no
fato de que
não pode ser representado por a/b com a e b inteiros e b não nulo,
sendo a/b uma fração irredutível.
76
Teorema Fundamental da Aritmética: “Todo número natural, diferente de 1, pode ser decomposto
em fatores primos de modo único, a menos da ordem dos fatores.” (NIVEN, 1984, p.17).
119
Também sobre a apresentação da prova da irracionalidade de
, Tall &
Schwarzenberger (1978, p.9) argumentam que “a própria estrutura da prova acentua
o tipo de conflito que estamos ansiosos por evitar, pelo fato de uma proposição e
sua negação serem afirmadas simultaneamente 77” (tradução nossa). Em virtude
disso, estes pesquisadores defendem a ideia de que, inicialmente, as provas por
absurdo deveriam ser apresentadas de forma tão “direta” quanto possível. (loc. cit.).
Desenvolvemos, a seguir, uma prova da irracionalidade de
, conforme as
sugestões apresentadas por Tall & Schwarzenberger.
Hipótese: Todo número inteiro maior do que 1 possui uma única representação
em forma de produto de números primos, a menos de permutações de seus
fatores (Teorema Fundamental da Aritmética)
Tese:
é número irracional.
Demonstração:
a) Considerando uma fração qualquer, decompomos seu numerador e seu
denominador em fatores primos e cancelamos os fatores comuns. A fração
obtida é irredutível. Representemos essa fração por
b) Elevando a fração

ao quadrado, temos
.
em que:
tem os mesmos fatores primos de m, mas a quantidade de cada fator
primo
em
é
o
dobro
da
quantidade
desse
mesmo
fator
em m;

também tem os mesmos fatores primos de n, e a ocorrência de cada
fator primo em
é o dobro de sua ocorrência em n;
Consequentemente, o quadrado de um número racional é uma fração
cujos termos contêm número par de fatores primos.
c) Quadrando o número
77
temos:
=2= .
“The very structure of the proof accentuates the kind of conflict which we are anxious to avoid,
because of the fact that a statement and its negation are affirmed simultaneously.” (TALL &
SCHWARZENBERGER, 1978, p.9).
120
Na fração
o numerador e o denominador não contêm quantidades pares de
fatores primos. Logo, 2 não é o quadrado de um número racional.
Portanto,
é número irracional.
Essa prova se estende para
,
ou qualquer raiz quadrada
, sendo
uma fração irredutível com pelo menos um termo não quadrado perfeito. Por
exemplo,
,
.
Pode também ser generalizada para raízes cúbicas ou raízes de índice mais
alto.
É neste ponto, a nosso ver, que pode ser convincente dizer aos alunos que
um número irracional não pode ser representado na forma a/b, com a e b inteiros e b
distinto de zero. Ou seja, simplesmente definir os irracionais como números que não
podem ser representados como razão entre inteiros, sem desenvolver uma
demonstração que seja compreensível aos estudantes, implica esperar a aceitação
dessa sentença como verdadeira, sem que haja significado para esses alunos.
3.2.3. Sobre o uso da calculadora como recurso para a abordagem dos números
irracionais
Embora a calculadora constitua ferramenta auxiliar no processo de obtenção
de
aproximações
racionais
para
números
irracionais,
conforme
foi
visto
anteriormente, trata-se de recurso que deve ser visto com reservas, uma vez que a
quantidade limitada de dígitos oculta, em determinados casos, a formação do
período de uma dízima, podendo induzir o aluno a uma interpretação incorreta do
resultado exposto no visor. A expansão decimal de 1/17, por exemplo, poderia ser
interpretada como representação de um número irracional, pois o período dessa
dízima contém 16 algarismos e em uma calculadora, não poderia ser identificado.
Não há orientações nos PCN (1998), por exemplo, que alertem o professor no
sentido de promover a discussão com seus alunos sobre possibilidades diferentes
de formas fracionárias, que correspondam a uma mesma expansão decimal obtida
com o auxílio da calculadora. Como exemplo, o número 0,3333333 corresponderia a
1/3 ou a 1000/3000 ou a 3333333/10000000?
121
Trata-se, assim, de recurso que precisa ser associado a outras estratégias
que se complementem, na constituição dos aspectos algorítmicos (por exemplo, por
meio da divisão de números inteiros, sem o auxílio da calculadora, para que o aluno
compare a quantidade de restos distintos possíveis e a quantidade de algarismos
que formam o período) e dos aspectos formais (por exemplo, definições e
representações de números racionais e irracionais e prova da irracionalidade de um
número).
3.2.4. Sobre as operações com números racionais e irracionais
O caráter algorítmico presente no estudo das operações com números
racionais e irracionais, integrado à exploração das propriedades válidas para essas
operações, pode favorecer

a percepção da importância dos argumentos formais, no trabalho com os
números irracionais;

o estabelecimento de relações entre os racionais e os irracionais;

a percepção da possibilidade de construir infinitos números irracionais, a
partir de um único número cuja irracionalidade já foi aceita (já foi provada).
Pode, por exemplo, auxiliar na distinção entre proposições cuja avaliação,
como verdadeiras ou falsas, exige o desenvolvimento de uma prova formal e
proposições para as quais bastaria um contraexemplo.
Exemplificamos com afirmações extraídas da atividade 6 proposta na fase 2
de nosso experimento.
A soma de dois números racionais é sempre racional.
A soma de dois números irracionais é sempre irracional.
A intuição pode levar um aluno a classificar a primeira delas como verdadeira.
Será capaz também de apresentar exemplos para mostrar que a soma de dois
racionais é sempre racional – o que caracterizaria o aspecto algorítmico associado
ao intuitivo, na elaboração da resposta. A apresentação de argumentos algébricos,
indicando a generalização dessa ideia constituiria o componente formal. Uma
justificativa poderia ser desenvolvida como segue:
122
Hipótese:
número racional é todo número que pode ser representado por
a/b, com a e b inteiros e b distinto de zero.
e
são números racionais;
,
e
Tese:
Demonstração:
a) Por hipótese, ,
b)
,
+
e
=
.
; Z é fechado para a adição e para a multiplicação,
logo,
Para a segunda proposição, “A soma de dois números irracionais é sempre
irracional.”, um contraexemplo:
+(
)=0
poderia justificar formalmente a
classificação da sentença como falsa.
Por outro lado, a exploração das propriedades de operações que envolvem
números racionais e irracionais pode também auxiliar na percepção da necessidade
de recorrer à prova por redução ao absurdo. Por exemplo, uma prova formal para a
afirmação: “A soma de um número racional com um número irracional é sempre um
número irracional” poderia ser desenvolvida da seguinte forma:
Hipótese:
Tese:
é irracional
Demonstração:
Supondo que
Mas,
seja racional ⟹
é irracional, por hipótese.
p, q
, tais que:
=
123
Logo,
é um número racional e irracional ao mesmo tempo.
Isso é um absurdo que decorre de havermos suposto que
é racional. Logo,
esse número é irracional.
De forma análoga, pode-se chegar à conclusão de que, dados um número
racional
e um número irracional , então,
,
e
são números irracionais.
Esses resultados podem ser a base para o aluno criar infinitos números
irracionais, a partir de um único número irracional:
é irracional e 2 é racional
é irracional;
é irracional;
é irracional.
Outros conteúdos, cujo estudo é prescrito para o Ensino Médio, também
podem ser o contexto para o aluno perceber a possibilidade de construir infinitos
números irracionais. Considerando as funções trigonométricas, por exemplo, o
teorema a seguir permite fundamentar essa construção:
Se um ângulo
é tal que cos(2 ) é irracional, então, sen , cos
irracionais.
Hipótese:
Tese:
cos (2 ) é irracional
cos (2 ) =
cos (2 ) = cos² - sen²
cos é irracional.
sen é irracional.
tg é irracional.
e tg
também são
124
Demonstração:
a) Supondo que cos
Q.
b) cos
Q
cos²
(cos²
- sen² )
Q.
c) (cos²
- sen² )
Q
(1 - cos² )
cos (2 )
Q
sen²
Q
Q.
d) Por hipótese, cos (2 ) é irracional.
e) Nesse caso, cos (2 ) é racional e irracional ao mesmo tempo. Isso é um
absurdo que decorre de havermos suposto, inicialmente, que cos
f) Logo, cos
é racional.
é irracional.
Analogamente, podemos provar que sen
a) Supondo que sen
é irracional:
seja racional, concluímos que sen
racional e, consequentemente,
é racional, 2sen
é
também é racional.
b) Uma vez que cos (2 ) =
, teríamos cos (2 ) racional.
c) Como por hipótese, cos (2 ) é irracional, chegamos a um absurdo, que
decorre de havermos suposto que sen
d) Logo, sen
é racional.
é irracional.
A prova da irracionalidade de tg
pode ser desenvolvida, de forma análoga,
pela aplicação de relações trigonométricas.
Com base nesse teorema, o aluno pode obter infinitos números irracionais, a
partir de um único irracional. Como exemplo,
cos
cos
=
(é irracional). Pelo teorema mencionado, podemos concluir que
, cos
, cos
, cos
Da mesma forma, sen
, etc. também são irracionais.
, sen
E também são irracionais: tg
, sen
, tg
, sen
, tg
, tg
, etc. também são irracionais.
, etc.
125
3.2.5. Números algébricos e números transcendentes
Na Educação Básica, o conjunto dos números reais é definido como reunião
dos conjuntos dos números racionais e irracionais – assunto que será retomado
neste texto.
Uma outra classificação para os números reais constitui-se em separá-los em
números algébricos e números transcendentes, conforme especificamos a seguir.
Números algébricos são raízes de equações polinomiais com coeficientes inteiros,
do tipo:
.
+
.
+
.
+...+ .
+ .
+ .
+ .
=0
e
Números transcendentes são aqueles que não satisfazem a nenhuma equação
polinomial com coeficientes inteiros.

Todo número racional é algébrico.
Justificativa: Seja a equação polinomial ax + b = 0 com a, b
raiz dessa equação é o número racional
e a
. A
. Assim, todo número racional é
algébrico, porque é raiz de uma equação polinomial com coeficientes inteiros
do tipo ax + b = 0.

Todo número transcendente é irracional.
Justificativa: Todo número racional é algébrico
é número não racional

Todo número não algébrico
Todo número transcendente é número irracional.
Existem números irracionais que são algébricos.
A equação x² - 2 = 0 é algébrica, com coeficientes inteiros. O número
raiz dessa equação. Logo,
é irracional e é algébrico.
Da mesma maneira, podemos constatar que
,
são algébricos.
é
126
Sucessões de
, como 1 +
,
, também são raízes
de equações polinomiais com coeficientes inteiros – também são irracionais
algébricos.
Números como
são irracionais transcendentes.
Um esboço das duas classificações para o conjunto dos números reais é
exposto a seguir:
ou
A classificação dos números reais em algébricos ou transcendentes também
permite reconhecer a existência de infinitos números irracionais.
Consideremos o seguinte Teorema:
Se
e
são números algébricos e
transcendente, se
Esse
é um número irracional, então,
é
e
teorema
permite
gerar
infinitos
números
transcendentes
–
consequentemente permite gerar infinitos números irracionais, apenas variando a
base e o expoente, de acordo com as condições estabelecidas no enunciado.
Por exemplo:
transcendente).
(2 e
são algébricos.
é irracional,
e
logo,
é
127
3.3. Sobre a incomensurabilidade de segmentos de reta
Tomando dois segmentos de reta quaisquer: AB e CD,
A
B
C
D
Figura 16 - Abordagem: conceito de incomensurabilidade de segmentos (a)
Fonte: Acervo pessoal
consideremos três situações distintas:

E
CD cabe um número inteiro de vezes em AB. Por exemplo,
A
C
B
D
Figura 17 - Abordagem: conceito de incomensurabilidade de segmentos (b)
Fonte: Acervo pessoal
A medida de AB, tendo CD como unidade de medida seria representada
por:
E
AB = 4CD.

CD não cabe um número inteiro de vezes em AB. Por exemplo,
B
A
C
D
Figura 18 - Abordagem: conceito de incomensurabilidade de segmentos (c)
Fonte: Acervo pessoal
Uma opção seria dividir CD em partes menores de comprimento x, de tal
E
forma que esses segmentos menores de comprimento x caibam um número inteiro
de vezes tanto em AB quanto em CD. Teríamos, por exemplo, a seguinte situação:
B
A
x
C
D
x
Figura 19 - Abordagem: conceito de incomensurabilidade de segmentos (d)
Fonte: Acervo pessoal.
O segmento de medida x é um submúltiplo comum de AB e CD
– cabe um
E
número inteiro de vezes em AB e outro número inteiro de vezes em CD.
128
Podemos escrever:
e assim, a medida de AB, tomando CD como
unidade de medida seria representada por: AB =
CD.
Dois segmentos de reta, nessas condições, são chamados de segmentos
comensuráveis, pois são ambos múltiplos inteiros de um mesmo segmento (que
pode ter medida racional ou irracional), tomado como unidade de medida.
Interpretando essa situação sob o ponto de vista prático, alguém poderia
argumentar que sempre existe um segmento (ainda que infinitamente pequeno) que
cabe um número inteiro de vezes em AB e em CD. Bastaria, para isso, aumentar o
número de partes em que eu divido CD, obtendo segmentos cada vez menores e em
determinado ponto desse processo, a precisão limitada dos instrumentos de medir
não permitiria ir além de um certo comprimento mínimo. Então, poderíamos dizer
que AB e CD são múltiplos inteiros desse segmento de comprimento mínimo.
Intuitivamente, seria razoável imaginar que sempre há de existir um segmento, por
menor que seja, de medida y, por exemplo, que caiba um número inteiro de vezes
em AB e em CD.
No entanto, do ponto de vista teórico, isso não é verdade. Existem pares de
segmentos que não são múltiplos inteiros de um mesmo segmento tomado como
unidade de medida. Esses pares de segmentos são chamados de segmentos
incomensuráveis. Exemplos desses pares de segmentos são: o lado e a diagonal de
qualquer quadrado, o lado e qualquer diagonal do pentágono regular, os lados
consecutivos do retângulo áureo.
A ideia de que dois segmentos quaisquer são comensuráveis é um exemplo
de cognição intuitiva. Emprestando o olhar de Fischbein (1994), a aceitação
incondicional dessa ideia (baseada na intuição) pode constituir um obstáculo para a
compreensão do conceito de grandezas incomensuráveis, ou da existência de
segmentos de reta cuja medida é representada por meio de um número irracional.
O que concerne ao conceito de segmentos incomensuráveis pertence ao
âmbito
interno
da
Matemática.
Ou
seja,
uma
abordagem
sobre
a
incomensurabilidade de segmentos de reta (ou de qualquer outra grandeza) deve,
necessariamente, envolver o componente formal da atividade matemática.
129
Duas provas da incomensurabilidade entre o lado e a diagonal de um
quadrado qualquer são apresentadas a seguir.
Na primeira delas, prevalecem os argumentos algébricos.
Hipótese: ABCD é um quadrado
Tese: AC e AD são segmentos incomensuráveis
O
B
A
C
D
Figura 20 - Auxiliar na demonstração da incomensurabilidade de segmentos (a)
Fonte: Acervo pessoal
Demonstração:
a) Suponhamos que AC e AD sejam segmentos comensuráveis. Nesse caso,
existe um segmento de medida x, que cabe um número inteiro de vezes, tanto
em AC, quanto em AD. Isto é, existem m e n inteiros, tais que:
AC = n.x
AD = m.x
b) Suponhamos que m e n sejam tais que m.d.c. (m,n) = 1. (Se m e n não forem
primos entre si, basta eliminar seus fatores comuns, até que se tenha
m.d.c. (m, n) = 1).
c) Vamos representar a medida da diagonal AC, tomando AD como unidade de
medida. Nesse caso,
(i)
d) Por outro lado, o triângulo ACD é retângulo. Aplicando o Teorema de
Pitágoras, temos:
130
AC² = AD² + CD²
AC² = AD² + AD²
AC² = 2.AD²
(ii)
e) Substituindo (i) em (ii):
AC² = 2.AD²
Logo, n² é par; consequentemente, n também é par.
Nesse caso, como m.d.c. (m,n) = 1, então, m deve ser ímpar. (iii)
f) Como n é par, então, n = 2p, sendo p inteiro.
g) Substituindo n = 2p em n² = 2m², temos:
n² = 2m²
(2p)² = 2m²
4p² = 2m²
Logo, m² é par e, consequentemente, m também é par.
(iv)
h) De (iii) e (iv) concluímos que m é par e ímpar ao mesmo tempo. Isso é um
absurdo que decorre de havermos suposto que existe um segmento de
medida x, que cabe um número inteiro de vezes em AC e em AD.
i) Consequentemente, AC e AD não são múltiplos inteiros de nenhum segmento
de medida x, por menor que ele seja. Assim, AC e AD são segmentos
incomensuráveis.
Esta outra demonstração, também por redução ao absurdo, prioriza os
argumentos geométricos:
Hipótese: ABCD é um quadrado
Tese: BD e AB são segmentos incomensuráveis
Demonstração:
a) Suponhamos que BD e AB sejam segmentos comensuráveis. Nesse caso,
existe um segmento XY, submúltiplo comum de BD e AB, tal que:
BD = m.(XY) e AB = n.(XY), com m e n inteiros e m > n.
131
b) Construindo um arco com centro em B e raio AB, obtemos o ponto E sobre
BD, tal que AB = BE.
c) Seja EF, tal que F
AD e FE
BD.
d) Traçando o segmento BF, temos os triângulos ABF e EBF, ambos retângulos
e congruentes pelo caso especial de congruência de triângulos retângulos,
pois AB = BE (catetos) e BF (hipotenusa comum).
A
B
F
45°
G
E
45°
C
D
Figura 21 - Auxiliar na demonstração da incomensurabilidade de segmentos (b)
Fonte: Acervo pessoal
e)
,
logo,
os
lados
correspondentes
são
congruentes:
AF = FE. (i).
f) No triângulo DEF, retângulo em E, temos:
= 45°. Logo,
= 45°. Nesse caso, o triângulo DEF é isósceles, com
FE = DE. (ii).
g) De (i) e (ii), AF = FE = DE.
h) Consideremos o ponto G, tal que DEFG seja um quadrado.
i) Temos: BD = BE + DE
DE = m.(XY) - n.(XY)
Como m,n
DE = (XY).(m – n).
Z e m > n, então, (m – n)
j) Por outro lado, AD = AF + FD
FD = n.(XY) – (XY).(m – n)
m, n
Z, então, (2n – m)
DE = BD – AB
BD = AB + DE
. Logo, DE é múltiplo inteiro de XY.
AB = DE + FD
FD = (XY).(n – m + n)
FD = AB – DE
FD = (XY).(2n – m). Como
. Ou seja, FD também é múltiplo inteiro de XY.
k) Dos dois itens anteriores, DE e FD (respectivamente, lado e diagonal do
quadrado DEFG) são múltiplos inteiros de XY.
132
l) Se construirmos outro quadrado menor, conforme mostra a figura, com as
mesmas características do quadrado DEFG, provaremos, usando os mesmos
argumentos, que o lado e a diagonal desse quadrado menor também são
múltiplos inteiros de XY.
m) Pelo mesmo raciocínio, podemos construir uma sequência de quadrados,
cada vez menores (infinitamente menores), cujos lados e diagonais sejam
múltiplos inteiros de XY.
n) Isso é um absurdo, pois esses quadrados podem ter lados e diagonais
menores do que XY, o que impede que sejam múltiplos inteiros de XY.
o) Esse absurdo decorre de havermos suposto que BD e AB são segmentos
comensuráveis.
p) Logo, BD e AB são segmentos incomensuráveis.
3.4. A correspondência biunívoca entre os pontos da reta e o conjunto dos números
reais
Na Educação Básica, a compreensão da densidade dos pontos racionais 78 na
reta numérica e a percepção da existência de infinitos pontos irracionais nessa reta
podem culminar na apresentação do conjunto dos números reais, como reunião dos
conjuntos dos números racionais e irracionais.
Assim, estabelecendo uma relação entre números reais e pontos da reta e
tendo em conta a densidade dos racionais na reta numérica, um aluno poderia
levantar dúvidas sobre a possibilidade de, por ocasião da localização de um ponto
irracional sobre a reta, esse ponto coincidir com outro, racional.
Nessa etapa escolar, a ideia de correspondência bijetiva entre o conjunto dos
números reais e o conjunto dos pontos da reta pode receber uma abordagem
intuitiva. Por exemplo,

Tomamos os pontos O e A, distintos, sobre uma reta r e consideramos o
segmento AO, como unidade de medida.
78
A expressão “pontos racionais” é utilizada aqui, como referência a pontos que correspondem a
números racionais, conforme sugestão feita em Courant & Robbins, 2000, p.68.
133
O
A
r
Figura 22 - Auxiliar na abordagem da correspondência biunívoca entre os números reais e os
pontos da reta (a).
Fonte: Acervo pessoal.

Dividindo a unidade AO em 5 partes iguais e marcando o ponto
correspondente a 3 dessas partes, temos um outro ponto, que chamamos de
B. O número 3/5 é a medida do segmento OB, considerando AO, como
unidade de medida. Dessa forma, associamos o número 3/5 a um único ponto
B, que é o extremo do segmento OB.
O
B
A
r
3/5
Figura 23 - Auxiliar na abordagem da correspondência biunívoca entre os números reais e os
pontos da reta (b).
Fonte: Acervo pessoal

Transportando dois segmentos para a reta numérica, com medidas
e
por exemplo, associamos cada um desses números a um único ponto que
denominamos P e Q, de tal forma que:
 a distância entre o ponto P e a origem O seja igual ao comprimento do
segmento de medida
. Ou seja, associamos o ponto P ao número
irracional
, que é único, pois um segmento não pode ter duas
medidas diferentes.
 a distância entre o ponto Q e a origem O seja igual ao comprimento do
segmento de medida
. Associamos o ponto Q ao número irracional
, que também é único.
Figura 24. Auxiliar na abordagem da correspondência biunívoca entre os números reais e os
pontos da reta (c).
Fonte: Acervo pessoal.
Dessa forma, a cada ponto da reta corresponde um único número racional ou
irracional que indica a distância entre esse ponto e a origem.
Como cada ponto da reta está a alguma distância da origem, fica
intuitivamente claro que existe um único número associado a cada um destes
134
pontos, ou seja, existe uma correspondência um a um entre os números reais e os
pontos da reta.
Uma abordagem formal da correspondência bijetiva entre o conjunto dos
números reais e o conjunto dos pontos da reta deveria envolver questões relativas à
completude da reta, aos cortes de Dedekind, aos intervalos encaixantes que, não
tendo sido discutidas em nossa pesquisa, estão previstas para estudos posteriores,
com o grupo de professores participantes do Observatório.
3.5. A enumerabilidade do conjunto dos números racionais e a não enumerabilidade
do conjunto dos irracionais
 O conceito de cardinalidade
“Fazer corresponder” é, segundo Caraça (2000, p.6), uma das operações
mentais mais importantes que utilizamos todos os dias. O ato de contar, um a um, os
objetos de uma coleção, baseia-se na ideia de correspondência entre esse conjunto
de objetos e o conjunto dos números naturais - uma das ideias que formam a base
da Matemática.
Conjuntos equipotentes são conjuntos entre os quais é possível estabelecer
uma correspondência bijetiva. Por exemplo, dados dois conjuntos finitos A e B,
indicando por n(A) o número de elementos de A e n(B) o número de elementos de B,
se n(A) = n(B), é possível estabelecer uma correspondência um a um entre A e B e
então, os conjuntos A e B são equipotentes. Nesse caso, dizemos que A e B têm a
mesma cardinalidade.
Se n(A) > n(B), então, A tem cardinalidade maior do que B.
Assim, quando se trata de conjuntos finitos, o todo não é equipotente à parte.
Por outro lado, não é intuitiva a relação um a um entre os elementos de
conjuntos infinitos como:
N = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7... }
P = {0, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16... }.
O conjunto P é parte do conjunto N e, no entanto, é possível estabelecer uma
correspondência bijetiva entre os elementos de N e os de P, bastando para isso
associar a cada número natural, o seu dobro.
135
Nesse caso, dizemos que N e P têm a mesma cardinalidade e, por isso, são
equipotentes. Isto é, para conjuntos infinitos, o todo pode ser equipotente à parte.
É possível também fazer corresponder de forma bijetiva, o conjunto dos
números naturais: {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6,... } e o conjunto dos números naturais ímpares:
{1, 3, 5, 7, 9, 11,...}, por meio da relação 2n + 1, em que n representa cada um dos
elementos do primeiro conjunto. Assim, estes dois conjuntos também têm a mesma
cardinalidade e são equipotentes.
 O conceito de enumerabilidade
Se um conjunto P qualquer tem a mesma cardinalidade do conjunto dos
números naturais, então P é um conjunto enumerável.

A enumerabilidade de Z
Z = {..., -4, -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3, 4, 5,...}
N = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, ....}
O estabelecimento de uma correspondência um a um entre os elementos de
Z e os de N poderia ocorrer como segue:
0
0
-1
-2.(-1) – 1 = 1
1
2
-2
-2.(-2) – 1 = 3
2
4
-3
-2.(-3) – 1 = 5
3
6
-4
-2.(-4) – 1 = 7
4
8
-5
-2.(-5) – 1 = 9
5
10
-6
-2.(-6) – 1 = 11
...
...
...
...
x
2x
x
–2x – 1
...
...
...
...
Quadro 3 – Correspondência biunívoca entre Z e N (a)
Fonte: Acervo pessoal
Dessa forma, uma relação entre os elementos do conjunto Z e os elementos
do conjunto N poderia ser representada por:
136
f: Z ⟶ N
x⟼f(x)
Assim, Z tem a mesma cardinalidade de N
Z e N são equipotentes
Zé
um conjunto enumerável.
De outra forma, poderíamos representar o conjunto Z em uma “fila”, e
estabelecer a correspondência como indica o quadro a seguir:
Números
0
-1
+1
-2
+2
-3
+3
-4
+4
-5
+5
-6
+6
...
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
...
inteiros
Números
naturais
Quadro 4 – Correspondência biunívoca entre Z e N (b)
Fonte: Acervo pessoal

A enumerabilidade de Q
Nossa intuição não permite conceber a ideia de estabelecer uma
correspondência um a um quando se colocam em discussão os conjuntos
N e Q.
Q é denso. N não o é. Parece impossível associar os números naturais (que,
localizados na reta, se configuram isolados uns dos outros) aos pontos racionais
(que se distribuem sobre a reta, em quantidade infinita, entre pontos infinitamente
próximos).
No
entanto,
conforme
observa
Caraça
(2000,
p.88),
a
noção
de
correspondência é indiferente, insensível à densidade, conferindo também ao
conjunto Q a característica de conjunto enumerável.
No final do século XIX, Georg Cantor apresentou a demonstração da
equipotência entre os conjuntos Q e N.
Embora não seja possível escrever os números racionais em ordem, visto que
entre dois números racionais existem infinitos números racionais, é possível dispôlos em uma “fila”, de tal forma que se possa dizer: este é o 1º da fila, este é o 2º,
este é o 3º e assim por diante. Assim, cada número racional estará representado
137
uma única vez, o que, finalmente, permite a correspondência entre estes números e
os naturais.
Descrevemos a seguir, a disposição dos números racionais, conforme foi
elaborada por Cantor79:
Escrevendo os números racionais positivos na forma , com a na a-ésima
coluna e b na b-ésima linha, temos:
1
2
3
4
5
6
7
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
Figura 25 - Representação auxiliar na prova da enumerabilidade de Q
Fonte: Acervo pessoal.
Acompanhando a “linha poligonal” indicada pelas setas, os números racionais
positivos podem ser organizados em uma sequência, da seguinte forma:
Mantendo na sequência apenas os números racionais em sua forma
irredutível, temos
,
79
Ver: Courant & Robbins(2000, p.96, 97)
138
Nesse caso, a sequência é formada por todos os números racionais positivos,
sendo cada um representado uma única vez, permitindo associar cada um desses
números a um único número natural. Logo, o conjunto dos números racionais
positivos tem a mesma cardinalidade de N e, consequentemente, é um conjunto
enumerável.
Essa estratégia permite dispor os racionais em uma “fila”, como segue:
e permite, igualmente, estabelecer a correspondência bijetiva entre os elementos do
conjunto Q e os números naturais.
A partir desta conclusão, é possível provar que a reunião de dois conjuntos
enumeráveis também é um conjunto enumerável.

A não enumerabilidade de R
Intuitivamente, não é possível admitir a possibilidade de fazer corresponder,
de forma bijetiva, os números naturais e os números reais, por razões semelhantes
àquelas mencionadas anteriormente, quando nos referimos à correspondência entre
os naturais e os racionais.
Q é denso e N não é. Contudo, foi provada a enumerabilidade de Q.
R é denso e N não é.
O que diferencia Q de R?
Q é denso em R, mas não preenche toda a reta. Há “buracos” na reta –
infinitos pontos que não correspondem a números racionais.
R é denso e existe uma correspondência bijetiva entre todos os seus
elementos e os pontos da reta.
Novamente o componente formal é indispensável como estratégia de
convencimento, para provar a não enumerabilidade de R.
O que segue é um esboço da prova de Cantor, relativa à não enumerabilidade
do conjunto dos números reais80.
80
Ver Courant & Robbins (2000, p.97, 98).
139
a) Supondo que o conjunto R seja enumerável, construímos uma sequência
composta por todos os números reais, dispondo-os numa tabela, em sua
representação decimal infinita:
1º número
2º número
3º número
4º número
...
...
Nessa representação, N é a parte inteira e as letras minúsculas são os
algarismos que compõem a parte decimal de cada número.
b) Vamos construir um número real que difere de todos os números reais
organizados nessa sequência: esse número será diferente do 1º número da
81
tabela pelo algarismo dos décimos
pelo algarismo dos centésimos
dos milésimos
, diferente do 2º número da tabela
, diferente do 3º número pelo algarismo
e assim sucessivamente. Construído dessa forma, o
número é distinto de todos os números reais relacionados na tabela.
c) Essa possibilidade de criar um “novo” número, diferente de todos os números
reais representados na tabela, atesta que, nessa sequência, não estão
presentes todos os números reais, conforme havia sido suposto inicialmente.
Ou seja, essa suposição inicial era falsa.
d) Logo, o conjunto dos números reais não é enumerável.

A não enumerabilidade do conjunto dos irracionais
Considerando que:
(i)
a reunião de dois conjuntos enumeráveis também é um conjunto
enumerável;
81
Nesse caso, o algarismo dos décimos
deve ser substituído por outro algarismo, que seja
também diferente de zero ou de nove, a fim de evitar ambiguidades decorrentes da igualdade
0,9999... = 1. Da mesma forma, esse cuidado deve estar presente, quando da substituição dos
algarismos
etc.
140
(ii)
R é definido pela reunião dos conjuntos dos números racionais e
irracionais;
(iii)
Q é conjunto enumerável; e
(iv)
R é conjunto não enumerável,
conclui-se que o conjunto dos números irracionais não é enumerável.
3.6. Uma medida para o conjunto dos números racionais
As questões propostas a seguir, de certa forma, retomam os temas tratados
ao longo deste capítulo:
Considere dois pontos A e B, muito, muito próximos, marcados sobre a reta numérica.
Quantos números racionais existem entre A e B?
Reduzindo ainda mais a distância entre A e B, quantos números racionais existem entre A
e B?
Agora, considere o intervalo [0, 1].
Suponha que eu coloque a ponta do lápis, aleatoriamente, sobre um ponto qualquer
desse intervalo.
Qual é a probabilidade de ser marcado um ponto racional?
Justifique sua resposta. 82
O que dirá a intuição de uma pessoa que, durante esta nossa trajetória, se
deixou convencer sobre a existência de infinitos pontos racionais entre dois racionais
dados (ainda que infinitamente próximos), e que alimentou – talvez, com alguma
razão – a ideia de que existem mais racionais do que irracionais?
Novamente, o componente formal se sobrepõe à intuição. Não há outra
estratégia de convencimento, sobretudo porque a última questão pede resposta
exata, para assunto que diz respeito ao infinito.
O que foi visto anteriormente, neste capítulo, é conhecimento utilizado para
compor a justificativa que apresentamos a seguir.
a) Consideremos a reta real, totalmente preenchida por números racionais e
irracionais.
82
Atividade proposta para discussão, no final da fase 2.
141
b) Se o conjunto de números racionais é enumerável, então o conjunto dos
pontos racionais também é enumerável e assim, podemos representá-los em
uma “fila”.
c) Indicando os pontos P1, P2, P3, P4, P5, P6 em uma “fila”, podemos dizer:
este é o 1º da fila, este é o 2º da fila, este é o 3º da fila e assim por diante.
d) Consideremos um intervalo arbitrariamente pequeno que contenha cada um
desses pontos.
Por exemplo, o intervalo de medida:
e) O intervalo de medida
, com
f) O intervalo de medida
comprimento
P1
, com
P2
, com
> 0, contém o ponto P1;
> 0, contém o ponto P2;
, com
> 0, contém o ponto P3; o intervalo de
> 0, contém o ponto P4; e assim por diante...
P4
P3
P5
P6
...
g) Se somarmos todos esses intervalos, que são tão pequenos quanto se queira,
todos os pontos racionais estarão incluídos nessa soma.
h) Temos:
i) Colocando
em evidência, temos:
j). Calculando a soma dos termos da progressão geométrica infinita
representada entre os colchetes, temos:
=
=
Logo, a soma de todos os intervalos que contêm os pontos racionais é igual a
e a soma de todos os pontos racionais é menor do que qualquer
> 0. Como
é
142
arbitrariamente pequeno (pode ser infinitamente pequeno), dizemos que o conjunto
Q tem medida nula em R.
Assim, retomando a questão que exigiu esses argumentos, pode-se afirmar
que a probabilidade de se tocar um ponto racional é zero e, consequentemente, a
probabilidade de se tocar um ponto irracional é 1.
Uma complementação das discussões e reflexões iniciadas durante nosso
experimento deve contemplar tópicos que, em nossa opinião, seriam indispensáveis
à imagem conceitual relativa aos números irracionais, constituída por um professor
de Matemática. Dentre esses tópicos, estariam, por exemplo, as abordagens dos
números reais por meio dos Cortes de Dedekind e dos Intervalos Encaixantes, que,
embora estivessem previstos em nosso estudo, foram adiados para o próximo
experimento com o grupo.
143
CAPÍTULO 4
UM OLHAR SOBRE OS DADOS DE
NOSSA INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA
FASE 1
Ninguém promove a aprendizagem de conteúdos que não domina
nem a constituição de significados que não possui
ou a autonomia que não teve oportunidade de construir.83
Este capítulo é dedicado à exposição de nosso estudo, no que concerne à
coleta de dados em sua primeira fase, em caráter diagnóstico.
Fazemos uma apresentação inicial dos sujeitos de nossa pesquisa e, em
seguida, exibimos as questões que compuseram o primeiro instrumento de coleta de
dados, acrescidas dos propósitos pelos quais decidimos sobre sua pertinência em
relação ao nosso estudo e acompanhadas da análise dos resultados, necessária à
continuidade de nossa investigação.
4.1. Caracterização dos sujeitos de nossa pesquisa
Nosso estudo foi realizado com a colaboração de um grupo de 23 professores
de escolas públicas estaduais de Ensino Fundamental II e Ensino Médio da Região
Norte da cidade de São Paulo. Trata-se de grupo constituído segundo as normas de
organização do Projeto Observatório, que promove reuniões quinzenais entre
pesquisadores em Educação Matemática e professores de Matemática, nas
dependências da UNIBAN de São Paulo.
Doze professores do grupo são efetivos e exercem a função docente há um
tempo médio de 13 anos, dos quais, 8 anos (em média) incluíram o trabalho com
classes do Ensino Fundamental.
Neste texto, as referências aos professores, são feitas por professor (A), (B),
(C), etc., a fim de salvaguardar a identidade dos mesmos.
83
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível
superior, curso de licenciatura, de graduação plena. PARECER NÚMERO CNE/CP 009/2001, p. 37.
144
4.2. O primeiro instrumento de coleta de dados
Visando engendrar um perfil dos professores participantes de nosso estudo,
esta primeira fase da coleta dos dados compôs-se da aplicação de um
questionário84, durante o encontro realizado em 14/09/2010, contendo itens que, a
nosso ver, permitiriam a identificação de suas concepções sobre o conceito de
número irracional e sobre o ensino de noções concernentes a esse conteúdo a
alunos da Educação Básica.
Os dados obtidos por meio desse questionário constituíram ponto de partida
para a elaboração e aplicação de uma sequência de atividades, com a finalidade de
nortear as reflexões do grupo, no decorrer do experimento realizado durante as
fases 2 e 3, que serão detalhadas no capítulo 5.
Tendo em vista a sua finalidade, como primeiro instrumento de nossa
investigação, esse questionário foi composto por 11 questões abertas, que versam
sobre o conhecimento específico dos números racionais, irracionais e reais,
incluindo definições, caracterização, representações, significados e estabelecimento
de relações entre os conjuntos.
Ao mesmo tempo, essas questões foram elaboradas sob a intenção de
averiguar os conhecimentos pedagógicos do grupo de professores, no que concerne
às possíveis abordagens dos números irracionais, às dificuldades que são próprias
do processo de aprendizagem desse conteúdo e à interpretação e análise de
produções de alunos em fase de construção desse conhecimento.
Além disso, ao elaborar esse documento, levamos em conta a possibilidade
de analisar os conhecimentos curriculares do grupo de professores, no que respeita
aos números irracionais.
Assim, dado que o caráter desta etapa de nosso estudo era diagnóstico,
escolhemos propor o questionário aos professores, como tarefa individual, cuja
realização teve a duração de aproximadamente três horas.
Importa observar que as questões propostas aos professores, em sua
maioria, são propositalmente abrangentes para oferecer-lhes a liberdade de
84
Ver Anexo 1.
145
manifestar suas concepções, restringir ou ampliar suas respostas, ou ainda
selecionar e aprofundar um único aspecto da questão. Acreditamos que, mais do
que elaborar respostas às nossas questões, esta primeira fase se constituiu em
oportunidade de reflexão a respeito da própria prática, sobre o ato de ensinar os
números irracionais aos estudantes.
4.3. Fundamentação teórica para a análise dos dados da primeira fase
Para a elaboração e análise das questões que compõem o questionário
proposto nesta fase, apoiamo-nos em Tall & Vinner (1981), que definem imagem
conceitual como estrutura cognitiva total que se constrói na mente de uma pessoa, a
respeito de determinado conceito matemático, abrangendo todas as impressões,
ideias, imagens mentais, representações visuais e descrições verbais relativas a
propriedades e processos que envolvem aquele conceito. A imagem conceitual se
constitui ao longo do tempo por meio de experiências de todos os tipos e evolui
continuamente pelo enfrentamento de novos estímulos (p.2).
Assim sendo, a imagem conceitual relativa aos números irracionais
explicitada pelos professores em respostas ao questionário poderia, de certa forma,
definir o ponto de partida para o nosso experimento, no que se refere aos
conhecimentos desse conteúdo específico, nas perspectivas de Shulman (1986,
1987) e de Ball et al (2008).
Também no que diz respeito aos conhecimentos necessários ao ensino desse
conteúdo, foram consideradas as categorias apresentadas por Shulman (1986,
1987) e por Ball et al (2008), conforme foi explicitado no capítulo 1, dedicado à
revisão de pesquisas que influenciaram o desenvolvimento de nosso estudo.
4.4. Uma análise dos conhecimentos dos professores sobre o processo de ensino e
aprendizagem do conceito de número irracional na Educação Básica
Tendo em vista a nossa intenção de delinear um perfil dos professores
participantes, a fim de planejar as próximas ações de nosso experimento,
explicitamos a seguir a nossa interpretação das respostas apresentadas ao
questionário e também as decisões decorrentes dessa análise.
146
Assim, as reflexões sobre os resultados desta primeira fase, que
apresentamos a seguir, deverão servir como esclarecimento para as ações que
compuseram, posteriormente, a fase de intervenção.
Na análise a seguir, quando possível, apresentamos um quadro-síntese das
respostas dos professores, sem que haja a intenção de quantificar ou classificar
exatamente essas respostas, mas com a finalidade de indicar as ideias que
percebemos (ou interpretamos) como prevalecentes neste grupo, naquela ocasião, a
fim de planejar nossas ações para a fase da intervenção.
4.4.1. Sobre o conhecimento dos professores a respeito dos conjuntos numéricos
A fim de identificar concepções dos sujeitos de nossa pesquisa, sobre
números racionais, irracionais e reais e, eventualmente, sobre ideias relacionadas à
ampliação dos campos numéricos, foi proposta a seguinte questão:
1. Como você define (ou definiria), em suas aulas, os conceitos de número racional,
número irracional e número real?
As respostas indicaram lacunas nos conhecimentos relativos à ampliação dos
campos numéricos, desde o conjunto dos números naturais, conforme se percebe
nas seguintes respostas:
O número racional é encontrado na forma
.
O número irracional – não tem período.
Número real – números naturais/positivos. Prof. (F).
147
Figura 26 - Questão 1. Protocolo Prof. (C)
Fonte: Acervo pessoal.
Figura 27 - Questão 1. Protocolo Prof. (U)
Fonte: Acervo pessoal.
Segundo se expressou o professor (U), neste último excerto, o conjunto dos
números irracionais não estaria contido em R, o que dispensaria a criação deste
último.
Tais afirmações lançam dúvidas sobre a consolidação, inclusive do conceito
de número natural, por alguns desses professores. Mostram, igualmente,
dificuldades relacionadas à classificação de números em racionais, irracionais ou
reais, em virtude de uma caracterização ambígua desses números, deixando pontos
148
vulneráveis que poderiam levar os alunos a formar ideias incompletas ou incorretas
sobre esses conjuntos numéricos.
Nas definições apresentadas pelo professor (G), por exemplo, indicadas no
protocolo a seguir, o zero não foi incluído como número inteiro nem como número
natural. Além disso, não há uma indicação clara sobre o fato de ser finita, ou infinita
e periódica, a representação decimal dos números racionais, o que permitiria
classificar um número como 0,101001000100001... como racional.
Figura 28 - Questão 1. Protocolo Prof. (G)
Fonte: Acervo pessoal
Finalmente, levando em conta os exemplos apresentados por este professor
(
; e raízes não exatas) poderíamos supor que, ao dizer “nrs. irracionais são
números atribuídos a símbolos matemáticos com valores grandes”, ele esteja se
referindo à representação decimal desses números, que contêm quantidade infinita
de algarismos.
Essa mesma imprecisão pode ser observada na resposta apresentada pelo
professor (B) – protocolo a seguir –, cuja leitura poderia induzir um aluno a concluir
149
que qualquer raiz é número racional. Parece haver, nessa definição, uma
associação da palavra “racional” com a palavra “raiz”, que deixa transparecer
fragilidades relacionadas à definição de número racional e, em nossa interpretação,
também ao significado de número racional como razão entre inteiros.
Figura 29 - Questão 1. Protocolo Prof. (B)
Fonte: Acervo pessoal.
A resposta apresentada por (H), exposta a seguir, também é vaga no que se
refere ao tratamento que se dá à ampliação e à caracterização dos conjuntos
numéricos, ao longo do Ensino Fundamental:
Figura 30 - Questão 1 - Protocolo Prof. (H)
Fonte: Acervo pessoal.
Neste último extrato, provavelmente o professor se refere a alunos que
utilizam números naturais, inteiros, racionais e reais na resolução de problemas, mas
talvez não saibam classificar esses números ou definir, por exemplo, um número
150
racional como número que pode ser representado na forma a/b com a e b inteiros e
b distinto de zero.
Parece-nos também que a ideia de número real, segundo a resposta
apresentada pelo professor (H), é construída antes e independentemente da
construção do conceito de número irracional.
Outras definições apresentadas também sugerem a introdução ou o trabalho
com o conjunto dos números reais, independentemente do estudo dos irracionais.
Interpretamos dessa forma, visto que, para estes professores, os números
irracionais não fazem parte do conjunto dos reais, como se pode observar nos
protocolos a seguir:
Figura 31 - Questão 1. Protocolo Prof. (O)
Fonte: Acervo pessoal.
Figura 32 - Questão 1. Protocolo Prof. (R)
Fonte: Acervo pessoal
151
Figura 33 - Questão 1. Protocolo Prof. (S)
Fonte: Acervo pessoal.
Figura 34 - Questão 1. Protocolo Prof. (V)
Fonte: Acervo pessoal
Alguns professores se referem apenas à infinidade de algarismos, em suas
definições de número irracional. Por exemplo,
Figura 35 - Questão 1. Protocolo Prof. (J)
Fonte: Acervo pessoal
152
Figura 36 - Questão 1. Protocolo Prof. (K)
Fonte: Acervo pessoal
Na forma como estão elaboradas, essas definições permitiriam a um aluno a
classificação de dízimas periódicas como números irracionais.
Além disso, restringem a caracterização de números irracionais à sua
representação decimal (com infinitos algarismos) – o que, de certa forma, limita a
abordagem desse conjunto de números, afastando a possibilidade de um
aprofundamento que inclua, por exemplo, a prova formal da irracionalidade de um
número.
Por outro lado, algumas definições se referem apenas à representação
fracionária, mas indicam a necessidade de uma reflexão melhor, uma vez que
omitem condições indispensáveis, que devem ser observadas para essa
representação. O protocolo do professor (N), a seguir, ilustra essa nossa
observação:
Figura 37 - Questão 1. Protocolo Prof. (N)
Fonte: Acervo pessoal
153
Não havendo, em definições como essa, a restrição que indica o conjunto a
que devem pertencer os termos da razão , o número
, por exemplo, poderia ser
classificado como racional.
Fazemos constar ainda que apenas um professor apresentou a definição de
número irracional incluindo uma menção às representações: decimal e fracionária,
conforme se vê no excerto a seguir:
Figura 38 - Questão 1. Protocolo Prof. (Q)
Fonte: Acervo pessoal
As definições explicitadas pelo professor (I), conforme se pode examinar no
protocolo a seguir, também fazem referência às formas: fracionária e decimal, para
racionais e irracionais; no entanto, estão incorretas, uma vez que as dízimas
periódicas, segundo estas definições, seriam irracionais e dessa maneira não
poderiam ser representadas por a/b, com a e b inteiros e b não nulo.
154
Figura 39 - Questão 1. Protocolo Prof. (I)
Fonte: Acervo pessoal
Quanto às demais definições, no geral, fazem menção à forma fracionária
para os racionais e à forma decimal para os irracionais, como mostra o extrato a
seguir:
Figura 40 - Questão 1. Protocolo Prof. (A)
Fonte: Acervo pessoal
Uma observação, que consideramos necessária, refere-se aos diagramas de
Venn apresentados por alguns professores que, embora expressem a reunião dos
conjuntos dos números racionais e irracionais, deixam margem para interpretações
incorretas e podem levar os estudantes a formar uma ideia equivocada a respeito do
conjunto dos números reais. Como exemplo, o protocolo a seguir (incompleto, pois o
155
professor se esqueceu de acrescentar à representação do conjunto Q a indicação de
que qualquer número racional pode ser representado na forma a/b), traz uma das
representações por diagrama de Venn, que mereceria atenção especial.
Figura 41 - Questão 1. Protocolo Prof.(M)
Fonte: Acervo pessoal
Um aluno, ao observar esse desenho, poderia imaginar que existem outros
números reais que não são racionais nem irracionais.
Em nossa interpretação, esses resultados evidenciaram lacunas nos
conhecimentos dos professores deste grupo, no que se refere às definições, às
representações e à classificação de números racionais, irracionais e reais, o que
compromete qualquer abordagem, ainda que introdutória, que pretenda discutir a
ampliação dos campos numéricos, em uma classe de alunos da Educação Básica.
Embora tenha sido observada uma diversidade de respostas a este primeiro
item do questionário, apresentamos a seguir, um quadro-síntese contendo as
principais concepções sobre números racionais, irracionais e reais, explicitadas
pelos professores.
156
Quantidade
de
professores
17
Concepções sobre números racionais, irracionais e reais
Ideia de número irracional essencialmente baseada na representação decimal.
6
Concepção do conjunto dos números reais desvinculada da ideia de reunião dos
conjuntos dos racionais e dos irracionais.
5
O diagrama de Venn apresentado nas respostas pode induzir alunos à formação de
concepção incorreta sobre a ampliação dos campos numéricos.
4
Definição de número irracional como número que não pode ser representado em forma
de fração.
2
Definição de número irracional com menção à representação decimal infinita e não
periódica e à impossibilidade de representá-lo na forma fracionária. (apenas uma
resposta correta).
Quadro 5 – Síntese das respostas dos professores ao item 1 do instrumento diagnóstico
Fonte: Acervo pessoal
4.4.2. Sobre o conhecimento dos professores a respeito do processo de ensino dos
números irracionais
Com a intenção de averiguar os conhecimentos do grupo de professores a
respeito do
ensino
de
noções concernentes aos números irracionais e,
possivelmente, sobre os tipos de abordagens experimentados em suas aulas,
propusemos a questão que segue:
2. Que estratégias você considera que um professor deveria utilizar, para propiciar a
alunos de 8ª série do Ensino Fundamental, a construção do significado de número
irracional?
Interpretando sob a perspectiva de Shulman (1986, 1987), os conhecimentos
necessários ao professor, para o ensino dos números irracionais incluiriam a escolha
de representações mais adequadas, a formulação de definições, as explicações e
justificativas mais convincentes, a seleção de exemplos e ilustrações que poderiam
facilitar a compreensão desse conteúdo por alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental.
Com a abrangência desta questão, tivemos a intenção de oferecer a
oportunidade de respostas que poderiam incluir a especificação de estratégias
utilizadas pelos próprios professores, pela convicção de que, de fato, produzem a
compreensão do conceito de número irracional. Por outro lado, poderiam incluir
157
abordagens que, conquanto sejam avaliadas como ideais, são tidas como inviáveis
nessa fase da escolaridade e, por isso, não são postas em prática.
As respostas de nove professores a essa questão sugerem atividades
empíricas que envolvem a medição de segmentos, ou do comprimento e do
diâmetro de circunferências, para a apresentação do número
sem, no entanto,
qualquer menção a respeito da obtenção de valores aproximados ou a respeito de
como seriam feitos esclarecimentos sobre a insuficiência dessa abordagem, para
uma caracterização dos números irracionais. Os protocolos expostos a seguir
ilustram as indicações desses professores.
Figura 42 - Questão 2. Protocolo Prof. (M)
Fonte: Acervo pessoal
Figura 43 - Questão 2. Protocolo Prof. (I)
Fonte: Acervo pessoal
Embora não tenha sido explicitada pelo professor (I), a atividade indicada em
sua resposta parece sugerir uma introdução às ideias de comensurabilidade e
incomensurabilidade de grandezas, pela tentativa de encontrar uma unidade de
medida que caiba um número inteiro de vezes, simultaneamente, em dois
segmentos de reta.
158
Por outro lado, as operações com resultados irracionais são mencionadas por
sete professores, conforme exemplificam os protocolos a seguir, provavelmente
como estratégia que resulte num impasse caracterizado pela impossibilidade de se
obter um resultado racional.
Figura 44 - Questão 2. Protocolo Prof. (B)
Fonte: Acervo pessoal
Figura 45 - Questão 2. Protocolo Prof. (E)
Fonte: Acervo pessoal
159
Em nosso ponto de vista, respostas como estas indicam pontos que
precisariam ser discutidos nos conhecimentos dos professores, relacionados às
definições de números racionais e irracionais e às suas possíveis representações,
visto que, indiretamente, admitem a possibilidade de representar um número
irracional em forma de fração.
Também sugerindo uma abordagem por meio de operações, o professor (P)
propõe: “... podemos resolver uma raiz quadrada não exata até cairmos no decimal
não periódico”, em estratégia que, supostamente, indica o uso da calculadora (com
resultado aproximado por um racional) ou a aplicação do algoritmo para o cálculo da
raiz quadrada (que não figura entre os conteúdos indicados para o trabalho em sala
de aula).
A expressão “até cairmos no decimal não periódico” utilizada pelo professor
(P) sugere uma garantia que não existe: a de que, a partir de certa quantidade de
algarismos na parte decimal, seria possível afirmar que não haverá formação de
período.
Assim, interpretamos que essa estratégia não favorece a percepção ou a
“descoberta” de que o resultado é um número diferente do racional.
Dentre os sete professores que apontaram as operações como estratégia de
abordagem dos irracionais, destacamos um que, embora não explicite, parece
sugerir a ideia de cálculo da raiz quadrada por aproximação, indicando: “exemplos
de números de raiz quadrada exata e depois raiz quadrada não exata, ou seja, um
número que se aproxime da raiz exata, e nesse intervalo multiplicar os números
decimais...” (prof. S).
Três professores mencionaram a calculadora como recurso para abordar o
conceito de número irracional, sem, no entanto, manifestar alguma intenção no
sentido de iniciar esse estudo por meio da obtenção de aproximações racionais para
números irracionais e também sem esclarecimentos sobre as estratégias que
induziriam os alunos a perceber que os valores obtidos com o auxílio da calculadora
representam uma aproximação de um número cuja representação decimal é infinita
e não periódica:
Usar a calculadora facilita os cálculos com números irracionais, que tal uma
competição??!! (Prof. C)
160
Propor aos alunos calcular a
F).
e de
. Usar a calculadora também. (Prof.
Pedir ao aluno que digite na calculadora:
(1) a tecla do
(2) a raiz quadrada de 2
(3) a raiz quadrada de 3. (Prof. O).
A História da Matemática, como estratégia para a abordagem dos números
irracionais foi indicada nas respostas de três professores:
Ele deve explorar a reta numérica. Também pode contar histórias sobre
como surgiu esse número que provocou até morte, eles adoram este tipo de
história, falar sobre a escola Pitagórica entre outros. (Prof. Q).
Para que o aluno entenda o significado do número irracional, ou de qualquer
outro conjunto numérico, é interessante que o professor conte a história dos
números, assim ele entenderá que a necessidade humana levou o Homem
a criar todos os conjuntos numéricos que hoje conhecemos. (Prof. R).
Através da história dos números. (Prof. V).
Estes professores não se estenderam em suas considerações sobre a
História da Matemática, mas sugerem, em suas falas, que atribuem importância às
questões relacionadas à ampliação dos campos numéricos e às necessidades que
provocaram essa ampliação.
Por outro lado, dentre as sugestões explicitadas pelos professores, apenas
uma se refere à inserção de números entre dois inteiros dados, que poderia resultar
na exploração da ideia de densidade do conjunto dos racionais na reta numérica e,
posteriormente, na introdução do conceito de número irracional. Sua resposta está
no excerto a seguir.
Figura 46 - Questão 2. Protocolo Prof. (P)
Fonte: Acervo pessoal
Observamos finalmente, que, em resposta a esta questão, nenhum dos
professores participantes mencionou a possibilidade de introduzir o conceito de
número irracional por uma abordagem geométrica que envolva, por exemplo, a
aplicação do Teorema de Pitágoras e construções com régua e compasso, que
161
permitam ao aluno perceber a existência de pontos na reta que não correspondem a
números racionais.
O quadro a seguir resume as indicações explicitadas pelo grupo, para a
abordagem dos números irracionais.
Quantidade
de
professores
9
Sugestões de abordagens do número irracional no Ensino Fundamental
Abordagem experimental, a partir da medição de segmentos ou da medição
do comprimento e do diâmetro de circunferências.
7
Abordagem por meio de operações de divisão ou de extração da raiz
quadrada não exata para a obtenção de resultado decimal infinito e não
periódico.
3
Abordagem com o auxílio da calculadora.
3
Abordagem por meio do relato da História da Matemática.
3
Ausência de sugestões.
1
Apresentação de fotos de fractais para sugerir a ideia de números irracionais.
1
Definição de número irracional com base em sua representação decimal,
seguida de exemplos. Comparação entre representações decimais de
números racionais e irracionais.
1
Inserção de números entre dois inteiros (possível exploração da densidade de
Q na reta numérica).
Quadro 6 – Síntese das respostas ao item 2 do instrumento diagnóstico
Fonte: Acervo pessoal
4.4.3. Sobre o conhecimento dos professores a respeito da aprendizagem dos
números irracionais
Com o objetivo de investigar a maneira como os professores interpretavam as
dificuldades inerentes à construção do conceito de número irracional, propusemos a
questão exposta e analisada a seguir.
3. Que dificuldades os alunos apresentam, em relação aos números irracionais ou à
incomensurabilidade de grandezas?
Esperávamos
que
os
professores
reconhecessem,
como
possíveis
dificuldades, aquelas relacionadas à aceitação da existência de pontos na reta que
não correspondem a números racionais, à percepção da necessidade de ampliação
dos conjuntos numéricos pela criação do conjunto dos números irracionais, à
aceitação de que existem pares de segmentos que não são múltiplos inteiros de
162
nenhum segmento tomado como unidade de medida (por menor que seja), ao
desenvolvimento de argumentos formais.
Um exame das respostas apresentadas por dez professores permite perceber
que algumas dificuldades identificadas em seus alunos, embora mencionadas de
forma relativamente vaga, referem-se a habilidades que carecem de abstração. Por
exemplo,
citam
dificuldades
relacionadas
à
imaginação
de
grandezas
incomensuráveis e à aceitação e compreensão de “números infinitos”, “muito
grandes ou muito pequenos”:
Eles não veem o seu uso na prática e nem conseguem imaginar grandezas
incomensuráveis. (prof. C)
O aluno tem dificuldades de lidar com o que não é concreto, e também tem
dificuldades de lidar com números muito grandes ou muito pequenos. (prof.
F).
Com relação aos números irracionais, a identificação de números infinitos, o
aluno não tem noção de grandezas. (prof. J).
Acredito que eles confundem os conjuntos. Os primeiros conjuntos vistos
como naturais e inteiros são confundidos, mas acabam assimilando no
decorrer das séries, mas com relação aos racionais e irracionais eles não
conseguem imaginar, mesmo com o passar das séries, ou seja, existe a
incomensurabilidade de grandezas. (prof.A).
Por outro lado, aludindo ao uso dos números irracionais na prática, o
professor
(T)
deixa
transparecer
certa
dúvida
sobre
a
finalidade
[ou
indispensabilidade?] da apresentação desse conjunto aos alunos, conforme se
verifica na resposta a seguir:
A identificação real dos outros conjuntos numéricos.
A importância do número .
Qual a utilização dos números irracionais? ‘Só para saber o que é?’
Definir bem o que é grandeza com exemplos do cotidiano e situações de
aprendizagem. (prof. T).
Foram mencionadas também, por dez professores, dificuldades relacionadas
à definição de números racionais, irracionais e reais e, consequentemente, à
identificação e classificação desses números, conforme se expressa o professor (R):
“a maior dificuldade dos alunos é quando eles precisam diferenciar os números
irracionais (identificar) de outros”.
Nota-se uma coerência entre as dificuldades apontadas nesta questão 3 e as
respostas apresentadas para as questões anteriores, que tratam das definições e da
163
abordagem de números racionais, irracionais e reais. Isso pode ser observado pela
comparação entre as respostas dadas pelo professor (H), às questões 1 e 3:
Para iniciar os números irracionais, digo que é um número que não tem fim.
Mostro alguns exemplos, como
(prof. H, questão 1).
Eles encontram dificuldades para entender o porquê daquele número ser
infinito. (prof. H, questão 3).
A expressão “é um número que não tem fim”, utilizada por esse professor,
sugere uma definição baseada na representação decimal, mas, os exemplos dados
) podem não parecer, ao aluno, que correspondem a essa definição – os
(
alunos poderiam perguntar: “como não têm fim?”. Além do mais, segundo essa
definição e esses exemplos, como um aluno classificaria o número 0,124545454...,
que também tem representação decimal infinita?
Pode parecer aos alunos que há uma contradição entre a definição e os
exemplos apresentados pelo professor (H) e essa poderia ser uma das causas das
dificuldades apontadas. Essa aparente contradição também figura na resposta
apresentada pelo professor (G) expressa por: “pelo fato de os números terem
valores já estabelecidos e além de serem números escritos sem fim (grandes)”,
possivelmente em referência a números irracionais indicados por radicais (“valores já
estabelecidos”) e indicados por meio da representação decimal (“escritos sem fim”).
Ou seja, são dificuldades relativas também às representações de números
irracionais.
Por fim, acrescem-se a essas dificuldades aquelas relativas à localização de
números irracionais na reta numérica, conforme se verifica nas respostas que
seguem:
As dificuldades que os alunos apresentam em relação aos números
irracionais é que para eles é difícil localizar na reta numérica número com
infinitas casas decimais. (Prof. M).
é trabalhar com abstração. (o nº não tem fim) que só posso determinar o
espaço entre dois nºs não irracionais; onde ele ficara. (Prof. O).
Observamos, no entanto, que, embora os professores tenham apontado
dificuldades relacionadas às grandezas – inclusive as incomensuráveis –, esse tema
parece não figurar na prática destes professores, pois não consta das estratégias
por eles indicadas na questão 2, para a introdução de números irracionais.
164
Ademais, as referências às grandezas incomensuráveis foram feitas de
maneira bastante vaga, levando-nos a conjecturar sobre a ausência de uma
definição (ou de uma compreensão) para esse conceito e, da mesma forma, sobre a
ausência de conexão entre números irracionais e grandezas incomensuráveis no
repertório de conhecimentos deste grupo de professores.
Assim sendo, as dificuldades reconhecidas pelos professores em seus alunos
constituíram, para nós, indicações de que seria necessário acrescentar aos nossos
estudos uma discussão a respeito da incomensurabilidade de grandezas como parte
indissociável do estudo dos números irracionais, senão para o trabalho com alunos
do Ensino Fundamental, ao menos para o domínio dos professores que trabalham
com estes alunos.
Além disso, levando em conta as respostas a esta questão, uma exploração
de estratégias que permitem determinar a localização de números racionais ou
irracionais na reta numérica também deveria constar da pauta de nossos estudos.
Conforme foi dito anteriormente, apresentando o quadro que segue, não
pretendemos mostrar exatidão na quantidade de indicações das dificuldades
identificadas pelo grupo de professores em seus alunos. Algumas dificuldades foram
apontadas por diversos professores assim como alguns professores apontaram
diferentes dificuldades. A intenção é apresentar, de forma geral, as dificuldades que
se evidenciaram nas indicações feitas pelos professores.
Quantidade
de
professores
10
Dificuldades apontadas pelos professores
Abstração: compreensão do significado de grandezas, “imaginação” de
grandezas incomensuráveis, compreensão da noção de infinito, utilização de
números muito grandes ou muito pequenos.
10
Definições, identificação, representação, classificação.
3
Operações com números irracionais.
2
Localização de números irracionais sobre a reta.
1
Em branco.
1
Falta de clareza quanto à utilização de números irracionais.
Quadro 7 – Síntese das respostas dos professores ao item 3 do instrumento diagnóstico
Fonte: Acervo pessoal
165
4.4.4. Sobre a relevância atribuída pelos professores ao ensino dos números
irracionais, no Ensino Fundamental
A fim de promover a reflexão a respeito de razões que poderiam justificar a
presença dos números irracionais nos currículos de Matemática do Ensino
Fundamental, foi proposta a seguinte questão:
4. Você considera importante/indispensável introduzir o conceito de número irracional
no Ensino Fundamental? Por quê?
Ao propor esta questão, supúnhamos que a reflexão necessária à elaboração
de respostas para as questões anteriores pudesse constituir ponto de partida para
uma avaliação, por parte dos professores, quanto à relevância de introduzir o
conjunto dos números irracionais no Ensino Fundamental, conforme está prescrito
nos documentos de referência curricular.
Ou seja, poderia haver dentre os professores, alguém que, não tendo nunca
sido questionado sobre a indispensabilidade desse conteúdo nessa fase da
escolaridade, também não houvesse antes refletido sobre a possibilidade de uma
disposição diferente dos conteúdos nos currículos de Matemática.
Esta pergunta está diretamente ligada a uma das questões que deveriam
permear as discussões ao longo da realização de nosso experimento, no que diz
respeito aos conhecimentos sobre número irracional que um aluno precisa ter
construído, ao terminar o Ensino Fundamental.
Em nossa interpretação, as respostas dos professores não demonstram a
presença de um exame crítico a respeito da indispensabilidade dos irracionais no
currículo de Matemática prescrito para os dois últimos anos do Ensino Fundamental.
Todos eles consideraram importante a introdução e o estudo dos irracionais nesse
nível de ensino, observando, entretanto, que esse estudo deve ter restrições.
Por exemplo, oito professores avaliaram como adequada/suficiente uma
abordagem apenas introdutória que proporcione um primeiro contato com os
irracionais e permita o acesso a um outro conteúdo – por exemplo, os números
reais, as grandezas incomensuráveis, ou algum assunto tratado no Ensino Médio.
Os extratos expostos a seguir contêm respostas nesse sentido:
166
Eu considero importante a partir do momento que, eles precisam ter essa
noção pelo menos do que é um número irracional, pois no ensino médio
usa-se o conjunto dos números reais e dentro deste conjunto tem os
números irracionais. (prof. A, o destaque é nosso).
Sim, pelo menos introduzir a noção básica, para que ele possa entender
determinados assuntos que serão trabalhados nas séries seguintes. (prof. J,
o destaque é nosso).
Acho importante trabalhar só com o conceito, porque assim os alunos
poderão ter uma noção de grandezas incomensuráveis. (prof. M)
Introduzir sim, mas não se aprofundar, pois nesta fase ainda é muito
complicado para o aluno esses conceitos, no entanto, é importante que ele
tenha um primeiro contato e algumas noções para que consiga diferenciálos dos outros. (prof. R, o destaque é nosso).
Parece-nos, além disso, que para alguns professores, a abrangência
considerada suficiente para o estudo dos irracionais configura-se bastante reduzida,
envolvendo a observação de elementos da natureza, cuja forma lembra a noção de
infinito, ou envolvendo uma quantidade pequena de exemplos. Essa nossa ideia
pode ser confirmada pelo exame dos excertos:
Acho importante que os alunos conheçam os números I [irracionais],
conheçam a história deles. É importante eles observarem uma concha, uma
colmeia, elementos da natureza que dão esta noção de infinito, do que é um
número irracional. (prof. H)
Eu acho que é importante introduzir sim, porque o aluno já vai se
familiarizando com a ideia. Quando chega no E. M. ele vai ver o e já vai
saber o que é realmente os números irracionais. (prof. P, o destaque é
nosso).
Outros comentários postos pelo grupo, a esta questão, revelam preocupação
no sentido de atribuir um significado aos números irracionais que, em algumas
respostas, parece associado à utilização dos irracionais na resolução de situações
concretas, o que, em última instância, reduziria o tratamento dos irracionais às
aproximações racionais:
Eu considero importante termos no currículo o conceito de número irracional
no ensino Fundamental, desde que se encontre um significado para este
aluno. Seja despertado o interesse no aluno em saber o porquê temos o
número irracional e onde podemos usá-lo na prática. O uso da calculadora
ajuda muito o aluno nos exercícios. (prof.C, grifo do professor).
Importante sim, mas indispensável não. Será importante iniciar o conteúdo
com os alunos, colocando o que é o conjunto, onde usamos, alguma
atividade
concreta
(jogo,
atividade
com
calculadora,
etc.).
(Prof. W).
167
Além disso, identificamos, nas respostas, outras ideias que mereceriam
melhor reflexão. Por exemplo, o professor (G) se refere aos benefícios de introduzir
os irracionais nas séries iniciais, dizendo: “Creio que sim, porque assim, desde
pequenos (séries iniciais) vão se habituando com este conjunto de nºs. A ordem de
grandeza deles. E sua importância na utilização de cálculos”.
Seis professores apresentaram argumentos bastante vagos para dizer da
importância dos números irracionais no currículo do Ensino Fundamental. Por
exemplo:
É importante manter o conceito de número irracional no ensino fundamental,
porque o aluno um dia irá deparar com o número irracional. (prof. L).
Todo conhecimento a mais sempre é bom. Pois só irá ajudá-lo na
continuação do curso ele estará adicionando conhecimentos. (prof. N).
A nosso ver, as ideias explicitadas pelos professores mostram que estes
consideram satisfatória uma introdução dos números irracionais, incluindo definições
e alguns exemplos, com vistas à familiarização dos estudantes com esse conjunto
numérico – apenas o suficiente para estabelecer a ponte entre os racionais e os
reais, como “preparo” para o estudo dos conteúdos prescritos para o Ensino Médio.
Destacamos, finalmente, a resposta do professor (I) que, não obstante tenha
sido elaborada de forma imprecisa, aponta a necessidade de ampliação dos campos
numéricos como justificativa para a introdução dos números irracionais no Ensino
Fundamental:
Figura 47 - Questão 4. Protocolo Prof. (I)
Fonte: Acervo pessoal
Com o quadro seguinte, procuramos destacar as ideias que prevalecem neste
grupo de professores, sobre a indispensabilidade de ser introduzido o conceito de
número irracional, no Ensino Fundamental:
168
Quantidade
de
professores
8
Opinião dos professores sobre a importância de introduzir o conceito de número
irracional no Ensino Fundamental
É necessária apenas uma abordagem introdutória, suficiente para
estabelecer a transição dos racionais para os reais ou para permitir o acesso
a conteúdos trabalhados no Ensino Médio.
7
É importante introduzir números irracionais como preparo para estudos
posteriores.
6
É importante introduzir os irracionais, por razões não compreensíveis.
1
A abordagem é necessária para o estudo da ampliação dos campos
numéricos.
É importante a introdução dos irracionais, pela observação de exemplos
retirados da natureza que lembram a ideia de infinito.
Quadro 8 – Síntese das respostas dos professores ao item 4 do instrumento diagnóstico
Fonte: Acervo pessoal
1
4.4.5. Sobre o conhecimento dos professores a respeito de uma abordagem
geométrica para o ensino dos números irracionais
Visando investigar as concepções dos professores, no que se refere às
possíveis abordagens geométricas dos números irracionais, ou suas opiniões sobre
abordagens já experimentadas, foi elaborada a questão a seguir:
5. Você acha importante incluir nas aulas de Matemática uma abordagem geométrica
do conceito de número irracional? Como seria essa abordagem?
Tínhamos a expectativa de que os professores, em suas respostas, se
referissem

à localização de números racionais ou irracionais sobre a reta numérica,
por meio de construções geométricas;

à incomensurabilidade de segmentos de reta;

e à relação entre números irracionais e grandezas incomensuráveis.
As respostas dos professores revelaram que não houve compreensão sobre
os tipos de abordagens geométricas a que estávamos nos referindo.
Três professores mencionaram como possível recurso geométrico, para a
compreensão do conceito de número irracional, a apresentação do número
(provavelmente por meio de experimento prático de medição de objetos circulares),
como indicam os excertos que seguem:
169
Acredito que uma boa tentativa seria abordar o número Pi. (prof.K)
Sim, como já citei na questão 2, ao introduzirmos a circunferência, a medida
de seu comprimento, já estamos trabalhando ou introduzindo o Pi ( ). O
cálculo da hipotenusa de determinado triângulo retângulo, conforme as
medidas dos catetos chega-se a um número irracional. (prof.E).
Apenas um professor, além de (E), explicitou a ideia de construção
geométrica de segmentos de medida irracional, a partir de um triângulo retângulo,
dizendo:
Com certeza, pode ser introduzida com a construção da diagonal de um
quadrado de lado um e depois dar sequência a diagonal dos quadrados que
têm diagonal de números irracionais. Proposta do livro Vol. 1 da 8ª série.
(prof. Q).
Os professores (U) e (V) também se referem à determinação da medida da
diagonal de um quadrado de lado “l”, como se expressou (V) em: “Sim. Mostrar o
valor da diagonal do quadrado (
)”, sem, no entanto, fazer indicação de uma
continuidade para essa abordagem, que inclua, por exemplo, a construção de outros
segmentos de medida irracional e também sem fazer menção à localização de
pontos na reta que correspondam aos números irracionais que representam essas
medidas.
É possível que o professor (B) também tenha considerado a mesma figura do
quadrado de lado 1u, quando sugeriu a abordagem do número irracional por meio da
demonstração. Sua resposta foi apenas: “Sim, demonstração.”
Outra estratégia, que foi sugerida por quatro professores, refere-se à
localização de números irracionais na reta numérica, provavelmente considerando a
representação decimal:
Sim, para os alunos visualizarem a grandeza dos números irracionais
precisaria mostrar geometricamente na reta a sua extensão. (prof.A).
Sim, podemos pedir a localização dos números irracionais na reta numérica,
com aproximações. (prof. F).
Sim, colocando valores irracionais numa reta comparando sua grandeza com
números inteiros, e decimais (exatos). (prof.G).
É possível que, ao dizer “grandeza dos números irracionais”, os professores
estivessem se referindo à quantidade de algarismos utilizados para a representação
decimal de um número.
170
Outros professores referem-se a atividades práticas no campo da Geometria,
como facilitadoras da compreensão dos números irracionais.
Contudo, não
esclarecem os propósitos e os encaminhamentos que poderiam ser utilizados para a
realização dessas atividades, conforme se verifica nos comentários a seguir:
Eu acho importante ter uma abordagem geométrica do conceito de número
irracional, nas aulas de Matemática, pois eu vejo que através da geometria
teremos fatos e ideias do porquê que esse número irracional é tão diferente
dos outros números; a parte prática é muito importante pois o aluno consegue
“apalpar”/”visualizar”/”comensurar” o tamanho de um número irracional
através da Geometria, onde temos figuras e medidas. (prof.C, grifo do
professor).
Acho importante porque quando trabalhamos com a geometria fica mais fácil
a compreensão dos números irracionais. (prof.M).
Sim. Essa abordagem será colocando os números irracionais nas figuras
geométricas, observando a colocação na própria figura, ou chegar a um
resultado. (prof. L).
Um professor indicou a utilização do diagrama de Venn como única
abordagem geométrica do conceito de número irracional, representando a relação
de inclusão entre os conjuntos numéricos:
Figura 48 - Questão 5. Protocolo Prof. (P)
Fonte: Acervo pessoal
De resto, observa-se certo afastamento da geometria, quando se trata da
abordagem do conjunto dos números irracionais, quer por limitações reconhecidas
pelos próprios professores, quer pela previsão das dificuldades que serão
enfrentadas pelos alunos. Por exemplo,
Eu acredito que se possa incluir alguns conceitos, mas não tão aprofundados,
pois como disse na resposta anterior, nossos alunos, principalmente da
escola pública, não estão preparados para tal. (prof.R).
171
Sinceramente, não, pois não domino geometria e nem tenho noção de como
eu faria essa abordagem. (prof. J).
Deve ser. Não sei. (prof.O).
Acho que ia ser bem legal, mas não sei como fazê-lo. (Quero aprender). (prof.
W).
Acho complicado explicar número irracional através da geometria para uma
turma da 8ª série ou até do E. M.. Porque o aluno tem uma noção de que
Geometria é algo que se trabalha com medidas. O conceito do aluno em
Geometria é o conceito de “medir”, calcular uma “área” para colocar um piso,
um tapete. Nesta idade que o aluno está a Geometria é muito concreta.
(prof.H, grifo do professor).
Parece-nos que o professor (H) – autor desta última resposta – não
estabeleceu um vínculo entre números irracionais e grandezas incomensuráveis,
visto que não leva em conta a necessidade desses números para a representação
das medidas de grandezas incomensuráveis.
Finalmente, conquanto quatro professores tenham mencionado a exploração
de atividades que envolvem a determinação da medida da diagonal de um quadrado
de lado unitário ou de lado “l”, nenhum dos participantes do grupo se referiu ao
estudo da incomensurabilidade de segmentos de reta, como parte do trabalho
dedicado à construção do conceito de número irracional, possivelmente indicando a
ausência desse conhecimento no repertório deste grupo de professores.
O quadro que segue permite visualizar, de forma geral, as opiniões dos
professores sobre a abordagem geométrica do conceito de número irracional:
Quantidade
de
professores
Estratégias geométricas indicadas para a abordagem do conceito de número
irracional
8
Não indicam estratégias.
4
Localização de números irracionais sobre a reta numérica, em sua
representação decimal.
3
Abordagem experimental para a obtenção do valor aproximado de .
3
Utilização de situações que envolvem figuras geométricas, sem especificação
das estratégias.
2
Construções geométricas de triângulos retângulos para a obtenção de
segmentos de medida irracional.
2
Determinação da medida da diagonal de um quadrado de lado 1 l.
1
Utilização da demonstração.
1
Utilização do Diagrama de Venn.
Quadro 9 – Síntese das respostas dos professores ao item 5 do instrumento diagnóstico
Fonte: Acervo pessoal
172
4.4.6. Sobre o conhecimento dos professores a respeito das orientações curriculares
para a introdução do conceito de número irracional
A fim de tornar perceptível o vínculo entre os estudos que pretendíamos
desenvolver ao longo de nosso experimento e as orientações contidas no Currículo
do Estado de São Paulo, sobre a introdução do conceito de número irracional,
submetemos à apreciação e análise dos professores, uma atividade escolhida
dentre aquelas propostas no Caderno do Professor destinado ao 9º ano do Ensino
Fundamental, publicado em 2008.
6. O Caderno do Professor (2008) destinado à 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental
sugere que o professor inicie o estudo do conceito de número irracional, propondo a
seguinte questão:
“É sempre possível representar a razão de dois segmentos quaisquer com um número racional?
Como isso pode ser feito? (Para quaisquer segmentos AB e CD é sempre possível l
, ou
seja, AB =
, com p e q
....................................................................................................................................................
É muito provável que os alunos, nesse momento, afirmem que ‘é sempre possível representar a
razão de dois segmentos quaisquer com um número racional’, principalmente pelo fato de poder
subdividir a Unidade quantas vezes quiserem; em outras palavras, eles poderão utilizar
submúltiplos cada vez menores” (p. 13).
(A) Como você avalia essa abordagem para o conceito de número irracional?
(B) Com que finalidade um professor poderia propor essa questão?
(C) Você já experimentou iniciar uma abordagem do conceito de número irracional de
acordo com essa sugestão? Que dificuldades os alunos demonstraram, ao
responder a essa questão?
Nossa intenção ao propor esta questão, era buscar, nas análises ou
comentários que os professores iriam apresentar, elementos que permitissem
perceber críticas positivas ou negativas, sugestões de mudanças, hipóteses de
prováveis resultados, previsões de dificuldades que, segundo o olhar de Shulman
(1986, 1987) e Ball et al (2008), compõem os conhecimentos necessários ao
professor, neste caso, para o ensino do conceito de número irracional.
Assim, uma vez que se tratava de avaliar uma atividade sugerida no Caderno
do Professor, proposta com a finalidade de introduzir o conceito de número irracional
sob uma perspectiva geométrica, supúnhamos que as respostas dos professores a
esta questão deveriam guardar estreita relação com as respostas dadas à questão
anterior, que também se refere à incomensurabilidade de grandezas.
173
Quanto ao item (A), que solicita uma avaliação da abordagem proposta, para
o conceito de número irracional, oito professores deixaram em branco ou disseram
que não sabiam como explicar.
Dois outros não haviam conseguido desenvolver essa atividade com seus
alunos, como afirma o professor (H): “Eu não consegui trabalhar este conceito com
meus alunos. Consegui trabalhar a parte geométrica da divisão dos segmentos. Mas
levá-los a observar o número irracional através deste processo o meu alunado não
conseguiu concluir”.
Quatro professores avaliaram a atividade como inadequada ou difícil, dizendo,
por exemplo, que é “muito complexa, poderia abordar com valores na prática”
(prof.K).
Oito professores avaliaram a atividade de forma bastante vaga, dizendo ser
interessante, mas acrescentaram comentários que não deixam claro se foi feita uma
reflexão mais profunda sobre a atividade. Isso pode ser observado nas respostas a
seguir:
É uma forma interessante, apesar de não ser a única. (prof. V).
Muito boa. Vai ficando claro para eles os números racionais. (prof. D).
Acho que é uma abordagem interessante, pois abre discussões que levam
os alunos a refletirem mais sobre o verdadeiro conceito de números
irracionais. (prof. R).
Considero esta maneira de abordar o conceito dos irracionais através dos
conceitos sobre razão e proporção, desde que estes conteúdos forem [sic]
bem trabalhados na 6ª série e 7ª série, uma maneira interessante de
explicar a existência de números irracionais. (prof.U).
Finalmente, as respostas apresentadas por três professores, conforme
exibimos a seguir, embora requeressem discussão, indicam questionamentos que
poderiam ser tomados como pontos de partida para a reflexão do grupo, sobre o
desenvolvimento desta atividade com seus alunos.
Todo número não pode ser dividido por 0. Nem todo número racional
dividido por número racional poderá dar número racional. (prof.S).
É razoável, mas nem sempre os alunos chegarão a uma razão que
represente um número irracional, mesmo usando os submúltiplos cada vez
menores. Eles precisam aprender a assimilar estes conceitos. Mas é preciso
já estarmos trabalhando isto com os alunos. (prof.E).
174
Acho que é uma abordagem muito boa. O aluno pode não precisar de outro
número, além do racional, em um caso, em outro, mas terá um momento
que esse número não vai dar conta. (prof.I).
Conforme dissemos inicialmente, quando explicitamos nossos propósitos para
esta questão, nossa suposição a respeito da coerência entre as respostas
apresentadas à questão anterior (5) e a esta questão, foi confirmada. Ou seja, estes
resultados indicam que ainda não havia domínio de noções importantes
relacionadas ao conceito de número irracional, sobretudo no que se refere à
incomensurabilidade de grandezas.
O quadro a seguir apresenta, de forma sucinta, a opinião dos professores
acerca do item (A).
Quantidade de
professores
8
Como os professores avaliaram a atividade proposta no Caderno da
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Item (A)
Deixaram em branco ou responderam que não sabiam explicar.
8
Consideraram a atividade interessante, apresentando argumentos vagos.
4
Consideraram a atividade inadequada/muito complexa.
3
Apresentaram considerações relevantes, que deveriam ser retomadas ao
longo da fase de intervenção.
2
Não conseguiram trabalhar essa atividade com seus alunos.
Quadro 10 – Síntese das respostas dos professores ao item 6 (A) do instrumento diagnóstico
Fonte: Acervo pessoal
Para o item (B), que requer dos professores uma reflexão a respeito da
finalidade de propor essa atividade aos alunos, doze professores deixaram em
branco ou responderam que ainda não haviam trabalhado essa questão com seus
alunos.
Nove professores apresentaram respostas vagas, que não permitem avaliar
sua convicção a respeito do potencial desta atividade, para a introdução do conceito
de número irracional por meio da incomensurabilidade de segmentos de reta. Por
exemplo, o professor (D), em sua resposta, afirma que a finalidade de propor essa
atividade seria “para diferenciar os números racionais dos irracionais” e o professor
(O) supõe que seria para “mostrar que não existe um valor exato”.
Outras respostas restringem ainda mais a finalidade de aplicar a atividade,
como “observar por exemplo o por quê do número
ser irracional” (prof. H).
175
Finalmente, as respostas dos professores (C) e (I) indicam uma reflexão
sobre a atividade, contendo condições de viabilidade e até alguma previsão de
resultados.
Se a ideia inicial é dar o pontapé do estudo do conceito de número irracional,
esta questão me parece bem apropriada de início. Contanto, que os alunos
saibam ler e interpretar o enunciado; eles podem concluir que a questão
propõe subdividir uma unidade em quantas vezes quiser, sempre indo utilizar
cada vez números menores (submúltiplos da divisão da unidade cada vez
menores). (prof.C)
Para aproveitar o que o aluno conhece, número racional, e mostrar que nem
sempre é possível chegar em um número que pode ser expresso com finitas
casas decimais. (prof.I).
De forma geral, as respostas dos professores ao item (B) desta questão são
as seguintes:
Quantidade
de
professores
Como os professores avaliaram a atividade proposta no Caderno da
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Item (B)
12
Deixaram em branco ou responderam que ainda não trabalharam essa
questão com seus alunos.
9
Respostas vagas.
2
Respostas relevantes que deveriam ser retomadas ao longo da fase de
intervenção.
Quadro 11 – Síntese das respostas dos professores ao item 6(B) do instrumento diagnóstico
Fonte: Acervo pessoal
Quanto ao item (C), que diz respeito à implementação – pelo menos em
caráter experimental – das sugestões apresentadas no Caderno, para a introdução
do conceito de número irracional, apenas um professor respondeu afirmativamente,
dizendo que já tentou, mas não conseguiu que seus alunos chegassem a uma
conclusão: “...conseguiram dividir o segmento, entender, mas não concluir o número
irracional” (prof.H).
Destacamos as considerações feitas pelo professor (M), cujos argumentos
deveriam ser retomados em nossas discussões posteriores, não apenas em relação
à questão proposta no Caderno, mas também em relação à definição de número
racional: “Eu nunca sugeri deste jeito, porque acho que os alunos irão responder que
nem sempre a divisão de um nº inteiro por outro nº inteiro nem sempre o resultado
será um nº racional”.
176
4.4.7. Sobre o conhecimento dos professores a respeito da incomensurabilidade de
grandezas e seu ensino
Para investigar se os professores abordavam, em suas aulas, a noção de
incomensurabilidade de grandezas, utilizando alguma estratégia diferente daquela
avaliada na questão 6, foi proposto o item que segue:
7. O estudo do conceito de número irracional, em suas aulas, inclui uma discussão a
respeito da incomensurabilidade de grandezas?
Esta questão complementa as questões 5 e 6.
A palavra “discussão”, no enunciado, poderia, em nossa opinião, suscitar
comentários ou considerações a respeito de experiências feitas pelos professores,
concordantes (ou não) com a abordagem sugerida no Caderno.
No entanto, as respostas apresentadas pelos professores ficaram restritas a
um “sim” ou “não”, acrescidos de algum comentário bastante vago, como
Às vezes faço alguns comentários de Universo, cosmos, planetas e fractais.
É o máximo que eu consigo. (prof.H)
Deve incluir, uma vez que fica evidente o número irracional em atividades
desse tipo. (prof.I).
Sim. A medida em que se descobre os irracionais se percebe as relações
de suas grandezas. (prof.K).
Sim, mas ainda é um grande mistério para os nossos alunos, tanto os
números irracionais, quanto a incomensurabilidade de grandezas. (prof.R).
Sim, eu explico sobre o nº
que é uma grandeza incomensurável. (prof.B).
Por outro lado, as respostas de dois professores, expostas a seguir, contêm
reflexões
que,
provavelmente,
indicariam
uma
concepção
de
grandezas
incomensuráveis como grandezas que não podem ser medidas.
Sim, eu costumo falar de alguns exemplos de grandezas incomensuráveis,
porém no momento não vem um exemplo que eu possa citar aqui. (Talvez
medir uma dor de cabeça; talvez medir o nosso sistema solar ou o Universo;
será que são grandezas incomensuráveis??). (prof.C).
– O que pode ser medido?
– O que não pode ser medido?
– O conceito de número racional como representante de números ‘sem fim’.
(prof.T).
177
Os resultados das questões 5, 6 e 7 indicam, em nosso ponto de vista, que o
conceito de incomensurabilidade de grandezas – interpretação geométrica do
número irracional – não fazia, na época da aplicação deste questionário, parte da
imagem conceitual do grupo de professores participantes de nosso estudo.
Analisando sob o ponto de vista de Shulman (1986), a ausência de domínio
desse conteúdo específico implicaria igual ausência de conhecimentos para o seu
ensino. Ou seja, a ausência de conhecimentos sobre a interpretação geométrica dos
números irracionais significa também desconhecimento das necessidades que
impulsionaram a criação desse conjunto de números e, consequentemente, implica
a falta de argumentos para convencer os alunos da importância do estudo desse
conteúdo, quer no Ensino Fundamental, quer em fase escolar posterior.
Além disso, limita a rede de conexões possíveis entre os números irracionais
e outros campos da Matemática – por exemplo, entre o campo dos Números (que
envolveria as definições, as representações, a classificação de números, as
operações) e o campo da Geometria (que permitiria ao aluno a percepção da
indispensabilidade dos irracionais, para a realização – matematicamente, falando –
das medidas de quaisquer grandezas).
Restringe, igualmente, as possibilidades de seleção e organização de
atividades – um professor que não conhece a ideia de segmentos incomensuráveis
não pode selecionar ou elaborar atividades que envolvam essa ideia –,
empobrecendo assim, também as possibilidades de ampliação da imagem
conceitual que está sendo constituída na mente dos alunos, pela qual o professor é,
a nosso ver, o principal responsável. Isto é, mesmo que se opte por uma abordagem
apenas inicial que leve em conta o nível de compreensão dos alunos, é o domínio
que o professor tem a respeito desse assunto que permitirá a transformação desse
conhecimento em conhecimento a ser ensinado – acessível, compreensível aos
alunos.
4.4.8. Sobre o conhecimento dos professores a respeito da densidade do conjunto
dos números racionais
Com a intenção de investigar como os professores definiriam a densidade do
conjunto dos números racionais e também, eventualmente, perceber se a
178
exploração desse tema já fazia parte de suas experiências em sala de aula, foi
proposta a seguinte questão:
8. Que estratégias um professor poderia utilizar para auxiliar os alunos de 8ª série a
perceber a densidade do conjunto dos números racionais na reta numérica?
As respostas de doze professores a esta questão são imprecisas, indicando,
provavelmente, uma ideia incompleta – ou inexistente – do conceito de densidade do
conjunto Q. São exemplos desse tipo de respostas:
Desenhar reta? Comparar as divisões? (prof.K).
Divisão de 1 pizza. Coisas do dia-a-dia deles. (prof. D).
1º localizar na reta os números inteiros depois os números racionais e
irracionais. (prof. M).
O professor pode demonstrar através da divisão dos números e ir
posicionando na reta. (prof. R).
No entanto, a ideia de densidade do conjunto dos racionais em R está
presente nas respostas de sete professores, como estratégia possível de ser
desenvolvida com os alunos, conforme se constata a seguir:
Não é fácil e muito menos simples. Para a 8ª série, acredito, que seja um
pouco complexo entender a densidade, principalmente, dos irracionais. Com
os racionais o professor pode mostrar, por exemplo, que entre dois números
inteiros, existem, muitos, muitos racionais. (prof.I).
Utilizaria como exemplo, uma régua, explicando que entre uma unidade e
outra, existem infinitos números. (prof.J)
Coloco ou desenho uma reta numérica na lousa e vou dividindo por
exemplo de 0 a 1, divido ao meio, depois de 0 a ½ ao meio, de 0 a ¼ ao
meio até o aluno conseguir perceber que posso dividir na metade
infinitamente. (prof.H)
179
Figura 49 - Questão 8. Protocolo Prof. (O)
Fonte: Acervo pessoal
O quadro a seguir resume os resultados que acabamos de comentar:
Quantidade
de
professores
12
Respostas dos professores, referentes à densidade de Q
Respostas imprecisas, indicando conhecimento inconsistente sobre a
densidade de Q.
7
Respostas contendo elementos indicativos de conhecimento sobre a
densidade de Q.
2
Em branco.
2
Não sabiam.
Quadro 12 – Síntese das respostas dos professores ao item 8 do instrumento diagnóstico
Fonte: Acervo pessoal
4.4.9. Análise realizada pelo grupo de professores, de respostas elaboradas por
alunos, envolvendo a ideia de sucessor de um número
Para averiguar se, analisando afirmações de alunos, referentes ao sucessor
de um número racional, os professores identificariam como causa dos erros, a
ausência de conhecimentos sobre a densidade de Q, caracterizada pela crença de
que um número racional tem sucessor, foi proposta a seguinte questão:
9.
(A) As seguintes afirmações foram feitas por alunos de 4ª a 8ª série 85.
a) Os números que vêm depois de ½ são 1/3, 1/4, 1/5.
b) Os números que vêm depois de ½ são 2/2, 3/2, 4/2, 5/2, ...
85
As afirmações constantes desta atividade foram construídas com dados emprestados dos
resultados do estudo desenvolvido por Santos (1995, p.130-131).
180
c) Os sucessores de 2/3; 0,5; 3,69 são, respectivamente: 3/3; 0,6 e 3,70.
d) O sucessor do número 3,4444... é 3,44444...
e) O sucessor do número 3,4444... é 3,5555...
f) O sucessor do número 3,4444... é 3,5.
Analise e comente cada uma dessas afirmações.
As ideias explicitadas nas afirmações que seriam analisadas pelos
professores evidenciam uma transferência, para os números racionais, de
concepções formadas anteriormente sobre números naturais: a ideia de sucessor de
um número. Nosso intuito ao propor essa análise aos professores estava ligado ao
interesse de nosso experimento – a abordagem do conjunto dos irracionais pela
exploração da densidade dos racionais na reta numérica.

Analisando as afirmações:
a) Os números que vêm depois de ½ são 1/3, 1/4, 1/5 e
b) Os números que vêm depois de ½ são 2/2, 3/2, 4/2, 5/2, ...
Supúnhamos que estas duas frases fossem analisadas pelos professores,
tendo em conta a ideia de sucessor de um número racional. Ou seja, esperávamos
que, ao examinar, por exemplo, a afirmação “os números que vêm depois de ½ são
1/3, 1/4, 1/5” (e não “alguns dos números que vêm depois de ½ são 1/3, 1/4, 1/5”, e
não “os números 1/3, 1/4, 1/5 vêm depois de ½”), os professores fizessem
conjecturas a respeito da possibilidade de os alunos (autores das afirmações)
haverem se baseado na crença de que números racionais têm sucessor.
No entanto, as respostas apresentadas pela maioria dos professores indicam
uma avaliação das duas afirmações sob o ponto de vista da ordenação de números
racionais. Os extratos a seguir exemplificam os comentários feitos por esses
professores:
Se o exercício pediu para colocar em ordem decrescente, o aluno acertou.
Senão, o aluno pensou somente no número de baixo (denominador)”. (Prof.
A, afirmação (a)).
1/3, ¼, 1/5, vêm antes do ½, os alunos não dividiram 1 por 3, 1 por 4 e 1/5
e sim associaram os 1/3, ¼ e 1/5 maiores que 1/2. (Prof. F, afirmação (a)).
Meio é menor do que q.q. um dos outros. (Prof. O, afirmação (b)).
181
Neste caso se ele estiver observando em ordem crescente o aluno está
certo. Cada vez ele come um pedaço a mais do chocolate. (Prof. H,
afirmação (b), grifo do professor).
Figura 50 - Questão 9(A). Afirmação (a). Protocolo Prof. (E)
Fonte: Acervo pessoal
Analisando respostas desse tipo, concluímos que é possível que esses
professores tenham respondido dessa forma (considerando apenas a ordem dos
números), independentemente de saber que um número racional não tem sucessor.
Assim sendo, teria falhado o nosso propósito para esta questão.
Por outro lado, dois professores avaliaram a afirmação (a), reconhecendo
uma transferência para o conjunto dos racionais, de concepções válidas para os
números naturais, como se observa a seguir:
No 1º caso o aluno ainda associa as ideias de fração a números naturais
tomando como base o denominador, é como se ele escrevesse qual é o
sucessor de 2... Neste caso o professor precisa intervir no sentido de
demonstrar e comparar o que representa cada fração, associando
quantidade e fração. (prof.Q, afirmação (a)).
Figura 51 - Questão 9(A). Afirmações (a), (b), (c). Protocolo Prof. (I)
Fonte: Acervo pessoal
Três professores (H, S e J) perceberam a causa do erro do aluno, na
afirmação (a), embora não tenham se referido explicitamente à transferência para o
conjunto Q, de propriedades válidas em N. O professor (J), por exemplo, expressouse dizendo: “não [não está correto], pois o aluno acha que aumentando o
denominador, os números aumentam e isso não acontece, pois fazendo a divisão de
cada número encontraremos números menores”.
182
Assim, tendo em conta a interpretação feita pela maioria dos professores às
duas primeiras afirmações, não foi possível perceber se a imagem conceitual de
número racional construída por esses professores incluía o fato de que número
racional não tem sucessor. Seria, portanto, uma questão a ser discutida
posteriormente, ao longo da fase de intervenção.

Analisando as afirmações que deixam evidente a crença de que um número
racional tem sucessor:
c) Os sucessores de 2/3; 0,5; 3,69 são, respectivamente: 3/3; 0,6 e 3,70.
d) O sucessor do número 3,4444... é 3,44444...
e) O sucessor do número 3,4444... é 3,5555...
d) O sucessor do número 3,4444... é 3,5.
A análise feita pelo grupo de professores revelou dúvidas relacionadas à
comparação de números racionais, à densidade de Q e também à ideia de sucessor
de um número.
O professor (H), por exemplo, ao mesmo tempo em que demonstra
compreensão da ideia da densidade de Q, expõe dúvidas relacionadas à
possibilidade de existência de sucessor para um número racional:
A criança aprende na 4ª série (só conhece) que o sucessor de um número é
o seu consecutivo. Ex.: sucessor de 3 é 4. Se este aluno nas séries mais
avançadas, por exemplo, 8ª série, o conceito que o aluno tem que entre o
número 1 e 2 existem infinitos números, como ficaria esta explicação de
sucessor?. (prof. H)
Este mesmo professor (H), examinando as afirmações (d) “O sucessor do
número 3,4444... é 3,44444...” e (e) “O sucessor do número 3,4444... é 3,5555...”
considera que:
Figura 52 - Questão 9(A). Afirmações (d) e (e). Protocolo Prof. (H).
Fonte: Acervo pessoal
183
Ou seja, parece restar a dúvida de que existe sim, a possibilidade de um
número racional ter sucessor.
Analisando a afirmação “O sucessor do número 3,4444... é 3,44444...”,
outros professores deixam transparecer dúvidas relacionadas à comparação de
números racionais representados na forma decimal, conforme se observa no
comentário feito pelo professor (C): “o sucessor do número 3,4444... é 3,444... e não
3,44444..., que na verdade é o seu antecessor; ao selecionar mais casas decimais
de um número decimal infinito, ele é cada vez menor; exemplo: 0,2 é maior do que
0,22; etc.”(grifo do autor).
O argumento elaborado por esse professor não leva em consideração a
equivalência entre frações, que garante a igualdade entre 0,2 e 0,20. A lembrança
dessa propriedade poderia ter ajudado o professor a perceber que 0,2 é menor do
que 0,22.
De qualquer forma, restaria ainda (para este professor) a ideia de que
3,4444... tem sucessor.
Assim, embora o professor tenha avaliado como incorreta essa afirmação,
não é válido o argumento em que baseou sua justificativa.
Percebe-se, também, certa contradição nas respostas apresentadas por (E),
conforme protocolo a seguir:
Figura 53 - Questão 9(A). Afirmações (c), (d), (e), (f). Protocolo Prof. (E)
Fonte: Acervo pessoal
A análise do item (c), em que o professor diz: “estes nºs estão após, mas não
são precisamente seus sucessores”, poderia ser interpretada como manifestação de
184
que em sua concepção, esses números (ou um número racional qualquer) não têm
sucessor. Entretanto, sua resposta ao item (d) acrescida da observação “sucessor é
sempre o +1” revela que, no entender deste professor, existe o sucessor de um
número racional.
A associação da ideia de sucessor com “maior do que” está presente também
na resposta apresentada pelo professor (L):
Figura 54 - Questão 9(A). Afirmações (c), (d), (e), (f). Protocolo Prof. (L)
Fonte: Acervo pessoal
Por outro lado, percebe-se nos professores interesse em superar eventuais
limitações no que se refere a esse conteúdo, conforme se expressou o professor (K)
que, após calcular: “
”, provavelmente para determinar o sucessor de
2/3, complementa: “diante dessas afirmações também tenho que pensar nos meus
conceitos pois vacilei e não cheguei a nenhuma conclusão plausível”.
Consideramos importante observar que o enunciado da questão pode ter
contribuído para que ocorressem algumas dificuldades que ficaram visíveis nas
avaliações explicitadas pelos professores. Por exemplo, não foi indicado claramente
no enunciado que o conjunto em foco era o dos números racionais – havíamos
julgado desnecessária essa informação, uma vez que todos os números envolvidos
na questão eram racionais representados quer na forma fracionária, quer na forma
decimal – mas, talvez por isso, tenham sido feitas algumas observações como:
depende do conjunto de números que estou trabalhando.... (prof.O, para a
afirmação (c) do enunciado), ou
se forem números fracionários (Q), o aluno está certo. (prof.A, para a
afirmação (b) do enunciado).
185
Além disso, nesse enunciado, incluímos afirmações feitas por alunos de 4ª a
8ª séries, tomando por base os resultados da pesquisa realizada por Santos (1995).
Talvez seja intervalo de tempo muito amplo e, provavelmente por isso, tenham
ocorrido avaliações como “um aluno de 4ª série que sabe o conceito de sucessor de
um número natural, analisando esta situação, a resposta está correta” (prof. J, para
a afirmação (c) do enunciado).
Mesmo assim, esses argumentos não seriam pertinentes, visto que a
construção de noções relativas aos números racionais faz parte dos conteúdos
prescritos para a 4ª série, incluindo representações fracionárias e decimais. Ou seja,
ainda que se trate de um aluno de 4ª série, que domina a ideia de sucessor de um
número natural, a afirmação não poderia ser considerada correta, pois os números
indicados no enunciado estão representados na forma fracionária ou decimal.
Concluindo, as justificativas apresentadas por alguns sujeitos de nossa
pesquisa demonstram que não perceberam, nas afirmações analisadas, a
manifestação da transferência para o conjunto dos racionais, de conhecimentos
construídos sobre os naturais.
9 (B). Em resposta a uma questão que solicitava a inserção de um número entre
0,08 e 0,081, foram observados os resultados:

0,09 (alunos de 5ª/6ª séries)

0,080 (alunos de 7ª/8ª séries)
Analise e comente as respostas apresentadas por esses alunos.
Neste caso, supúnhamos que os professores poderiam interpretar as
respostas considerando a possibilidade de o aluno haver tomado 0,09 por sucessor
de 0,08 e 0,080 por antecessor de 0,081.
Embora não o tenham feito explicitamente, três professores (O, E, Q)
parecem basear seus argumentos na ideia de densidade de Q, como se pode
verificar nos protocolos que seguem:
186
Figura 55 - Questão 9(B). Protocolo Prof. (Q)
Fonte: Acervo pessoal
Figura 56 - Questão 9(B). Protocolo Prof. (O)
Fonte: Acervo pessoal
Figura 57 - Questão 9(B). Protocolo Prof. (E)
Fonte: Acervo pessoal
187
Outros seis professores, que também avaliaram as respostas como
incorretas, apontaram dificuldades relativas à representação e à comparação de
números racionais, como ilustra o protocolo:
Figura 58 - Questão 9(B). Protocolo Prof.(A)
Fonte: Acervo pessoal
Nove professores apresentaram argumentos bastante imprecisos para
justificar suas avaliações. Os excertos que seguem exemplificam esses argumentos:
Os alunos de 5ª/6ª séries têm dificuldades para observar e trabalhar com
decimais.
Os alunos de 7ª/8ª séries tentaram explicar. Eles estão mais perto da
resposta exata. (prof. H).
Há uma enorme dificuldade encontrada pelos alunos na questão de saber
entre os decimais, quais são os maiores ou menores números entre eles.
(prof.R)
Eles têm que saber o conceito de nºs irracionais e também o conceito de
unidade, dezena e milhar. Então os alunos de 7ª e 8ª estão certos. (Prof.S).
Apenas o professor (I) (protocolo a seguir) atribuiu os erros cometidos pelos
alunos à influência das concepções construídas sobre números naturais (ideia de
sucessor, por exemplo), no estudo dos números racionais. Sua resposta foi a
seguinte:
188
Figura 59 - Questão 9(B). Protocolo Prof. (I)
Fonte: Acervo pessoal
Também fazendo referência ao sucessor de um número racional, o professor
(C) fez as seguintes considerações:
Figura 60 - Questão 9(B). Protocolo Prof.(C)
Fonte: Acervo pessoal
Destacamos que o argumento apresentado pelo professor (C), neste último
protocolo, guarda uma coerência com o raciocínio apresentado pelo mesmo
professor em resposta ao item (A) desta questão, em que afirma que “...ao
selecionar mais casas decimais de um número decimal infinito, ele é cada vez
menor; exemplo: 0,2 é maior do que 0,22” (Prof.C). Provavelmente, para construir o
gráfico exibido no último protocolo, o professor se baseou nessa ideia.
189
Assim, este professor baseia seus argumentos em concepções equivocadas,
como afirmar que “0,09 é sucessor do número 0,08” (ver protocolo anterior) e indicar
que 0,081 < 0,08, embora tenha avaliado as respostas dos alunos, como incorretas.
Acrescentamos, finalmente, que as considerações feitas pelos professores
nos levaram a crer que a ideia de densidade de Q, que sete professores do grupo
demonstraram possuir (ainda que implicitamente) em suas respostas à questão 8,
não estava suficientemente consolidada para levá-los a perceber que número
racional não tem sucessor.
Não apresentamos um quadro-síntese para esta questão, devido à
pluralidade das respostas apresentadas pelos professores. Contudo, a análise
exposta nos parágrafos anteriores permite concluir que os professores não
associaram os erros identificados no enunciado à falta de conhecimentos sobre a
densidade do conjunto dos racionais.
4.4.10. Análise de afirmações sobre números racionais, realizada pelo grupo de
professores
A atividade a seguir foi proposta com a finalidade de examinar como os
professores analisariam frases contendo justificativas sobre a racionalidade ou
irracionalidade de um número.
10. Analise e comente cada uma das afirmações abaixo 86.
86

“53/83 é irracional porque não há padrão no decimal 0,63855421687.

53/83 é racional porque ele termina (a calculadora mostra 0,63855421687).

53/83 pode ser racional ou irracional – eu não posso ver se os dígitos irão
se repetir porque muito poucos dígitos são mostrados. Eles podem se
repetir ou não.

Não há forma de dizer se 53/83 é racional – exceto se você realmente fizer
a divisão que pode seguir indefinidamente. Os dígitos poderiam terminar
em um milhão de casas decimais ou eles poderiam começar a repetir
depois da milionésima casa.

É possível que um número seja racional e irracional ao mesmo tempo. Por
exemplo, há frações que têm casas decimais infinitas e não periódicas,
mesmo que elas sejam representadas por a/b”.
As afirmações constantes desta atividade foram emprestadas dos resultados do estudo
desenvolvido por Sirotic (2004, p.104, 105).
190
Todas as afirmações são falsas e sua análise requer conhecimentos sobre as
definições de números racionais e irracionais e, consequentemente, sobre suas
representações. Os argumentos dos professores, para justificar sua concordância
(ou não) com as afirmações, poderiam fornecer elementos para a identificação de
habilidades relativas aos conhecimentos classificados por Ball et al (2008) como
conhecimentos do conteúdo especializado, caso fossem explicitadas, por exemplo,
as prováveis causas desses erros ou uma análise do raciocínio matemático que teria
levado alguém a responder dessa maneira. Se fossem indicadas intervenções
possíveis para sanar as dificuldades reveladas nas afirmações, teríamos também
elementos para avaliar conhecimentos pedagógicos do conteúdo, segundo Shulman
(1986) e Ball et al (2008).
As respostas a esta questão reiteram dúvidas que foram reveladas em
respostas às questões anteriores, sobre as definições de números racionais e
irracionais e sobre suas representações.
Como exemplo, 9 dos 23 professores concordaram com a ideia de que “não
há forma de dizer se 53/83 é racional – exceto se você realmente fizer a divisão que
pode seguir indefinidamente...” (4ª afirmação, no enunciado) e um deles efetuou a
divisão, antes de concluir que a afirmação é verdadeira, conforme é possível ver no
protocolo a seguir.
Figura 61 - Questão 10. Protocolo Prof. (E)
Fonte: Acervo pessoal
Percebem-se contradições inclusive em respostas de professores que
apresentaram definições corretas para números racionais, anteriormente. Por
exemplo, o professor (A), ao mesmo tempo em que afirma: “53/83 é uma fração,
191
sendo assim, pelo meu conceito de racional, não é um irracional”, classifica como
verdadeira a 4ª afirmação (“Não há forma de dizer se 53/83 é racional – exceto se
você realmente fizer a divisão que pode seguir indefinidamente...”).
Mesmo aqueles que não concordaram com a 4ª afirmação (“não há forma de
dizer se 53/83 é racional...”), não apresentaram argumentos adequados. O professor
(C), por exemplo, se expressou dizendo: “não sei se está correta inteiramente; fazer
a divisão com um milhão de casas decimais, só com a ajuda do computador
potente”.
Sete professores avaliaram como correta a 3ª afirmação do enunciado –
“53/83 pode ser racional ou irracional. Eu não posso ver se os dígitos irão se
repetir...”
Quanto à 2ª afirmação (“53/83 é racional porque ele termina (a calculadora
mostra 0,63855421687”)), inclusive os professores que a avaliaram como incorreta,
apresentaram argumentos inconsistentes, como: “racional como um número que é
possível de representar na forma a/b com finitas casas decimais” (prof.I). Esse
argumento indica que o resultado exibido no visor da calculadora não é reconhecido
como uma aproximação e além disso, de acordo com essa definição, o número
53/83 não seria racional, uma vez que sua expansão decimal é dízima periódica.
O professor (C) também refutou a 2ª afirmação, dizendo que:
Esta afirmação é incorreta, pois o número irracional pode ter mais casas
decimais [do] que a calculadora pode registrar, o problema da calculadora
ter somente 12 dígitos para exibir, não pode-se concluir que o número
decimal termina ali mesmo.
Ou seja, por parte deste professor, não há certeza de que a expansão
decimal de 53/83 é infinita e periódica e também não há reconhecimento de que a
representação decimal de um número irracional é infinita, pois o professor diz que “o
número irracional pode ter mais casas decimais [do] que a calculadora pode
registrar...” (prof.C, grifo nosso).
Destacamos também que cinco professores classificaram 53/83 como número
irracional, avaliando como verdadeira a 1ª afirmação e todos aqueles que a
consideraram falsa apresentaram argumentos incorretos, como: “não podemos
afirmar, pois em dado momento, pode ser racional” (prof.D) e “para ser irracional não
pode ser finito” (prof. P) – significando o pensamento explicitado nesta última
192
resposta, que não foi considerada a aproximação no resultado exposto no visor da
calculadora.
Finalmente, apenas um professor apresentou um comentário que poderia ser
interpretado como demonstração de reconhecimento do número 53/83 como
racional. Sua resposta está no protocolo a seguir:
Figura 62 - Questão 10. Protocolo Prof. (Q)
Fonte: Acervo pessoal
Os argumentos deste professor são fundamentados não apenas em
definições e representações de números racionais e irracionais, mas também em
conhecimentos relativos ao Teorema Fundamental da Aritmética. De qualquer forma,
sua justificativa também precisaria ser discutida, posto que não considera a
possibilidade de o período conter menos de 83 algarismos. Além disso, este mesmo
professor avaliou como verdadeira a afirmação “53/83 é irracional porque não há
padrão no decimal 0,63855421687” e, da mesma forma, considerou verdadeira a
afirmação “53/83 pode ser racional ou irracional – eu não posso ver se os dígitos
irão se repetir...”.
Cinco professores deixaram todos os itens em branco.
Conforme foi dito anteriormente, esta questão foi elaborada a partir de
respostas apresentadas por futuros professores de Matemática do Ensino
193
Secundário, em estudo sobre o mesmo tema desenvolvido por Sirotic (2004).
Percebe-se, assim, nas respostas de nosso grupo de pesquisa, uma confirmação
desses resultados, no que se refere à fragilidade nas concepções construídas a
respeito dos conjuntos numéricos.
Aqui também não é apresentado um quadro contendo a síntese, em virtude
da diversidade de respostas apresentadas pelos professores. No entanto, conforme
se observa nos parágrafos anteriores, ninguém argumentou corretamente, para
justificar suas respostas.
4.4.11. Sobre os conhecimentos dos professores a respeito da localização de
números sobre a reta numérica
Para investigar as concepções dos professores, relativas à localização de
pontos irracionais sobre a reta numérica, como parte dos conhecimentos
necessários para o ensino desses números, foi proposta a atividade que segue:
11. Para a questão: “É possível encontrar a localização exata de
reta numérica?” foram apresentadas as seguintes respostas:
(I)
(II)
(III)
(IV)
(V)
(VI)
sobre a
Deve ser arredondado antes de ser localizado sobre a reta.
É impossível, porque sua representação decimal é 3,605551275.
É impossível, porque sua expansão decimal possui infinitos dígitos.
É impossível, porque nenhum número irracional tem localização
exata sobre a reta.
É possível apenas indicar a localização aproximada.
É possível apenas indicar um intervalo em que esse número está
localizado sobre a reta.
Quais respostas você classificaria como corretas? Por quê?
Para a elaboração deste item, nos inspiramos em tarefa proposta a 46 futuros
professores do Ensino Secundário, participantes do estudo desenvolvido por Sirotic
(2004), assim enunciada: “Mostre como você poderia encontrar a exata localização
de
87
sobre a reta numérica”87.
The task: “Show how you could find the exact location of
em Sirotic & Zazkis (2005).
on the number line.” - questão discutida
194
Esta questão complementa nossa investigação inicial, a respeito dos
conhecimentos dos professores, no que se refere à abordagem geométrica do
conceito de número irracional, tratada na questão (5).
Assim, um professor que houvesse mencionado, como resposta à questão
(5), uma abordagem geométrica, por exemplo, pela construção de triângulos
retângulos, para obter segmentos de medida irracional, seria – em nossa opinião –,
capaz de analisar proposições sobre a localização de números irracionais na reta
numérica – solicitação feita nesta questão.
Tendo examinado as respostas dos professores (E), (U) e (V) que, na questão
(5), sugeriram abordagens geométricas a partir do cálculo da medida da hipotenusa
de triângulos retângulos, pareceu-nos que essa estratégia não estava associada à
localização de números irracionais na reta numérica.
Isso pode ser notado, se compararmos as respostas do professor (E), às
questões (5) e (11). Na questão (5), este professor sugere: “o cálculo da hipotenusa
de determinado triângulo retângulo, conforme as medidas dos catetos chega-se a
um número irracional” e à questão (11), tendo classificado III, V e VI como
verdadeiras, acrescenta: “porque consideramos apenas alguns algarismos da parte
decimal e não temos elementos suficientes para sua localização exata, a colocamos
no local aproximado.” (grifo nosso). Esse argumento mostra que o professor não
associou a estratégia indicada na questão (5), à localização de números irracionais
sobre a reta numérica.
O professor U, em sua resposta à questão (5), como exemplo de abordagem
geométrica do conceito de número irracional, apresentou o seguinte esquema:
Figura 63 - Questão 5. Protocolo Prof. (U)
Fonte: Acervo pessoal
195
No entanto, essa resposta parece indicar apenas que o professor sabe que a
diagonal de um quadrado qualquer de lado “l” é igual a
(embora devesse ter
l ). Não indica, por exemplo, que o professor conhece os procedimentos
escrito
para a construção da raiz quadrada de qualquer número natural. Em resposta à
questão 11, esse mesmo professor avaliou como verdadeiras as afirmações (V) e
(VI), indicando que considera possível apenas a localização aproximada de
e
que essa aproximação só pode ser indicada por meio de um intervalo.
Semelhantemente, o professor (V) respondeu à questão (5), dizendo que a
abordagem geométrica do conceito de número irracional poderia “mostrar o valor da
diagonal do quadrado (
)” e indicou como corretas as alternativas (V) e (VI) da
questão (11), acrescentando: “porque sua expansão decimal possui infinitos dígitos”.
Quanto ao restante do grupo, um deixou em branco e os demais fizeram
indicações
com base
na
representação
decimal
de
números
irracionais,
apresentando argumentos como “localização exata é impossível por ser um decimal
infinito e não periódico” (prof. A, que indicou II, III, IV, V e VI como verdadeiras) ou
“se arredondar, dá pra representar” (prof. F, que indicou I e V como verdadeiras).
Somente o professor (Q) que, em resposta à questão (5) sugere: “com
certeza, pode ser introduzida com a construção da diagonal de um quadrado de lado
um e depois dar sequência a diagonal dos quadrados que têm diagonal de números
irracionais”, classificou como verdadeira apenas a afirmação (V): “É possível apenas
indicar a localização aproximada”, em uma avaliação que é correta, sob o ponto de
vista prático.
No entanto, sendo questão proposta a professores, seria razoável esperar
também que, dentre eles, alguém argumentasse dizendo, por exemplo, que:
matematicamente, sim... é possível determinar a posição exata de
sobre a reta.
Ou seja, deveria fazer parte do conhecimento construído pelo professor a ideia de
que, embora por razões práticas não se possa obter a posição exata de um número
sobre a reta, isso é possível sob o ponto de vista da Matemática.
Acrescentamos que, conquanto os resultados que acabamos de comentar
corroborem aqueles já discutidos em diversas pesquisas que vêm sendo
desenvolvidas a respeito do ensino e da aprendizagem dos números irracionais,
196
julgamos importante fazer constar essa análise do corpo de nosso estudo, pois,
conforme foi dito, as etapas seguintes seriam planejadas e organizadas segundo os
parâmetros dados por esses resultados.
Analisando tais resultados na perspectiva de Tall & Vinner (1981), concluímos
que a imagem conceitual relativa aos números racionais e irracionais, que havia sido
construída pela maioria dos professores participantes de nosso estudo, antes da
aplicação do questionário, era prevalentemente constituída por noções que
pertencem ao campo numérico, contendo, em alguns casos, concepções incorretas
– por exemplo, relativas às representações e à classificação desses números,
conforme considerações feitas ao longo deste texto.
No que se refere ao ponto de vista geométrico do conceito de número
irracional, por exemplo, as noções relativas à incomensurabilidade de grandezas e a
ideia de número irracional como medida de grandeza incomensurável com a unidade
não estavam (por ocasião da aplicação deste questionário), entre os elementos que
compunham a imagem conceitual construída pelo grupo de professores, a respeito
do conjunto dos números irracionais.
Assim, embora não houvesse intenção de estabelecer uma dicotomia entre o
conhecimento do conteúdo específico – conjunto dos números irracionais –, e o
conhecimento pedagógico desse conteúdo, interpretamos que seria necessário
dispensar atenção especial, em primeiro lugar, à construção de noções
fundamentais relacionadas a esse conteúdo para, posteriormente, propor ao grupo
qualquer reflexão a respeito da didática para o seu ensino.
Ou seja, não teria sentido oferecer alternativas e possibilidades diferenciadas
de abordagens do conjunto dos números irracionais, a fim de que os professores
selecionassem a abordagem melhor, uma vez que não havia domínio do conteúdo
específico. Seria antes necessária uma intervenção que proporcionasse a esse
grupo de professores uma oportunidade de construir ou reformular parte de suas
concepções a respeito dos números racionais e irracionais.
Assim sendo, decidimos incluir, em nossos procedimentos metodológicos, a
aplicação de uma sequência de atividades que foi, inicialmente, delineada em
termos gerais, sob a intenção de que a realização das atividades propostas em cada
encontro preparasse o cenário para as reflexões e discussões que seriam feitas no
197
encontro seguinte.
Nesse processo, as dúvidas, as descobertas, as discussões que poderiam
emergir das atividades discutidas em cada encontro deveriam contribuir para o
planejamento, a elaboração e as previsões necessárias à realização das atividades
que seriam propostas a seguir.
198
CAPÍTULO 5
UM OLHAR SOBRE OS DADOS DE NOSSA INVESTIGAÇÃO
INTERVENÇÃO FASE 2
ANÁLISE DE ORIENTAÇÕES CURRICULARES FASE 3
“Teaching is, essentially, a learned profession”
Shulman88
Tendo em conta os resultados das pesquisas que nos motivaram a
desenvolver esta investigação e considerando os conhecimentos demonstrados
pelos professores, conforme análise exposta no capítulo anterior, apresentamos a
seguir, esclarecimentos relativos à segunda fase de nosso estudo – de caráter
interventivo – destinada à formação continuada do grupo de professores. Nessa
etapa, foi proposta uma sequência de atividades aos professores participantes, com
o propósito de promover discussões e reflexões a respeito do ensino e da
aprendizagem dos números irracionais na Educação Básica.
Além disso, são apresentadas também neste capítulo, considerações sobre a
terceira fase da coleta de dados, dedicada ao exame – realizado pelos professores –
de orientações curriculares para o ensino dos números irracionais, a alunos do 9º
ano do Ensino Fundamental.
Explicitamos nossas intenções e as razões de nossas escolhas quanto à
metodologia e especificamos características que julgamos relevantes nas atividades
propostas, apresentando os resultados que, finalmente, produziram a urdidura do
tecido que, aos poucos, foi sendo construído, para permitir o estudo necessário aos
propósitos desta pesquisa.
Fazemos, ao longo do texto, referência à fundamentação teórica que deverá
sustentar nossos argumentos, emprestando-nos um novo olhar para o exame dos
resultados observados.
88
Ensinar é, essencialmente, uma profissão aprendida. (Shulman,1987, p.9, a tradução é nossa).
199
Nesse sentido, baseamo-nos, para a análise dos resultados destas duas
fases, na noção de imagem conceitual estabelecida por Tall e Vinner (1981); nos
aspectos intuitivo, algorítmico e formal do conhecimento, discutidos por Fischbein
(1994) e na categorização dos conhecimentos necessários ao ensino, defendida por
Shulman (1986, 1987) e Ball et al (2008). Serviram-nos, igualmente, como apoio, as
ideias defendidas por Zeichner (1993), sobre a importância de oferecer aos
professores, uma formação que favoreça o cultivo da atitude reflexiva individual e
coletiva em relação à prática de ensino.
5.1. Sobre os procedimentos metodológicos
Para o desenvolvimento de nossa pesquisa, além da análise documental e da
aplicação do questionário, cujos resultados se encontram nos capítulos 2 e 4,
respectivamente, foram adotados princípios da metodologia Design Experiments,
segundo a perspectiva de Cobb et al (2003), que consistiram na concepção e
realização de uma abordagem de noções relativas aos números irracionais, com o
propósito de investigar se um trabalho que explore a percepção de que os pontos de
coordenadas racionais não esgotam todos os pontos da reta pode favorecer a
ampliação e/ou reconstrução dos conhecimentos de professores da Educação
Básica sobre esse assunto.
Assim, neste capítulo, fazemos considerações sobre os vários elementos que
interagiram ao longo desta etapa de nosso estudo, quais sejam, todas as atividades
propostas, as distintas representações utilizadas por nós e pelos sujeitos desta
pesquisa, os registros que permitiram a interpretação e análise dos resultados, os
argumentos formulados pelos professores, as regras de organização do grupo para
o desenvolvimento das tarefas, os materiais utilizados e as formas de mediação que
buscamos promover entre os sujeitos e o nosso objeto de estudo – todos esses,
componentes de um organismo denominado por Cobb et al (2003) de ecologia da
aprendizagem.
A escolha dessa metodologia decorreu de nosso interesse por uma
investigação cuja realização ocorresse no próprio contexto de construção e/ou
desenvolvimento do conhecimento e, nesse sentido, fomos favorecidos pelo duplo
propósito do Design Experiments, que é uma metodologia de ensino e de pesquisa.
200
Trata-se, segundo Cobb et al (2003), de metodologia de pesquisa formativa,
caracterizada por um refinamento progressivo do projeto elaborado inicialmente. Ou
seja, a avaliação contínua de resultados parciais determina as reformulações
necessárias ao projeto, no decorrer do experimento, até que sejam trabalhados
todos os pontos que, eventualmente, se constituam em entraves ou em concepções
equivocadas do conteúdo que está sendo explorado. Elabora-se uma versão inicial
do projeto, não definida completamente, que é revista e aprimorada, ao longo do
experimento, em função dos resultados que vão sendo observados.
Esse processo cíclico de concepção, análise, revisão e reinvenção da
sequência, ao longo do experimento, resultou na elaboração de uma pequena teoria
– pequena, porque restrita ao conteúdo específico dos números irracionais e seu
ensino – que explicitamos e justificamos ao longo deste capítulo e nas
considerações finais e que, a nosso ver, pode produzir a compreensão de ideias
fundamentais relativas ao ensino desse conteúdo, sendo passível de nova aplicação
a outros sujeitos.
Finalmente, outra razão que julgamos importante para explicar nossa opção
por essa metodologia diz respeito à fundamentação teórica que amparou a
realização de nosso estudo, no que se refere à formação de professores. Conforme
referido anteriormente, as categorias de conhecimentos necessários ao ensino,
propostas por Shulman (1986, 1987) e Ball et al (2008) serviram-nos como baliza
para a concepção do projeto inicial e para as modificações que se mostraram
necessárias no decorrer de nossa investigação. Além disso, serviram como
parâmetros de avaliação dos resultados parciais e finais de nosso experimento.
Como já foi observado, os dados obtidos por meio do questionário
constituíram ponto de partida para a elaboração e aplicação de uma sequência de
atividades, que teve a finalidade de nortear as reflexões do grupo, no decorrer do
experimento.
Duas questões permearam as nossas discussões. A primeira delas refere-se
aos conhecimentos que um aluno do Ensino Fundamental precisa, de fato, construir,
sobre números irracionais, para ser capaz de se apropriar de conhecimentos que
serão desenvolvidos no Ensino Médio e, eventualmente na universidade. Quanto à
segunda questão, diz respeito aos conhecimentos necessários a um professor, para
201
auxiliar seus alunos da Educação Básica a compreender o conceito de número
irracional.
Assim, as ações que envolveram o grupo de professores, durante nosso
experimento, tiveram os seguintes objetivos:

Refletir
sobre
noções
que
consideramos
fundamentais
para
a
compreensão do conceito de número irracional.

Procurar identificar e compreender as dificuldades que um aluno do
Ensino Fundamental enfrenta, ao iniciar o estudo desse conteúdo.

Discutir sobre possíveis estratégias que um professor poderia utilizar para
auxiliar os alunos a superar essas dificuldades.
A intervenção (fase 2) ocorreu ao longo de seis encontros, no período de
28/09/2010 a 07/12/2010 e a análise e discussão sobre as orientações curriculares
(fase 3) foram realizadas pelo grupo em três encontros, no período de 17/03/2011 a
28/04/201189. O tempo de duração de cada encontro foi de aproximadamente quatro
horas.
Participaram de cada um desses encontros o grupo de professores sujeitos
de nosso estudo e, pelo menos, dois pesquisadores da UNIBAN, tendo estes últimos
o papel de acompanhar os trabalhos realizados em cada encontro, por meio da
observação do grupo e/ou do registro de dados considerados relevantes.
Dessa forma, o conjunto de dados em que nos apoiamos para a análise final
inclui as produções dos professores participantes, as filmagens dos encontros e os
apontamentos realizados a partir das observações feitas por nós e pelos
pesquisadores que estiveram presentes durante os encontros.
No que se refere à organização do grupo de professores, em geral, as
atividades propostas durante a fase de intervenção foram desenvolvidas em grupos
de 3 ou 4 pessoas. Nesse contexto, as discussões entre os participantes de cada
grupo permitiram, igualmente, a identificação de dificuldades experimentadas pelos
próprios professores e a oportunidade de buscar, com os professores dos outros
grupos, soluções para essas dificuldades.
89
Ver cronograma no Anexo 5.
202
Cabe destacar que, embora as discussões tenham sido realizadas no interior
de cada grupo, foi solicitado que cada professor elaborasse seu relatório. Essa
estratégia possibilitou que, mesmo após o debate de ideias entre os componentes
dos grupos, cada professor tivesse a liberdade de refletir e expressar suas próprias
impressões, favorecendo a nós, como pesquisadores, a análise posterior de
detalhes individuais que poderiam passar despercebidos, caso todos os relatos
fossem elaborados em grupos. Além disso, favoreceu a percepção de pontos que
precisariam ser colocados em pauta, para a reflexão do grupo inteiro.
Esclarecemos, todavia, que esses agrupamentos não eram fixos. Ou seja,
nem sempre os mesmos professores constituíram um grupo em todos os encontros,
o que, de certa forma, contribuiu para fortalecer a unidade do conjunto de
professores. Assim, salvo casos em que a organização do grupo tenha ocorrido de
forma diferente, não faremos menção a esse elemento da ecologia da
aprendizagem.
Conforme observam Collins et al (2004), as pesquisas desenvolvidas segundo
a metodologia Design Experiments ocorrem em ambientes reais de aprendizagem,
como salas de aula ou grupos de professores, com a finalidade de melhorar as
práticas educacionais. Diferem, portanto, de outros tipos de pesquisas cujos dados
são coletados, por exemplo, pela aplicação de questionário a um grupo de sujeitos
em local separado, sem qualquer interferência externa. Em virtude disso, há um
grande número de variáveis em jogo, que, dificilmente, seriam controladas
totalmente.
Dessa
forma,
a
análise
dos resultados exposta
a
seguir
decorre
essencialmente de observações qualitativas que levaram em conta a forma como
interagiram ou funcionaram os elementos da ecologia de aprendizagem de nosso
experimento, à luz das teorias que fundamentaram nosso estudo.
Consideramos importante explicitar que a opção por apresentar parte do
relato, em forma de quadros, decorre de havermos suposto que essa configuração
poderia permitir uma percepção mais clara das ações que se encadearam, durante a
fase de intervenção. Procuramos explicitar, nesses quadros, a forma como foram
conduzidos os questionamentos para provocar a reflexão e a discussão do grupo
sobre pontos que deveriam ser aprofundados.
203
5.2. Intervenção (Fase 2)
Conforme foi dito, a fase 2 consistiu na proposta de uma sequência de
atividades90, cuja elaboração inicial tomou em conta, não apenas as respostas
apresentadas pelo grupo de professores ao nosso primeiro instrumento de coleta de
dados, mas também os resultados de pesquisas que tratam de questões relativas
aos conjuntos numéricos, tendo em vista a retomada e exploração de ideias que
consideramos relevantes no processo de abordagem e desenvolvimento do conceito
de número irracional na Educação Básica. São elas:

As definições, representações e significados de números racionais e
irracionais.

A densidade do conjunto dos números racionais na reta numérica.

A construção de segmentos de medida irracional, com o auxílio de
régua e compasso.

As definições de segmentos comensuráveis e incomensuráveis.

O desenvolvimento de provas formais da irracionalidade de um
número e da incomensurabilidade de segmentos de reta.
A apresentação dos resultados da intervenção (fase 2) é feita segundo as
cinco categorias especificadas a seguir, que, no entanto, se interseccionam ao longo
do texto, quer pela estreita relação entre os temas, quer por nossa interpretação,
que estabelece uma passagem entre uma categoria e outra. É certo que não
existem as fronteiras divisórias capazes de estancar um tema – suas raízes estão
afundadas em outros temas. Além disso, não era essa, a nossa intenção. Trata-se
da organização que escolhemos para dar conhecimento ao leitor, das conclusões a
que chegamos.
Assim sendo, a apresentação da análise de dados de maneira categorizada
não deve esconder o fato de que um mesmo assunto tenha sido abordado e
retomado durante a discussão de temas que pertencem a categorias distintas e
tenha sido analisado sob óticas também distintas, tendo em conta o interesse de
nossa pesquisa. Nesse sentido, o que será exposto a seguir deverá ser interpretado
como resultado de constantes retomadas de ideias por parte dos professores e
também como resultado da reorganização de concepções, ao longo do experimento.
90
A primeira versão da sequência de atividades está disponível no Anexo 2.
204
As categorias em que nossa análise foi disposta são as seguintes: definições
e representações; densidade de Q; abordagem geométrica dos números irracionais;
o tratamento formal no estudo dos números irracionais; conhecimentos necessários
sobre números irracionais.
Convém ressaltar que nas considerações a seguir, são examinados aspectos
referentes aos conhecimentos específicos e pedagógicos de cada uma dessas
categorias.
5.2.1. Definições e representações
A fim de discutir questões relativas às definições e representações de
números racionais e irracionais e, consequentemente, relativas à identificação e
classificação desses números, foram propostas as seguintes atividades:
ATIVIDADE. Retomada do item 10 do questionário
Analise e comente cada uma das afirmações abaixo.





53/83 é irracional porque não há padrão no decimal 0,63855421687.
53/83 é racional porque ele termina (a calculadora mostra 0,63855421687).
53/83 pode ser racional ou irracional – eu não posso ver se os dígitos irão se
repetir porque muito poucos dígitos são mostrados. Eles podem se repetir ou não.
Não há forma de dizer se 53/83 é racional – exceto se você realmente fizer a
divisão que pode seguir indefinidamente. Os dígitos poderiam terminar em um
milhão de casas decimais ou eles poderiam começar a repetir depois da
milionésima casa.
É possível que um número seja racional e irracional ao mesmo tempo. Por
exemplo, há frações que têm casas decimais infinitas e não periódicas, mesmo
que elas sejam representadas por a/b.
ATIVIDADE 1
Usando uma calculadora, se você dividir 1 por 253, o visor mostrará o valor
0,00395256917. Esse número é racional ou irracional? É possível localizá-lo sobre a reta
numérica? Justifique sua resposta.
205
ATIVIDADE 2
(A). Explique como você faria para localizar os números abaixo sobre a reta numérica:
;
;
- 0,6;
0,123456789;
;
0,77777...;
0,1494949...
0
r
(B). Suponha que se mantenha a regularidade observada na parte decimal do número
1,141141114111141...
Você classificaria esse número como racional ou irracional? Justifique.
A proposta dessas atividades antes da intervenção teve como propósito
oferecer a oportunidade de iniciar uma discussão nos pequenos grupos. Em
princípio, foram observadas em suas argumentações e registros, as mesmas
convicções e concepções que haviam se revelado na fase diagnóstica. Como
exemplo, em resposta à Atividade 1, nenhum professor classificou o número
0,00395256917 como racional, levando em conta apenas o fato de que esse número
é quociente entre 1 e 253.
Ao elaborar a resposta contida no protocolo a seguir, por exemplo, embora o
professor (A) tenha se apoiado na definição de número racional como número que
pode ser representado como razão entre inteiros para justificar sua classificação,
parece ter buscado uma garantia no algoritmo da divisão:
206
Figura 64 - Protocolo: Atividade 1, prof.(A)
Fonte: Acervo pessoal
Por outro lado, a busca de uma confirmação por meio da divisão, presente
também nas respostas de outros professores pode caracterizar a ideia de número
racional construída essencialmente, com base na representação decimal.
Analisando sob o olhar de Fischbein (1994) essa forma de justificar a
classificação de um número como racional, que se apoia no desenvolvimento da
divisão, deixa visível a prevalência do caráter algorítmico sobre o caráter formal, no
conhecimento de números racionais.
O componente formal, aqui caracterizado pela definição de número racional,
dispensaria a realização da divisão.
Os resultados observados nos levaram a concluir que seria necessário iniciar
nosso estudo, retomando a definição e os distintos significados dos números
racionais.
O quadro a seguir explicita os encaminhamentos para a discussão realizada
com a finalidade de construir uma definição de número racional a partir das
definições adotadas pelos professores em suas aulas.
207
Ações do Pesquisador
Questões propostas:
“Quando eu divido 1 por 253, na
verdade o que é que eu estou
calculando? O que é que eu
tenho aqui? Não é uma divisão?
Esse resultado não é o
quociente entre 1 e 253?”
“Vamos ver o que é que diz a
definição de número racional.
Me ajuda a escrever uma
definição de número racional”.
O pesquisador escreve no
quadro: “Número racional é
todo número na forma , com
b
”.
Questões propostas:
a) “Que significados diferentes
um número racional pode ter?
b)“Por exemplo, a fração 3/8
pode significar o quê,
exatamente?”
Falas/registros/ações dos
professores participantes de
nossa pesquisa
Finalidade: “Construir” com o grupo de
professores a definição de números
racionais, identificando componentes
dessa definição, cuja ausência pode
gerar concepções incorretas desse
conjunto de números.
Prof.: “Número racional é todo
número na forma a sobre b, com
b diferente de zero”.
Finalidade: Rever os distintos
significados dos números racionais.
Silêncio.
Os professores se referem à
situação em que alguma coisa é
dividida em oito partes iguais e
são tomadas três dessas partes.
O pesquisador retoma
significados distintos dos
números racionais: Parte/todo;
Quociente; Razão; Operador.
Interpretação:
Pareceu-nos que alguns professores
não haviam associado o significado de
quociente atribuído aos números
racionais, à representação fracionária.
Questões propostas e
conclusão:
“E quando eu divido 1 por 253,
o que é que eu tenho? Não é
um quociente? Um dos
significados do número racional
não é o de quociente?
Então, nesse caso, eu posso
escrever 1:253 =
Finalidade das questões
propostas/interpretações/
observações do pesquisador
Finalidade:
Mostrar que é suficiente que eu possa
escrever um número na forma a/b com a
e b inteiros e b não nulo, para que esse
número seja classificado como racional.
que é um
número racional”.
Questões:
“
é um número racional?”
“Mas está na forma a/b... Não é
racional?”
”Mas, então, o que é que está
faltando aqui?” (aponta para a
definição “ditada” pelos
professores)
O pesquisador retoma a
definição de número racional,
Prof.: “Não!”
Prof.: “É irracional.”
Prof. “Mas
é irracional...”
Prof. “Têm de ser números
inteiros...”
Finalidade:
Mostrar a necessidade de especificar a
que conjunto devem pertencer os
termos da razão utilizada para
representar um número racional.
208
“ditada” pelos professores,
para dizer da necessidade de
especificar a que conjuntos
devem pertencer os números a
e b, quando definimos um
número racional como número
que pode ser representado na
forma .
Questões:
“
é número racional?”
é número racional?
é irracional?”
é número racional?”
Aproximadamente 50% dos
professores afirmam que são
números racionais.
Os demais discutem em voz
baixa, sem explicitar para o grupo,
as suas opiniões.
Finalidade: Mostrar que é possível
obter um número racional a partir da
divisão entre dois irracionais.
Observações: Constatou-se uma
compreensão e uma superação das
dificuldades reveladas no diagnóstico.
Os professores perceberam que a
divisão de dois números inteiros, sendo
o segundo diferente de zero, é
necessariamente, um número racional.
Quadro 13 - Retomada da definição de número racional. Intervenção (Fase 2).
Fonte: Acervo pessoal
Para
complementar
a
discussão
sobre
questões
relacionadas
às
representações (fracionária e decimal) de números racionais e enfatizar a
importância de justificar regras que muitas vezes são apenas memorizadas, foram
retomadas as afirmações contidas no item 10 do instrumento diagnóstico. O quadro
que segue mostra parte das questões e dos diálogos que ocorreram durante a
discussão dessas atividades.
Ações do Pesquisador
Falas/registros/ações dos
professores participantes
de nossa pesquisa
Questões propostas:
a).”Quando uma pessoa diz que a
divisão termina, o que ela quer dizer? É
verdade que ela termina? Será que eu
preciso continuar dividindo para saber se
é decimal finito? Até quando eu preciso
dividir? Eu preciso dividir até obter resto
zero?”
b).”Que números eu preciso ter no
denominador de uma fração, para ter
certeza de que a expansão decimal é
finita, sem efetuar a divisão?”
Proposta de divisões:
O pesquisador propõe que os
professores dividam alguns números
dados por 2, por 5, por 10, por 20, por 3,
por 6, por 15.
Finalidade das questões
propostas/interpretações/
observações do pesquisador
Finalidade:
Discutir sobre as características
necessárias ao denominador de
uma fração, para que sua expansão
decimal seja finita, ou infinita e
periódica.
Os professores participantes
efetuam as divisões com o
auxílio de calculadoras.
Há uma discussão entre os
professores participantes, a
respeito da quantidade de
dígitos nas calculadoras que
209
estão utilizando.
Os professores, com poucas
exceções, dizem que
quando o denominador é 2,
5, 10 ou 20, o resultado é
decimal finito.
Questões propostas:
”O que nós podemos concluir sobre a
representação decimal de 53/83? Pode
ser finita?”
Questões propostas:
a). “Qual é a maior quantidade possível
de restos distintos, no processo da
divisão 53:83?”
b).”Por exemplo, quantos restos distintos
você tem no processo da divisão 1:7? E
na divisão 1:17? E na divisão 5:11? E
em 8:3?”
O pesquisador pede para os professores
compararem a quantidade de restos
distintos com a quantidade de
algarismos que formam o período nos
quocientes das divisões propostas.
Questões propostas:
a).”Qual é o maior número possível de
restos distintos para a divisão 53:83?
b). “Vocês acham que haveria alguma
possibilidade de começar a aparecer um
período depois da milionésima casa
decimal?”
Respostas dos
professores:
Argumentam que 83 é primo.
Concluem que a expansão
decimal é uma dízima
periódica simples.
Silêncio.
Os professores efetuam as
divisões, com o auxílio de
calculadoras ou com lápis e
papel.
Apenas os professores que
realizaram as divisões com
lápis e papel perceberam
que a quantidade de restos
distintos em 1:17, é igual a
16.
Exceto poucos professores,
que não se manifestaram, o
grupo concordou que não
haveria essa possibilidade.
Finalidade: Levar os professores a
perceber que
a). o divisor determina a quantidade
máxima possível de restos distintos
no processo de uma divisão;
b). no caso de uma divisão não
exata, a quantidade de restos
distintos que ocorrem no processo
da divisão, determina a quantidade
de algarismos que formam o
período da dízima.
Finalidade:
Favorecer a percepção de que
bastaria analisar o denominador da
fração 53/83 (item 10 do
questionário) ou o divisor 253
(atividade 1), para concluir se a
representação decimal é finita, ou
infinita e periódica.
Conclusão:
As finalidades estabelecidas para
essa discussão foram alcançadas.
Observações:
Todos os professores declararam
que não abordavam esses aspectos
em sala de aula e não se lembravam
de haver estudado essas
propriedades em sua formação
anterior.
Quadro 14 - A influência do divisor na determinação da representação decimal
dos números racionais. Intervenção (Fase 2)
Fonte: Acervo pessoal
Também para destacar a importância do tratamento formal na identificação de
números racionais e irracionais, consideramos oportuno analisar, com o grupo, a
resposta do professor (T), para a seguinte questão: “Que estratégias você considera
210
que um professor deveria utilizar, para propiciar a alunos de 8ª série do Ensino
Fundamental, a construção do significado de número irracional?”. 91
Como possível abordagem do conceito de número irracional, esse professor
indicou: “inventar um número ‘estranho’ e tentar colocá-lo em forma de fração”.
A nossa proposta para o grupo foi encontrar uma justificativa para a
irracionalidade do número 1,14114111411114..., utilizando o Algoritmo da Divisão de
Euclides.
A justificativa que resultou dessa discussão foi a seguinte:
Supondo que o número 1,141141114111141... possa ser representado como razão
entre inteiros, temos: 1,141141114111141... =
com a e b inteiros e
b
Nesse caso, 1,141141114111141... é o resultado da divisão de a por b.
Representando essa divisão, temos:
a
b
parte inteira,
parte decimal (periódica)
Como 1,141141114111141... é infinito, o resto dessa divisão não pode ser zero.
Se 1,141141114111141... é racional (se pode ser representado por
b
com a,
e o resto não é zero, então, o resultado dessa divisão deve ser uma
dízima periódica e a parte decimal deve conter um algarismo ou um grupo de
algarismos que se repete infinitamente.
De acordo com o algoritmo da divisão de Euclides, o maior número possível de
restos distintos de zero, no processo de divisão de a por b, é (b – 1), que coincide
com a quantidade máxima de algarismos do período.
Assim, embora haja uma regularidade na parte decimal desse número (porque os
algarismos que formam essa parte são sempre 1 e 4), se nós considerarmos: 14,
114, 1114, 11114, etc. como períodos, devemos chegar a um ponto em que o
período vai conter mais do que (b – 1) algarismos – o que indicaria que o resto da
divisão é maior do que o divisor, contradizendo o algoritmo de Euclides. Logo, o
91
Item 2, proposto no instrumento diagnóstico aplicado na fase 1 de nosso experimento.
211
resultado da divisão de dois números inteiros não poderia ser um número do tipo
1,141141114111141... e, então, esse número não pode ser representado na forma
com a e b inteiros e b não nulo. Assim, esse número é irracional.
As reflexões sobre essa abordagem introduziram a discussão sobre a
importância do tratamento formal, no estudo dos irracionais.
Na perspectiva de Ball et al (2008), estes são conhecimentos do conteúdo
especializado – envolvem um tipo de raciocínio matemático além daquele exigido,
por exemplo, para a execução de tarefas do cotidiano. Isto é, são conhecimentos
necessários ao ensino dos números racionais e irracionais, no que diz respeito à
identificação e comparação de possibilidades distintas de solução para determinada
situação ou à decisão sobre a aplicabilidade de um procedimento a qualquer
situação.
Da mesma forma, a escolha de estratégias para a representação gráfica de
números racionais (Atividade 2, item A) exigiu dos professores a mobilização de
conhecimentos, não apenas do campo dos Números (como formas diferentes de
obtenção da fração geratriz de uma dízima periódica), mas também relativos à
Geometria (em procedimentos que envolveram a construção de mediatrizes de
segmentos ou o Teorema de Tales).
O registro contido no protocolo a seguir
exemplifica a busca por uma estratégia adequada para a localização de números
racionais sobre a reta numérica.
212
Figura 65 - Atividade 2. Protocolo Prof. (C)
Fonte: Acervo pessoal
Em síntese, no que se refere à caracterização, representação e identificação
de números racionais e irracionais, percebe-se nos argumentos utilizados pelo
grupo, uma ênfase no aspecto algorítmico e/ou intuitivo. No entanto, foi possível
observar que parte do grupo avançou no que se refere à escolha de estratégias
diversificadas para abordar os problemas propostos e também no esforço pela
busca de justificativas formais para os procedimentos que foram utilizados.
5.2.2. Densidade de Q
Com o propósito de iniciar a discussão sobre a densidade do conjunto Q,
foram propostas as seguintes atividades:
213
ATIVIDADE. Retomada do item 9 do questionário
(A) As seguintes afirmações foram feitas por alunos de 4ª a 8ª série.
a) Os números que vêm depois de ½ são 1/3, 1/4, 1/5.
b) Os números que vêm depois de ½ são 2/2, 3/2, 4/2, 5/2, ...
c) Os sucessores de 2/3; 0,5; 3,69 são, respectivamente: 3/3; 0,6 e 3,70.
d) O sucessor do número 3,4444... é 3,44444...
e) O sucessor do número 3,4444... é 3,5555...
f) O sucessor do número 3,4444... é 3,5.
Analise e comente cada uma dessas afirmações.
(B) Em resposta a uma questão que solicitava a inserção de um número entre 0,08 e
0,081, foram observados os resultados:
 0,09 (alunos de 5ª/6ª séries)
 0,080 (alunos de 7ª/8ª séries)
Analise e comente as respostas apresentadas por esses alunos.
ATIVIDADE 3
a) Indique cinco números que estejam localizados entre 6,25631 e 6,25632, na reta
numérica.
b) Indique cinco números racionais que estejam entre os números racionais 6,256 e
6,2561, na reta numérica.
c) Indique cinco números que estejam localizados entre 6,26 e 6,2562, na reta
numérica.
ATIVIDADE 4
a) Quantos números racionais existem entre dois números racionais quaisquer?
b) Existem números racionais entre 0,999888... e 0,9999...? Se sua resposta for
afirmativa, dê três exemplos.
c) Existem números racionais entre 0,888999... e 0,9999...? Se sua resposta for
afirmativa, dê três exemplos.
d) Existem números racionais entre 0,9999 e 1? Se sua resposta for afirmativa, dê
três exemplos.
e) Existem números racionais entre 0,9999... e 1 ? Se sua resposta for afirmativa, dê
três exemplos.
f) Quantos números racionais seria possível localizar no intervalo ] 0, 1 [ ?
E quantos números irracionais?
g) De todos os números maiores do que 1, qual é o que está mais próximo de 1, na
reta numérica?
214
Segundo os estudos desenvolvidos por Ball et al (2008, p.7), a habilidade de
identificar erros em respostas de alunos não é suficiente para uma compreensão
matemática dos problemas que um aluno pode enfrentar, na construção de um
conhecimento. É necessário que o professor seja capaz de perceber também a fonte
desses erros – habilidade que faz parte do conhecimento do conteúdo
especializado. Assim, uma base essencial para o ensino da Matemática, na visão
desses pesquisadores, consistiria na prática de alimentar um diálogo interior, em
busca de respostas a questões como: Isso funciona sempre? É mais fácil para
alguns números do que para outros? Como descrever o método que o estudante
está usando e como justificar esse procedimento, matematicamente?
Nesse sentido, nossa intenção ao propor a retomada do item 9 do
questionário era que o grupo refletisse sobre a influência que a ideia de sucessor de
um número inteiro (muitas vezes associada à adição de uma unidade a esse
número, em vez de ser associada ao número seguinte maior, considerando-se o
conjunto organizado em ordem crescente) pode exercer sobre o processo de
construção do conceito de número racional. Essa reflexão serviria como ponto de
partida para considerarmos a importância de explorar a noção de densidade do
conjunto dos racionais e a consequente ausência de sucessor para um número
racional.
As observações formuladas pela maioria dos grupos a respeito do raciocínio
que poderia ter gerado as afirmações contidas no enunciado dessa questão
indicaram, em princípio, a presença de dúvidas quanto à existência (ou não) do
sucessor de um número racional:
Qual é o sucessor de 3,4444...?
Não existe o sucessor ou não é possível determinar o sucessor de um
número racional?
Quanto à densidade do conjunto dos racionais percebemos nos grupos, ideias
iniciais relacionadas à exploração de situações práticas que envolvem dinheiro (para
mostrar que existem outros valores entre 0,5 e 0,6) ou que envolvem a divisão de
um chocolate em partes, cada vez menores. No entanto, a compreensão da
densidade de Q se manifestou de forma mais consistente pela indicação de números
que poderiam ser inseridos entre os racionais dados nas atividades 3 e 4.
215
Parte dos encaminhamentos adotados para a discussão da Atividade 3,
exposta no quadro (15) a seguir, evidencia que não há dúvidas a respeito da
possibilidade de inserir infinitos números entre os números dados, revelando, no
entanto, a necessidade de introduzir o componente formal, para a conclusão da
atividade.
Ações do Pesquisador
Falas/registros/ações dos
professores participantes
de nossa pesquisa
Item (A)
Finalidade das questões
propostas/interpretações/
observações do pesquisador
Finalidade:
O pesquisador escreve na lousa:
6,25631 e 6,25632
Os professores ditam números:
“6,256314; 6,2563125;
6,25631 001; 6,25631000001;
6,2563125631,
6,25631111111111...”.
Questões:
a). Poderia ser
6,25631999999999?
b) Poderia ser
6,25631999999999...?
“Poderia”.
“Poderia”.
a). Verificar se o conceito de densidade
do conjunto Q fazia parte da imagem
conceitual dos professores
participantes.
b). Levar o grupo à conclusão de que
qualquer número racional pode ser
representado por meio de uma dízima
periódica.
Conclusão:
Embora os professores já houvessem
discutido sobre a obtenção da fração
geratriz de dízimas periódicas, nenhum
deles recorreu a essa estratégia para
comparar os números indicados.
Quadro 15 - A inserção de números entre dois racionais dados. Intervenção (Fase 2)
Fonte: Acervo pessoal
Ainda em relação ao quadro, todos concordaram quanto à possibilidade de
inserir 6,256319999... entre 6,25631 e 6,25632 (item A) ou 6,256099999... entre
6,256 e 6,2561 (item B).
Estas respostas sugerem a prevalência do aspecto intuitivo sobre o aspecto
formal. A nosso ver, a igualdade 0,9999... = 1 não é intuitiva e, assim, dificilmente,
uma pessoa afirmaria que 6,256099999... = 6,2561, a menos que já houvesse sido
discutida a possibilidade de representar qualquer número racional na forma de uma
dízima periódica, ou, a menos que se mostrasse que não é possível substituir um
nove por um dígito maior do que nove.
Apesar de havermos constatado avanços na compreensão dos professores,
em relação à densidade de Q, percebemos que para alguns deles ainda restavam
dúvidas relacionadas à inexistência de sucessor para um número racional. O quadro
a seguir pode fundamentar essa nossa interpretação:
216
Pesquisador (lê o item g).” De todos os números maiores do que um, qual é o que está mais próximo de um,
na reta?”
Prof.(S): ”0,9999999999999...”
Prof.(K): “Maior do que um é: um vírgula...”
Prof. (U): “Um vírgula zero, zero, zero, zero, zero...”
Pesquisador. “Espera um pouquinho, que eu quero escrever... Fala pra mim...”
Prof.(U): “Um vírgula, infinitos zeros, e eu parei lá no um...”
Pesquisador: (escrevendo na lousa): “1,0000000000000........1.”
Pesquisador: “...Tem alguém que escreveu algum outro? Esse é o que está mais próximo do um?”
Prof.(U): “Encostado...”
Quadro 16 - Fragmento de diálogo sobre a Atividade 4(g). Intervenção (Fase 2)
Fonte: Acervo pessoal
Outras respostas apresentadas pelo grupo incluíram 1,01; 1,09 e
.
Essas respostas parecem manifestar que a ideia de densidade do conjunto
dos racionais ainda não estava associada à inexistência de sucessor de um número
racional. Contudo, no decorrer da discussão sobre a possibilidade de representar
qualquer número racional na forma de uma dízima periódica, percebemos que, para
uma parte deste grupo, ganhava contorno e se enriquecia a imagem conceitual
referente à densidade do conjunto dos números racionais. Essa nossa interpretação
é baseada em comentários como
“...você sempre acha um menor, teoricamente...”(prof. C)
“...não existe esse número. Número racional não tem sucessor...” (prof. Q).
Cabe reiterar que a densidade de Q não estava presente na imagem
conceitual de 16 dos 23 professores, por ocasião da fase diagnóstica. Houve um
avanço na compreensão do grupo, a esse respeito que, embora ainda não fosse
totalmente satisfatória quando discutimos estas questões, foi se aprimorando ao
longo do experimento.
5.2.3. Abordagem geométrica dos números irracionais
As atividades destacadas a seguir foram propostas com o objetivo de
propiciar, ao grupo, a oportunidade de:

analisar uma possibilidade de abordagem dos irracionais, a partir da
necessidade de construção de um segmento de medida irracional;

estabelecer a relação entre a construção de segmentos de medida irracional
e a localização de pontos irracionais sobre a reta e

perceber a relação entre números irracionais e grandezas incomensuráveis.
217
ATIVIDADE 5
(A) O lado de cada um dos quadrados que compõem o retângulo PQRS tem medida u.
Construa um quadrado cuja área seja igual à área desse retângulo.
Q
P
u
S
u
(B) Encontre a localização exata dos números
numérica.
0
R
,
e
sobre a reta
r
(C) Utilizando esse mesmo procedimento, quantos números irracionais poderiam ser
localizados sobre a reta numérica?
(D) Quais são os conteúdos envolvidos nesta atividade, ou que conhecimentos são
necessários para o desenvolvimento desta atividade?
ATIVIDADE 7
Considere o quadrado construído na ATIVIDADE 5.
(A) Que relação pode ser estabelecida entre o lado e a diagonal desse quadrado?
(B) O lado e a diagonal desse quadrado são segmentos comensuráveis ou
incomensuráveis? Por quê?
(C) Como um professor poderia explicar aos seus alunos do Ensino Fundamental, o
que são segmentos comensuráveis e o que são segmentos incomensuráveis?
A escolha da Atividade 5, nesta etapa de nosso estudo, se justifica por nossa
intenção de proporcionar ao grupo a oportunidade de refletir sobre o desafio que os
alunos experimentam quando, após terem se apropriado da noção de densidade do
conjunto dos racionais na reta numérica, percebem que há pontos na reta – infinitos
pontos – que não correspondem a números racionais. Trata-se de “descoberta” que
pode parecer contraditória para os alunos, pois, intuitivamente, se contrapõe aos
conhecimentos construídos anteriormente.
218
Além disso, nossa intenção era que este estudo constituísse para o grupo de
professores uma oportunidade de enriquecimento da imagem conceitual sobre
números irracionais, pela vivência de situações formuladas em contextos distintos
(no campo dos Números e no campo da Geometria). Pretendíamos também que
essa atividade favorecesse a percepção da possibilidade de construir infinitos
segmentos de medida irracional, utilizando apenas régua sem escala e compasso e,
consequentemente, favorecesse a percepção de que é possível determinar, com
uma “precisão prática” (segundo se expressam Tall & Schwarzenberger, 1978), a
posição dos números irracionais correspondentes a essas medidas sobre a reta
numérica.
No texto que segue, destacamos algumas das estratégias utilizadas pelo
grupo, para a resolução da atividade 5:

Aproximação aritmética, que envolve tentativas de encontrar aproximações
racionais para o número
, revelando uma valorização do aspecto
algorítmico, na busca de solução do problema proposto, conforme se vê na
resposta expressa a seguir:
219
Figura 66 - Atividade 5. Protocolo prof. (M)
Fonte: Acervo pessoal

Aproximação geométrica, que consiste na realização de recortes do retângulo
PQRS e na busca de uma possível composição do quadrado (como um
quebra-cabeça), de tal forma que as áreas (do quadrado e do retângulo)
sejam iguais. Trata-se de abordagem de caráter intuitivo, que envolve uma
“medida a olho” – na expressão utilizada por Sirotic & Zazkis (2005) –, que
logo foi abandonada, dando lugar à investigação de valores aproximados,
cujo quadrado é igual a 6.

Construção geométrica de uma espiral de triângulos retângulos isósceles –
estratégia que resultou ineficaz, visto que não permite a obtenção da raiz
esperada, conforme se observa no protocolo a seguir:
220
Figura 67 - Atividade 5. Protocolo Prof. (O)
Fonte: Acervo pessoal

Construção de triângulos retângulos sobrepostos, pela aplicação sucessiva
do Teorema de Pitágoras, tendo todos os triângulos, um cateto de medida 1u
e o outro cateto com a mesma medida da hipotenusa do triângulo construído
na etapa anterior.
Figura 68 - Atividade 5. Protocolo Prof. (T)
Fonte: Acervo pessoal
221

Construção geométrica, com régua sem graduação e compasso, da média
geométrica92 dos segmentos de medidas 2u e 3u, estratégia utilizada por um
grupo apenas:
Figura 69 - Atividade 5. Protocolo Prof. (V)
Fonte: Acervo pessoal
Tendo em conta as estratégias de abordagem expostas nos protocolos
anteriores, percebe-se que a representação geométrica de números irracionais não
estava completamente ausente da imagem conceitual constituída anteriormente por
uma parte do grupo de professores, embora essas estratégias não tenham figurado
em suas sugestões para a introdução do conceito de número irracional, no
instrumento diagnóstico.
Observamos, por outro lado, que os registros apresentados por alguns grupos
indicam que haveria necessidade de aprofundar o estudo dos números irracionais,
especialmente no que diz respeito à incomensurabilidade de grandezas. Percebemse inconsistências em suas respostas, revelando que não ficou suficientemente clara
a relação entre números irracionais e segmentos incomensuráveis. Tomamos por
92
A construção da média geométrica das medidas de dois segmentos de reta é discutida no
capítulo 3.
222
base os resultados apresentados à seguinte questão, proposta após a discussão
das atividades constantes desta categoria:
O segmento de reta PQ e o segmento de reta RS são comensuráveis se existe um segmento de
reta u, tal que as medidas de PQ e RS, tomando u como unidade, são números inteiros positivos.
Desse modo, são comensuráveis
(A)
(B)
(C)
(D)
a diagonal de um quadrado de lado 4 com o seu lado.
a altura de um triângulo equilátero de lado 1 com o seu lado.
a mediana de um triângulo equilátero de lado 3 com o seu lado.
um segmento cujo comprimento é igual ao de uma circunferência de raio 10 com o seu
raio.
(E) a diagonal de um retângulo de lados 2,5 e 1,2 com qualquer um de seus lados.
O exame das respostas revelou que para a maioria dos participantes, haviam
restado dúvidas sobre a incomensurabilidade de segmentos de reta. O professor (E),
por exemplo, conforme protocolo a seguir, embora houvesse considerado o lado e a
altura de um triângulo equilátero, tanto no item B, quanto no item C, obtendo
h =
e
, respectivamente, classificou-os, em B, como comensuráveis e
em C, como incomensuráveis:
Figura 70 – Atividade sobre incomensurabilidade de segmentos de reta
(após nossa intervenção) Protocolo Prof. (E)
Fonte: Acervo pessoal
Interpretamos esse resultado como uma decorrência do não reconhecimento
dos valores indicados na calculadora, como aproximações de números irracionais.
Ou seja, o uso da calculadora para a obtenção da representação decimal dos
números, na resolução desta atividade, não favoreceu a identificação dos resultados
223
como números irracionais. Não favoreceu, igualmente, uma reflexão sobre a
incomensurabilidade entre os segmentos envolvidos em cada item desta questão.
Em resumo, esta sequência de atividades favoreceu aos professores, a
ampliação de conhecimentos relativos à abordagem geométrica dos irracionais, pela
percepção da possibilidade de construir infinitos segmentos de medida irracional e
também pela percepção da possibilidade de localizar na reta a posição de números
irracionais que indicam as medidas de segmentos construtíveis com régua e
compasso. O nível de compreensão a esse respeito pôde ser aprofundado durante a
discussão
de
outras
atividades,
desenvolvidas
posteriormente,
sobre
a
incomensurabilidade de grandezas.
5.2.4. O tratamento formal no estudo dos números irracionais
A fim de introduzir em nosso estudo uma discussão sobre o desenvolvimento
de provas formais relativas aos números irracionais, foram propostas as seguintes
atividades:
ATIVIDADE 6
Classifique as afirmações abaixo em verdadeiras (V) ou falsas (F). Se a afirmação for
verdadeira, justifique sua resposta e se for falsa, apresente um contraexemplo.
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
a soma de dois números racionais é sempre racional.
a soma de dois números irracionais é sempre irracional.
o produto de dois números irracionais é sempre irracional.
o quociente de dois números irracionais é sempre irracional.
a soma de um número racional com um irracional é sempre irracional.
o produto de um número racional por um irracional é sempre irracional.
o quociente entre um número irracional e um número racional é sempre um
número irracional.
ATIVIDADE 8
O número
é irracional. Você pode provar que essa afirmação é verdadeira?
Fischbein (1994, p. 232) sustenta que axiomas, definições e provas devem
ser componentes ativos no processo de raciocínio dos alunos.
Por outro lado, esses conhecimentos, na visão de Ball et al (2008, p.10),
seriam classificados como conhecimentos do conteúdo especializado, necessário ao
professor, ainda que não sejam prescritos para o trabalho com os alunos. Ou seja,
224
deveriam ser componentes ativos, sobretudo, no repertório de conhecimentos do
professor.
Assim, propondo a atividade 6, tínhamos a intenção de sublinhar a
importância da incorporação, acima de tudo em nossos estudos, da prática de
argumentar e elaborar justificativas.
Embora o enunciado da questão 6 solicitasse uma justificativa, a classificação
inicial das sentenças analisadas pelos professores se resumiu às palavras
“verdadeira” ou “falsa”, indicando, a nosso ver, uma prevalência da atitude intuitiva
no enfrentamento da questão. Também durante a discussão sobre as provas 93que
justificavam
essa
classificação,
embora
o
grupo
demonstrasse
interesse,
observamos certo cuidado na exposição de suas opiniões.
Quanto às provas da irracionalidade de
(atividade 8) apresentadas pelos
grupos antes de uma intervenção, revelaram uma tendência para o tratamento
algorítmico, quer buscando aproximações racionais, quer realizando o cálculo da
raiz quadrada (sem calculadora). Uma ilustração dessas respostas está nos
protocolos a seguir:
Figura 71 - Atividade 8. Prova da irracionalidade de
(antes da intervenção) Protocolo Prof. (W)
Fonte: Acervo pessoal
93
O capítulo 3 apresenta provas para algumas dessas afirmações.
225
Figura 72 - Atividade 8. Prova da irracionalidade de
(antes da intervenção) Protocolo Prof. (U)
Fonte: Acervo pessoal
É preciso registrar, todavia, que a compreensão de parte dos professores a
esse respeito se aprimorou durante as discussões sobre as demais atividades.
Destacamos as respostas de dois professores (M) e (E), para exemplificar a
modificação em suas argumentações.
A prova apresentada por (M) traz um desenvolvimento circular que,
provavelmente, foi percebido pelo professor, pois, em seguida, recorreu ao algoritmo
da multiplicação, para “provar” o que não foi possível, formalmente:
226
Figura 73 - Atividade 8. Prova da irracionalidade de
(antes da intervenção) Protocolo Prof. (M)
Fonte: Acervo pessoal
Este mesmo professor, para provar a irracionalidade de
, após nossa
intervenção e as discussões entre os participantes de seu grupo, apresenta
argumentos que, embora precisassem ser discutidos, representam uma evolução na
abordagem da questão:
227
Figura 74 - Prova da irracionalidade de
(após nossa intervenção) Protocolo Prof. (M)
Fonte: Acervo pessoal
Comparando, da mesma forma, as argumentações desenvolvidas pelo
professor (E), para provar a irracionalidade de
e para provar a irracionalidade de
(questão 8 – antes da intervenção)
(atividade realizada após nossa intervenção), é
possível avaliar como foram percebidas também por este professor, outras
possibilidades de expressão de suas convicções.
Antes da intervenção, seus argumentos são basicamente algorítmicos,
conforme se verifica no extrato que segue:
228
Figura 75 - Atividade 8. Prova da irracionalidade de
(antes da intervenção) Protocolo Prof. (E)
Fonte: Acervo pessoal
Embora a argumentação apresentada pelo professor (E), neste último
protocolo, tenha sido desenvolvida por meio do algoritmo de extração da raiz
quadrada, a observação que acrescenta logo a seguir
período” (grifo nosso)
“sei que não formará
deixa transparecer o caráter intuitivo em sua resposta.
Após a intervenção, no entanto, esse mesmo professor apresentou a
sequência de argumentos registrada no extrato a seguir, indicando um acréscimo
nas representações mentais que compõem seu repertório de conhecimentos, em
relação ao número irracional.
229
Figura 76 - Prova da irracionalidade de
(após nossa intervenção) Protocolo Prof. (E)
Fonte: Acervo pessoal
Esse avanço nas argumentações elaboradas por parte dos professores pôde
ser percebido também quando foi discutida a prova da incomensurabilidade entre o
lado e a diagonal de um quadrado qualquer.
A fim de elucidar essa nossa interpretação, esclarecemos que:

A figura seguinte foi utilizada como auxiliar no processo de demonstração da
incomensurabilidade entre o lado e a diagonal de um quadrado;
230
A
B
F
45°
G
E
45°
D
C
Figura 77 - Auxiliar na prova da incomensurabilidade entre o lado e a diagonal de um
quadrado qualquer94
Fonte: Acervo pessoal

Conforme a discussão que se fez dessa prova (por redução ao absurdo),
chega-se à conclusão que, assumindo que exista um segmento XY, do qual
AB e BD (respectivamente, lado e diagonal do quadrado ABCD) são múltiplos
inteiros, então, esse mesmo segmento também caberia um número inteiro de
vezes no lado e na diagonal do quadrado DEFG e também caberia um
número inteiro de vezes no lado e na diagonal de qualquer quadrado que se
construa com as mesmas características de DEFG – o que consiste em um
absurdo.
O quadro a seguir contém fragmentos do diálogo entre pesquisador e
professores, a esse respeito:
Ações do pesquisador
Falas dos participantes de
nossa pesquisa
Observações:
[...]
“...quando eu quero provar que
um número é irracional, eu
suponho que ele seja racional.
“Quando eu quero provar que
dois segmentos são
incomensuráveis...”
[...]
94
Finalidade das questões
propostas/interpretações/
observações do pesquisador
Finalidade: Estabelecer uma
relação entre a prova da
irracionalidade de números da
forma
sendo n natural e não
quadrado perfeito) e a prova da
incomensurabilidade de segmentos
de reta.
Prof.(U): “Eu suponho que eles
são comensuráveis.”
Prof.(W): “Você está supondo,
aí, né?”
Questão proposta:
“O que é que eu quero dizer com
isso?”
Prof. (U). “Que existe um
segmento que cabe...”
Pesquisador: “...que existe um
Prof. “Um número inteiro de
Finalidade: Retomar, com o grupo,
a definição de segmentos
comensuráveis discutida durante o
encontro anterior.
Interpretação:
Uma prova da incomensurabilidade entre o lado e a diagonal de um quadrado qualquer é
apresentada, de maneira pormenorizada, no capítulo 3.
231
segmento que cabe...”
vezes...”
Percebe-se um esforço do grupo,
em contribuir para a elaboração da
argumentação.
Pesquisador: “que cabe um
número inteiro de vezes, tanto
em BD quanto em AB. Eu vou
escrever assim:
Então, existe um... vou chamar
assim de XY, um segmento
menorzinho, que é submúltiplo
comum de BD e AB.”
O pesquisador registra na lousa:
“Supondo que BD e AB sejam
comensuráveis, então, existe XY
que é submúltiplo de BD e AB.
Ou seja, BD = a.(XY) e
AB = b.(XY), com a, b
.
[...]
Prof.(S):“Já achou o
submúltiplo?”
Prof.(M): “é . a diagonal.”
Prof.(R): “vai achar o
submúltiplo?”
Prof.(U): “não pode sobrar
nenhum pedacinho...”
Observações sobre o
desenvolvimento da prova:
“...eu iria continuar provando que
o mesmo segmento XY é
submúltiplo do lado e da
diagonal desse quadradinho
menor... eu posso continuar isto,
infinitamente, e vou provar que
esse mesmo segmento é
submúltiplo até do lado e da
diagonal de um quadrado
insignificante, que tenha lado e
diagonal menores do que esse
segmento XY. Isso é um
absurdo.”
Prof. (C): “Quando chega a um
quadrado menor que tudo...
Menor do que o XY que você
considerou...”
Pesquisador: “O submúltiplo XY
é maior do que o lado e a
diagonal desse quadradinho...”
Prof. (U): “O XY é maior do que
o quadrado que você construiu
na conclusão final, né?”
Prof.(C): (explicando para os
outros professores) “A medida
do submúltiplo XY... é maior do
que o lado e a diagonal do
quadrado menor, que você
construiu depois... entendeu?
O submúltiplo XY que ela usou,
é submúltiplo da diagonal, ali do
quadrado menor DEFG que ela
construiu...
E alí... fala que XY também é
um submúltiplo de FD... Quem é
FD? É a diagonal do quadrado
menor...
Só que o submúltiplo XY... é
que a gente não tem a medida...
mas, é uma medida maior do
que a diagonal e o lado do
quadradinho que ela ia construir
no final...
Porque de onde eu parti? Do
quadrado grande, então, o que
que é isso? entendeu?
Como é que eu posso construir
Interpretação:
Há um interesse do grupo em
acompanhar o desenvolvimento da
prova. Os professores procuram
associar ideias discutidas
anteriormente, à abordagem que se
faz aqui, no campo geométrico.
Interpretação:
Os argumentos explicitados por
estes professores revelam que
houve compreensão da prova
desenvolvida e, além disso,
mostram o esforço no sentido de
encontrar palavras mais
compreensíveis para convencer os
demais.
232
um submúltiplo de uma coisa
maior, se eu estou indo pro
infinito... ou menor? Você
entendeu?”
Quadro 17 - Discussão sobre a prova da incomensurabilidade entre o lado e a
diagonal de um quadrado qualquer. Intervenção (Fase 2)
Fonte: Acervo pessoal
Há, em nosso ponto de vista, um avanço – ainda que pareça tímido – nas
argumentações do grupo neste momento da intervenção, se comparadas com
respostas apresentadas durante a discussão de atividades realizadas anteriormente.
5.2.5. Conhecimentos necessários sobre números irracionais
No que se refere à importância dos números irracionais no currículo de
Matemática do Ensino Fundamental, foram propostas as sequências de questões
expostas nos itens a seguir:

Conhecimentos necessários ao professor, para ensinar o conceito de número
irracional a alunos do Ensino Fundamental
Com o propósito de promover a reflexão sobre a necessidade de domínio, por
parte do professor, de um repertório abrangente de conhecimentos, que vá além dos
conteúdos prescritos para o ensino dos números irracionais, na Educação Básica,
propusemos as seguintes questões:
QUESTÕES RELATIVAS AOS CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS AO
PROFESSOR
1. Que conhecimentos você considera necessários e/ou indispensáveis
ao professor, para introduzir o conceito de número irracional na
8ª série/9º ano do Ensino Fundamental, sob uma perspectiva que não
seja voltada apenas para questões que envolvem operações com
radicais, mas que favoreça ao aluno também uma percepção inicial da
importância da argumentação formal no tratamento desse conteúdo?
2. Tendo em vista a complexidade que envolve o conceito de número
irracional, não é possível restringir seu estudo à 8ª série. A seu ver,
que conhecimentos o professor precisaria dominar para propiciar aos
seus alunos um avanço na compreensão do conceito de número
irracional ao longo do Ensino Médio?
3. Que conteúdos, que atividades, que práticas adotadas nos cursos de
graduação você avalia como indispensáveis, ou que práticas deveriam
233
ser introduzidas nos cursos de graduação para preparar um futuro
professor para a tarefa de ajudar seus alunos na construção de noções
concernentes aos números irracionais e à incomensurabilidade de
grandezas?
Em suas considerações a respeito dos conhecimentos pedagógicos do
conteúdo, Shulman (1986, p.9) observa que o professor deve dominar formas
alternativas e úteis de representação de ideias, deve ser capaz de selecionar
exemplos, estabelecer relações, explicar e demonstrar essas ideias, de tal forma
que se tornem compreensíveis aos outros.
Além
disso,
o
professor
deve
conhecer estratégias criativas, que permitam organizar ou reorganizar concepções,
porventura equivocadas, dos estudantes.
Na visão de Ball et al (2008, p.10), essas habilidades pertencem à categoria
do conhecimento do conteúdo especializado. A esse respeito, estes pesquisadores
acrescentam que
Para ajudar os estudantes a aprender, os professores necessitam ser
capazes não apenas de fazer matemática, mas eles necessitam “desfazer”
os elementos daquela matemática, para tornar suas características
aparentes para os estudantes. 95 (tradução nossa).
Nesse sentido, nossa intenção ao propor essas questões era criar uma
oportunidade para que os professores refletissem também sobre seus próprios
conhecimentos a respeito dos números irracionais e, eventualmente, identificassem
aspectos desses conhecimentos que, após a fase de intervenção, poderiam ser
considerados como avanços ou ainda precisariam ser aprimorados.
Para seis participantes, os conhecimentos necessários ao professor, para
ensinar números irracionais em classes do Ensino Fundamental se restringem a
apenas uma parte dos conteúdos prescritos para essa fase escolar, nos documentos
de referência curricular. Dois excertos ilustram suas respostas:
Conhecimentos necessários e/ou indispensáveis ao professor: Todo número
escrito na forma de um decimal infinito e não-periódico são os números
irracionais. Este conceito deve ser mostrado em paralelo com os números
racionais, ou seja, primeiro o aluno deve saber as características deste
número.
95
To help students learn, teachers need to not only be able to do mathematics but they need to
unpack the elements of that mathematics to make its features apparent to students. (BALL et al,
2008, p.10).
234
Números Racionais (fracionários)
decimal finito
dízima periódica
Se existe a dízima e ela não é periódica, conclui-se que é irracional.
(Prof. A)
Conhecimentos sobre:
* Dízimas periódicas finitas e infinitas
* Frações
* Conjuntos Numéricos. (Prof. G)
Nas respostas de quatorze professores, foram acrescentados itens que,
inicialmente, não faziam parte dos conhecimentos deste grupo e foram explorados
durante nosso experimento, como exemplificam os extratos que seguem:
O professor precisa ter o conhecimento sobre um pouco de Desenho
Geométrico para explicar divisão de segmento (medida “u” comensurável).
Para encontrar qualquer ponto na reta, usando compasso e régua sem
graduação. Para que desta forma o aluno “visualize” isto. Eu acho que não
precisa construir, mas ao menos visualizar. (Prof. H).
Conjuntos, abrangendo o cjto dos nºs racionais e irracionais, nºs
comensuráveis, incomensuráveis.
Divisão de segmentos.
Construção de figuras geométricas. (Prof. V)
1º Definição, localização, transformação, surgimento – um pouco da História
da Matemática.
2º Saber porque da sua complexidade.
3º Relacionar racionais com irracionais.
4º Transformações: são importantes.
5º O conceito das raízes não exatas, o nº , o nº , assim por diante.
6º A localização na reta numerada é importante, assunto com certa
dificuldade dos alunos.
7º Comparação de números de forma geral.
8º Quantidade: quem é maior? Q ou Irracionais? (Prof. T)
Concordando com ideias defendidas por Ball et al (2008, p.8), quanto aos
conhecimentos que devem ser de domínio dos professores, independentemente de
serem ensinados aos alunos, três professores acrescentaram comentários como:
O prof. precisa ter um domínio e aprofundamento sobre os nºs irracionais
que ultrapassem o conteúdo que ele pretende transmitir ao aluno, pois o
conj. dos nºs irracionais é bem complexo e de difícil assimilação. Dominar
conceitos, definições, demonstrações e transformar os mesmos em
exercícios ou tarefas, que ajudem o aluno a ter uma compreensão e um
domínio mínimo que seja para ele poder caminhar. (prof. O).
235
O que constatamos como resultado das reflexões deste grupo de professores
é uma percepção da importância do componente formal, no corpo de conhecimentos
necessários ao professor, sobre números irracionais.
Importa destacar que, em relação ao aspecto formal da atividade matemática,
discutido por Fischbein (1986), um avanço nos conhecimentos dos professores foi
observado, não apenas por nós, mas foi percebido pelo próprio grupo, conforme
alguns expressaram durante as discussões sobre a importância e a viabilidade de
introduzir números irracionais no Ensino Fundamental, dizendo, por exemplo:
E o resto do bimestre? O que é que eu vou fazer com o resto do conteúdo?
Tudo bem... eu sei que números irracionais é importante... Mas, você
concorda? Quanto tempo a gente ficou aqui aprendendo o bimestre
passado com a Olga? Aprendendo... Aprendendo, mesmo. Eu nunca tinha
visto. Muito menos trabalhar em demonstração... Com hipótese, tese...
(prof. C).
Da mesma forma, o reconhecimento da importância do componente formal,
também na formação de professores, é demonstrado por um grupo de onze
participantes, em respostas como:
Essas aulas onde aprendemos a fazer demonstrações, também deveriam
ser indispensáveis.
Exercícios ou atividades com figuras geométricas, como fizemos na
incomensurabilidade.
Creio que deve ter uma certa quantidade de aulas com demonstrações e tb
aulas com exercícios práticos, assim mesclando os futuros professores
terão mais facilidade em passar esse conteúdo. (Prof. G).
Os conteúdos: as demonstrações, eu acho importante sim, já que não
temos exemplos práticos, do cotidiano, e precisamos de realizar um
tratamento mais formal para provar e demonstrar algumas “verdades” do
conceito dos números racionais e irracionais; (Prof. C).
Outros aspectos relativos aos irracionais foram indicados como conteúdos
que deveriam figurar nos currículos de cursos de graduação:

incomensurabilidade de grandezas;

construções geométricas com régua e compasso;

frações contínuas;

classificação dos números reais em algébricos e transcendentes;

correspondência biunívoca entre o conjunto dos pontos da reta e o conjunto
dos números reais.
236
As duas respostas transcritas a seguir representam, em nossa interpretação,
uma justificativa para os resultados apresentados neste texto:
Para os números irracionais seria necessário, o professor de um curso de
graduação, aplicar de forma mais contextualizada atividades que
desenvolvam os aspectos e características dos números irracionais.
Trabalhos e pesquisas mais intensos e exercícios mais dinâmicos. Na
graduação há mais tempo para estes assuntos serem explorados.
Não me lembro de ter explorado este assunto, na minha graduação, e só
hoje consegui conhecer melhor os conjuntos numéricos.
Lembro apenas das derivadas e integrais, dos limites que tendem ao
infinito, mas as características desse conjunto foi tudo novidade pra mim.
(Prof. Q).
Na graduação, não me recordo de atividades que possam ajudar os alunos
na construção de noções concernentes aos números irracionais e à
incomensurabilidade de grandezas.
O que nós temos na graduação são conteúdos aprofundados. Ensinar os
alunos do fundamental e médio aprendemos com a prática, estudando e
preparando aulas referentes a aquele conteúdo. (Prof. A).
Examinando as respostas dos professores às questões discutidas nos
parágrafos anteriores, acrescidas de observações como: “com este módulo percebi
que não sabia nada sobre Q e I, (acho que agora sei um pouquinho mais)” (prof. W,
grifo do professor), entendemos que os conhecimentos demonstrados, inicialmente,
pelo grupo, em resposta ao diagnóstico proposto na fase 1, são, conforme se
expressou o professor (A), aprendidos “com a prática, estudando e preparando aulas
referentes a aquele conteúdo” – o que pode indicar a necessidade de se dedicar
mais atenção a esse assunto, nos programas praticados em cursos de Licenciatura.
Observa-se nas respostas apresentadas pelo grupo a percepção da
importância e da necessidade de inclusão dos números irracionais em estudos
oferecidos por cursos de formação de professores. No entanto, quando se referem
aos alunos, essa necessidade é bastante relativizada, como podemos ver nos
parágrafos que seguem.
 Conhecimentos necessários ao estudante que conclui o Ensino Fundamental
A fim de identificar modificações nas concepções do grupo de professores a
respeito do ensino de noções relativas ao conceito de número irracional, foram
propostas as seguintes questões:
237
QUESTÕES RELATIVAS AOS CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS AO ALUNO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
1. Você considera importante/indispensável introduzir o conceito de número
irracional no Ensino Fundamental? Por quê?
Se sua resposta for negativa, que fase da escolaridade você considera mais
adequada para a introdução desse conteúdo?
Haveria alguma perda significativa, caso os estudantes desconhecessem esse
conteúdo até chegar à universidade? Explique.
2. Em sua opinião, o que um aluno do Ensino Fundamental, no final da 8ª série/9º
ano, precisaria, de fato, saber sobre números irracionais, para ser capaz de
compreender os conteúdos que serão desenvolvidos ao longo do Ensino Médio?
Explicite as noções que você considera indispensáveis para a compreensão de
outros conteúdos (especifique os conteúdos).
3. (A) Você acha relevante incluir nas aulas de Matemática uma abordagem
geométrica do conceito de número irracional? Que tipo de abordagem?
(B) A seu ver, essa abordagem seria adequada/viável, na 8ª série? Por quê?
Conforme referido anteriormente, aos olhos de Shulman (1986), um professor
deve ser capaz de distinguir tópicos que são centrais de outros que podem ser
tratados em segundo plano, a fim de decidir sobre os aspectos de um conteúdo que
merecem ser enfatizados e também a fim de compreender e avaliar a adequação da
distribuição desse conteúdo na organização curricular. (Shulman, 1986, p.9,10)
Nesse sentido, entendíamos que, respondendo a essas questões após a
intervenção, os professores teriam a oportunidade de reconsiderar e, eventualmente,
modificar concepções explicitadas anteriormente sobre o ensino dos números
irracionais.
Um exame dos resultados permite perceber que se mantém, para a maior
parte deste grupo de professores, a opinião de que é necessário introduzir o
conceito de número irracional no Ensino Fundamental, sugerindo, todavia, que não
haveria necessidade de aprofundar ou ampliar esses conhecimentos, para muito
além de uma abordagem que envolvesse definição, representações e cálculos com
radicais:
Acho que [é] importante saber que há
- infinitos irracionais.
- conhecer os básicos
- que o número irracional não escrevo na forma .
- saber racionalização. (Prof. H).
238
Conceito.
localização na reta numérica.
fazer cálculos com todas as operações, aplicando as propriedades
operando também com radicais.
aplicar na trigonometria, logaritmo, radicais, etc. (Prof. E).
Eu acho que só o fato de eles saberem que o número irracional é um
número infinito e não periódica [sic] seria o suficiente. (Prof. A).
Eles devem ter o conhecimento do que é um número irracional, como
identificá-lo, mas nada que influencia muito no E.M. para o seu rendimento.
A aritmética, os conhecimentos básicos fazem mais falta a eles na
resolução dos exercícios e também a compreensão dos temas abordados.
(Prof. K).
Na opinião do autor desta última resposta, não haveria perda ou prejuízo para
a compreensão dos conteúdos do Ensino Médio, se o aluno conhecesse, dos
números irracionais, apenas a definição e a representação que permitissem
distingui-los dos racionais.
Por outro lado, oito professores explicitaram certa descrença quanto à
possibilidade de introduzir o conceito de número irracional em sua interpretação
geométrica, no Ensino Fundamental, tendo em conta a ausência de habilidades nos
alunos para compreender essa abordagem. Dois exemplos dessas respostas são
apresentados a seguir:
Não acho que seja relante [relevante] no ensino fundamental, pois eles
terão muita dificuldade em compreender. No ensino médio é mais viável,
pois aborda-se geometria mais a fundo. (Prof. R).
Acho importante, mas não sei se conseguiria passar através da abordagem
geométrica do conceito de nº irracional. Os alunos sabem muito pouco
sobre a geometria. Para eles tudo que é complicado, perdem a motivação
em compreender. (Prof.A).
De forma geral, a abordagem geométrica avaliada por este grupo de
professores como importante no Ensino Fundamental envolveria a construção, com
régua e compasso, de segmentos de medida irracional e a localização de números
irracionais sobre a reta numérica. Os professores (C) e (K) se expressaram sobre
isso, dizendo que
A abordagem geométrica do conceito de número irracional deve ajudar o
aluno a compreender a importância do número irracional, na resolução de
alguns problemas.
239
Localizar um número na reta (não numérica) usando régua, lápis e
compasso. (Prof. C).
Achei muito interessante a localização na reta, isso eles gostariam de
aprender. E na utilização do teorema de Pitágoras. (Prof. K).
Apenas dois professores (U e P) fizeram referência à introdução do conceito
de incomensurabilidade de segmentos de reta, como parte da abordagem dos
irracionais, no Ensino Fundamental. Uma comparação de suas respostas, em fases
distintas de nosso experimento, permite perceber uma mudança de concepção a
respeito do tratamento geométrico dos números irracionais:
Item 5. Diagnóstico.Fase 1
(Indicação de abordagem geométrica para a introdução do conceito de número irracional)
Questão 3(A). Fase 2.
(sobre conhecimentos necessários ao aluno do Ensino Fundamental)
Quadro 18 - Comparação entre protocolos Prof. (U)
Fonte: Acervo pessoal
240
Item 5. Diagnóstico. Fase 1.
(Indicação de abordagem geométrica para a introdução do conceito de número irracional)
Questão 2. Fase 2. (sobre os conhecimentos necessários a um aluno do Ensino Fundamental)
Quadro 19 - Comparação entre protocolos Prof. (P)
Fonte: Acervo pessoal
O confronto das respostas do professor (P), por exemplo, revela um
enriquecimento em suas concepções relativas ao ensino dos números irracionais.
Ambos os protocolos fazem referência à ampliação dos campos numéricos.
Entretanto, apesar da concisão da segunda resposta, percebem-se conexões entre
241
ideias que são fundamentais para um tratamento desse tema, que não seja, por
exemplo, limitado ao campo numérico e, além disso, a abordagem geométrica
envolveria não apenas a construção de segmentos de medida irracional para a
localização de números sobre a reta, mas também a introdução da ideia de
incomensurabilidade de grandezas.
De qualquer forma, em suas discussões, os professores adiantaram que
precisariam vivenciar, experimentar em suas aulas e refletir sobre a viabilidade de
uma abordagem que envolva alguns dos tópicos explorados durante nosso
experimento.
5.3.
Análise de orientações curriculares (Fase 3)
Três encontros, de aproximadamente quatro horas, compuseram esta fase –
de 17.03.2011 a 28.04.2011 – e foram dedicados à análise das atuais orientações
curriculares para a abordagem dos números irracionais no Ensino Fundamental e à
elaboração de um plano para o ensino desse conteúdo, nessa etapa escolar.

A abordagem dos números irracionais, segundo o Currículo do Estado de São
Paulo – uma análise feita pelo grupo de professores
Com o intuito de proporcionar a oportunidade de examinar e refletir,
coletivamente, sobre a abordagem dos números irracionais, sugerida pelo Currículo
do Estado de São Paulo (2010), foi proposta a seguinte atividade:
ATIVIDADE 1
Considerando que as sugestões apresentadas nos Cadernos não têm o propósito de esgotar um
conteúdo, o professor pode selecionar, complementar ou enriquecer as atividades, adaptando-as
ao nível de interesse e de desenvolvimento da classe e segundo o que ele próprio considera
importante e necessário que o aluno aprenda. Ou seja, não existe uma única abordagem eficaz,
não há apenas um caminho para a construção de um conhecimento.
Assim, tendo em vista o que foi discutido ao longo dos encontros anteriores, analise de forma geral,
as atividades propostas no Caderno do Professor, do 1º bimestre da 8ª série/9º ano do Ensino
96
Fundamental (p. 18 a 39) , para a introdução do conjunto dos números irracionais.
A proposta desta atividade atendeu à solicitação feita por alguns professores
do grupo, interessados em ampliar seus conhecimentos sobre os tópicos abordados
nos Cadernos que integram o material de implementação desse Currículo. Assim,
96
O material submetido à análise do grupo de professores, extraído do Caderno do Professor
destinado à 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental está disponível no Anexo 4.
242
propondo esta atividade após a intervenção, nossa intenção era identificar eventuais
mudanças nas concepções dos professores, sobre as possibilidades de abordagem
dos números irracionais, no Ensino Fundamental.
Segundo Zeichner (1993, p.27), é importante que se criem situações em que
os professores se sintam à vontade para analisar criticamente as investigações
feitas por terceiros, sejam livres para refletir a respeito dos pressupostos implícitos
em propostas educacionais e possam aceitar ou discordar dessas propostas. Nessa
perspectiva, professor reflexivo seria aquele que questiona os objetivos, a seleção
dos conteúdos, as estratégias sugeridas, os currículos prescritos e que toma parte
das decisões em relação ao currículo a ser adotado.
Interpretando à luz das ideias defendidas por Shulman (1986, 1987) e Ball et
al (2008), os conhecimentos necessários a essa reflexão, classificados como
conhecimentos curriculares do conteúdo, incluiriam a capacidade de analisar
criticamente o tratamento dado aos números irracionais em documentos de
orientação curricular, o reconhecimento de conexões importantes ou etapas
indispensáveis e, da mesma forma, a identificação de concepções incorretas, pontos
obscuros ou encaminhamentos inadequados e a reflexão sobre possíveis mudanças
nesses encaminhamentos.
Como etapa final, a reflexão sobre essas orientações e também sobre as
discussões realizadas durante nosso experimento deveria resultar na concepção de
um plano de abordagem do número irracional nos anos finais do Ensino
Fundamental.
Percebe-se, conforme já foi dito, nas considerações elaboradas pelos
professores, um reconhecimento da importância dos números irracionais nos
currículos de Matemática, mas, ao mesmo tempo, há uma apreensão no que se
refere à sugestão de atividades nos Cadernos, que requerem o conhecimento prévio
de determinados assuntos que, muitas vezes, não são de domínio dos estudantes
ou estão prescritos para anos posteriores da escolaridade:
Eu achei o número de aulas insuficiente pra tanto conteúdo. Porque olha
gente, Diagrama de Venn, com os exercícios que tem lá, pra eles
aprenderem, que nem, eles falam lá... Eu li, gente, “Avaliação”... é uma
coisa que vai ser estudada lá, ah.... intersecção, união, contido, não está
contido... É uma simbologia que eles vão estudar lá no Ensino Médio. Bom,
é um exercício pro aluno... Pede pra ele falar se é verdadeiro ou falso... N,
243
intersecção com Z, N intersecção com R... Entendeu? Quer dizer... Você
precisa explicar, não adianta... Tem a simbologia, usou... Eu vou ter de
entrar no conteúdo... Não dá pra... Tem de explicar... (prof. C).
Por outro lado, este último extrato mostra que o exame realizado pelo
professor exigiu o estabelecimento da relação entre o conhecimento matemático
especializado e o modelo de instrução proposto no material examinado –
característica do conhecimento do conteúdo e do ensino –, a respeito do que Ball et
al (2008, p.9) argumentam:
Os professores necessitam sequenciar o conteúdo particular para a
instrução, decidir com qual exemplo começar, e quais exemplos usar para
aprofundar o conteúdo com os estudantes. Eles necessitam avaliar as
vantagens instrucionais e desvantagens de representações usadas para
ensinar uma ideia específica. Durante uma aula de discussão, eles devem
decidir quando perguntar para maior clarificação, quando usar um
comentário de estudantes para fazer uma observação matemática e quando
perguntar uma nova questão ou colocar uma nova tarefa para
complementar a aprendizagem dos estudantes. Cada uma dessas [tarefas]
requer uma interação entre a compreensão matemática específica e uma
compreensão de assuntos pedagógicos que afetam a aprendizagem do
estudante. 97. (tradução nossa).
Outras considerações foram feitas pelos professores, dentre as quais
destacamos algumas que se referem à exploração de situações que envolvem a
representação de números racionais e irracionais na forma de frações contínuas. Na
avaliação
deste
grupo de professores, esta
abordagem não
favorece
a
aprendizagem desse conteúdo, por razões assim explicitadas:
Frações contínuas: esse conteúdo além de ser muito difícil, não consigo
encontrar sua aplicabilidade, e quando não podemos informar sua utilidade
aos alunos, o aprendizado se torna mais difícil e menos interessante.
(Atividade 1, Fase 3. Prof. G).
No ensino médio trabalhamos muito com os valores aproximados de
,
e , o que torna importante uma aproximação melhor.
Acreditamos, também, que o excesso de cálculos pode desmotivar tanto
ensino como aprendizagem. (Nós professores não vimos em nossa
graduação o conceito de frações contínuas).
Talvez possa haver um método mais simples de aproximação (fácil
compreensão). (Atividade 1, Fase 3, Prof. P).
97
Teachers need to sequence particular content for instruction, deciding which example to start with
and which examples to use to take students deeper into the content. They need to evaluate the
instructional advantages and disadvantages of representations used to teach a specific idea. During
a classroom discussion, they have to decide when to ask for more clarification, when to use a
student’s remark to make a mathematical point, and when to ask a new question or pose a new task
to further students’ learning. Each of these requires an interaction between specific mathematical
understanding and an understanding of pedagogical issues that affect student learning. (BALL et al,
2008, p.9).
244
Da mesma forma, o diálogo contido no quadro a seguir indica familiarização
do professor com dificuldades encontradas por seus alunos, em relação aos
conjuntos numéricos:
Pesquisador: “Como é que a densidade do conjunto dos números racionais na reta numérica é
trabalhada nesse material? [...] Vocês acham que é importante tratar a densidade do conjunto dos
números racionais?”
Prof. (G): “Eu acho confuso...”
Pesquisador: “Confuso?”
Prof. (G): “Pra colocar na cabeça do aluno que entre dois números existem infinitos números... eu
acho que a palavra é complexa, é complexa a informação pra eles... porque eles acham que entre
um e dois existem algumas frações, vai ter um meio, 0,1... mas, você colocar que entre dois
números... Entre um quarto e um oitavo, existem infinitos números ali dentro, sabe acho que é
demais pra cabeça deles, eles conseguirem essa imaginação toda... Eu penso assim... Eu não sei
se isso é o correto ou não...”
Quadro 20 – Fragmento de diálogo sobre dificuldades enfrentadas por alunos, para compreender o
conceito de densidade de Q
Fonte: Acervo pessoal
Esse tipo de conhecimento que combina a compreensão de um conteúdo e a
percepção/previsão das dificuldades dos estudantes é classificado por Ball et al
(2008) como conhecimento do conteúdo e de estudantes, a respeito do qual esses
pesquisadores acrescentam que
Ao escolher um exemplo, os professores precisam prever o que os
estudantes irão achar interessante e motivador. Quando atribuem uma
tarefa, eles [os professores] necessitam antecipar o que os estudantes
provavelmente farão com ela e se eles irão achá-la fácil ou difícil. Eles
devem também ser capazes de escutar e interpretar os pensamentos
emergentes e incompletos dos estudantes. Cada uma dessas tarefas requer
uma interação entre a compreensão matemática específica e a familiaridade
98
com estudantes e seu pensamento matemático. (p.9, tradução nossa)
O que se observa, finalmente, nos comentários formulados pelos professores
é a manifestação de um avanço também em relação aos conhecimentos
especializados sobre números irracionais demonstrados na fase inicial de nossa
pesquisa. Ou seja, em suas argumentações a respeito da insuficiência do tempo
para o desenvolvimento dos conteúdos prescritos ou a respeito da ordem em que
são postas as discussões sobre determinados tópicos, no Caderno, os professores
98
When choosing an example, teachers need to predict what students will find interesting and
motivating. When assigning a task, they need to anticipate what students are likely to do with it and
whether they will find it easy or hard. They must also be able to hear and interpret students’
emerging and incomplete thinking. Each of these tasks requires an interaction between specific
mathematical understanding and familiarity with students and their mathematical thinking. (BALL et
al, 2008, p.9).
245
incluem observações sobre conteúdos que, segundo os resultados do primeiro
instrumento de coleta de dados, não estavam presentes em sua imagem conceitual
de números irracionais.
 Um plano para a abordagem dos irracionais, segundo o grupo de professores
participantes de nosso experimento
Com a finalidade de estabelecer um paralelo entre o nosso experimento e a
abordagem proposta no Caderno da Secretaria da Educação do Estado de São
Paulo e também favorecer a criação de um plano de ensino do conceito de número
irracional que contemplasse tópicos avaliados pelo grupo como indispensáveis para
alcançar os alunos de suas classes, foi proposta a atividade que segue:
ATIVIDADE 2
Considerando as discussões realizadas ao longo de nosso experimento e as orientações
curriculares analisadas pelo grupo, o que você considera importante/indispensável que o aluno
domine sobre o conjunto dos números irracionais, ao término do Ensino Fundamental, para
compreender os conteúdos que serão desenvolvidos durante o Ensino Médio? Justifique.
É possível desenvolver esse conteúdo na 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental? Justifique.
Conforme foi dito, a fase 2 constituiu-se em etapa destinada à vivência de
situações que poderiam provocar a reflexão sobre a importância do estudo dos
números irracionais e sobre os conhecimentos necessários aos estudantes e aos
professores, a respeito desse conteúdo. Assim, era nossa expectativa que as
discussões promovidas durante os encontros anteriores e a análise das orientações
curriculares para a abordagem desse conteúdo teriam, como resultado, um
aprofundamento das concepções do grupo de professores sobre o ensino desse
tema.
Em resposta à atividade 2, foram apontados pelo grupo como conteúdos
indispensáveis a um aluno que conclui o Ensino Fundamental:

Encontrar a fração geratriz de um número racional.

Identificar números racionais e irracionais.

Números irracionais algébricos e transcendentes.
246

Localização de números na reta, com o auxílio de régua sem
graduação e compasso.

Densidade dos números irracionais e representação na reta real.

Saber operar com números irracionais.
A indicação destes itens exigiu dos professores não apenas uma reflexão
sobre as propostas de trabalho examinadas até então. Foi necessário também que
considerassem suas práticas pedagógicas, as possibilidades de implementação dos
tópicos indicados em suas salas de aula e as dificuldades já experimentadas
individualmente e que agora são partilhadas, discutidas, expostas coletivamente.
Zeichner (1993) referiu-se a esse tipo de reflexão coletiva, dizendo que
Uma maneira de pensar na prática reflexiva é encará-la como a vinda à
superfície das teorias práticas do professor, para análise crítica e discussão.
Expondo e examinando as suas teorias práticas, para si próprio e para os
seus colegas, o professor tem mais hipóteses de se aperceber das suas
falhas. Discutindo publicamente no seio de grupos de professores, estes
têm mais hipóteses de aprender uns com os outros e de terem mais uma
palavra a dizer sobre o desenvolvimento da sua profissão. (p.22)
Nesse sentido, o desenvolvimento desta atividade favoreceu a exteriorização
de ideias/teorias que foram partilhadas pelos grupos, resultando em conclusões
como a que foi expressa pelo professor (P), a seguir:
Nós achamos que todo o conteúdo dos irracionais é importante mas se o
aluno não tiver esse conteúdo no E.F., ele consegue acompanhar toda
matéria do E.M.
Vamos supor que ele nunca viu os números irracionais e estamos agora no
2º ano E.M. resolvendo problema com prisma: ao achar por ex: o seu
volume (V =
, o resultado daria 48 + 3.
cm³ sem conhecer que
é
um número irracional não iria atrapalhar em nada o seu raciocínio, na
resolução do problema dos Prismas.
Mesmo na resolução dos radicais na hora de racionalizar o denominador, se
ele não souber que o denominador é um número irracional mas sabe
racionalizar, também não vai atrapalhar em nada. Essa foi a opinião do meu
grupo. (Prof. P).
Zeichner (1993) valoriza elaborações como esta, que foi feita pelo professor
(P), argumentando que:
Para além do saber na ação que vamos acumulando ao longo do tempo,
quando pensamos no nosso ensino quotidiano, também estamos
continuamente a criar saber. As estratégias de ensino que usamos na sala
de aula encarnam teorias práticas sobre o modo de entender os valores
educacionais. A prática de todo o professor é o resultado de uma ou outra
teoria, quer ela seja reconhecida quer não. Os professores estão sempre a
teorizar, à medida que são confrontados com os vários problemas
247
pedagógicos, tais como a diferença entre as suas expectativas e os
resultados. Em minha opinião, a teoria pessoal de um professor sobre a
razão por que uma lição de leitura correu pior ou melhor do que era
esperado, é tão teoria como as teorias geradas nas universidades sobre o
ensino da leitura: ambas precisam ser avaliadas quanto à sua qualidade,
mas ambas são teorias sobre a realização de objetivos educacionais. (p.21).
Finalmente, o desenvolvimento dessa atividade culminou na formulação de
um plano para o ensino dos números irracionais, contendo itens avaliados pelo
grupo, como indispensáveis e suficientes a um aluno concluinte do Ensino
Fundamental, como preparo para a continuidade dos estudos.
Como
um
último
“exercício”
de
organização
das
ideias
retomadas/reelaboradas/reconstruídas relativamente aos números racionais e
irracionais, ao longo de nosso estudo, construímos com os professores participantes
um rol único de conteúdos, a partir das indicações feitas por eles, conforme segue:
1. Retomada dos conjuntos numéricos: naturais, inteiros e racionais.
2. Definição de números racionais.
3. Representações de números racionais:
 Fracionária
 Decimal finita
 Decimal infinita e periódica
Dízima periódica simples
Dízima periódica composta
Transformação de representação decimal em fracionária e vice-versa.
4. Potenciação e Radiciação
 Raízes exatas
 Raízes não exatas
Operações e propriedades dos radicais
Potências com expoente fracionário
5. Raízes não exatas: definição de número irracional:
6. Distinção entre as representações decimais de números racionais e
números irracionais
7. Localização de números racionais na reta numérica
 Com régua graduada
 Com régua sem graduação
Densidade de Q na reta numérica
8. Construção geométrica de segmentos de medida irracional
9. Localização de números irracionais na reta numérica.
Quadro 21 – Rol de conteúdos construído com o grupo, contendo itens considerados
indispensáveis a um aluno do Ensino Fundamental
Fonte: Acervo pessoal
248
Convém, no entanto, destacar que, embora o grupo tenha avaliado como
importantes esses tópicos, percebe-se ao mesmo tempo, em comentários
formulados por alguns professores, um ceticismo quanto à possibilidade de cumprir
(ou de realizar) uma proposta de trabalho que tenha em vista o desenvolvimento
desse programa.
eu... eu... esse bimestre, por exemplo, essa parte de raízes aí, eu só
trabalhei com raízes exatas. Só fiz uma retomada sobre as raízes... raiz
quadrada... a quadrada... porque ela tem... eu acho que é o sentido...
Potenciação também... as propriedades, eles sempre acham que a base é
multiplicada pelo expoente, e não que a base é multiplicada, tantas vezes
quanto for o expoente... essas relações são muito comuns... e o fato de
aquele elemento elevado a zero é um... eles não guardam... isso também
eles não guardam... então, em fiz essa retomada, não entrei nas raízes não
exatas... não entrei... eu só mostrei pra eles a diferença entre um número
racional e um irracional, através dos racionais... eu só cheguei até aí. Eu sei
como é difícil pra eles... Até pra gente fazer pra eles, é complicado... Mas,
eles num... Sabe? Se eu começar a dar pra eles, eu tenho certeza de que
eles vão desistir... É em vão... Então, eu já parto assim... Pra mim... Qual é
o objetivo desta aula? É eles saberem diferenciar o que é que é número
racional do que é número irracional. Pra mim, isso é o suficiente... (Prof. A).
Mas, olha... é o que ela falou [aponta para o professor A]. Eu estava
comentando aqui, que a gente parece que estava fazendo as apostilas...
Isso, pros nossos alunos, é surreal... (Prof. K).
Considerações como estas revelam, a nosso ver, a presença de uma “tensão”
entre a dúvida – quase uma descrença – quanto à viabilidade de aplicação de
determinados tópicos discutidos em nosso experimento e, ao mesmo tempo, a
incumbência de colocar em prática as inovações propostas no atual Currículo de
Matemática.
Por outro lado, expressam pontos de vista congruentes que, embora deixem à
vista a conservação de concepções anteriores, resultam de reflexões que se fizeram
ao longo de nosso experimento, primeiro individualmente e, depois, coletivamente.
Compartilhamos da ideia de Zeichner (1993), quando se refere ao professor,
em sua condição individual como prático reflexivo, dizendo que o processo de
compreensão e transformação do ensino
deve começar pela reflexão sobre a sua própria experiência e que o tipo de
saber inteiramente tirado da experiência dos outros (mesmo de outros
professores) é, no melhor dos casos, pobre e, no pior, uma ilusão (p.17).
Todavia, conquanto tenhamos iniciado nosso estudo a partir de experiências
vividas por outros professores, examinando respostas apresentadas por alunos que
249
não eram nossos, foi possível perceber, durante o experimento, o crescimento da
disposição manifestada pelos professores, que demonstraram reconhecer que “o
processo de aprender a ensinar se prolonga durante toda a carreira do professor” –
atitude apontada também por Zeichner como característica da reflexão. (1993, p.17)
Procuramos, ao longo de nosso experimento, “provocar” os professores por
meio de questionamentos que permitissem, ao grupo, considerar possíveis
encaminhamentos para ajudar seus alunos a construir uma ideia inicial de número
irracional.
Escolhemos essa forma para conduzir nossas discussões sobre a densidade
do conjunto dos números racionais na reta numérica e sobre a possibilidade de
localizar, na reta, pontos que não correspondem a números racionais, com a
intenção de incentivar uma reflexão que não fosse apenas individual – cada
professor considerando sua própria prática –, mas que se estendesse e envolvesse
o grupo inteiro, que fosse partilhada e ponderada coletivamente, para que os
encontros constituíssem oportunidades de ajuda e enriquecimento de todos os
participantes do grupo, no que se refere às dificuldades que precisamos enfrentar,
quando apresentamos aos nossos alunos os números irracionais.
Acrescentamos, a esse respeito, que as reflexões decorrentes das atividades
propostas foram realizadas coletivamente, como prática que foi se estabelecendo
naturalmente, possivelmente por perceberem, uns professores, os próprios
questionamentos, nas palavras dos outros.
250
CONSIDERAÇÕES FINAIS
The goal of teacher education, he argues, is not to indoctrinate or train
teachers to behave in prescribed ways, but to educate teachers to reason
soundly about their teaching as well as to perform skillfully. Sound reasoning
requires both a process of thinking about what they are doing and an
adequate base of facts, principles, and experiences from which to reason.
Fenstermacher 99
O texto que segue sintetiza a trajetória que se fez necessária à realização de
nosso estudo e sumariza nossas reflexões a respeito das questões de pesquisa que
nos propusemos a responder, com base nos resultados de nosso experimento.
Destacamos também aspectos que, em nosso ponto de vista, precisam ser
aprofundados em estudos posteriores e indicamos questões que, conquanto não
tenham sido abordadas nas discussões aqui expostas, merecem, por sua relevância,
ser tomadas como objetos de novas investigações.
Consideramos que o desenvolvimento desta pesquisa se justifica pela
relevância da compreensão do conceito de número irracional, para a ampliação da
ideia de número, visto que favorece e, em alguns casos, impõe a reconstrução e a
reelaboração de noções relativas aos números racionais, como etapa necessária à
construção do conceito de número real. Propicia, igualmente, uma interpretação da
Matemática, não apenas como ferramenta útil e necessária para a resolução de
problemas práticos, mas também como ciência organizada, coerente, harmoniosa,
que se constrói pelo esforço do homem.
99
“O objetivo da formação de professores, ele argumenta, não é para doutrinar ou treinar os
professores para se comportarem da maneira prescrita, mas para educar professores para
raciocinar profundamente sobre o seu ensino, bem como para executá-lo habilmente. Raciocínio
lógico requer tanto um processo de refinamento sobre o que estão fazendo, quanto uma base
adequada de fatos, princípios e experiências, para raciocinar a partir dos mesmos.”
(FENSTERMACHER, 1978, 1986, apud SHULMAN, 1987, p.13, tradução nossa.).
251

Uma síntese da trajetória deste estudo
Quanto aos procedimentos metodológicos empregados nesta investigação,
utilizamos a pesquisa documental e orientamo-nos por princípios do Design
Experiments, que favoreceram o desenvolvimento simultâneo da investigação e da
formação continuada de um grupo de 23 professores de Matemática da rede pública
estadual, constituído pelo Observatório da Educação, em projeto financiado pela
CAPES, com o propósito de promover a reflexão a respeito da implementação de
inovações curriculares em suas práticas pedagógicas.
Com a pesquisa documental, tivemos o objetivo de averiguar a importância
conferida aos números irracionais nos currículos de Matemática da Educação
Básica, assim como as recomendações pedagógicas e as expectativas de
aprendizagem que se estabelecem, para o desenvolvimento desse conteúdo, em
orientações contidas em documentos oficiais de referência curricular vigentes no
Brasil. Além disso, procedemos à análise das abordagens dos irracionais
apresentadas em livros didáticos adotados por professores que participaram de
nosso experimento. A investigação desses documentos amparou-nos no que se
refere à elaboração dos instrumentos de coleta de dados e ao exame dos resultados
de nosso experimento.
Como resultado dessa análise, destacamos que as orientações constantes do
Currículo do Estado de São Paulo (2010), para a abordagem dos números
irracionais no Ensino Fundamental, incorporam as sugestões apresentadas nos PCN
(1998), no que se refere à importância de explorar diferentes representações, de
promover a interação entre os campos dos Números, da Geometria e das
Grandezas e Medidas e de oferecer oportunidades de verificações experimentais
para a identificação de regularidades que podem resultar na introdução de noções
relativas aos irracionais (como o valor do número
e a razão áurea).
O novo Currículo do Estado de São Paulo (2010) acrescenta, além dos
conteúdos indicados nos PCN (1998) para o Ensino Fundamental, a sugestão de um
aprofundamento que inclui, por exemplo, a classificação de números reais em
algébricos e transcendentes e a exploração de frações contínuas como possibilidade
de representação de números racionais e irracionais e como forma de obter
aproximações racionais para números irracionais.
252
Uma futura investigação que avaliasse os resultados da implementação
dessas orientações, em sala de aula, poderia contribuir para um estudo das
possibilidades de seu desenvolvimento.
Acrescentamos ainda que não há, nos documentos examinados, um
destaque para a densidade do conjunto Q na reta real – característica tomada em
nossa pesquisa como fator que pode ser explorado como ponto de partida para
promover a discussão sobre a existência de pontos na reta que não são racionais.
Quanto ao Ensino Médio, observamos que, embora as OCEM (2006)
contenham recomendações sobre a retomada e o aprofundamento de noções
relativas aos irracionais (incluindo sua interpretação geométrica, pela introdução da
incomensurabilidade de grandezas), a atenção dedicada a esses números, no novo
Currículo do Estado de São Paulo (2010), é restrita à sua utilização como números
reais no estudo de outros conteúdos, como a Trigonometria.
Tendo em conta a complexidade que envolve o tema “números irracionais”,
entendemos que seu estudo deveria, necessariamente, figurar entre aqueles
propostos para o Ensino Médio – o que favoreceria a continuidade, a consolidação e
o aprofundamento de habilidades e conhecimentos construídos ao longo do Ensino
Fundamental, conforme a lei. (LDB 9.394/96, artigo 35).
As reflexões que fizemos ao longo desta pesquisa nos levaram a concluir que
o estudo dos números irracionais deveria ganhar especial atenção também nos
cursos de Licenciatura em Matemática, visto que têm a finalidade de preparar
futuros professores para ensinar esse conteúdo aos alunos. Ademais, ainda que
seja prescrita, nos documentos curriculares, uma abordagem apenas introdutória
dos números irracionais – como “ponte” que se faz necessária à transição dos
racionais para os reais –, as próprias Diretrizes para cursos de formação de
professores determinam que a seleção de conteúdos para esses cursos deve ir além
daqueles que os professores irão ensinar em suas aulas, nas diferentes etapas da
escolaridade.
A esse respeito, as mesmas Diretrizes para Cursos de Licenciatura
estabelecem que a seleção dos conteúdos (tanto das áreas de ensino, quanto
pedagógicos) é de competência de cada Instituição de Ensino Superior. Assim
sendo, a oferta de um estudo que poderia favorecer aos futuros professores o
253
aprimoramento e a ampliação dos conhecimentos sobre números irracionais e sobre
seu ensino dependeria das Instituições de Ensino.
Outras pesquisas poderiam investigar se um estudo dos números irracionais,
em toda a sua complexidade, – que leve em conta, por exemplo, a importância do
tratamento formal e a necessidade de articular as interpretações numérica e
geométrica desses números – faz parte dos currículos dos cursos de Licenciatura
em Matemática, visto que, concluindo esses cursos, os estudantes, possivelmente,
irão para a sala de aula e deverão estar preparados para ensinar esse conteúdo.
Dentre as pesquisas que nos motivaram, foram particularmente relevantes os
resultados e as análises apresentados por Sirotic (2004) e Santos (1995),
constituindo-se em parte do material submetido à apreciação dos professores
participantes de nosso estudo.
Da mesma forma, as investigações concernentes à formação de professores,
no que diz respeito à importância da atitude reflexiva em relação à prática
pedagógica (ZEICHNER, 1993) e aos conhecimentos necessários ao professor
(SHULMAN, 1986, 1987 e BALL et al, 2008) são a base em que nos apoiamos para
planejar e replanejar o nosso experimento e, igualmente, para analisar os
resultados.

Uma interpretação dos dados de nosso experimento
O diagnóstico realizado na primeira fase da coleta de dados revelou que a
imagem conceitual referente aos números racionais e irracionais, elaborada, até
então, pela maioria dos participantes, era predominantemente constituída por
noções pertencentes ao campo numérico, apresentando inconsistências, por
exemplo, relativas às definições, às representações e à ampliação dos campos
numéricos.
No que concerne às definições e representações de números racionais,
irracionais e reais, os conhecimentos acumulados pela maioria dos professores
eram os mesmos indicados por currículos e livros didáticos, para o Ensino
Fundamental, havendo uma prevalência dos componentes intuitivo e/ou algorítmico,
sobre o formal, que transparece, por exemplo, em protocolos nos quais, embora o
254
professor tenha enunciado formalmente a definição de número racional como
número que pode ser representado na forma a/b, com a e b inteiros e b não nulo,
efetuou em seguida, a divisão possivelmente para confirmar a ocorrência de um
período. Em nossa opinião, esses resultados indicam também a construção da ideia
de número racional, essencialmente baseada em sua representação decimal.
Também o conceito de incomensurabilidade de grandezas e a relação entre
números irracionais e grandezas incomensuráveis se revelaram ausentes do
repertório do grupo de professores, nos resultados do diagnóstico.
Essa análise corrobora os resultados discutidos em outros estudos, como os
desenvolvidos por Fischbein et al (1995) e Sirotic (2004), que também investigaram
questões relativas ao ensino e à aprendizagem dos números irracionais.
A fase de intervenção realizada em nossa pesquisa teve a finalidade de
propor ao grupo de professores uma reflexão a respeito do ensino dos números
irracionais, no Ensino Fundamental, tendo como objeto de discussão a abordagem
desses números pela exploração de situações que favorecessem a percepção da
existência de pontos na reta que não são racionais.
Os resultados observados ao longo dessa fase, a partir das discussões e
reflexões nos grupos de professores, não só indicaram avanços no que diz respeito
às definições, representações e classificação de números racionais e irracionais,
mas também ampliaram a compreensão da densidade do conjunto dos racionais na
reta numérica e a percepção da possibilidade de construir, com régua e compasso,
infinitos segmentos de medida irracional, como estratégia que pode favorecer a
localização de pontos irracionais sobre a reta.
Dentre os avanços registrados, é importante mencionar também aqueles
relacionados à argumentação. Teria ficado vazia a discussão sobre os irracionais se
a atenção do grupo não fosse despertada para a importância do aspecto formal, na
abordagem desse conteúdo. O esforço e o interesse do grupo a esse respeito
resultaram em avanço na compreensão das provas discutidas e, posteriormente, na
elaboração de justificativas sobre a irracionalidade de determinados números.
Nesse sentido, seria importante considerar a possibilidade de outras
pesquisas que investigassem o desenvolvimento de habilidades relativas à
255
argumentação e à elaboração de provas, envolvendo professores da Educação
Básica.
Quanto ao conceito de incomensurabilidade de grandezas, embora tenhamos
percebido que houve compreensão por alguns participantes, grande parte do grupo
demonstrou, em suas discussões e registros, que ainda restaram dúvidas,
especialmente no que se refere à relação entre números irracionais e grandezas
incomensuráveis. Seria, a nosso ver, um tema que precisaria ser retomado e
aprofundado.
Após a intervenção, grande parte do grupo indicou como conhecimentos
necessários ao professor, para ensinar números irracionais, conteúdos que não
estavam presentes em suas respostas ao instrumento diagnóstico – por exemplo, o
desenvolvimento de provas formais e a relação entre números irracionais e
segmentos incomensuráveis. Esses resultados foram avaliados por nós como um
avanço, que foi reconhecido também pelo grupo.
Igualmente no que diz respeito aos conhecimentos necessários ao professor,
para ensinar números irracionais, é importante registrar que a análise de orientações
curriculares para a abordagem desse conteúdo, realizada pelos professores, revela
conhecimentos do conteúdo e do estudante, conforme classificados por Ball et al
(2008). Por exemplo, quando identificam, nesse material, abordagens que seriam,
na opinião do grupo, desprovidas de aplicabilidade – como é o caso do estudo das
frações contínuas.
Da
mesma
forma,
os
argumentos
apresentados
pelos
professores
demonstram conhecimentos referentes à organização curricular, quando criticam,
por exemplo, a abordagem dos irracionais a partir dos diagramas de Venn e das
relações de pertinência e inclusão entre elementos e conjuntos – conteúdos
prescritos para o Ensino Médio.
Acrescentamos, finalmente, que as reflexões que se deram ao longo da
formação continuada e da análise de orientações curriculares, provocaram uma
reelaboração de concepções anteriores relativas aos números racionais e irracionais
e o reconhecimento da necessidade de incorporá-los ao repertório construído
anteriormente, pelo grupo.
256
Por outro lado, ao mesmo tempo em que se percebe uma valorização do
número irracional dentre os conteúdos que deveriam compor o repertório do
professor, constata-se certa cautela na indicação de conteúdos que seriam
esperados de um aluno concluinte do Ensino Fundamental. Ou seja, para a maior
parte dos professores, se mantém a ideia de que seria suficiente, para o Ensino
Fundamental, uma abordagem introdutória dos irracionais, que envolvesse
definições, representações e cálculos com radicais.
É importante ressaltar que, nas respostas e argumentações explicitadas pelos
professores, há uma dualidade caracterizada, de um lado, pela percepção e
compreensão das dificuldades enfrentadas pelo aluno no estudo dos irracionais
(enfrentadas também por eles, ao longo da intervenção) e, de outro lado, pela
responsabilidade de implementar em suas aulas as inovações propostas no novo
currículo de Matemática – como tarefa que deve ser cumprida.

Respostas às questões de pesquisa
Nossas reflexões sobre os resultados expostos nos parágrafos anteriores
constituíram a base para elaborar respostas às nossas questões de pesquisa,
formuladas por:
Uma sequência de atividades que explore a percepção de que os
pontos de coordenadas racionais não esgotam todos os pontos da
reta pode favorecer a ampliação/reconstrução dos conhecimentos de
professores de Matemática sobre os números irracionais?
Que tipo de experiências um professor precisaria vivenciar nos
cursos de formação inicial e/ou continuada, para compreender as
dificuldades que os alunos enfrentam na construção do conceito de
número irracional e para ajudá-los a superar essas dificuldades?
O design baseado nessas questões revelou-se como boa estratégia, que
possibilitou reflexões a respeito de vários conceitos que os professores não
dominavam – não apenas para a construção de noções relativas aos irracionais,
257
cuja ausência no repertório dos professores foi observada inicialmente, mas
sobretudo para a reorganização, consolidação e reelaboração de conhecimentos
sobre números racionais.
Também propiciou, ao grupo, a percepção da importância de integrar aos
componentes intuitivo e algorítmico (prevalecentes, nas respostas e reflexões iniciais
dos professores), o componente formal, como estratégia indispensável de
convencimento, por exemplo, sobre a irracionalidade de um número ou sobre a
incomensurabilidade de segmentos de reta.
Além disso, favoreceu um princípio de reflexão, uma atitude crítica a respeito
de orientações pedagógicas – não apenas a atitude que examina o material para
compreender os conteúdos indicados ou as estratégias sugeridas, mas a que toma
posse da liberdade de esquadrinhar, avaliar, concordar, discordar, sugerir, aceitar,
recusar, modificar, decidir.
Contudo, é necessário acrescentar que outros aspectos precisariam ser
abordados em nosso estudo, ou poderiam ser enfatizados em outros processos de
formação com este grupo, no Observatório. Nossa pesquisa não incluiu, por
exemplo, a observação dos resultados, na prática do professor. Não acompanhamos
um processo de aplicação de atividades em sala de aula, a fim de observar até que
ponto as ideias discutidas em nosso experimento, quando postas em prática, seriam
discutidas e analisadas pelo próprio professor, num processo de reflexão interior,
pessoal e também analisadas e discutidas com outros professores. Também não
avaliamos a reflexão que estes professores fariam sobre sua prática, conforme era
antes de nosso experimento e como passou a ser, depois disso.
Assim, um aprofundamento desta pesquisa poderia envolver a aplicação de
parte desta sequência a classes dos anos finais do Ensino Fundamental, a fim de
verificar se as discussões realizadas durante nosso estudo também ocorrem com
alunos do Ensino Fundamental.
Em nosso caso, optamos por oferecer ao grupo de professores uma formação
direcionada para a construção de noções específicas do conteúdo “números
racionais e irracionais”, em virtude dos resultados apresentados na fase diagnóstica.
É certo também que, durante a discussão e a reflexão sobre as orientações
curriculares para a abordagem dos números irracionais, no 9º ano do Ensino
258
Fundamental, alguns conceitos foram retomados e clarificados. Todavia, dado que
se trata de um processo de formação continuada de professores, os aspectos do
conteúdo específico e didáticos deveriam, necessariamente, ser discutidos
concomitantemente e não separadamente.
Outro ponto a ser considerado diz respeito ao tempo de duração de uma
formação que pretenda propor reflexões e discussões sobre esse tema. Nossa
experiência com este grupo mostrou que, em virtude da diversidade de noções
relacionadas a esse conteúdo, dos conhecimentos que devem ser mobilizados para
a sua compreensão, dos diversos aspectos que precisam ser destacados, tais como:
interação entre campos distintos, formas de abordagem, articulação entre diferentes
componentes da atividade matemática (algorítmico, formal, intuitivo), esse assunto
não poderia ser trabalhado todo de uma vez, em um único módulo. Ou seja, este
trabalho precisaria ter uma continuidade, em que alguns aspectos fossem
retomados, como o conceito de incomensurabilidade de grandezas, a relação entre
números irracionais e as grandezas incomensuráveis, a enumerabilidade do
conjunto Q e a não enumerabilidade dos conjuntos dos irracionais e dos reais. Essa
retomada poderia favorecer a ampliação e o aprofundamento desse tema, por meio
de discussões, por exemplo, sobre tipos distintos de infinito e a completude da reta,
sobre os Cortes de Dedekind ou os Intervalos Encaixantes.
Esses resultados mostram, além disso, que o conceito de número irracional,
em toda a sua riqueza, precisaria ser tratado ao longo das diferentes etapas da
escolaridade e não em um único módulo de formação continuada.
Consideramos importante ressaltar também que não foi aplicado um
instrumento de coleta de dados destinado a computar o grau de avanço de cada
professor, no que se refere ao conteúdo específico tratado neste estudo. Tampouco,
no que diz respeito às suas concepções individuais sobre aspectos pedagógicos e
curriculares desse conteúdo. Ou seja, tendo sido respeitados o ritmo e o potencial
de cada um, o grupo avançou – como grupo.
No que se refere à segunda questão de pesquisa, acrescentaríamos a todas
as considerações feitas anteriormente que, em nosso ponto de vista, os cursos de
formação
deveriam,
necessariamente,
oferecer
aos
futuros
professores
oportunidades que garantissem um domínio de noções concernentes aos números
259
irracionais, sob o ponto de vista formal, para que esses futuros professores
pudessem justificar para os alunos, não apenas a validade de ideias que são postas,
mas também a presença dos números irracionais no currículo de Matemática.
A abordagem de noções relativas aos racionais e aos irracionais exposta no
capítulo 3, permite a compreensão das razões pelas quais foram elaboradas e
organizadas, dessa maneira, as questões que alimentaram as discussões do grupo,
podendo constituir material de reflexão em processos de formação inicial e/ou
continuada de professores.
Conforme foi dito, o encadeamento dessas ideias foi projetado, ao longo de
todo o experimento, tendo em conta os resultados parciais observados, os
resultados de pesquisas anteriores e as orientações curriculares relativas aos
números irracionais, sob a expectativa de que o grupo avançasse em relação às
dificuldades observadas na fase diagnóstica. Por sua vez, as experiências
vivenciadas pelos professores, as reflexões resultantes da proposta das atividades,
a elaboração das argumentações e dos questionamentos pelos professores
serviram-nos como norte para a sistematização e para a formulação do texto que
compõe o capítulo 3.
Assim, a proposta de análise desse material no interior de grupos de
formação de professores poderia favorecer a percepção de outras possibilidades de
organizar a abordagem dos números irracionais na Educação Básica, a depender do
interesse e do nível de compreensão dos alunos e também poderia promover a
reflexão sobre a importância de integrar os aspectos intuitivo, algorítmico e formal no
estudo desse conteúdo.
Além disso, os impasses, os obstáculos que permeiam o processo de
aprendizagem do conceito de número irracional também deveriam ser objetos de
discussão nos cursos de formação. As pesquisas desenvolvidas sobre os irracionais
consistiriam em fontes ricas de dados para essa discussão e também poderiam
auxiliar na investigação das causas dos erros, dos equívocos e das pré-concepções
trazidas pelos alunos, em decorrência de estudos anteriores. Da mesma forma, o
futuro professor também precisaria vivenciar situações que permitissem a
experiência das dificuldades vividas pelos estudantes, quando estes começam o
estudo dos números irracionais. Isso permitiria ao futuro professor a percepção e a
260
compreensão dessas dificuldades e a reflexão sobre estratégias que poderiam
auxiliar um aluno a enfrentá-las e a superá-las.
Pensamos
ainda
que
os
cursos
de
formação
deveriam
oferecer
oportunidades de avaliação de indicações curriculares a respeito da abordagem dos
números irracionais, com a finalidade de discutir sobre a distribuição desse conteúdo
no Currículo de Matemática e também de iniciar nos futuros professores a prática da
reflexão e da análise crítica de recomendações pedagógicas relativas a esse
conteúdo.
Finalmente, em virtude de todo o exposto, é nosso ponto de vista que, dada a
importância dos números irracionais para a compreensão da ampliação dos campos
numéricos, seu estudo não pode receber uma atenção descuidada, que enfatize um
único aspecto (por exemplo, o algorítmico), sob pena de provocar a elaboração de
uma concepção desses números despida de significado. Isto é, a abordagem dos
irracionais não pode ser feita por meio de um trabalho aligeirado, fraco, ainda que se
considere toda a complexidade inerente à construção desse conhecimento.
Refletindo sobre a questão posta por Sirotic (2004), a respeito das perdas que
poderiam advir do fato de um estudante não haver ouvido sequer falar dos números
irracionais, até a universidade, pensamos que se se pretende apresentar, aos
alunos, a Matemática como estrutura logicamente organizada – realização do
homem, que resulta do trabalho, do enfrentamento de dificuldades e do tempo
despendido nesse esforço – e não como um apanhado de fragmentos esparsos...
desconectados, então, a transição dos racionais para os reais não pode ser feita
sem que se diga dos números irracionais, de seus significados numérico e
geométrico e, sobretudo, de sua necessidade e importância para a solução do
problema das medidas de grandezas incomensuráveis.
Se é necessário que se faça a introdução dos números reais desde o Ensino
Fundamental, visto que uma parte dos conteúdos estudados nessa etapa escolar se
constrói no campo real, assim como todo o conteúdo do Ensino Médio, como falar,
por exemplo, sobre a correspondência biunívoca entre o conjunto dos números reais
e o conjunto dos pontos da reta, sem ao menos ter iniciado uma discussão sobre a
completude da reta, ainda que isso ocorra em caráter intuitivo? Como promover
essa discussão, sem antes introduzir noções relacionadas aos irracionais?
261
Ainda a esse respeito, consideramos necessário reiterar o que foi dito
anteriormente, sobre a importância de distribuir o estudo dos números irracionais
não apenas nos dois últimos anos do Ensino Fundamental, mas também ao longo
do Ensino Médio e nos cursos de Licenciatura em Matemática, para que se deem a
consolidação
e
a
ampliação
desse
conhecimento
em
etapas
escolares
subsequentes, nas quais os estudantes certamente já desenvolveram outras
habilidades necessárias à compreensão e ao aprofundamento desse assunto.
 Nós, como parte do grupo
Desempenhamos um duplo papel, ao longo deste experimento: apresentando
– como pesquisadora – uma proposta de trabalho a ser experimentada e discutida
com os professores e, ao mesmo tempo, colocando-nos diante do grupo,
explicitamente, como um de seus participantes, visto que, como eles, exercemos a
profissão docente, trabalhando com alunos da Educação Básica. Em nossa
avaliação, esta característica do grupo se constituiu como ponto fundamental para a
realização de nosso estudo, porque todos aprendemos uns com os outros.
Despimo-nos, por assim dizer, das cerimônias e expusemos nossas
fragilidades, nossas dúvidas e inseguranças em relação à experiência difícil de
ensinar especificamente o conteúdo objeto de nossas discussões, que é o conceito
de número irracional. Constituindo-nos como um grupo de estudos: pesquisador e
professores – iguais – avançamos juntos.
De certa forma, o que se principiou entre os professores sujeitos desta
pesquisa foi o cultivo da reflexão como uma prática social, por meio da qual,
segundo Zeichner (1993), em grupos de estudo como este, os professores podem
apoiar o crescimento, uns dos outros.
A esse respeito, o mesmo autor argumenta que o crescimento do professor
fica limitado, quando se considera o seu desempenho como atividade que se realiza
isoladamente, em consequência do que, os professores passam a enxergar os seus
problemas como apenas seus, sem relação com os problemas dos outros
professores.
262
Essa observação feita por Zeichner nos ajudou a interpretar as questões e os
argumentos postos pelos professores como manifestações de seu crescimento
como grupo. Sem que houvesse perda de individualidade (pois, entre si, os
professores reconheciam e respeitavam diferenças de concepções), a apresentação
de opiniões por um participante passou, ao longo do experimento, a ser aceita (após
a discussão) como representação das ideias do grupo inteiro, eliminando assim
qualquer sentimento de exposição diante do grupo, ou de julgamento por parte do
mesmo.
Analisando
sob
essa
perspectiva,
acreditamos
que
este
estudo
promoveu/acentuou, neste grupo de professores, a prática reflexiva individual e
coletiva, concernente aos conhecimentos do conteúdo específico, pedagógico e
curricular, relativos aos números irracionais.
263
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ensino fundamental – 6ª série/7º ano, volume 3/Secretaria da Educação;
coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo: SEE, 2009.
_____ Caderno do aluno: matemática, ensino fundamental – 7ª série/8º ano,
1º Bimestre/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo,
SEE, 2008.
_____ Caderno do aluno: matemática, ensino fundamental – 7ª série/8º ano, volume
4/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo, SEE,
2009.
_____ Caderno do aluno: matemática, ensino fundamental – 8ª série/9º ano, volume
1/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo, SEE,
2009.
_____ Caderno do aluno: matemática, ensino fundamental – 8ª série/9º ano, volume
4/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo, SEE,
2009.
_____ Caderno do aluno: matemática, ensino médio – 1ª série, volume 3/Secretaria
da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo, SEE, 2009.
_____ Caderno do aluno: matemática, ensino médio – 1ª série, volume 4/Secretaria
da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo, SEE, 2009.
_____ Caderno do aluno: matemática, ensino médio – 2ª série, volume 1/Secretaria
da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo, SEE, 2009.
_____
Caderno
do
aluno:
matemática,
ensino
médio
–
3ª
série,
volume 1/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo,
SEE, 2009.
_____
Caderno
do
aluno:
matemática,
ensino
médio
–
3ª
série,
volume 2/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo,
SEE, 2009.
269
_____
Caderno
do
aluno:
matemática,
ensino
médio
–
3ª
série,
volume 3/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo,
SEE, 2009.
_____ Caderno do professor: matemática, ensino fundamental – 7ª série, volume
1/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo, SEE,
2009.
_____ Caderno do professor: matemática, ensino fundamental – 7ª série/8º ano,
volume 4/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo,
SEE, 2009.
_____ Caderno do professor: matemática, ensino fundamental – 8ª série,
1º bimestre/ Rogério Ferreira da Fonseca. - São Paulo: SEE, 2008.
_____ Caderno do professor: matemática, ensino fundamental – 8ª série/
9º ano, volume 1/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São
Paulo, SEE, 2009.
_____ Caderno do professor: matemática, ensino fundamental – 8ª série, volume
3/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo, SEE,
2009.
_____ Caderno do professor: matemática, ensino fundamental – 8ª série, volume
4/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo, SEE,
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271
ANEXO 1
INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
FASE 1
Instrumento Diagnóstico
1.
Como você define (ou definiria), em suas aulas, os conceitos de número racional, número irracional e
número real?
2.
Que estratégias você considera que um professor deveria utilizar, para propiciar a alunos de 8ª série do
Ensino Fundamental, a construção do significado de número irracional?
3.
Que dificuldades os alunos apresentam, em relação aos números irracionais ou à incomensurabilidade
de grandezas?
4.
Você considera importante/indispensável introduzir o conceito de número irracional no Ensino
Fundamental? Por quê?
5.
Você acha importante incluir nas aulas de Matemática uma abordagem geométrica do conceito de
número irracional? Como seria essa abordagem?
6.
O Caderno do Professor (2008) destinado à 7ª série/8º ano do Ensino Fundamental sugere que o
professor inicie o estudo do conceito de número irracional, propondo a seguinte questão:
“É sempre possível representar a razão de dois segmentos quaisquer com um número
racional? Como isso pode ser feito? (Para quaisquer segmentos AB e CD é sempre
possível
, ou seja, AB =
, com p e q
”.
Mais adiante, os autores fazem as seguintes considerações:
“É muito provável que os alunos, nesse momento, afirmem que ‘é sempre possível
representar a razão de dois segmentos quaisquer com um número racional’, principalmente
pelo fato de poder subdividir a Unidade quantas vezes quiserem; em outras palavras, eles
poderão utilizar submúltiplos cada vez menores” (p. 13).
(A)
Como você avalia essa abordagem do conceito de número irracional?
(B) Com que finalidade um professor poderia propor essa questão?
(C) Você já experimentou iniciar uma abordagem do conceito de número irracional de acordo com essa
sugestão? Que dificuldades os alunos demonstraram, ao responder a essa questão?
7.
O estudo do conceito de número irracional, em suas aulas, inclui uma discussão a respeito da
incomensurabilidade de grandezas?
8.
Que estratégias um professor poderia utilizar para auxiliar os alunos de 8ª série a perceber a densidade
do conjunto dos números racionais na reta numérica?
9.
(A) As seguintes afirmações foram feitas por alunos de 4ª a 8ª série100.
a) Os números que vêm depois de ½ são 1/3, 1/4, 1/5.
100
As afirmações constantes desta atividade que constituíram objeto de análise por parte dos sujeitos
de nossa pesquisa, foram construídas com dados emprestados dos resultados do estudo
desenvolvido por Santos (1995, p.130-131).
272
b) Os números que vêm depois de ½ são 2/2, 3/2, 4/2, 5/2, ...
c) Os sucessores de 2/3; 0,5; 3,69 são, respectivamente: 3/3; 0,6 e 3,70.
d) O sucessor do número 3,4444... é 3,44444...
e) O sucessor do número 3,4444... é 3,5555...
f) O sucessor do número 3,4444... é 3,5.
Analise e comente cada uma dessas afirmações.
(B)
Em resposta a uma questão que solicitava a inserção de um número entre 0,08 e 0,081, foram
observados os resultados:


0,09 (alunos de 5ª/6ª séries)
0,080 (alunos de 7ª/8ª séries)
Analise e comente as respostas apresentadas por esses alunos.
10. Analise e comente cada uma das afirmações abaixo.

“53/83 é irracional porque não há padrão no decimal 0,63855421687.

53/83 é racional porque ele termina (a calculadora mostra 0,63855421687).

53/83 pode ser racional ou irracional – eu não posso ver se os dígitos irão se repetir porque
muito poucos dígitos são mostrados. Eles podem se repetir ou não.

Não há forma de dizer se 53/83 é racional – exceto se você realmente fizer a divisão que pode
seguir indefinidamente. Os dígitos poderiam terminar em um milhão de casas decimais ou eles
poderiam começar a repetir depois da milionésima casa.

É possível que um número seja racional e irracional ao mesmo tempo. Por exemplo, há frações
que têm casas decimais infinitas e não periódicas, mesmo que elas sejam representadas por
a/b”.
11. Para a questão: “É possível encontrar a localização exata de
apresentadas as seguintes respostas:
(I)
(II)
(III)
(IV)
(V)
(VI)
sobre a reta numérica?” foram
Deve ser arredondado antes de ser localizado sobre a reta.
É impossível, porque sua representação decimal é 3,605551275.
É impossível, porque sua expansão decimal possui infinitos dígitos.
É impossível, porque nenhum número irracional tem localização exata sobre a reta.
É possível apenas indicar a localização aproximada.
É possível apenas indicar um intervalo em que esse número está localizado sobre a reta.
Quais respostas você classificaria como corretas? Por quê?
273
FASE 2 (Intervenção)
SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES
ATIVIDADE. Retomada do item 10 do questionário:
Analise e comente cada uma das afirmações abaixo.
 53/83 é irracional porque não há padrão no decimal 0,63855421687.
 53/83 é racional porque ele termina (a calculadora mostra 0,63855421687).
 53/83 pode ser racional ou irracional – eu não posso ver se os dígitos irão se repetir porque
muito poucos dígitos são mostrados. Eles podem se repetir ou não.
 Não há forma de dizer se 53/83 é racional – exceto se você realmente fizer a divisão que pode
seguir indefinidamente. Os dígitos poderiam terminar em um milhão de casas decimais ou eles
poderiam começar a repetir depois da milionésima casa.
 É possível que um número seja racional e irracional ao mesmo tempo. Por exemplo, há
frações que têm casas decimais infinitas e não periódicas, mesmo que elas sejam
representadas por a/b.
ATIVIDADE 1
Usando uma calculadora, se você dividir 1 por 253, o visor mostrará o valor 0,00395256917. Esse
número é racional ou irracional? É possível localizá-lo sobre a reta numérica? Justifique sua resposta.
ATIVIDADE 2
(A). Explique como você faria para localizar os números abaixo sobre a reta numérica:
;
;
- 0,6;
0,123456789;
;
0,77777...;
0
0,1494949...
r
(B). Suponha que se mantenha a regularidade observada na parte decimal do número
1,141141114111141...
Você classificaria esse número como racional ou irracional? Justifique.
274
ATIVIDADE. Retomada do item 9 do questionário
(A). As seguintes afirmações foram feitas por alunos de 4ª a 8ª série.






Os números que vêm depois de ½ são 1/3, 1/4, 1/5.
Os números que vêm depois de ½ são 2/2, 3/2, 4/2, 5/2, ...
Os sucessores de 2/3; 0,5; 3,69 são, respectivamente: 3/3; 0,6 e 3,70.
O sucessor do número 3,4444... é 3,44444...
O sucessor do número 3,4444... é 3,5555...
O sucessor do número 3,4444... é 3,5.
Analise e comente cada uma dessas afirmações.
(B). Em resposta a uma questão que solicitava a inserção de um número entre 0,08 e 0,081, foram
observados os resultados:


0,09 (alunos de 5ª/6ª séries)
0,080 (alunos de 7ª/8ª séries)
Analise e comente as respostas apresentadas por esses alunos.
ATIVIDADE 3
a)
b)
c)
Indique cinco números que estejam localizados entre 6,25631 e 6,25632, na reta numérica.
Indique cinco números racionais que estejam entre os números racionais 6,256 e 6,2561, na
reta numérica.
Indique cinco números que estejam localizados entre 6,26 e 6,2562, na reta numérica.
ATIVIDADE 4
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
Quantos números racionais existem entre dois números racionais quaisquer?
Existem números racionais entre 0,999888... e 0,9999...? Se sua resposta for afirmativa, dê
três exemplos.
Existem números racionais entre 0,888999... e 0,9999...? Se sua resposta for afirmativa, dê
três exemplos.
Existem números racionais entre 0,9999 e 1? Se sua resposta for afirmativa, dê três exemplos.
Existem números racionais entre 0,9999... e 1 ? Se sua resposta for afirmativa, dê três
exemplos.
Quantos números racionais seria possível localizar no intervalo ]0,1[? E quantos números
irracionais?
De todos os números maiores do que 1, qual é o que está mais próximo de 1, na reta
numérica?
275
ATIVIDADE 5
(A) O lado de cada um dos quadrados que compõem o retângulo PQRS tem medida u. Construa
um quadrado cuja área seja igual à área desse retângulo.
Q
P
u
S
u
(B) Encontre a localização exata dos números
R
e
0
e sobre a reta numérica.
r
(C) Utilizando esse mesmo procedimento, quantos números irracionais poderiam ser localizados
sobre a reta numérica?
(D) Quais são os conteúdos envolvidos nesta atividade, ou que conhecimentos são necessários
para o desenvolvimento desta atividade?
ATIVIDADE. Retomada do item 11 do questionário
Para a questão: “É possível encontrar a localização exata de
apresentadas as seguintes respostas:
(I)
(II)
(III)
(IV)
(V)
(VI)
sobre a reta numérica?” foram
Deve ser arredondado antes de ser localizado sobre a reta.
É impossível, porque sua representação decimal é 3,605551275.
É impossível, porque sua expansão decimal possui infinitos dígitos.
É impossível, porque nenhum número irracional tem localização exata sobre a reta.
É possível apenas indicar a localização aproximada.
É possível apenas indicar um intervalo em que esse número está localizado sobre a
reta.
Quais respostas você classificaria como corretas? Por quê?
ATIVIDADE 6
Classifique as afirmações abaixo em verdadeiras (V) ou falsas (F). Se a afirmação for verdadeira,
justifique sua resposta e se for falsa, apresente um contraexemplo.
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
a soma de dois números racionais é sempre racional.
a soma de dois números irracionais é sempre irracional.
o produto de dois números irracionais é sempre irracional.
o quociente de dois números irracionais é sempre irracional.
a soma de um número racional com um irracional é sempre irracional.
o produto de um número racional por um irracional é sempre irracional.
o quociente entre um número irracional e um número racional é sempre um número irracional.
276
ATIVIDADE 7
Considere o quadrado construído na ATIVIDADE 5.
(A) Que relação pode ser estabelecida entre o lado e a diagonal desse quadrado?
(B) O lado e a diagonal desse quadrado são segmentos comensuráveis ou incomensuráveis? Por
quê?
(C) Como um professor poderia explicar aos seus alunos do Ensino Fundamental, o que são
segmentos comensuráveis e o que são segmentos incomensuráveis?
ATIVIDADE. Retomada do item 6 do questionário
O Caderno do Professor (2008) destinado à 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental sugere que o
professor inicie o estudo do conceito de número irracional, propondo a seguinte questão:
“É sempre possível representar a razão de dois segmentos quaisquer com um número racional?
Como isso pode ser feito? (Para quaisquer segmentos AB e CD é sempre possível
seja,
, com p e q
e
, ou
?)
...............................................................................................................
É muito provável que os alunos, nesse momento, afirmem que ‘é sempre possível representar a
razão de dois segmentos quaisquer com um número racional’, principalmente pelo fato de poder
subdividir a Unidade quantas vezes quiserem; em outras palavras, eles poderão utilizar
submúltiplos cada vez menores” (p. 13).
(A)
Como você avalia essa abordagem para o conceito de número irracional?
(B)
Com que finalidade um professor poderia propor essa questão?
(C)
Você já experimentou iniciar uma abordagem do conceito de número irracional de acordo
com essa sugestão? Que dificuldades os alunos demonstraram, ao responder a essa questão?
ATIVIDADE 8
O número
é irracional. Você pode provar que essa afirmação é verdadeira?
277
QUESTÕES RELATIVAS AOS CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS AO PROFESSOR
1.
Que conhecimentos você considera necessários e/ou indispensáveis ao professor, para introduzir o
conceito de número irracional na 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental, sob uma perspectiva que não
seja voltada apenas para questões que envolvem operações com radicais, mas que favoreça ao aluno
também uma percepção inicial da importância da argumentação formal no tratamento desse conteúdo?
2.
Tendo em vista a complexidade que envolve o conceito de número irracional, não é possível restringir
seu estudo à 8ª série. A seu ver, que conhecimentos o professor precisaria dominar para propiciar aos
seus alunos um avanço na compreensão do conceito de número irracional ao longo do Ensino Médio?
3.
Que conteúdos, que atividades, que práticas adotadas nos cursos de graduação você avalia como
indispensáveis, ou que práticas deveriam ser introduzidas nos cursos de graduação para preparar um
futuro professor para a tarefa de ajudar seus alunos na construção de noções concernentes aos
números irracionais e à incomensurabilidade de grandezas?
QUESTÕES RELATIVAS AOS CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS AO ALUNO DO ENSINO FUNDAMENTAL
1. Você considera importante/indispensável introduzir o conceito de número irracional no Ensino
Fundamental? Por quê?
Se sua resposta for negativa, que fase da escolaridade você considera mais adequada para a introdução
desse conteúdo?
Haveria alguma perda significativa, caso os estudantes desconhecessem esse conteúdo até chegar à
universidade? Explique.
2. Em sua opinião, o que um aluno do Ensino Fundamental, no final da 8ª série/9º ano, precisaria, de fato,
saber sobre números irracionais, para ser capaz de compreender os conteúdos que serão desenvolvidos
ao longo do Ensino Médio?
Explicite as noções que você considera indispensáveis para a compreensão de outros conteúdos
(especifique os conteúdos).
3. (A) Você acha relevante incluir nas aulas de Matemática uma abordagem geométrica do conceito de
número irracional? Que tipo de abordagem?
(B) A seu ver, essa abordagem seria adequada/viável, na 8ª série? Por quê?
ATIVIDADE 9
Considere dois pontos A e B, muito, muito próximos, marcados sobre a reta numérica. Quantos números
racionais existem entre A e B?
Reduzindo ainda mais a distância entre A e B, quantos números racionais existem entre A e B?
Agora, considere o intervalo [0, 1].
Suponha que eu coloque a ponta do lápis, aleatoriamente, sobre um ponto qualquer desse intervalo.
Qual é a probabilidade de ser marcado um ponto racional?
Justifique sua resposta.
278
Outras questões propostas ao grupo:
NÚMEROS IRRACIONAIS/GRANDEZAS INCOMENSURÁVEIS
1.
Prove que
é um número irracional.
2.
Assinale a afirmação verdadeira.
(A)
A expansão decimal de 10/17 é infinita e periódica.
(B)
A expansão decimal de
(C)
= 1,9999... < 2
(D)
é um número irracional.
101
(E)
3.
é infinita e periódica.
é um número racional.
Sejam x e y números reais dados, representados por x = 3,999... =
e y = 4.
É correto afirmar que a diferença y – x
4.
(A)
é estritamente positiva.
(B)
é aproximadamente igual a zero, mas é diferente de zero.
(C)
é igual a zero.
(D)
tende a zero, mas nunca é igual a zero.
(E)
é variável, mas se iguala a zero no infinito.102
O segmento de reta PQ e o segmento de reta RS são comensuráveis se existe um segmento de reta u,
tal que as medidas de PQ e RS, tomando u como unidade, são números inteiros positivos. Desse modo,
são comensuráveis
(A) a diagonal de um quadrado de lado 4 com o seu lado.
(B) a altura de um triângulo equilátero de lado 1 com o seu lado.
(C) a mediana de um triângulo equilátero de lado 3 com o seu lado.
(D) um segmento cujo comprimento é igual ao de uma circunferência de raio 10 com o seu raio.
(E) a diagonal de um retângulo de lados 2,5 e 1,2 com qualquer um de seus lados.
5.
Descreva um processo que pode ser apresentado a um aluno de 7ª série, que não seja a aplicação
imediata
de
uma
fórmula
que
permita
calcular
inteiros
a
e
b,
b
 0, tais que
103
101
QUESTÃO PROPOSTA EM CONCURSO PARA ADMISSÃO DE PROFESSORES.
102
PROVA: SEE/SP. PROCESSO DE PROMOÇÃO POR MERECIMENTO DO QUADRO DE
MAGISTÉRIO: PEB II; QUESTÃO 21 (12% DE ACERTOS); ITEM CONSIDERADO DIFÍCIL.
103
QUESTÃO PROPOSTA EM PROVA DE SELEÇÃO DE CANDIDATOS AO MESTRADO
PROFISSIONAL (2003.PUC/SP)
279
6.
Um aluno questionou seu professor de matemática acerca do motivo pelo qual ele havia obtido um
resultado inesperado em sua calculadora, quando tentava explicar o significado da
para uma colega
de classe.
O aluno havia digitado as teclas 2
e
, nessa ordem, e obteve o número 1,4142135 como
resultado. A seguir, ele multiplicou esse número por ele próprio e, para sua surpresa, não obteve o
número 2 como era esperado, mas sim um número menor, 1,9999998, o que causou estranheza a ele e
à sua colega.
Uma explicação correta para a dúvida do aluno é
(A)
A máquina está quebrada.
(B)
Apenas alguns computadores são capazes de exibir toda a representação decimal de
(C)
A representação decimal de um número irracional é infinita, por isso a calculadora aproximou
.
por um número racional, no caso, menor.
(D)
Os resultados fornecidos pelas calculadoras sempre devem ser arredondados para mais, por
conta dos erros de truncamento.
(E)
O cálculo de raízes quadradas por meio de calculadoras só deve ser utilizado quando o número
alvo do cálculo for um quadrado perfeito.104
7.
AVALIAÇÃO DO MÓDULO:
a)
Ao longo deste módulo, quais aspectos você considera importantes para a abordagem do conceito de
número irracional na Educação Básica? E quais aspectos você considera desnecessários?
b)
Do que foi discutido durante este módulo, o que você considera possível aplicar em suas aulas? Em
que sentido as discussões realizadas durante este módulo poderiam mudar sua prática em sala de aula,
para ajudar os alunos na construção desse conhecimento?
c)
Esta sequência propiciou algum avanço, em relação aos seus conhecimentos anteriores, no que se
refere aos números irracionais e à incomensurabilidade de grandezas?
d)
Faça outras considerações que você julgue necessárias a respeito do trabalho desenvolvido pelo grupo,
ao longo deste módulo.
FASE 3 – ANÁLISE DE ORIENTAÇÕES CURRICULARES
Análise de orientações da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para a abordagem do conceito de
número irracional no Ensino Fundamental
ATIVIDADE 1
Considerando que as sugestões apresentadas nos Cadernos não têm o propósito de esgotar um conteúdo, o
professor pode selecionar, complementar ou enriquecer as atividades, adaptando-as ao nível de interesse e
de desenvolvimento da classe e segundo o que ele próprio considera importante e necessário que o aluno
aprenda. Ou seja, não existe uma única abordagem eficaz, não há apenas um caminho para a construção de
um conhecimento.
Assim, tendo em vista o que foi discutido ao longo dos encontros anteriores, analise de forma geral, as
104
PROVA: SEE/SP. PROCESSO DE PROMOÇÃO POR MERECIMENTO DO QUADRO DE
MAGISTÉRIO: PEB II; QUESTÃO 23 (88% DE ACERTOS); ITEM CONSIDERADO FÁCIL.
280
atividades propostas no Caderno do Professor, do 1º bimestre da 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental (p.
18 a 39)105, para a introdução do conjunto dos números irracionais.
ATIVIDADE
O que você considera importante/indispensável que o aluno domine sobre o conjunto dos números irracionais, ao
término do Ensino Fundamental, para compreender os conteúdos que serão desenvolvidos durante o Ensino
Médio e, eventualmente, na universidade? Justifique.
É possível desenvolver esse conteúdo na 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental? Justifique.
ELABORAÇÃO DE UM ÚNICO ROL DE CONTEÚDOS QUE ATENDA ÀS INDICAÇÕES FEITAS PELOS
GRUPOS DE PROFESSORES

O que o grupo considera importante/indispensável que o aluno aprenda sobre o conjunto dos
números irracionais, durante a 8ª série do Ensino Fundamental, para depois compreender os
conteúdos que serão desenvolvidos durante o Ensino Médio?

É possível desenvolver esse conteúdo na 8ª série do Ensino Fundamental?
105
O material submetido à análise do grupo de professores, extraído do Caderno do Professor
destinado à 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental está disponível no Anexo 4.
281
ANEXO 2
VERSÃO INICIAL DOS INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
(modificada ao longo da fase de Intervenção)
ATIVIDADE 1
Usando uma calculadora, se você dividir 1 por 253, o visor mostrará o valor 0,00395256917. Esse
número é racional ou irracional? É possível localizá-lo sobre a reta numérica? Justifique sua resposta.
Item 10 do questionário: (discussão)
Analise e comente cada uma das afirmações abaixo.

“53/83 é irracional porque não há padrão no decimal 0,63855421687.

53/83 é racional porque ele termina (a calculadora mostra 0,63855421687).

53/83 pode ser racional ou irracional – eu não posso ver se os dígitos irão se repetir
porque muito poucos dígitos são mostrados. Eles podem se repetir ou não.
Não há forma de dizer se 53/83 é racional – exceto se você realmente fizer a divisão
que pode seguir indefinidamente. Os dígitos poderiam terminar em um milhão de casas
decimais ou eles poderiam começar a repetir depois da milionésima casa.
É possível que um número seja racional e irracional ao mesmo tempo. Por exemplo, há
frações que têm casas decimais infinitas e não periódicas, mesmo que elas sejam
representadas por a/b”.


ATIVIDADE 2
Explique como você faria para localizar os números abaixo sobre a reta
;
;
- 0,6;
0,123456789;
;
0,77777...;
numérica:
0,1494949...
0
r
ATIVIDADE 3
Suponha que se mantenha
1,141141114111141...


a
regularidade observada
na
parte decimal
do
número
Você classificaria esse número como racional ou irracional? Justifique.
É possível encontrar localização exata desse número sobre a reta numérica? Justifique sua
resposta.
ATIVIDADE 4
a)
b)
Indique cinco números que estejam localizados entre 6,25631 e 6,25632, na reta numérica.
Indique cinco números racionais que estejam entre os números racionais 6,2562 e 6,25621, na
reta numérica.
282
ATIVIDADE 5
a)
b)
c)
d)
e)
f)
Quantos números racionais existem entre dois números racionais quaisquer?
Existem números racionais entre 0,9998... e 0,9999...? Se sua resposta for afirmativa, dê três
exemplos.
Existem números racionais entre 0,9999 e 1? Se sua resposta for afirmativa, dê três exemplos.
Existem números racionais entre 0,9999... e 1 ? Se sua resposta for afirmativa, dê três
exemplos.
Quantos números racionais seria possível localizar no intervalo ]0,1[ ? E quantos números
irracionais?
De todos os números maiores do que 1, qual é o que está mais próximo de 1, na reta numérica?
ATIVIDADE 6
106
(A) As seguintes afirmações foram feitas por alunos de 4ª a 8ª série .
a) Os números que vêm depois de ½ são 1/3, 1/4, 1/5.
b) Os números que vêm depois de ½ são 2/2, 3/2, 4/2, 5/2, ...
c) Os sucessores de 2/3; 0,5; 3,69 são, respectivamente: 3/3; 0,6 e 3,70.
d) O sucessor do número 3,4444... é 3,44444...
e) O sucessor do número 3,4444... é 3,5555...
f) O sucessor do número 3,4444... é 3,5.
Analise e comente cada uma dessas afirmações.
(B)
Em resposta a uma questão que solicitava a
0,08 e 0,081, foram observados os seguintes resultados:
 0,09 (alunos de 5ª/6ª séries)
 0,080 (alunos de 7ª/8ª séries)
inserção
de
um
número
entre
Analise e comente as respostas apresentadas por esses alunos.
A seguinte atividade seria proposta no final do encontro, como tarefa a ser realizada ao longo dos próximos
quinze dias:
Se eu retirar aleatoriamente um número do intervalo ]0,1[, qual seria a probabilidade de retirar um
número racional?
ATIVIDADE 7
Construa um quadrado cuja área seja igual à área do retângulo abaixo.
106
As afirmações constantes desta atividade que constituíram objeto de análise por parte dos sujeitos
de nossa pesquisa, foram construídas com dados emprestados dos resultados do estudo
desenvolvido por Santos (1995, p.130-131).
283
ATIVIDADE 8
Para a questão: “É possível encontrar a localização exata de
apresentadas as seguintes respostas:
(I)
(II)
(III)
(IV)
(V)
(VI)
sobre a reta numérica?” foram
Deve ser arredondado antes de ser localizado sobre a reta.
É impossível, porque sua representação decimal é 3,605551275.
É impossível, porque sua expansão decimal possui infinitos dígitos.
É impossível, porque nenhum número irracional tem localização exata sobre a reta.
É possível apenas indicar a localização aproximada.
É possível apenas indicar um intervalo em que esse número está localizado sobre a
reta.
Quais respostas você classificaria como corretas? Por quê?
ATIVIDADE 9
O número
é irracional. Você pode provar que essa afirmação é verdadeira?
284
ANEXO 3
A CONCEITUAÇÃO DE NÚMERO, SEGUNDO CONWAY (2001)107
Apresentamos a seguir, uma ideia inicial da constituição dos conjuntos numéricos, segundo a Teoria
construída por Conway (2001), que foi objeto de estudo de Fonseca (2010).
O sistema de números definido por Conway é denominado Conjunto dos Números Surreais e abrange
tanto números reais, como complexos, transfinitos e infinitesimais.
A ideia de Conway para conceituar números é uma generalização do método de cortes de Dedekind,
considerando-se duas classes de números: E (classe da esquerda) e D (classe da direita), tais que nenhum
elemento da classe E seja maior ou igual a algum elemento da classe D.
Para Conway, um número x é um conjunto {E|D}, em que E e D são classes de números já conhecidos
– a construção de um número x se faz por recorrência.
O primeiro número a ser construído é o zero:
números. Por exemplo,
= 1;
= 2;
= 0 e a partir dele, são construídos os demais
= 3 e assim por diante.
Na teoria de Conway (2001), um número é um jogo. Dentre os jogos que podem ser utilizados para a
construção de números, Fonseca (2010) escolheu uma versão dos jogos Hackenbush, composta por peças azuis
e brancas sobrepostas, sendo uma delas conectada a uma linha horizontal.
1.







As Regras do jogo
Há apenas dois jogadores (A e B) e um deles é o ganhador;
O número de jogadas é finito;
São consideradas as “jogadas ótimas”, ou seja, aquelas que maximizam as chances de um jogador.
O jogador A só pode retirar peças azuis e o jogador B só pode retirar peças brancas.
Os jogadores se alternam, para jogar, retirando uma única peça.
Quando uma peça é retirada, todas as peças sobrepostas a ela são apagadas.
O primeiro jogador que não tiver mais peças de sua cor, para retirar, perde o jogo.
Exemplos:
(a)
(b)
(c)
No jogo (a) só há peças azuis, logo, apenas o jogador A pode retirar peças. Assim, independentemente
de quem comece o jogo, o jogador A sempre ganha.
No jogo (b), considerando-se apenas as “jogadas ótimas”:





A começa o jogo, retirando a peça azul superior;
B retira a peça branca superior;
A retira a peça azul inferior;
B retira a peça branca inferior;
A não tem mais peças para retirar: A perde o jogo.
Se B começa o jogo, B perde o jogo.
Conclusão: no jogo (b) quem começa o jogo perde a partida.
No jogo (c):
107
Ver Fonseca, 2010, p.21-41.
285




A começa o jogo, retirando a peça azul mais distante da linha horizontal;
B retira a única peça branca;
A retira a peça azul conectada à linha horizontal;
B não tem mais peças para retirar: B perde o jogo.
Se B começa o jogo, retirando a única peça branca, ainda sobra a peça azul encostada à linha
horizontal para o jogador A retirar. Logo, B perde o jogo.
Conclusão: no jogo (c) o jogador A sempre ganha, independentemente de quem comece o jogo.
2.
Jogo zero
O jogo zero é definido pelo jogo em que: quem começa o jogo perde a partida. O jogo (b) exemplificado
acima é um jogo zero.
3.
Relação de ordem
Um jogo é positivo se A vence, independentemente de quem comece a partida. O jogo (c) exemplificado
acima é positivo.
Um jogo é negativo se B vence, independentemente de quem comece a partida.
4.
Jogos associados aos números inteiros
Na representação de um número na forma: {E|D} = x, o conjunto E à esquerda da barra significa o
número de jogadas possíveis para o jogador A e, da mesma forma, o conjunto D à 0
direita da barra indica o
número de jogadas possíveis para B.
Assim, o número zero indicado da forma
nem para o jogador B.
significa que não há jogadas possíveis para o jogador A
-1
Os exemplos que seguem ilustram a construção de números inteiros apresentada em Fonseca (2010, p.
26):
(a)
(b)
(c)
1
1
0
1
2
0
0
0
-1
2
1
1
0
00
2
21
(d)
0
-1
-2
-1
-1
0
0
1
-2
Jogo (a):
Possíveis etapas do jogo
O jogador A ganha sempre, independentemente de
quem comece o jogo; logo, o jogo é positivo.
A possibilidade de B retirar uma peça é nula. Logo, a
classe D é vazia.
Construção (passo a passo) das classes de
números E(esquerda) e D(direita)
correspondentes ao número 1
{
|
} = número positivo
= número positivo
Quando o jogador A retira a única peça azul, o jogo se
reduz ao jogo zero (é o número indicado à direita da
peça azul retirada por A).
Esse número zero é o elemento da classe E (porque a
peça foi retirada pelo jogador A).
Há apenas uma jogada possível para o jogador A.
Logo, o número associado ao jogo (a) é 1.
= número positivo
=1
-2
286
Jogo (b):
Possíveis etapas do jogo
Construção (passo a passo) das classes de
números E(esquerda) e D(direita)
correspondentes ao número 2
O jogador A ganha sempre, independentemente de
quem comece o jogo; logo, o jogo é positivo.
A possibilidade de B retirar uma peça é nula. Logo, a
classe D (direita) é vazia.
Quando o jogador A retira a peça azul mais distante
da linha horizontal, o jogo se reduz ao jogo 1 (é o
número indicado à direita da peça azul retirada por
A).
Quando o jogador A retirar a peça azul mais próxima
da linha horizontal, o jogo se reduz ao jogo zero (é o
número indicado à direita da peça azul retirada por A,
em sua segunda jogada).
Os números zero e 1 são os elementos da classe E
(porque as peças foram retiradas pelo jogador A).
Há duas jogadas possíveis para o jogador A. Logo, o
número associado ao jogo (b) é 2.
{
|
} = número positivo
= número positivo
= número positivo
=2
Jogo (c)
Possíveis etapas do jogo
Construção (passo a passo) das classes de
números E(esquerda) e D(direita)
correspondentes ao número -1
O jogador B sempre ganha, independentemente de
quem comece o jogo; logo, o jogo é negativo.
{
|
A possibilidade de A retirar uma peça é nula. Logo, a
classe E (esquerda) é vazia.
Quando o jogador B retira a única peça branca, o jogo
se reduz ao jogo nulo (é o número indicado à direita
da peça branca retirada por B).
Esse número zero é o elemento da classe D (porque
a peça foi retirada pelo jogador B).
Há apenas uma jogada possível para o jogador B.
Além disso, o jogo é negativo. Logo, o número
associado ao jogo (c) é -1.
} = número negativo
= número negativo
= número negativo
= -1
0
Por raciocínio análogo, chegaríamos à conclusão de que o número associado ao jogo (d) é
.
Dessa forma, os números inteiros positivos n teriam a forma geral
= n, e, pelo mesmo processo, poderíamos construir todos os números inteiros.
5.
1
Jogos associados aos números racionais
Quando existem jogadas possíveis para os dois jogadores, são construídos os números racionais não
inteiros. Por exemplo, considerando o jogo:
-1
0
1
Possíveis etapas do jogo
O jogador A ganha sempre, independentemente de
quem comece o jogo; logo, o jogo é positivo.
Se A começa o jogo, retirando a única peça azul, o
jogo se reduz ao jogo zero. Logo, zero é o
-2
Construção (passo a passo) das classes de
números E(esquerda) e D(direita)
{
|
} = número positivo
= número positivo
287
elemento da classe E.
Se B começa o jogo, retirando a única peça
branca, o jogo se reduz ao jogo 1. Logo, 1 é o
elemento da classe D.
= número positivo
Falta descobrir qual é o número que está associado a esse jogo. Para isso, procura-se outro jogo que,
adicionado a esse, resulte em um jogo nulo.
0 (a),
Nomeando o jogo dado por
0 foi considerado o jogo (b) não nulo, tal que: (a) + (b) = (c), sendo (c) um
0
2
jogo nulo.
2
0
(a)
(b)
1
2
0
(c)
1
-1
1
1
-2
-1
-1
1
0
0
0
-2
-1
-1
0
1
-2
-1
O jogo (c) pode ser representado por: 2x – 1 = 0, em que x é o jogo (a) que se quer descobrir.
A solução dessa equação é ½, logo, o número associado ao jogo (a) é ½ e então,
= 1/2.
1
1 Outros números racionais podem ser construídos a partir dos já conhecidos, pelo acréscimo de peças
brancas ou azuis.
Para associar jogos a dízimas periódicas ou a números irracionais, são utilizados jogos que têm
configuração infinita de peças, atendendo às mesmas regras estabelecidas inicialmente.
Estabelecendo uma relação entre as ideias de Conway e os estudos realizados por Berlekamp108,
Fonseca (2010, p.36) esclarece que, nesse caso, a representação binária de um número deve atender às
seguintes especificações:




a localização da “vírgula binária” é determinada pelo primeiro par de peças de cores distintas,
contando-se de baixo para cima;
à direita da vírgula, as peças azuis são representadas pelo algarismo 1 e as peças brancas
pelo algarismo 0;
um último algarismo 1 é adicionado à representação, quando a configuração do jogo for finita;
a quantidade de peças que antecede o par que representa a vírgula indica a parte inteira na
representação binária do número considerado.
A título de ilustração, Fonseca (2010, p.38-41) apresenta a representação binária e a configuração dos
jogos associados aos números irracionais
e
.
Por exemplo, em relação ao número
:

Representação binária: 1,01010001....

Representação por meio de conjuntos:

= {1,01; 1,0101; 1,01010001;...| ...;1,01011;1,1011;1,1}

Jogo associado ao número :
108
Elwyn Berlekamp, professor de Matemática de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação na
Universidade da Califórnia, desde 1971, conhecido por trabalhos em Teoria de Informação e em
Teoria dos Jogos Combinatórios.
288
Jogo associado ao número irracional
(FONSECA, 2010, p.41)
289
ANEXO 4
ORIENTAÇÕES CURRICULARES SOBRE A ABORDAGEM DOS NÚMEROS IRRACIONAIS
(Material submetido à análise dos professores, durante a Fase 3)
Neste anexo, apresentamos o material contendo orientações curriculares para a abordagem do conceito
de número irracional, submetido à análise do grupo de professores, durante a fase 3 de nosso experimento.
Trata-se de texto extraído do Caderno do Professor, destinado ao 8º ano do Ensino Fundamental, a ser
desenvolvido durante o 1º bimestre.
A análise solicitada ao grupo de professores tomou
290
291
292
293
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299
300
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307
308
309
310
311
ANEXO 5
CRONOGRAMA DE REALIZAÇÃO DA COLETA DE DADOS
Fases da
coleta de
dados
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Atividades
desenvolvidas
Aplicação de
Questionário
Encontros
Datas
1 encontro
14.09.2010
1º encontro
28.09.2010
2º encontro
05.10.2010
3º encontro
26.10.2010
4º encontro
09.11.2010
5º encontro
23.11.2010
6º encontro
07.12.2010
1º encontro
17.03.2011
2º encontro
31.03.2011
3º encontro
28.04.2011
Intervenção
Análise e Reflexão
sobre orientações
curriculares
Download

um estudo sobre os conhecimentos necessários ao professor de